Estados Unidos - Primeiras instruções
Instruções datadas de 31 de janeiro de 1824 de Luís José de Carvalho e Melo, ministro dos Negócios Estrangeiros, a José Silvestre Rebelo, encarregado de negócios nos Estados Unidos da América. Publicado nos Cadernos do CHDD, ano VII n. 12, p. 48-54.
Instruções para servirem de regulamento ao sr. José Silvestre Rebelo na comissão em que parte desta corte para a América Setentrional.
1º Reconhecendo S. M. Imperial a vantagem que deverá resultar a este Império de estreitar as antigas relações e promover novas com os Estados conterrâneos, consolidando, assim, em particular, a independência do Brasil e, em geral, a deste continente americano, que nunca poderiam chamar-se inteiramente livres enquanto uma parte tão considerável deles, como o Império do Brasil, permanecesse ao lado e fora da linha das mais nações, houve por bem nomeá-lo seu encarregado de negócios junto do governo dos Estados Unidos da América e, por esta ocasião, manda remeter-lhe a sua competente carta de crença e as instruções que o deverão reger.
2º Apenas chegar, não perderá tempo em apresentar a sua credencial e, sendo natural que, antes de ser admitido oficialmente, se façam tentativas para empenhá-lo em aberturas confidenciais com terceiras pessoas não autorizadas, V. Mce. fará sentir com dignidade a sua repugnância para entrar em quaisquer conferências sem ter sido previamente recebido e tratado no pé correspondente ao seu caráter público, fazendo ver o quanto seria incoerente com os princípios constitutivos dos governos americanos, o quanto empeceria a causa geral dos americanos na Europa, se esses governos hesitassem um só momento em tratarem-se com as demonstrações que os supremos governos dos povos se devem mutuamente.
3º Logo que estiver instalado nas suas funções, cuidará – e como principal objeto da sua missão – em promover o reconhecimento solene e formal, por parte dos Estados Unidos, da independência, integridade e dinastia do Império do Brasil no atual imperante e seus sucessores, perpetuamente e sem reserva do título de imperador.
4º Para que o desejado reconhecimento se consiga com prontidão, deveria V. Mce.:
1° procurar acreditar-se no país, introduzindo-se com alguns membros mais influentes das Câmaras, bem como com os jornalistas, a quem chamará a seu partido pelos meios costumados em tais casos, por ser sabido quanto podem em um governo representativo os escritos públicos;
2° procurar ter conhecimento do estado das relações políticas entre esses Estados e o Reino de Portugal, a ver quais sejam os embaraços que por esse lado terá de remover;
3° ouvir aos súditos brasileiros que houver nos Estados Unidos e, particularmente, a Antônio Gonçalves da Cruz, a quem S. M. I. nomeará cônsul-geral;
4° se introduzir com os enviados estrangeiros que aí residirem, sobretudo com os de outros Estados americanos, mostrando sempre predileção para com eles e afetando uma exclusiva parcialidade pela política americana;
5° expenderá todos os motivos de justiça e utilidade geral, em que se funda a Declaração de Independência, categoria imperial deste Império;
6° fará ver, enfim, que os próprios interesses dos Estados Unidos exigem imperiosamente que não haja na América um só governo independente que não deva ser pelos outros apoiado e reconhecido.
5º Para convencer esse governo do particular interesse que lhe resulta em reconhecer prontamente a nossa independência, bastará trazer à lembrança o que tantas vezes se tem dito e escrito sobre o perigo que corre a América, se na sua atual posição não concentrar-se em si mesma e reunir-se toda para opor uma barreira às injustas tentativas da velha e ambiciosa Europa. Fará ver particularmente neste caso, primeiro, a política da Grã-Bretanha, que parece querer tirar partido das disposições entre as metrópoles e suas colônias e, sobretudo, entre o Brasil e Portugal, a quem considera como um seu pupilo; segundo, que no caso de não achar o Brasil o apoio e coadjuvação que necessita, no próprio continente americano, se veria obrigado a ir procurá-lo em alguma potência da Europa, mas que neste caso muito importaria aos Estados Unidos tomar o passo à França ou Inglaterra e afastar estas potências de toda a ingerência nos nossos negócios. É, pois, manifesto pelo que fica dito que este reconhecimento é do próprio interesse dos Estados Unidos, por ser conveniente ao sistema político da América que haja mais uma potência independente e poderosa, conveniência que se faz ainda mais palpável quando se considerar o quanto convém opor à influência da Grã- Bretanha, antiga rival dos Estados Unidos, e em geral, à influência européia, um Estado de grandeza e força, tal qual seria o Brasil e os Estados Unidos ligados entre si, a fim de que, para o futuro, não prevaleça a política européia à americana. Isto é tanto verdade, que de nada conviria às colônias do Novo Mundo separar-nos das suas metrópoles, se lhes fosse mister caírem debaixo da proteção de outra qualquer potência da mesma Europa. Quanto à vantagem que ganharia o comércio dos Estados Unidos, é evidente que ele avultaria à proporção do entusiasmo que motivaria, no Brasil, um pronto reconhecimento.
6º Ora, se os Estados Unidos da América, por motivos de particular interesse, devem reconhecer a independência do Império do Brasil, como fica provado, muito mais se deve esperar desta grande nação, quando acresce que os seus mesmos interesses se acham em concordância com os próprios princípios do seu governo e da sua pátria: porque é notório que esse governo, reconhecendo, como fizeram, a independência das ex-colônias espanholas, fundou-se no princípio de que, tendo sido expulsos os espanhóis pela força e ficando essas colônias libertadas do mando europeu, assumindo nova forma de governo com marcha regular, a independência existia de fato. E, por esta ocasião, disse o presidente dos Estados Unidos – na sua mensagem à Casa dos Representantes em 1822, para serem reconhecidas as ex-colônias – que: When the results of such a contest is manifestly settled, the new government have a claim to recognition by other, e concluiu declarando que as províncias que têm proclamado a sua independência e estão no gozo dela devem ser reconhecidas. Tais são os princípios da política desses Estados, que, por si eram sobejos para apressar o nosso reconhecimento; princípios estes que tiveram agora na mensagem do presidente a ambas as Câmaras, em dezembro passado, uma aplicação mais genérica para todos os Estados destes continentes, visto que na mesma mensagem claramente se anuncia a necessidade de nos ligarmos pela defensão dos nossos direitos e território. Se acaso, na ocasião em que as ex-colônias espanholas foram solenemente reconhecidas pelo governo americano, não foi igualmente incluído o Brasil, a razão não podia ser outra senão a de não ter ainda este Império fixado definitivamente a sua categoria, posto que já dissidente de Portugal; além de que, não tinha mandado, como as outras ex-colônias fizeram, os seus emissários ao governo dos Estados Unidos, a fim de solicitarem semelhante reconhecimento, o que agora se pratica com toda a esperança do mesmo resultado, principalmente tendo nós a nosso favor o paralelo que se fizer entre este Império e as ex-potências espanholas, pela maior parte ainda vacilantes e dilaceradas pela guerra civil. É, pois, impossível que a revolução destas províncias brasileiras não tenha atraído e excitado a mesma simpatia dos cidadãos e governo dos Estados Unidos que mereceram as do continente espanhol, cujas províncias, à proporção que iam separadamente proclamando a sua independência, a saber: Buenos Aires, em 1816; a República Federativa de Colômbia, pelo ato final de dezembro de 1819; o Chile, em 1818; o Peru, em 1821; e o México, no mesmo ano, tinham logo entrada franca nos portos dos Estados Unidos, debaixo da proteção do mesmo governo, e tanto os seus navios públicos como particulares tinham liberdade de exportar todos os artigos que eram o objeto de comércio com outras nações.
7º Por outra parte, fará V. Mce. também ver com toda a clareza e franqueza a justiça dos motivos em que se funda a Declaração da Independência do Império do Brasil. Estes motivos são tão sabidos por cada um brasileiro, que julgo desnecessário produzi-los e deixo à sua inteligência o fazer deles o detalhe enérgico e circunstanciado que acabará de dar às nossas pretensões o cunho da maior legalidade e mostrará, a todas as luzes, o direito que temos aos bons ofícios e coadjuvação da primeira nação que neste hemisfério quebrou os ferros coloniais e constituiu-se implicitamente na obrigação de ser fiadora destes mesmos princípios para com as outras nações que, depois, têm seguido a mesma gloriosa vereda.
8º De todo o expendido, fica evidente que o governo dos Estados Unidos deve reconhecer a independência política do Império do Brasil, tanto por ser ele, em si, conforme com os princípios proclamados e seguidos por esse governo, como por assim o pedirem os seus próprios interesses comerciais e políticos; e como, finalmente, por ser a nossa independência firmada na justiça e nos direitos imprescritíveis do homem. Resta, pois, tão-somente desfazer a única dúvida que se podia suscitar contra um pronto reconhecimento, fundada na incerteza de consolidação do Império e da firmeza das nossas intenções em manter a nova ordem de coisas. A esta objeção responderá V. Mce., finalmente, comparando a situação presente do Brasil com a situação mais precária e vacilante das ex-colônias espanholas, que, todavia, foram reconhecidas; mas, não querendo valer-se destes exemplos, bastaria descrever a história sucessiva da nossa emancipação gloriosa, da qual se depreende: o aumento do espírito público, cada vez mais exaltado a prol de uma independência por que todos estes povos anelavam de tempos anteriores; a sucessiva reunião de todas províncias ao grêmio do Império à expulsão das tropas lusitanas de todo o território brasileiro; o entusiasmo recrescente dos povos pelo seu Imperador e Defensor Perpétuo e a resolução fixa e jurada do mesmo augusto senhor em manter o governo representativo, a ponto de ter apresentado ele mesmo uma Constituição ao seu povo, bem análoga à que rege os Estados Unidos setentrional, a qual está próxima a ser jurada sem oposição de província alguma, pois que a maior parte o tem já feito e o resto está prestes a tomar a mesma deliberação, retardada por causa da distância das localidades. Neste último ponto, insistirá V. Mce. mais particularmente, pois muito importa dissipar quaisquer desconfianças e ciúmes que esse governo terá pela forma monárquica que temos abraçado; e por essa ocasião fará V. Mce. ver facilmente que dois Estados podem, sem contradição alguma, ligarem-se ambos a marchar a um ponto fixo e único, sem embargo de discreparem entre si em formas governativas, pois estes só devem basear-se no caráter dos povos respectivos, sem menoscabo das instituições de cada um.
9º Sendo um poderoso recurso que se deve aproveitar a nosso favor o fazer ver à nação americana que a nação brasileira lhe é afeiçoada, V. Mce. cuidará em mostrar que o Governo Imperial tem sempre tido uma afeição viva e sincera pelo dos Estados Unidos e, para este fim, na primeira oportunidade será a V. Mce. remetida por cópia toda a correspondência que tem tido [o] Ministério dos Negócios Estrangeiros com o cônsul americano Condy Raguet e, entretanto, V. Mce. procurará ver esses papéis em poder do cônsul deste Império em Filadélfia, Antônio Gonçalves da Cruz, onde se acham cópias deles, remetidas pelo meu antecessor, e servirão para desvanecer qualquer sinistra impressão que, nesse governo, possam ter excitado os relatórios exagerados do Cônsul Raguet.
10º Podendo ser que esse governo se queixe de ainda continuar o tráfico de escravos neste Império, tráfico que os Estados Unidos consideram como uma pirataria, segundo as instruções que deram aos seus ministros nas diversas cortes, fica V. Mce. autorizado para declarar que S. M. I. é assaz liberal e generoso, para deixar de reconhecer quanto este tráfico é desumano e até heterogêneo aos princípios constituintes de um governo representativo, e fazê-lo cessar em todo o Império, apenas lhe seja possível, para o que vai tomando as necessárias medidas.
11º Passará depois a propor a esse governo que envie para esta corte um agente político, na certeza de que S. M. I. terá aí outro, de caráter correspondente, fazendo V. Mce. observar por esta ocasião que estas nomeações são indispensáveis para mostrar a boa amizade de ambos os governos, promover os seus interesses recíprocos e fazê-los respeitar na Europa.
12º Insistirá desde logo para que se recebam os cônsules deste Império, até pelo motivo de existirem aqui os desses Estados, e insinuará a este respeito que fique servindo de regra em ambos os países a mais perfeita reciprocidade quanto aos privilégios e categoria dos mesmos cônsules, por ser este um ponto pouco ilustrado pelos publicistas e que serviu de pretexto a mr. Raguet para passar algumas notas desagradáveis ao antecedente ministério, em que parecia reclamar consideração diplomática; será bom que a este respeito V. Mce. consulte a convenção consular entre os Estados Unidos e a França e as instruções que o mesmo governo deu a seus ministros em Paris, com data de 15 de julho de 1797, e de que se lhe remeterão cópias. Mas, do que fica aqui dito, não se segue que vá autorizado para entrar em ajustes ou convenções positivas com esse governo que possam comprometer o Governo Imperial, como seria, por exemplo, o iniciar ou propor tratados de comércio, de que este país nada precisa.
13º Por-se-á em relação direta com os mais agentes de S. M. I. junto dos outros governos, a fim de comunicarem e marcharem de acordo no que for possível e reciprocamente no que for mais útil e vantajoso aos interesses do Império.
14º Fará traduzir na língua desse país e imprimir nos periódicos mais acreditados tudo quanto concorrer a ganhar a nosso favor a opinião pública dos cidadãos dos Estados, a qual, uma vez conseguida, se lhe tornará mais fácil e expedita a sua comissão.
15º Sondará a disposição desse governo para uma liga ofensiva e defensiva com este Império, como parte do continente americano, contanto que semelhante liga não tenha por bases concessões algumas, de parte a parte, mas que se deduza tão-somente do princípio geral da conveniência mútua proveniente da mesma liga.
16º Amainará, mas sem comprometer este governo, os capitalistas, fabricantes, empreendedores, sobretudo de barcos de vapor, para os trazerem, porém à sua custa, contentando-se com a proteção do governo.
17º Comunicará regularmente a esse governo como faziam os enviados da Colômbia, antes de serem reconhecidos todos os sucessos que forem ocorrendo neste país, ajuntando-lhes as suas observações e figurando-os da maneira mais adequada a desfazer interpretações desfavoráveis. Querendo, poderá consultar neste ponto os relatórios do enviado da Colômbia, d. Manuel Torres, a John Quincy Adams, de 20 de fevereiro de 1821 e 30 de novembro do mesmo ano, de que se lhe remeteram cópias.
18° Existindo ainda, neste vasto Império, alguns restos dispersos de facções republicanas, que S. M. I. com a sua costumada atividade e sabedoria tem quase inteiramente aniquilado, e sendo provável que estas facções procurem ter, fora do Império, um ponto de apoio, V. Mce. indagará escrupulosamente, mas com toda a delicadeza, se nos Estados Unidos existe o foco deste partido, quais sejam as pessoas influentes, quais as suas correspondências e maquinações, e do que observar dará conta, secretíssima, para esta secretaria de Estado.
19º Resolvendo S. M. I. comprar algumas fragatas, enviará para esse fim aos Estados Unidos um oficial de marinha inteligente, o qual receberá as respectivas instruções pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha. Quando este oficial partir, V. Mce. usará da sua cooperação e obrará com ele conjuntamente, segundo o ofício que, nessa ocasião, também se lhe há de dirigir para seu regulamento.
20° Quanto às despesas que forem indispensáveis para algum fim importante da sua comissão, V. Mce. dará conta exata para serem aprovadas e satisfeitas.
21º Finalmente, não sendo possível, na angústia do tempo, marcar nestas instruções tudo quanto possa tender a apressar e promover o fim principal do reconhecimento, integridade e dinastia deste Império, confia. S. M. I. tudo o mais do seu zelo, patriotismo e inteligência no desempenho de tão importante comissão.
Palácio do Rio de Janeiro,
31 de janeiro de 1824.
Luís José de Carvalho e Melo