França - Primeira instrução
Instruções datadas de 12 de agosto de 1822 de José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, a Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa, encarregado de negócios em Paris.Publicado nos Cadernos do CHDD, ano VII n. 12, p. 16-19.
Instruções para servirem de regulamento ao sr. Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa na comissão para que é nomeado de encarregado de negócios do Reino do Brasil na corte de Paris.
1. Partindo desta corte do Rio de Janeiro para a de Paris o conde de Gestas, com uma carta de S. A. R. o Príncipe Regente do Brasil para S. M. Cristianíssima, indo munido de várias incumbências secretas, vai autorizado para conferenciar entre ambas sobre todas as matérias que puderem ser úteis à sagrada causa do Brasil.
2. Nesta mesma ocasião, lhe são remetidas as suas credencias de encarregado de negócios junto àquele governo, devendo, porém, antes de as apresentar, penetrar as vistas daquele gabinete a respeito dos negócios políticos deste reino e da independência que têm proclamado seus povos, a fim de não comprometer a dignidade e decoro de S. A. R..
3. Será logo um dos seus primeiros cuidados senhorear-se de todas as negociações ou projetos da corte de Lisboa com a de Paris, procurando descobrir-lhes o fio e dando de tudo isto prontos avisos, acompanhados das peças e documentos que melhor servirem para os ilustrarem ou autenticarem, de forma que se possa, quando convier, fazer deles uso ostensivo.
4. Assim que for recebido como encarregado de negócios do Reino do Brasil, exporá com energia e clareza os justos motivos que teve o Brasil de não reconhecer mais a autoridade do Congresso de Lisboa e de querer uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa dentro do seu próprio território. Insistirá, mui particularmente, sobre o estado de coação e cativeiro em que se acha El-Rei em Lisboa, o que só bastava para que S. A. R. e o Brasil não devessem obedecer aos decretos daquele Congresso, não obstante virem eles revestidos de sanção d’El-Rei, a qual, por ser forçada, é nula por direito.
5. Insistirá, outrossim, em que S. A. R., para conservar a realeza no Brasil e os direitos da augusta casa de Bragança, devia, como fez, anuir aos votos gerais dos brasileiros, que reclamavam a integridade deste país e a sua independência política, exigindo, para estes fins, a permanência de S. A. R. e aclamando-o logo seu Defensor Perpétuo.
6. Nestas circunstâncias, não podendo S. A. R. apartar-se dos princípios geralmente proclamados, não só por ser este o seu próprio interesse e o dos povos que o confirmaram seu legítimo regente, mas ainda pelo vínculo sagrado do juramento que prestara, é indubitável a necessidade que tem o mesmo senhor de obrar no Brasil independentemente de Portugal e de travar relações políticas diretamente com as cortes estrangeiras que comerciam com este país, com as quais de fato se passa a abrir a devida correspondência.
7. Portanto, procurará obter desse governo o reconhecimento da independência política deste reino e da absoluta regência de S. A. R., enquanto Sua Majestade se achar no afrontoso estado de cativeiro a que o reduziu o partido faccioso das cortes de Lisboa.
8. Para que este reconhecimento se consiga – além dos princípios de direito público universal que deverá produzir, os quais sancionam um tal procedimento –, fará ver com toda a dexteridade que os próprios interesses do governo francês exigem aquele reconhecimento, pois que o Brasil está resolvido a fechar os seus portos a qualquer potência da Europa, que não quiser reconhecer nele o mesmo direito que têm todos os povos de se constituírem em Estados independentes quando a sua prosperidade assim o exige. Sendo igualmente evidente que o Brasil pode realizar esta alternativa, pois não receia as potências européias – de quem se acha apartado por milhares de léguas – e, para ser próspero e grandioso, não precisa que as outras nações lhe tragam, por seu próprio interesse, objetos pela maior parte de luxo, tendo no seu próprio solo o mais necessário e podendo, com o seu ouro, alcançar tudo o que necessitar para a sua defesa.
9. Deverá capacitar aquele governo que não queremos uma independência absoluta do Reino de Portugal, pois, pelo contrário, toda a grande família portuguesa deve estar sujeita a um só chefe, que é o sr. rei d. João VI, que ora se acha privado da necessária liberdade para usar da sua real autoridade. Todavia, bem que estes sejam os princípios reais de S. A. R., poderá usar a este respeito da linguagem e insinuações que julgar mais próprias – à vista dos sentimentos daquele gabinete para acelerar as suas negociações –, podendo assegurar, outrossim, ao governo de S. M. Cristianíssima, que S. A. R. não hesitará em aceitar a mediação dessa corte para o fim de se efetuar uma união justa e de recíprocos interesses entre este e o Reino de Portugal, com a qual se evitem os horrorosos efeitos de uma guerra civil.
10. Proporá e insistirá com o governo francês para que envie a esta corte os seus agentes políticos, como uma demonstração essencialíssima de boa vontade e franqueza, e desde já fica autorizado para requerer a retirada do cônsul João Batista Maler, que – pela sua péssima conduta e sentimentos contrários ao sistema brasileiro – tem desagradado ao governo e perdido a sua confiança, e a do público, devendo ficar prevenido de que o mesmo Maler, se não for mudado, receberá passaportes para deixar esta corte.
11. Fará traduzir e imprimir os periódicos e outras produções do patriotismo de maior reputação e os papéis oficiais deste reino, para dirigir e conciliar a opinião pública da França a favor da causa do Brasil e do seu Augusto Regente: para este fim lhe será remetida a Gazeta do Rio de Janeiroe outros papéis favoráveis à nossa causa.
12. Terá todo o cuidado em indagar os sentimentos particulares daquele governo, procurando diferençar o sincero acolhimento que merecem as suas propostas e aberturas, do maquiavelismo político e reserva com que muitas vezes se pretende contemporizar por meio de respostas evasivas.
13. Estenderá a mesma vigilância sobre os diplomáticos e enviados por Portugal a essa capital, cujos passos espreitará, a fim de contraminar suas tramas e projetos, do que dará pronta e regular conta ao governo de S. A. R. pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros.
14. Em aditamento ao artigo 8° destas instruções, lembra-se-lhe, mais, para assim ponderar ao ministério francês, quando seja necessário, que a França terá muita vantagem em ser uma das primeiras potências que reconheça a nossa independência política, debaixo das condições acima apontadas, pois é muito presumível que os Estados Unidos da América e a Grã-Bretanha não perderão tão oportuna ocasião de se anteciparem e de firmarem a sua amizade com o Brasil, e aumentarem os seus interesses comerciais.
15. Se, finalmente, acontecer que se junte repentinamente em alguma parte da Europa algum congresso, onde se tratem negócios políticos que possam influir ou sobre Portugal ou sobre o Brasil, achando que a sua presença será ali necessária, poderá passar-se àquele local, onde solicitará o seu ingresso, apresentando as suas credenciais e pleno poder que lhe serão remetidos para obrar segundo as eventualidades.
16. Além da continuação da sua pensão de um conto e duzentos mil réis – que pediu se lhe continuasse e assim se lhe concede –, fica autorizado para fazer todas as despesas extraordinárias e indispensáveis ao desempenho da sua importante comissão e, para isto, mandará dizer por que vias se porão à sua disposição as somas de que necessitar; no que, porém, se lhe recomenda toda economia, visto o estado em que nos deixaram o Tesouro Público do Brasil.
17. Quanto à sua correspondência oficial, a dirigirá em duplicata se assim lhe parecer: uma do lugar da sua residência, Guernesey, donde saem regularmente navios para este porto, e outra por via dos paquetes de Falmouth. Tudo o mais confia S. A. R. da sua inteligência, fidelidade e zelo, esperando que continuará a ser, como até agora, amigo da honra e decoro do Brasil.
Palácio do Rio de Janeiro,
12 de agosto de 1822.
José Bonifácio de Andrada e Silva
N.B. – Em lugar da pensão de que trata o artigo 16, S. A. R. há por bem conceder-lhe o ordenado de dois contos e quatrocentos mil réis, como encarregado de negócios, por decreto da data de hoje. Andrada