França - Segunda instrução
Instruções datadas de 21 de abril de 1830 de Miguel Calmon du Pin e Almeida, ministro dos Negócios Estrangeiros, para José Egídio Álvares de Almeida, marquês de Santo Amaro, embaixador extraordinário e plenipotenciário na França e Grã-Bretanha. Publicado nos Cadernos do CHDD, ano VII n.12, p. 120-126.
Para o marquês de Santo Amaro, embaixador extraordinário e plenipotenciário em missão especial, por Miguel Calmon du Pin e Almeida.
Ilmo. e Exmo. Sr.,
1° A missão com que S. M. o Imperador dignou-se honrar a V. Exa. tem por objeto remover as dificuldades ocorridas na Europa, para que seja reconhecida de fato a autoridade legítima de S. M. Fidelíssima, a senhora d. Maria II, e restituído o Reino de Portugal à ordem e tranquilidade de que tanto carece.
2° A abdicação condicional da Coroa portuguesa feita por S. M. Imperial, como Rei Fidelíssimo e sucessor do sr. d. João VI, na pessoa de sua augusta filha, a senhora d. Maria da Glória; o reconhecimento de S. M. I. como d. Pedro IV de Portugal e da senhora d. Maria II como rainha reinante daquele reino, por todos os soberanos e governos da Europa; a nomeação do sr. infante d. Miguel, então em Viena da Áustria, como regente de Portugal, e lugar-tenente de S. M. Imperial, na qualidade de Rei Fidelíssimo; o complemento da abdicação, por se acharem preenchidas as condições do juramento à Carta e da assinatura dos esponsais da jovem rainha com seu augusto tio, o sr. infante; o modo insidioso pelo qual o regente, apenas chegado a Lisboa e a despeito dos seus juramentos e promessas, constantes do protocolo feito em Viena, tratou de usurpar a Coroa, conseguindo ser aclamado rei pelos três estados do reino; finalmente, a partida de S. M. a Rainha para ser confiada ao cuidado de seu augusto avô, o Imperador da Áustria, e o estado da mesma senhora em Inglaterra, onde não pôde conseguir os socorros que devia esperar do seu mais antigo aliado, e o seu regresso para esta corte, onde se acha debaixo da proteção e tutela de seu augusto pai: são fatos tão notórios e tão conhecidos por V. Exa., que, apesar da necessidade de averiguá-los escrupulosamente para maior ilustração do negócio, que vai a ser cometido ao seu zelo e saber, julgo-me, contudo, dispensado de lembrar-lhe, nesta ocasião, as circunstâncias em que tiveram lugar, as razões ou pretextos em que se fundaram e os efeitos políticos que produziram. Nas cópias de número 1 a 3, achará V. Exa. os decretos que mais interessam à matéria em questão, expedidos por S. M. Imperial, como rei de Portugal.
3° Releva, porém, que V. Exa. seja informado com mais alguma particularidade acerca do que se passou durante a residência de S. M. Fidelíssima na Grã-Bretanha. O marquês de Barbacena, como plenipotenciário de S. M. Imperial e guarda da senhora Rainha, logo que chegou à Inglaterra e em presença das circunstâncias difíceis em que se achava a augusta pessoa confiada a seu cuidado, julgou do seu dever:
1° exigir do governo britânico a intervenção permitida e o auxí-lio garantido por tratados ainda em vigor, para restaurar a autoridade da senhora d. Maria II em Portugal;
2° lembrar à corte da Áustria a obrigação em que se achava de defender a causa da Rainha Fidelíssima, não só pelos ajustes constantes do Protocolo de Viena e conselhos dados a S. M. Imperial, como pelas razões de sangue e amizade; e
3° interessar o gabinete francês, que também havia tomado parte nas conferências de Viena, em favor da augusta vítima da traição do sr. infante regente. As cópias de n. 4 a 9 contêm as notas dirigidas pelo referido plenipotenciário ao conde de Aberdeen, ao príncipe de Metternich e a m. de la Ferronnais, assim como as respostas dadas pelos dois primeiros e a evasiva de que se serviu o último para não responder.
Igualmente, cumpre informar a V. Exa., que o mesmo marquês, nas entrevistas e conferências que teve com ministros de S. M. Britânica e com o embaixador austríaco, residente em Londres, ouvira algumas proposições tendentes a reconciliar S. M. Imperial, como chefe da augusta casa de Bragança, com seu irmão, o sr. infante, e a restabelecer a tranqüilidade e sossego em Portugal. As cópias de n. 10 a 13, que são de ofícios do sobredito plenipotenciário, instruirão a V. Exa. sobre a natureza de tais proposições.
A missão de lorde Strangford como embaixador de S. M. Britânica nesta corte teve finalmente por objeto apresentar as mesmas proposições à consideração do Imperador, nosso augusto amo.
4° Verificado o regresso de S. M. Fidelíssima para o Brasil, ficando ainda os gabinetes de Londres, Viena e Paris real ou aparentemente indecisos sobre a resolução que deveriam tomar acerca do estado em que se acha a monarquia portuguesa, era de esperar que em pouco tempo fossem renovadas nesta corte as instâncias e proposições já feitas em Londres. Com efeito, no dia 10 de fevereiro deste ano, o encarregado britânico transmitiu ao nosso governo um despacho, que recebera de lorde Aberdeen, datado de 17 de dezembro do ano p.p., exigindo peremptoriamente que S. M. Imperial houvesse de declarar quais eram as suas vistas e intenções a respeito das futuras relações políticas do Brasil com Portugal. O enviado da Áustria e o encarregado de França, apoiando esta exigência do governo de S. M. Britânica, apresentou, aquele, um memorando; e, este, um extrato das instruções que recebera do príncipe de Polignac, concebidos ambos no mesmo sentido. Nas cópias de n. 14 a 16, V. Exa. achará a íntegra destas peças oficiais e verá, ao mesmo tempo, que as três cortes são uníssonas a respeito da necessidade de terminar, sem demora, a questão portuguesa; e que a de Paris insinua e a de Viena aponta como único meio de conseguir, enfim, a conclusão do casamento da jovem rainha com o sr. infante seu tio.
5° O Governo Imperial, tendo respondido ao encarregado britânico com a nota por cópia n. 17, que foi comunicada às legações da Áustria e França nesta corte, recebeu do mesmo encarregado outra nota, constante da cópia n. 18, que foi contestada pela de n. 19.
6º À vista dos seis últimos documentos, V. Exa. reconhecerá quanto é forçoso que S. M. Imperial tratasse de explicar-se em negócio de tanta gravidade e a respeito do qual acabava de ser tão solenemente interpelado. O seu silêncio, em caso tal, seria impolítico ou comprometeria, talvez, os interesses do Brasil e ofenderia, decerto, o decoro dos governos da Europa. Esperar ainda pelos acontecimentos seria, em regra, um conselho plausível; porém, no ponto em que se acha o negócio, melhor é tentar dirigi-los do que expor-se a ser dirigido. Igualmente, reconhecerá V. Exa. que, na imperiosa necessidade de explicar-se e na dolorosa alternativa de recorrer ou à força ou à conciliação, S. M. Imperial não podia deixar de preferir o segundo meio, embora custoso, ao violento arbítrio da guerra. Nem o desejo de empregar a força, ainda para o justo fim de restaurar a Coroa de sua augusta filha, podia caber no coração magnânimo de S. M. Imperial, que se acha penetrado da necessidade de reparar com a paz e tranqüilidade os males que sofrera o seu Império durante a última guerra, e que tem solenemente prometido não prejudicar os interesses do Brasil por causa da usurpação portuguesa.
7° Isto posto, S. M. Imperial há por bem que V. Exa., logo que apresente a sua credencial a S. M. Britânica, passe imediatamente a comunicar a lorde Aberdeen e, depois dele, aos embaixadores da Áustria, França, Rússia e Prússia residentes em Londres (aos quais V. Exa. entregará ao mesmo tempo as cartas de gabinete que S. M. Imperial dirige aos seus respectivos soberanos) qual seja o objeto da sua missão. Esta comunicação será feita com a franqueza e dignidade que convém manifestar, para que a negociação possa ser considerada como definitiva e atrair a atenção de alguns e a benevolência de outros soberanos; sendo, além disso, mister que V. Exa. empregue toda a sua moderação e zelo, para atenuar, ou destruir, qualquer azedume que haja de encontrar, em razão de passados acontecimentos da parte do ministério britânico e dos embaixadores com quem tratar.
8° Ao fazer esta comunicação V. Exa., além do mais que poderá alegar, em presença da fertilidade do assunto, não omitirá razões e argumentos que façam sentir aos diferentes governos a difícil posição, em que S. M. o Imperador se acha infelizmente colocado por causa da ingratidão e do repreensível procedimento de seu augusto irmão em Portugal; e, assim, na referida comunicação, como no progresso da negociação que encetar, fará oportunamente as seguintes declarações:
Que S. M. Imperial, pelas razões já ponderadas, está na firme resolução de não perturbar a tranqüilidade do Brasil e, conseqüentemente, de não restaurar, pela força das armas, a Coroa de sua augusta filha.
Que, julgando de interesse geral evitar que o sossego da Europa seja comprometido pelo silêncio que poderia ainda guardar e querendo dar aos soberanos, a quem se dirige, uma prova autêntica da consideração que lhe merecem suas representações, instâncias e desejos, S. M. Imperial está também na resolução de reprimir o justo ressentimento de um soberano atraiçoado, de um pai agravado, de um irmão ofendido, e de procurar, de acordo com os soberanos da Europa, a pôr um termo ao deplorável estado de Portugal por meio de conciliação; desejando, porém, antes de tudo, que os mesmos soberanos se dignem reconhecer, em sua honra e consciência, a extensão do sacrifício que S. M. Imperial se propõe fazer, e avaliar, em sua justiça e sabedoria, os árduos deveres que o mesmo augusto senhor tem de preencher, ao tratar desta conciliação.
Que S. M. Imperial, nem como soberano nem como tutor de S. M. Fidelíssima, pode consentir em ato algum que prive a jovem rainha do seu indispensável direito ao trono português, por efeito da abdicação do sr. d. Pedro IV, sucessor do sr. d. João VI, de gloriosa memória; isto é, de um direito julgado e reconhecido bom por todos os soberanos e governos da Europa. Porquanto, como soberano do Brasil, não deve ofender o princípio de sucessão legítima, que, em benefício comum dos príncipes e dos povos, deve ser mantido e respeitado, mormente na Europa; e, como tutor, não tem poder para renunciar a direito algum de sua augusta pupila, sendo demais certo que, pelos princípios de legislação universal, seria nula e de nenhum efeito qualquer cessão que fizesse em prejuízo dela.
Que se, por uma parte, o dever e a justiça opõem-se a que S. M. Imperial, como soberano e tutor, consinta em que S. M. Fidelíssima seja esbulhada do seu direito, por outra parte, a religião e a moral obstam a que S. M. Imperial, como pai, consinta a dar a jovem rainha, ainda infanta, em casamento àquele mesmo que ajuntou à usurpação da sua Coroa a pública repulsa da sua mão. Porquanto, além de importar semelhante consentimento a cessão do seu direito – que o pai, ao mesmo tempo tutor, não deve fazer –, seria este ato, não somente írrito segundo a religião, que exige no matrimônio a expressão do mútuo consentimento, mas também reprovado pela moral, segundo a qual o pai deve suprir, porém não violentar, a presumida vontade de uma inocente.
Que, em tais circunstâncias, S. M. Imperial, apelando para a justiça divina e para a honra e consciência dos soberanos da Europa, deixa à decisão dos mesmos soberanos a atual questão portuguesa entre a rainha de direito e o rei de fato; assegurando-lhe[s] ao mesmo tempo, que, da sua parte, está disposto a sacrificar tudo, menos a sua honra e consciência, para aplanar as dificuldades que possam ocorrer na final decisão deste grave negócio.
Que, em prova disso, ou para testemunhar o sincero desejo que tem de auxiliar, com quanto esteja em si, os esforços dos mesmos soberanos para que se decida a referida questão, S. M. Imperial não duvida declarar que, se for mister para a decisão que a jovem rainha case com seu augusto tio, S. M. Imperial promete não opor-se a esta união, quando sua augusta filha, chegando à idade de 18 anos, queira dar a mão de esposa ao sr. infante seu tio – pois que, neste caso, a sua própria vontade poderá exonerar a consciência paterna de qualquer remorso anterior, sendo, porém, valiosa esta promessa, no caso de se verificarem as seguintes condições:
1° de que seja, e fique ressalvada, de qualquer modo, a soberania da jovem rainha no ajuste que se fixar para a conciliação;
2° de que o sr. infante mandará ao Brasil um embaixador, a fim de completar a mesma conciliação e de saudar a rainha como legítima soberana;
3° de que seja publicada uma anistia geral, garantida pelos governos da Grã-Bretanha, França e Áustria, a favor de todos os presos, degradados e emigrados por causa dos atuais acontecimentos políticos, restituindo-se a todos os seus bens, quando confiscados, ou seu respectivo valor, quando alienados, quer voltem ou não para Portugal os anistiados ausentes, e reparando-se outrossim a memória dos executados pela mesma causa, a fim de que seus descendentes sejam isentos da infâmia legal;
4° de que Suas Majestades o Imperador da Áustria e os reis da Grã-Bretanha e de França se obrigarão a reparar e evitar, por meio de conselho ou de força, qualquer injúria que a rainha possa sofrer, ou recear, da parte do seu esposo.
A estas condições V. Exa. ajuntará, como quinta, a de que sejam aprovadas e pagas, por parte de Portugal, todas as despesas feitas por conta da rainha pelo Tesouro do Brasil na importância de £ 350,000.
Que, finalmente, desejando mostrar a boa-fé e sinceridade com que faz a mesma promessa e remover todo o receio de que possa ser iludida, S. M. Imperial não duvidará violentar o seu generoso coração e reprimir as afeições do pai carinhoso até o ponto de entregar S. M. Fidelíssima, desde logo, ao cuidado de seu augusto avô, o Imperador Francisco, e, em sua falta (o que Deus não permita), de S. M. a Imperatriz da Áustria, em cujo poder ficará depositada até completar a referida idade.
9° Sendo aceitas as referidas condições pelos soberanos que se propuserem decidir a questão portuguesa, S. M. Imperial há outrossim por bem que V. Exa. concorra, como plenipotenciário seu, para a celebração de um tratado ou convenção que assegure e legitime as estipulações que se fizerem.
10° Quando todas ou parte das condições acima indicadas sejam rejeitadas, V. Exa. passará sem perda de tempo a declarar ao governo britânico e aos embaixadores das diferentes potências que S. M. Imperial, não devendo comprometer sua honra, dignidade e consciência, deixa absolutamente à discrição dos soberanos da Europa a decisão dos negócios de Portugal, removendo de si toda a responsabilidade que da mesma decisão possa resultar e protestando, na qualidade de tutor da jovem rainha, contra a usurpação da Coroa de sua augusta pupila.
11° Feita esta declaração final, que importa o rompimento da negação encetada, V. Exa. apresentará a sua recredencial a S. M. Britânica, pedirá o seu passaporte e regressará para esta corte.
Deus guarde a V. Exa..
Palácio do Rio de Janeiro,
em 21 de abril de 1830.
Miguel Calmon du Pin e Almeida
Instruções datadas de 21 de abril de 1830 de Miguel Calmon du Pin e Almeida, ministro dos Negócios Estrangeiros, para o marquês de Santo Amaro, embaixador extraordinário e plenipotenciário na França e Inglaterra. Publicado nos Cadernos do CHDD
Para o Marquês de Santo Amaro
Ilmo. e Exmo. Sr. ,
§ 1º Além dos negócios relativos à atual questão portuguesa, outros há, igualmente urgentes, que S. M. Imperial há por bem confiar ao experimentado zelo, saber e lealdade de V. Exa.
§ 2º Consta ao Governo Imperial que os soberanos preponderantes da Europa, depois de estabelecerem a nova monarquia grega, tencionam ocupar-se do meio de pacificar a América chamada ainda espanhola. A derrota que sofreu em Tampico a última expedição militar de Espanha contra o México fornece sem dúvida aos mesmos soberanos um poderoso motivo para obrigarem a corte de Madri, já tantas vezes e tão inutilmente escarmentada, a convir em algum arranjo que tenha por fim a desejada pacificação. Nem certamente é possível que o mundo civilizado continue por mais tempo a observar com fria indiferença o quadro lastimoso, imoral e perigoso em que figuram tantos povos, abrasados pelo vulcão da anarquia e quase próximos de uma completa aniquilação.
§ 3º Sendo, pois, muito possível que as grandes potências tratem de discutir este negócio e que V. Exa., como embaixador americano, seja consultado sobre ele, S. M. Imperial entendeu, em sua alta prudência, que seria mui conveniente aos interesses do Império habilitar a V. Exa. com as instruções necessárias, para tomar parte no mesmo negócio com o caráter de seu plenipotenciário. Em verdade, colocado, como se acha o Brasil, no centro da América do Sul e naturalmente abraçado pelos Estados que foram de Espanha, não pode, nem deve ser indiferente à sua política e, talvez mesmo, à sua segurança externa, qualquer negociação concebida e dirigida pelos governos da Europa, para o fim, aliás justo e conveniente, de regularizar e constituir os referidos Estados, pondo um termo à guerra civil que os ensangüenta.
§ 4º Quer, portanto, S. M. Imperial que V. Exa., logo que seja convidado por algum dos ditos governos a dar a sua opinião sobre tão melindroso assunto, ou quando mesmo lhe conste que se cuida seriamente do negócio em questão, haja de declarar-se autorizado para concorrer e intervir na negociação referida, cingindo-se, no progresso dela, à doutrina dos seguintes.
§ 5º V. Exa. procurará demonstrar e fazer sentir aos soberanos que houverem de tomar parte nesta negociação, que o meio, senão único, pelo menos o mais eficaz, de pacificar e constituir as antigas colônias espanholas é o de estabelecer monarquias constitucionais ou representativas nos diferentes Estados que se acham independentes. As idéias propaladas e os princípios adquiridos no curso de 20 anos de revolução obstam a que a geração presente se submeta de bom grado à forma do governo absoluto. Não foi por outra razão que, mesmo na Europa, El- Rei Luís XVIII, apesar de haver passado a França pelo despotismo militar de Napoleão e a despeito do apoio que encontraria na força dos numerosos exércitos que lhe reivindicaram o trono, julgou, contudo, em sua sabedoria, que antes lhe convinha outorgar uma Carta aos franceses do que assumir a autoridade absoluta. Enfim, se o caráter e costumes dos espanhóis americanos são adaptados, por um lado, à monarquia, as suas novas idéias e princípios, embora combalidos por tantas desgraças, são inclinados, por outro lado, à forma mista. Isto posto, convém absolutamente que V. Exa. insista neste ponto, com todas as suas forças.
§ 6º Quando se trate de fundar monarquias representativas, e somente neste caso, V. Exa. fará ver a conveniência de transigir-se, nessa ocasião, com o nascente orgulho nacional dos novos Estados da América, já separados entre si e independentes uns dos outros. O México, Colômbia, Peru,Chile, Bolívia e as províncias argentinas podem ser outras tantas monarquias distintas e separadas. A divisão de algum destes Estados, ou a reunião de outros, encontraria graves inconvenientes no espírito dos povos.
§ 7º Quanto ao novo Estado Oriental, ou à província Cisplatina, que não faz parte do território argentino, que já esteve incorporado ao Brasil e que não pode existir independente de outro Estado; V. Exa., tratará oportunamente e com franqueza, de provar a necessidade de incorporá- la outra vez ao Império. É o único lado vulnerável do Brasil. É difícil, senão impossível reprimir as hostilidades recíprocas e obstar a mútua impunidade dos habitantes malfazejos de uma e outra fronteira. É o limite natural do Império. É, enfim, o meio eficaz de remover e prevenir ulteriores motivos de discórdia entre o Brasil e os Estados do sul.
§ 8º E, no caso que a Inglaterra e a França se oponham à esta reunião ao Brasil, V. Exa. insistirá, por meio de razões de conveniência política, que são óbvias e sólidas, em que o Estado Oriental se conserve independente, constituído em grão-ducado ou principado, de sorte que não venha de modo algum a formar parte da monarquia argentina.
§ 9º Na escolha de príncipes para os tronos das novas monarquias, e quando seja mister havê-los, da Europa, V. Exa. não hesitará em dar sua opinião a favor daqueles membros da augusta família de Bourbon, que estejam no caso de passar à América. Estes príncipes, além do prestígio que os acompanha, como descendentes ou próximos parentes de dinastia que por longos anos reinava sobre os mesmos Estados, oferecem, demais, por suas poderosas relações de sangue e amizade com tantos soberanos, uma sólida garantia para a tranqüilidade e consolidação das novas monarquias.
§ 10 E se, com efeito, for escolhido algum jovem príncipe, como o segundo filho do duque de Orleans, ou mesmo príncipes que já tenham filhos, bom será, e S. M. Imperial deseja que V.Exa. faça desde logo aberturas de casamentos ou esponsais entre eles e as princesas do Brasil, cumprindo-me declarar a V.Exa. que, se fiz expressa menção do segundo filho de Orleans, é porque S. A. R. o duque já se mostrou disposto a esposá-lo com a jovem rainha de Portugal, ainda quando ela não restaurasse o seu trono.
§ 11 V. Exa. poderá assegurar e prometer que S. M. Imperial empregará todos os meios de persuasão e conselho para que se consiga a pacificação dos novos Estados pelo indicado estabelecimento de monarquias representativas, obrigando-se, desde já, a abrir e cultivar relações de estreita amizade com as novas monarquias. Tendo a glória de haver fundado e de sustentar, quase só, a primeira monarquia constitucional do Novo Mundo, S. M. o Imperador deseja ver seguido o seu nobre exemplo e generalizado à América, ainda não constituída, o princípio do governo que adotou.
§ 12 Se exigirem que, para esta útil empresa, S. M. Imperial se comprometa a prestar socorros materiais, ou a fornecer subsídios de dinheiro e de força de terra ou de mar, V. Exa., prevalecendo-se das nossas circunstâncias financeiras e políticas, mostrará a impossibilidade em que se acha o Governo Imperial de contrair semelhante obrigação.
§ 13 Se, porém, depois de reiteradas instâncias, V. Exa. julgar de absoluta necessidade o fazer alguma promessa de socorros tais, S. M. Imperial não duvidará obrigar-se a defender e auxiliar o governo monárquico repre sentativo que estabelecido for nas províncias argentinas, por meio de uma suficiente força de mar, estacionada no rio da Prata, e da força de terra que conserva sobre a fronteira meridional do Império.
§ 14 Esta obrigação, todavia, será valiosa unicamente, primeiro, no caso de que a província Cisplatina seja incorporada ao Império, porque, então, S. M. Imperial, com mais facilidade e prontidão, poderá auxiliar a nova monarquia com a divisão do Exército e da esquadra, que deverá ter na mesma província; e, segundo, no caso de que o governo monárquico constitucional tenha sido introduzido previamente na Colômbia, Peru e Bolívia, visto que, de outra sorte, o Governo Imperial, sendo o primeiro a obrar, ficaria exposto a sofrer algum insulto, ou invasão, da parte daquelas repúblicas limítrofes.
§ 15 Quando, no andamento da negociação, ocorra a idéia de violar-se a integridade do Império, a pretexto de dar maior extensão, ou arredondar alguns dos Estados que se limitam conosco, V. Exa. empregará os meios necessários para repelir semelhante arbítrio, declarando, por fim, que S. M. Imperial não pode consentir, sem prévia aprovação da Assembléia Geral Legislativa, em desmembração ou cessão alguma do território do Império, por tratado celebrado em tempo de paz.
§ 16 De acordo com os princípios enunciados nos artigos destas instruções, fica V. Exa. autorizado por S. M. o Imperador nosso amo, a nego ciar e concluir com as grandes potências da Europa uma convenção, ou tratado, que será submetido à ratificação do mesmo augusto senhor.
Deus guarde a V. Exa..
Palácio do Rio de Janeiro,
em 21 de abril de 1830.
Miguel Calmon du Pin e Almeida