Argentina - Primeira instrução
Instruções para Antônio Manuel Correa da Câmara, na comissão com que parte desta corte de agente junto ao governo de Buenos Aires, e mais partes adjacentes.
Partindo desta corte para o Rio da Prata, é V. Mce. portador de um ofício para o general barão de Laguna e da sua carta de crença para o ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Buenos Aires, como agente junto ao mesmo governo.
O objeto ostensivo da sua missão, e o único que deve transpirar no público, é o de preencher o lugar de cônsul, vago pelo óbito de João Manuel de Figueiredo; de promover, nesta qualidade de cônsul, os interesses comerciais do nosso país, zelar e pugnar por eles, tudo na conformidade das atribuições deste emprego. A credencial de que V. Mce. é portador o autoriza sobejamente a exercitar as funções consulares com plena segurança e energia; mas, podendo parecer àquele governo, talvez ainda vacilante e naturalmente receoso, que a falta de uma carta patente de cônsul é efeito de estratagema político para nos evadirmos à publicidade ou ao cumprimento das estipulações em que se convencionar, deverá V. Mce. objetar-lhe que a sua nomeação é, por si, uma prova manifesta da boa-fé deste governo e V. Mce. deverá convencê-lo de que o melindre da atual crise política foi a causa de se não expedir logo aquele outro diploma, ocorrendo, aliás, que a angústia do tempo e o ignorarmos quais sejam as autoridades a quem, na forma do atual governo de Buenos Aires, se devem dirigir semelhantes cartas, também era um óbice à sua expedição, ainda quando as circunstâncias permitissem que S. A. R. a assinasse. Dirá V. Mce. igualmente, em último lugar, que logo que se removerem esses embaraços e apenas esse governo enviar para aqui os seus agentes, S. A. R. mandará expedir a sua carta patente, dando-lhe toda a representação e caráter correspondente à dos enviados do governo de Buenos Aires.
Procurará, por meios indiretos, adquirir partido no governo de Buenos Aires e, principalmente, no de Paraguai, por ser o que pode melhor ser-nos útil para que, ligado com o outro de Montevidéu, possam vigiar as manobras e maquinações, assim de Buenos Aires como de Entre-Rios. Para atraí-los, V. Mce. não se esquecerá de exaltar em suas conversações a grandeza e recursos do Brasil, o interesse que as nações comerciantes da Europa têm em apoiá-lo, e a preponderância de [sic] que ele vai jogar sobre os outros Estados da América, sendo por isso de muita conveniência aos povos limítrofes o obterem a sua poderosa aliança.
V. Mce. lhes demonstrará que é um impossível ser o Brasil recolonizado, mas se fora crível que se visse retalhado por internas divisões, este exemplo seria fatal ao resto da América e os outros Estados que a compõem se arrependeriam debalde por não o terem coadjuvado, porém que uma vez consolidada a reunião e independência do Brasil, então a Europa perderá, de uma vez, toda a esperança de restabelecer o antigo domínio sobre as suas colônias. Depois que V. Mce. [os] tiver habilmente persuadido que os interesses deste reino são os mesmos que os dos outros Estados deste hemisfério e da parte que eles devem tomar nos nossos destinos, lhes prometerá, da parte de S. A. R., o reconhecimento solene da independência política desses governos e lhes exporá as utilidades incalculáveis que podem resultar de fazerem uma confederação ou tratado ofensivo e defensivo com o Brasil, para se oporem, com os outros governos da América espanhola, aos cerebrinos manejos da política européia; demonstrando-lhes finalmente que nenhum desses governos poderá ganhar amigo mais leal e pronto do que o governo brasiliense; além das grandes vantagens que lhes há de provir das relações comerciais que poderão ter reciprocamente com este reino.
Será um ponto preliminar, e principal, o alcançar a boa vontade, o dissipar as desconfianças que podiam haver sobre a boa-fé deste governo, o que será fácil conseguir, fazendo ver que, na porfiosa luta em que o Brasil se acha empenhado, não pode este deixar de fraternizar-se sinceramente com os seus vizinhos. V. Mce. terá muita vigilância em perceber se as suas aberturas e proposições são acolhidas com interesse, ou se esse governo evita contrair empenhos, usando de contemporizações e promessas vagas; e para de algum modo os ligar, fará todos os possíveis esforços para que esses governos mandem para o Rio de Janeiro os seus agentes, para que a amizade mais se consolide, dando-lhes a entender que este passo será logo retribuído da parte de S. A. R., que só por isto espera para dar toda a latitude aos seus projetos liberais. Neste caso, depois de seguro das boas intenções daquele governo, V. Mce. poderá fazer uso de outra credencial de agente político e diplomático; mas S. A. R. expressamente recomenda a V. Mce. que use, neste ponto, de toda a circunspecção e sisudez, lembrado de que não são somente os seus interesses particulares que tem de regular, mas sim os da pátria.
Com o governo de Paraguai usará da mesma linguagem e insinuações, comunicando-lhe que a corte do Rio de Janeiro não só admitirá cônsules e vice-cônsules, mas também encarregados políticos, não obstante quaisquer participações em contrário que houvesse, ou do Rio de Janeiro ou de Lisboa.
S. A. R. tem por supérfluo advertir a V. Mce. que não se deve abrir com indivíduo algum sobre a essência da sua missão, sem o ter previamente sondado, e só sendo pessoa cuja convivência possa ser profícua.
Deverá igualmente ser nimiamente cauteloso com os habitantes de Montevidéu, arredando, mas sem parecer de propósito, qualquer errada suspeita que ali possa haver de que o governo do Rio de Janeiro abandone o Estado Cisplatino, ainda quando em Lisboa cedessem aquele território – seja à Espanha ou seja a Buenos Aires; porém, com o governo de Buenos Aires terá V. Mce., a este respeito, a linguagem política que lhe parecer mais adaptada ao andamento das negociações; mas sem comprometer o governo de S. A. Real, cujas verdadeiras intenções são de conservar em sua integridade a incorporação de Montevidéu.
Não será inútil ponderar a V. Mce. que não tome parte ostensiva nas dissensões de partidos entre esses governos e, bem assim, que evite a multiplicidade de expressos e espias, a fim de desviar qualquer suspeita sobre a sua conduta.
Quanto às despesas extraordinárias e indispensáveis que houverem para o desempenho das suas obrigações, dando V. Mce. parte, serão aprovadas e satisfeitas.
Por fim, o que S. A. R. há por mui recomendado a V. Mce.é que os anos e a experiência do mundo o obriguem a obrar com toda a madureza, sossego e sangue frio, e que sempre tenha presente esta grande demonstração de confiança com que o Príncipe Regente acaba de tomá-lo, que bem prova o conceito que de V. Mce. forma, esperando que estes negócios serão conduzidos com toda a desejada prudência, zelo e fidelidade.
Rio de Janeiro,
30 de maio de 1822.
José Bonifácio de Andrada e Silva