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Relações Brasil-Estados Unidos: uma conversa com o Ministro Ernesto Araújo
Relações Brasil-Estados Unidos: uma conversa com o Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo (05/03/2021)[*]
Susan Segal: Boa tarde. Eu sou Susan Segal e sou Presidente e CEO da Sociedade das Américas e do Conselho das Américas. Gostaria de dar as calorosas boas-vindas aos nossos membros, convidados especiais e a todos que estão sintonizando nossa transmissão ao vivo. É um prazer receber esta tarde nosso convidado de honra, o Ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, e o Embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Foster.
Após ser nomeado pelo Presidente Bolsonaro, o Ministro das Relações Exteriores tomou posse em janeiro de 2019. Ele foi anteriormente Diretor do Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos. Também serviu na Missão Brasileira junto às Comunidades Europeias em Bruxelas e nas embaixadas na Alemanha, no Canadá e nos Estados Unidos.
Como as duas maiores democracias e economias do Hemisfério Ocidental, os Estados Unidos e o Brasil há muito compartilham um compromisso com o desenvolvimento econômico e a prosperidade na região. Ambos são países continentais com economias diversificadas e importantes investimentos. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil e o mais importante destino das exportações brasileiras em serviços e manufaturas. Com US$ 108 bilhões, os Estados Unidos responderam por 19% de todos os investimentos estrangeiros diretos no Brasil em 2018, o segundo país com maior estoque de IED no Brasil naquele ano.
Em outubro passado, o Brasil e os Estados Unidos assinaram um novo protocolo sobre regras comerciais e transparência, o chamado miniacordo comercial, com disposições que facilitam o comércio, melhoram a cooperação regulatória e fortalecem os esforços anticorrupção entre os dois países. Essa recente conquista diplomática mostra a profundidade dessa relação e o potencial para uma maior cooperação. É precisamente por isso que esta reunião é tão oportuna, especialmente à luz da nova administração nos Estados Unidos. O Brasil é um mercado-chave para muitos de nossos principais membros em todo o mundo, e agradecemos mais uma vez, Sr. Ministro, por juntar-se a nós hoje. Este evento ficará registrado. O Ministro falará e depois responderá a perguntas. Portanto, se você tiver uma pergunta, por favor, envie-a por escrito para mim, a apresentadora, via Webex chat, e sua pergunta será acrescentada à fila. Antes de dar a palavra ao Ministro, tenho o grande prazer de primeiro passá-la a Nestor Forster, o Embaixador do Brasil nos Estados Unidos, para comentários iniciais. Sr. Embaixador, a palavra é sua.
Nestor Forster: Obrigado, Susan. Boa tarde a todos vocês que se juntam a nós aqui hoje. Quero agradecer a Susan Segal e ao Conselho das Américas pela organização deste evento com o Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. Como Susan disse no início, o evento não poderia ser mais oportuno, pois o Brasil e os Estados Unidos entram em uma nova fase de nossa parceria de duzentos anos entre as duas maiores democracias e as duas maiores economias do hemisfério ocidental.
Nossos dois governos já interagiram em numerosas ocasiões desde a posse do Presidente Joe Biden. Os presidentes Bolsonaro e Biden trocaram cartas substantivas nas quais reafirmaram os laços de amizade entre nossos países e os princípios e valores fundamentais compartilhados por nossos povos. Os dois líderes também traçaram o caminho para a cooperação em áreas-chave, tais como proteção ambiental, energia limpa, comércio e investimento, ciência e tecnologia e, naturalmente, a promoção de nossos valores democráticos em nosso hemisfério e além dele.
Do lado brasileiro, o Ministro Araújo está na vanguarda dessa agenda e já falou com o Secretário de Estado Anthony Blinken sobre a renovada relevância de nossa aliança estratégica diante dos múltiplos desafios regionais e globais. O Ministro Araújo, juntamente com o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, também manteve uma reunião conjunta com o Representante Especial Presidencial para o Clima, o ex-Secretário John Kerry, discutindo como podemos trabalhar juntos na mudança climática e no combate ao desmatamento, e nos desafios do desenvolvimento sustentável, tanto em nível bilateral quanto multilateral.
Deixe-me apenas acrescentar que apreciamos o papel desempenhado pelo Conselho das Américas e seus membros, que historicamente têm apoiado nossos esforços rumo a uma relação bilateral mais estreita, uma verdadeira fonte de prosperidade e bem-estar tanto para brasileiros como para americanos. O governo brasileiro está sempre aberto a ouvir as opiniões de grupos representativos dentro dos EUA e da sociedade brasileira sobre como aprofundar o entendimento mútuo e encontrar novas formas de fortalecer nossos laços. Neste espírito e sob a orientação do Ministro Araújo, nossa embaixada em Washington vem constantemente procurando líderes de todos os setores para promover uma franca troca de visões sobre todos os tópicos. Acredito que a presença do Ministro Araújo entre nós hoje confirma mais uma vez a abertura do Brasil ao diálogo e à construção de consensos e seu compromisso de trabalhar com nossos amigos americanos rumo a novos e ambiciosos objetivos.
Para concluir, deixe-me apenas dizer que ninguém tem sido maior defensor de uma parceria Brasil-EUA renovada do que o Ministro das Relações Exteriores Araújo. E estou certo de que todos vocês estão ansiosos para ouvi-lo hoje. De minha parte, eu estou.
Muito obrigado.
Susan Segal: Sr. Ministro, a palavra é sua.
Ministro Ernesto Araújo: Muito obrigado, Susan Segal, por esta introdução e obrigado também ao Embaixador Forster, que também está fazendo um excelente trabalho. Não poderíamos estar fazendo tanto entre o Brasil e os EUA sem sua presença e seu incrível trabalho em Washington. Obrigado a todos que estão assistindo. É realmente uma grande oportunidade de estar aqui com vocês para falar sobre onde estamos agora nesta tão importante parceria entre o Brasil e os Estados Unidos. Para avaliar onde estamos, talvez possamos começar falando um pouco sobre onde estivemos até dois anos atrás e por bastante tempo. Creio que podemos dizer que, durante duas ou três décadas antes da chegada do Presidente Bolsonaro ao poder, tivemos um forte déficit de confiança, um déficit de confiança muito pronunciado entre o Brasil e os EUA, por diferentes razões. Poderíamos analisar isso ou psicanalisar isto, mas estava lá. Estava lá e era reconhecido, creio eu, por pessoas de ambos os lados.
O impulso por melhores relações às vezes estava presente, mas durante essas três décadas, não conseguimos superar esse déficit de confiança. Acho que isso tinha a ver, e é nossa autocrítica que fala aqui, talvez isso tenha sido um problema de ambos os lados. Mas, de nossa perspectiva, talvez a principal razão fosse que, desde o início dos anos 90, o Brasil decidiu ficar longe do que estava acontecendo basicamente no mundo, o início da globalização com a reestruturação do comércio mundial, a mudança econômica, e também esse novo impulso em direção a um mundo realmente construído para a democracia. O Brasil ficou longe das grandes iniciativas comerciais, nunca quisemos ir em direção a algum tipo de acordo do tipo NAFTA com os Estados Unidos ou com outros parceiros. Mais tarde, o Brasil evitou e trabalhou para, digamos, não quero usar a palavra destruir, talvez não seja forte o bastante, a ideia da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. Portanto, o Brasil não só não queria fazer parte disso, mas também não queria que ninguém fizesse parte da ALCA. Na OMC, por exemplo, tomamos uma atitude contrária em relação aos EUA e outros países desenvolvidos. Decidimos, por alguma razão, fazer parte, digamos, do time dos países em desenvolvimento, como se o mundo estivesse dividido em dois grupos, o dos países em desenvolvimento e o dos países desenvolvidos, o que levou a um impasse também ao nível da OMC.
Mas não apenas no comércio. Isso tem a ver com nossa atitude em relação ao comércio, mas é uma dimensão diferente. O Brasil queria fazer parte de algum tipo de bloco sul-americano, concebido como um bloco hostil aos EUA ou, pelo menos, muito distante e frio aos Estados Unidos. Um bloco que começou a tomar formas diferentes nos anos 2000, mas que se baseou em uma abordagem muito ideológica desde o início dos anos 90, quando alguns líderes da América Latina, alguns dos quais se tornaram presidentes de seus respectivos países, decidiram tentar reconstruir na América Latina a Cortina de Ferro que havia acabado de desaparecer na Europa Oriental, e isso mais ou menos convergiu para a ideia da UNASUL nos anos 2000, com ideias mesmo de construir algum tipo de capacidade de defesa que pudesse, digamos, proteger esse espaço como algo fechado para o norte do continente e aberto para não sabemos o quê.
Isso foi, basicamente, uma iniciativa comum Lula-Chávez, por assim dizer, que, naturalmente, nos afastou muito dos EUA, porque, ao mesmo tempo, dentro daquele projeto, o Brasil também estava longe dos esforços de promoção da democracia na região, longe de reconhecer as ameaças à democracia que estavam surgindo, por exemplo, na Venezuela, porque, em grande parte, essas ameaças eram nutridas no Brasil ou com a participação brasileira. Esse sistema foi irrigado em grande parte por esquemas de corrupção que partiam do Brasil, que tinham raízes no Brasil, que ajudaram a manter algumas correntes políticas no poder em tantos outros países latino-americanos. Um projeto que era muito diferente de qualquer coisa que pudesse se encaixar em uma parceria produtiva Brasil-EUA e, é claro, não era propício à confiança entre nós.
Isso tudo não foi uma questão de hostilidade ou indiferença para com os Estados Unidos como tal. Foi mais, penso eu, hostilidade, digamos, ao modelo ocidental, que não é um conceito geográfico porque nações do leste asiático fazem parte dele, assim como outros países, o modelo de uma democracia liberal com uma economia de mercado e abertura ao mundo. O modelo pelo qual as pessoas optaram naquela época, algo a que podemos dar nomes diferentes, mas um nome pelo qual eu gosto de chamá-lo é narcossocialismo, porque aponta na direção das conexões que esse tipo de esquema tinha com o crime organizado na região.
Assim, ao mesmo tempo, do ponto de vista do Brasil, as relações preferenciais começaram a ser construídas com poderes de fora da região, de outros continentes, que se tornaram nossos principais mercados de exportação e investidores estratégicos na região, no Brasil, especialmente em infraestrutura. Isso vai sem críticas à parceria que foi desenvolvida com esses países, mas mostra que, durante bastante tempo, foi feito um esforço consciente para substituir nossa tradicional parceria econômica, comercial e de investimento com os Estados Unidos e outros países desenvolvidos por outras parcerias.
O Brasil refutava, digamos, a OCDE como pedra angular desse tipo de modelo democrático liberal ocidental com economias de mercado e evitava qualquer outro acordo comercial, não apenas a ALCA ou um acordo do tipo NAFTA, mas o acordo União Europeia-MERCOSUL, quero dizer, as negociações sempre estiveram lá, mas nunca ao ponto de realmente serem levadas a sério, pelo menos por muito tempo, e isso é algo que gostaríamos de concluir, foi mais uma parte do balé e não algo com força própria.
Esta abordagem levou à desindustrialização a nível interno porque os Estados Unidos e os países europeus, e também o Japão, sempre foram nossos parceiros na industrialização e no investimento industrial, no investimento em manufaturas e no investimento em alta tecnologia. Isso continuou até certo ponto, porque sempre fomos o tipo de economia híbrida, com alguns bolsões de excelência, mas, como um projeto geral, houve uma desindustrialização muito forte durante aqueles tempos.
Bem, sobre corrupção, é claro, como vocês sabem, não preciso falar muito. Parecia que o plano, parafraseando Woodrow Wilson, era tornar a América Latina segura para a corrupção. A ideia era: “Bem, vamos construir este espaço aqui, onde ninguém pode entrar e onde cada país e o Brasil, no nosso caso, vamos aproveitar esse sistema de certos círculos de poder e da economia estatal”. Então, perdemos nosso lugar nas cadeias globais de valor que estavam sendo construídas e nossa parceria com parceiros-chave, como os Estados Unidos, que foi totalmente descontinuada, por razões diferentes, mas durante esses 30 anos.
Nos anos Obama, durante a administração Obama, que eu acompanhei de perto, naquele tempo em que estava trabalhando em Washington, surgiu a ideia, especialmente do lado americano, de que os Estados Unidos e o Brasil se tornariam parceiros fortes nas questões globais, e é a partir daí que construiríamos nossa conexão. Especialmente em meio ambiente, mas outras questões também foram consideradas chave para a parceria, de modo que convergiríamos para lá e, a partir desse tipo de convergência, a confiança voltaria e começaríamos a construir novas iniciativas e o tipo de relacionamento que os brasileiros sempre quiseram porque, e esse é um ponto muito importante, sabemos que, qualquer pessoa que passe algumas horas no Brasil sabe que os brasileiros amam os Estados Unidos. Eles amam o estilo de vida americano, a maneira americana de fazer negócios. Existe uma forte e muito profunda conexão entre os dois povos, que têm tanto em comum: sociedades abertas, dinâmicas, inovadoras, abertas ao mundo, abertas à diversidade. Mas, por muito tempo, isto não aconteceu com o governo, especialmente com o governo brasileiro.
Assim, durante esses anos, de 2008 a 2016, mais ou menos, pensamos que poderíamos construir essa relação a partir das questões globais e que a confiança poderia ser restaurada. Mas isso não aconteceu. Não foi suficiente para criar as raízes, o espírito que levaria a uma parceria muito concreta, porque, do lado brasileiro, e eu trabalhei com essas questões na época, no final das contas, com toda a retórica, o Brasil não queria uma parceria bilateral sólida em questões comerciais, de investimento ou de segurança, entre outras, porque isso não se encaixava no modelo que ainda existia no Brasil, esse modelo de isolamento, que mantém a estrutura de poder no lugar, com aquele toma lá, dá cá e a corrupção desse tipo de mecanismo. Assim, muitas esperanças foram perdidas naquela época.
Desde então, houve algumas tentativas de tirar o atraso durante a última administração no Brasil. Mas esse foi um período de transição no Brasil e, claro, de eleições nos Estados Unidos, com a chegada ao poder de Donald Trump, mas esse não foi um tempo em que realmente pudéssemos reconstruir, especialmente porque o governo de transição no Brasil não sentiu que tinha toda a força necessária para ir contra a corrente. Porque a corrente no Brasil, o establishment, a política externa e, em certa medida, o establishment do comércio exterior são basicamente, digamos, desfavoráveis ou tendem a recusar automaticamente uma forte parceria com os Estados Unidos. Portanto, a administração anterior quis ir adiante, mas não tinha o poder político para tanto.
Penso que as coisas realmente começaram a mudar após o início do governo Bolsonaro no Brasil, quando realmente começamos a reestruturar tudo isso, com um governo que veio de uma eleição, com toda a legitimidade de uma vitória eleitoral muito forte. E não se tratava apenas da relação Brasil-EUA, mas do nosso projeto de transformar profundamente o Brasil, de transformar o Brasil em uma economia moderna, uma economia de mercado, superando o velho sistema, não necessariamente de corrupção, de corrupção criminosa, ou também disso, infelizmente, mas de clientelismo, e essa circulação do poder econômico segundo uma lógica política, e não segundo uma lógica de mercado, e também outros aspectos de transformação. Mas, realmente, vimos que precisávamos dos Estados Unidos como um parceiro-chave ou talvez o parceiro-chave para essa transformação. Parceiro na abertura e na modernização econômica, mas também na privatização, não apenas no sentido de vender empresas estatais, o que está em andamento – o que acho que é uma boa notícia para nossos amigos nos EUA e no mundo, a perspectiva da privatização dos Correios, por exemplo, que foi anunciada na semana passada –, mas não é apenas uma questão disso, é uma questão de toda a mentalidade da economia que nos propusemos tentar mudar para realmente nos transformarmos em um país impulsionado pelo setor privado, impulsionado pelo investimento privado e não pelo investimento público.
Porque, no sistema anterior, havia empresas estatais que eram mal utilizadas, mas também empresas privadas, os campeões em alguns setores que eram empregados como ferramentas para o sistema e não apenas empresas privadas, empregadas mesmo para exportar esse tipo de esquema para outros países da América Latina. Por isso, não é fácil, não é trivial mudar esse sistema tão arraigado. E precisamos de um parceiro do tamanho e da capacidade dos Estados Unidos.
Portanto, um aspecto importante nessa equação é a reindustrialização. Perdemos, talvez, 30 anos, como eu disse, sem fazer parte das cadeias globais de valor. Hoje, não se pode ser um país manufatureiro moderno sem se fazer parte dessas cadeias. Algumas empresas específicas conseguiram fazê-lo, mas porque foram contra a corrente. E precisamos voltar para onde estávamos com uma nova base, quero dizer, para reconstruir a plataforma para uma nação industrial forte. O Brasil, um país deste tamanho, não pode ser uma democracia plena no caminho da prosperidade, de bons empregos, de boas oportunidades, sem uma base industrial forte. Durante os períodos anteriores, foi construída uma relação muito forte com a China, o que é ótimo e levou a um crescimento muito forte em nosso setor agrícola e de agronegócio.
Mas a manufatura industrial foi basicamente esquecida. Além disso, os setores de serviços mais modernos foram basicamente deixados de lado. E o que acontece é que hoje, ainda hoje, as pessoas olham para a economia brasileira e a veem do ângulo do comércio. E está tudo bem. A China é um grande parceiro, o que é verdade para o comércio. Mas se você olhar para o investimento e para todo o setor industrial, então os EUA e os países europeus também são os grandes parceiros. Os EUA são o investidor número um. E então você vem com basicamente todos os países europeus até o 12.º, 13.º, 14º lugares como os maiores investidores. Portanto, é uma questão de “Bem, vamos manter o que temos no agronegócio e em todo esse complexo, mas voltemos à industrialização”. E assim é o que também nos propusemos a realizar, através de muito maior integração comercial com os EUA, mas não apenas com os EUA. Isto foi parte de uma estratégia que nos levou a concluir o acordo comercial União Europeia-MERCOSUL, que infelizmente ainda não está sendo assinado e enviado para ratificação, mas penso que este será o caso; também reforçar a candidatura à OCDE com grande apoio político e esforço técnico, e também construir um novo relacionamento com Israel, que foi basicamente negligenciado antes, voltar a ter um forte relacionamento com o Japão, outro parceiro industrial e de investimento muito importante que havia sido mais ou menos ignorado, e abrir novas fronteiras com parceiros como a Índia, com os quais estamos tendo uma relação muito estratégica, agora que o primeiro satélite projetado e construído pelo Brasil foi lançado a partir da Índia na semana passada, um momento muito simbólico para nós. Os países do Golfo, que eram, quero dizer, um pouco indiferentes até agora. Eles são parceiros-chave, os Emirados, a Arábia Saudita, o Catar, e todos os seis países do Golfo estavam muito envolvidos. Só para mostrar que não é uma questão de “Bem, não gostávamos dos EUA e agora gostamos deles”. Não é apenas isso.
É toda uma estratégia que é muito mais profunda. Isso no que tange à economia. Mas, digamos, do lado da segurança, queremos afastar esse sistema narcossocialista para longe da América Latina. Queremos e precisamos trabalhar em conjunto com as grandes democracias da região, no Hemisfério, os Estados Unidos, o Canadá também tem sido um ótimo parceiro, um parceiro muito bom nesse sentido.
Portanto, precisávamos perceber e começamos a perceber que, para proteger a democracia, para promover a democracia na região, e não permitir que projetos totalitários se instalem, precisamos também combater o crime organizado, pois os dois são basicamente a mesma coisa. É basicamente uma rede criminosa que mantém Maduro no poder na Venezuela, por exemplo, mas também o poder político, como aquele de que Maduro ainda desfruta, mantém o terrorismo e o crime com bases e, por assim dizer, oportunidades na região. Infelizmente, o crime organizado, e todos esses aspectos, inclusive o terrorismo, estão vivos e crescendo na região. A Venezuela é o foco de tudo isso, embora o problema não seja puramente venezuelano. Ele está ameaçando os sistemas democráticos em toda a região.
Portanto, por algum tempo e ainda hoje, quando se fala sobre isso, entende-se haver uma situação de esquerda contra direita e isso não deve ser entendido dessa maneira. Não é porque lemos Adam Smith e eles leem Marx e Engels que temos este problema. É porque existe todo esse sistema que está associado ao crime organizado, que está ameaçando nossas famílias, que está ameaçando nossa segurança, inclusive no Brasil, porque eles usam os mesmos canais de tráfico de armas, os mesmos canais de lavagem de dinheiro. Portanto, a corrupção tradicional, digamos, e o crime organizado mais moderno basicamente compartilham a mesma rede. Portanto, hoje em dia, não é a esquerda contra a direita. Trata-se claramente de uma espécie de sistema político criminoso contra a lei e a ordem e, por outro lado, economias abertas e uma verdadeira democracia.
Estou prestes a terminar. Não pensei que gastaria tanto tempo com essas ideias. Mas apenas para dar esse contraste entre o que estamos tentando fazer agora e antes. Portanto, em relação à Venezuela, estamos começando a trabalhar muito mais estreitamente com os EUA no isolamento diplomático do regime, para levá-los à mesa seriamente, mesa essa que não pode ser uma mesa entre iguais, mas sim uma mesa entre um regime que é ditatorial, que tortura pessoas etc. e as pessoas que querem a democracia de volta à Venezuela, mas também investigar seus crimes, sua conexão com o crime organizado. Tivemos resoluções do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, um instrumento muito forte que não tem sido utilizado com frequência, e aprovamos resoluções em seu âmbito para investigar crimes relacionados com o regime venezuelano. Portanto, basicamente, a mudança é que o Brasil era parte do problema e agora estamos tentando ser parte da solução. Acho que isso é muito, muito claro na região.
E os EUA são um ator-chave com toda sua capacidade, poder político e geopolítico, poder econômico e inteligência, quero dizer, toda a capacidade de combate ao crime que os Estados Unidos têm. Ao mesmo tempo, precisamos que os Estados Unidos se tornem mais fortes na defesa clássica. A cada dia a diferença entre segurança e defesa se torna mais e mais opaca. É óbvio que precisamos de boas forças policiais, mas precisamos também de forças de defesa para combater essa rede de ameaças que existe na região. Seria ótimo se pudéssemos separar segurança e defesa mas, cada vez mais, elas têm de trabalhar em conjunto. E os militares no Brasil, digamos, o hard power foi negligenciado durante muitos, muitos anos antes, talvez conscientemente, provavelmente conscientemente, para fazer do Brasil um ator não relevante em termos do hard power. E precisamos de soft power, é claro, mas esse tipo de ameaça à segurança não pode ser enfrentado apenas com soft power, apenas com filmes e canções; precisa-se de hard power para tanto.
Assim, então, apenas algumas áreas, algumas áreas-chave nas quais o tipo de transformação que queremos para o Brasil, para a região, passou, necessariamente, por uma relação muito produtiva com os Estados Unidos. E como tentamos fazer isso? Basicamente construindo confiança. Assim, voltamos ao início, construindo novamente a confiança em torno de uma visão comum. E é isso que eu acho que os presidentes Bolsonaro e Trump foram capazes de fazer: eles foram capazes de criar uma estrutura de confiança e um senso de esforço compartilhado, de valores compartilhados entre eles, que já existia entre os povos brasileiro e americano, mas que foi negada, eu acho, por muitos anos.
Portanto, para nós que trabalhamos com essas questões, o contraste, do ponto de vista brasileiro, era muito forte. Antes, costumávamos, em muitos casos, nos recusar a trabalhar pelos nossos próprios valores se os EUA estivessem juntos. Não queríamos ser vistos juntos com os EUA na mesma sala, por assim dizer. Pessoalmente, vi esse tipo de coisa acontecendo na administração anterior. Por exemplo, já havia uma boa disposição para trabalhar pela democracia na Venezuela. Mas eu vi, por exemplo, uma resolução da OEA que surgiu e foi muito boa, muito forte, sobre a Venezuela. Mas quando as pessoas perguntam: “Quem é copatrocinador? Os Estados Unidos? Então, vamos ficar longe, certo?”. Então, esse tipo de imagem ou sentimento foi considerado mais forte do que nossos próprios valores e interesses na promoção da democracia nesse caso.
Assim, desde 2019, começamos a falar de uma aliança, não apenas de uma parceria ou de um relacionamento, porque era isso que sentíamos que queríamos e ainda queremos. Algo sólido, algo para o longo prazo, algo baseado não no equilíbrio diário de dar e receber, mas nos objetivos daquilo que queremos para nossas nações, daquilo que queremos para nosso povo, nossa região e o mundo. E conseguimos muitas coisas durante os últimos dois anos, especialmente no comércio, mas também na defesa e na promoção da democracia e da segurança. E isso é curioso porque, no Brasil, ainda é comumente argumentado que não conseguimos muito em termos de comércio durante esses dois anos ou que houve um desequilíbrio em favor dos EUA. E pensamos que é totalmente o oposto. Não deveria dizer isso, mas acho que tivemos os três acordos que você mencionou, é claro, e que são ótimos para ambos e começam a alcançar a atualização regulatória de que precisamos, para promover novamente um investimento forte – e o investimento está chegando. Mas também em outras áreas como o problema tradicional, o etanol, conseguimos iniciar pelo menos uma conversa significativa com vantagens significativas para ambos os lados, talvez mais para o Brasil desta vez, mas não era isso que queríamos. Queríamos e ainda queremos um acordo completo, não apenas nessa área, mas em tudo, acordos comerciais completos. E acreditamos que isso é totalmente possível e decisivo para nós.
Mas não apenas bilateralmente, tivemos avanços também multilaterais na OMC. Agora o Brasil e os EUA são parceiros para uma reforma significativa da OMC, uma reforma que leve realmente a estabelecer de novo condições de level playing field na economia mundial. Então temos que abordar as questões difíceis, como empresas estatais, subsídios industriais, subsídios agrícolas, claro. E somos muito ambiciosos na medida em que, no Brasil, queremos fazer tudo o que há em termos de competitividade, pois, de toda forma, vamos abrir nossa economia, de modo que precisamos de condições de level playing field que a OMC pode proporcionar e estamos lado a lado com os Estados Unidos nesse esforço.
A OCDE, o apoio totalmente decisivo dos EUA para nossa adesão à OCDE, que esperamos que ocorra em breve, isso também é decisivo para nós, é muito importante. É uma forma de ancorar o Brasil nessa atmosfera, nesse modelo de democracia liberal e de economia de mercado que queremos e que é um gosto adquirido para muitos brasileiros, de certa forma, embora estejamos convencidos de que seja o caminho a seguir. Mas, pela força da gravidade, se deixarmos a pedra lá, ela vai rolar colina abaixo até o estatismo, o clientelismo e esse tipo de sistema. Portanto, temos que continuar até que possamos consolidar esse novo modelo no Brasil, porque sentimos que esse é nosso lugar. Pertencemos, junto com os EUA e outras democracias, ao modelo que a OCDE representa.
Eu disse que estava prestes a terminar, e realmente estou, mas acho que essa é uma coisa importante a se dizer também em relação ao Brasil especificamente. Por que há esse impulso de transformação, que requer essa transformação no relacionamento Brasil-EUA? Porque o Brasil hoje é construído sobre o que chamamos, por falta de um nome melhor, uma aliança liberal-conservadora, o que soa estranho para os ouvidos norte-americanos por causa do significado que as palavras liberal e conservador tem para eles. Mas é aí que nos encontramos: uma abordagem liberal da economia, para construir uma economia privada e com orientação de mercado, mas com a base de uma sociedade que é construída sobre a confiança, sobre comunidades fortes, famílias fortes, sobre a responsabilidade individual, sobre menos Estado e mais sociedade civil. Então, nessa visão do conservadorismo, essa é a maneira de descrever uma sociedade que é construída de baixo para cima e não de cima para baixo. Então, esse é o tipo de amálgama que vemos tomando forma hoje no Brasil. De todos aqueles que podemos chamar de valores conservadores – o valor do trabalho, da criatividade individual, da liberdade individual –, creio que a liberdade é o conceito que une as abordagens liberal e conservadora. Todos os valores conservadores e liberais convergem ali, convergem para uma economia de mercado em termos econômicos, mas também em uma sociedade sólida e moldada sobre valores compartilhados em termos de aspectos não econômicos da vida social. E é aí que queremos nos encontrar com os Estados Unidos. E é aí que eu acho que estamos agora.
Gostaria falar isso, falar muito sobre o passado ou sobre o passado recente. Mas onde estamos agora, estamos no mesmo lugar em que estávamos, quero dizer, nada mudou para nós no dia 20 de janeiro em relação ao que queremos realizar e à importância da parceria com os Estados Unidos. Achamos que ela faz todo o sentido. Faz todo o sentido a partir do material, do comércio concreto e dos interesses econômicos, mas também de nossa visão do mundo, da forma como precisamos trabalhar juntos pela democracia, contra o crime organizado, contra as ameaças à democracia na região e talvez também no mundo. Portanto, nossa determinação em ter uma aliança forte ainda existe porque está enraizada no que os brasileiros sentem, está enraizada neste sentimento que eu chamo de aliança liberal-conservadora no Brasil. Ela está enraizada na história e nos interesses, interesses concretos, e neste impulso à transformação. Acho que estamos juntos e estaremos juntos com a administração Biden em todos os temas, como antes, porque, a nosso ver, é a coisa natural a se fazer.
Estamos absolutamente juntos no clima, o que é muito importante dizer. As conversas que eu e Ricardo Salles, o Ministro do Meio Ambiente, tivemos com John Kerry e o trabalho técnico que está acontecendo depois disso mostram que podemos trabalhar como parceiros-chave não apenas para uma COP-26 bem-sucedida, mas para a plena implementação de instrumentos e acordos climáticos. E não há aí nenhuma diferença filosófica. Há diferenças de abordagem – como fazer isto, como fazer aquilo. E, de modo geral, a disposição para a cooperação em relação ao desmatamento, por exemplo, está totalmente presente. A disposição para investimentos significativos em desenvolvimento sustentável na Amazônia, por exemplo, parece estar totalmente presente. Portanto, algo que foi considerado como, talvez, um impedimento para a continuação do impulso rumo a uma aliança está totalmente fora do caminho agora. Estamos trabalhando juntos também nessa área.
Portanto, como você vê, estou muito animado com o que podemos fazer. E, só para terminar, apenas estou triste porque algumas correntes ainda querem manter o Brasil e os EUA longe um do outro. Especialmente as correntes existentes no Brasil, que sabem o que isso significa para a transformação que nos propusemos a fazer no Brasil e que sabem o quanto essa transformação será mais fraca sem uma forte parceria Brasil-EUA, e o quanto seria mais fácil voltar ao sistema antigo, que era, creio, ruim para todos, para o desenvolvimento econômico, mas também para a democracia, e não só no Brasil, mas em toda a região.
Mas eu acho que essas pessoas são uma minoria. Essas correntes são uma minoria. E o que esperamos é que todos que olham para isso de boa-fé, e eu obviamente acho que é o caso de todos aqui, possam ver o enorme valor dessa aliança. Uso essa palavra novamente, em construção permanente, e vemos que ela pode ser totalmente realizada.
Obrigado. Desculpem-me por falar mais do estava previsto.
Susan Segal: Muito obrigada, Ministro Araújo. Eu tenho pelo menos 20 perguntas que me foram feitas enquanto o senhor falava. E, por isso, vou tentar juntá-las. Penso que o senhor falou sobre muitas delas, mas temos uma série de perguntas que são muito específicas sobre como o Presidente Bolsonaro e o Presidente Biden podem construir seu relacionamento, em primeiro lugar, e se está sob avaliação uma possível reunião bilateral. Talvez se você pudesse abordar isso em dois minutos e depois passaremos a outro conjunto de perguntas sobre a Amazônia, o clima etc.
Ministro Ernesto Araújo: Claro, com certeza. Temos grandes esperanças quanto a isso. Primeiro de tudo, eles têm as mesmas iniciais, certo? J.B. e J.B…
Susan Segal: Eu não tinha pensado nisso, mas você está absolutamente certo.
Ministro Ernesto Araújo: Acho que a relação pode ser muito boa no nível presidencial. É muito importante que seja muito boa. Acho que temos, digamos, a mesma abordagem para as questões fundamentais que existem. Acho que isso se refletiu na carta que o Presidente Bolsonaro enviou ao Presidente Biden e na carta que o Presidente Biden enviou ao Presidente Bolsonaro esta semana. Essas questões-chave, esses pilares desse edifício estão lá – democracia, prosperidade e valores, por assim dizer. Esses últimos são mais difíceis, digamos, de definir, mas estão presentes algumas nuances que reconhecemos na administração em relação ao clima, por exemplo, que não era um assunto tão importante na administração anterior. Mas acho que elas vêm da mesma abordagem e que estamos convergindo para isso, talvez com instrumentos diferentes. Mas os valores estão lá. E eu acho que eles são tanto líderes orientados para a prática quanto líderes que querem oferecer algo forte, não apenas falar sobre questões, líderes que não têm medo de tomar decisões difíceis, como vimos no Brasil por dois anos e nos EUA agora por pouco mais de um mês. E, em nosso caso, precisamos claramente de decisões difíceis para realmente transformar o sistema. E, como eu disse, especialmente no início, nadávamos contra a corrente para construir essa parceria. Portanto, vemos esse tipo de coragem política e enorme apoio popular, penso eu, de ambos os lados para ambos os presidentes. Ambos vêm, digamos, de números recordes – e essa é outra coincidência – em termos de votos em suas respectivas eleições. Portanto, eu apenas vejo uma boa perspectiva, digamos, na interação pessoal.
Susan Segal: Muito obrigada. Então, dando sequência, vocês farão algo específico, o governo brasileiro está fazendo algo para remover os obstáculos em relação, não apenas com o governo Biden, mas com as nações europeias, obstáculos esses criados pelo desmatamento da Amazônia? E vou adiante porque há também uma pergunta realmente interessante: Quais são as expectativas do Brasil para a Cúpula sobre o Clima de 22 de abril? E que tipo de resultado constituiria uma vitória, na sua opinião?
Ministro Ernesto Araújo: Claro, claro, sim. Com os europeus, temos tido essa discussão desde que terminamos as negociações de nossos acordos da UE em 2019. O acordo já possui muitos instrumentos que reforçam a proteção ambiental e os compromissos ambientais. Mas percebemos que o lado europeu quer ver, digamos, uma reafirmação desses compromissos. E estamos prontos para trabalhar em prol de algo. Não queremos reabrir o acordo porque, então, teríamos de renegociar tudo, do aço ao queijo. E isso seria impossível. E, especialmente, estamos abertos – e com qualquer parceiro – a mostrar que há muita desinformação sobre o meio ambiente brasileiro, sobre nossa agricultura, sobre a conexão entre a agricultura e o desmatamento no Brasil, que é basicamente inexistente.
É difícil, mas isso é basicamente um fato: é claro que existe desmatamento ilegal, que temos combatido, mas não há, digamos, incentivos e não firmaríamos nenhum acordo que implicasse incentivos para o desmatamento em termos de produção agrícola. Nossa agricultura está crescendo por causa da tecnologia. Ela está crescendo por causa da produtividade e não por causa da incorporação de novas áreas. E tem imenso potencial para crescer, por meio da tecnologia, em nossa área agrícola atual. Basicamente, apenas um terço da área utiliza, hoje, as técnicas e tecnologias mais atualizadas. Portanto, pode-se imaginar o que o Brasil pode realizar sem qualquer tipo de desmatamento, sem qualquer incorporação de terras. Poderíamos, não sei, dobrar, triplicar a produção com a incorporação de tecnologia. Esse é o tipo de coisa que precisamos colocar em pauta, pois podemos não só mostrar que esse é o caso do Brasil, mas também contribuir para melhores práticas agrícolas em outros países. Podemos contribuir em relação à matriz energética do Brasil, não diretamente, mas com nossa experiência com a matriz energética, que é 70% renovável para a eletricidade, para o transporte um pouco menos, mas para a eletricidade, cerca de 70% são renováveis. Portanto, temos muito a mostrar.
Não apenas que estamos enfrentando nossos problemas, mas que temos soluções para apresentar a todo o mundo. E é isso o que podemos fazer com os EUA, com os países europeus e outros. Diretamente com os Estados Unidos, aquelas conversas com a equipe do Secretário Kerry, quero dizer, isso está indo muito bem e depois vamos não apenas para a COP-26, mas para a Cúpula da Terra em abril. Achamos que podemos chegar lá com algo significativo. De nossa perspectiva, o que é muito importante é que tudo tem a ver com financiamento, queremos e precisamos ver mais comprometimento das nações mais ricas, dos países desenvolvidos, em termos de implementação dos compromissos financeiros do Acordo de Paris. Como você sabe, esses países ficaram aquém de seus compromissos financeiros no Acordo de Kyoto. E, agora, precisamos, idealmente, gostaríamos de ver esses compromissos cumpridos e os novos compromissos, sob o Acordo de Paris, igualmente cumpridos. Mas pensamos que podemos chegar lá e, se chegarmos lá, teremos o melhor dos mundos, porque teremos todos os compromissos de proteção, a contribuição que podemos dar em termos de tecnologia e também de investimento verde. É disso que mais precisamos. No Brasil, para a região amazônica, não se trata apenas de frear e eliminar o desmatamento ilegal. Para isso, é preciso ter não só operações policiais, mas investimentos para criar empregos verdes, para criar oportunidades para essas pessoas. Vinte e três milhões de pessoas vivem na Amazônia brasileira. Essas pessoas precisam de empregos. A maioria delas é pobre e não tem oportunidades decentes. Portanto, se pudermos englobar tudo isso, haverá uma mudança total na situação.
Susan Segal: Muito obrigada. Seria uma vitória para todos, eu imagino. Então, temos mais quatro minutos. Tenho 20 perguntas, mas o tempo vai acabar. Mas vou lhe fazer esta pergunta. E, se for preciso, vou pedir-lhe outro encontro dentro de alguns meses para continuarmos. Então, o Brasil tem um papel importante como uma das maiores democracias e como um país líder e modelo para a paz. Estamos vendo mais ameaças cibernéticas e ataques de Estados-nação. Iniciativas como o Chamado de Paris à Paz e Segurança no Ciberespaço é uma importante abordagem de múltiplas partes interessadas para criar um ambiente digital de confiança e mais seguro para países e cidadãos. Você acha que o Brasil vai aderir a essa iniciativa de princípios?
Ministro Ernesto Araújo: Sim, quero dizer, temos que trabalhar nessa direção. A cibersegurança é obviamente parte daquelas redes de ameaças que vemos, que temos que enfrentar. Mas acho que é uma parte do novo mundo da ameaça cibernética. É claro que temos atores estatais, mas também atores não estatais que podem ser fonte de insegurança a esse respeito, uma ameaça. E vemos, é claro, o potencial das novas tecnologias, da nova economia. Especialmente agora, com a pandemia, estamos percebendo que a economia digital está totalmente presente. Mais da metade, talvez, de nossa economia agora está dependente do digital. Portanto, temos que ser ainda mais cautelosos. Não é apenas, creio eu, a clássica ameaça cibernética, com um ator estatal ameaçando outro ator estatal. É toda uma gama de ameaças que também têm a ver com, quero dizer, a exposição – as pessoas estão muito expostas agora a serem hackeadas e muito mais a terem toda sua vida hackeável, por assim dizer. E com a Internet das Coisas, empresas e todos os demais estarão expostos, basicamente, não apenas às grandes estruturas de poder do país, mas todos, sua geladeira, seu carro podem estar sujeitos a isso. É por isso que precisamos trabalhar com toda a comunidade internacional para encontrar uma maneira – o que não é fácil –, de não restringir o desenvolvimento tecnológico, mas fazê-lo dentro de uma democracia, dentro de princípios e valores democráticos.
Susan Segal: Tenho uma última pergunta porque nos tempos da COVID não podemos ir embora sem fazer, pelo menos, uma pergunta sobre a COVID. Questiona-se a forma como o Brasil está lidando com a pandemia do coronavírus e o atual combate à variante anunciada e outras. Então, o que poderia dar errado? Como você pode conseguir vacinar o Brasil e entrar no caminho da normalidade, e qual é sua visão, e qual é a visão do Presidente Bolsonaro quanto a isso, por favor?
Ministro Ernesto Araújo: É muito boa pergunta. Tivemos uma reunião esta manhã sobre essas questões. Discutimos quase diariamente a pandemia e a estratégia, quase todas as agências estão envolvidas. Portanto, estamos levando isso tremendamente a sério. E vemos, em relação ao número de casos e ao número de mortes, que tão tragicamente aumentou, mas, ainda assim, aparentemente é normal, após o início de uma intensa vacinação, que os casos aumentem em um país e depois caiam abruptamente. Podemos estar a duas ou três semanas desse ponto, se você fizer a mesma curva em outros países onde os casos começaram a cair. A vacinação está ganhando velocidade, é claro, gostaríamos que fosse muito mais rápida, mas é lenta em comparação com os EUA ou Israel. Mas se você a compara com a da Europa, ela não é tão lenta assim. Os países europeus estão com um pouco mais de 5% do total da população vacinados. No Brasil, somos cerca de 4%, com todos os desafios logísticos que enfrentamos. Mas os números vão simplesmente subir até, estamos bastante seguros, as próximas semanas também com a vacinação. E, quero dizer, o sistema de saúde está, naturalmente, sob estresse, mas está se mantendo bem, as unidades de terapia intensiva estão em escassez em alguns estados, mas, em geral, o sistema está se sustentando bem. As pessoas querem ser vacinadas, mas também querem voltar ao trabalho. Há uma forte pressão popular contra confinamentos decretados por alguns governadores de estado. E penso que, com essa combinação da queda natural do número de casos, mesmo da nova variedade, que parece seguir a mesma curva, a vacinação e, digamos, o impulso para uma vida normal novamente este ano, o crescimento econômico vai se impor novamente. As pessoas começarão a se sentir confiantes novamente. Para voltarmos ao início, terá questão da confiança entre as pessoas. Mas o sentimento popular é de que precisamos voltar ao trabalho tão logo tenhamos uma vacinação que realmente mostre fazer os casos diminuírem. As coisas vão parecer muito melhores, tenho quase certeza, em algumas semanas.
Susan Segal: Obrigado, Sr. Ministro. Nosso tempo acabou. Na verdade, estamos atrasados em dois minutos, ainda tenho tantas perguntas, por isso vou ter que voltar a convidá-lo.
Ministro Ernesto Araújo: Sim, sim, absolutamente. Prometo começar respondendo às perguntas da próxima vez.
Susan Segal: Se você preferir, vamos começar com uma entrevista. Portanto, quero agradecer-lhe por seu tempo muito valioso. Concordamos que há tanto que o Brasil e os Estados Unidos podem fazer juntos. Temos valores comuns. Somos países continentais com enormes recursos e, juntos, podemos fazer muito em termos de liderança no hemisfério e no mundo. E, francamente, eu acredito muito, como você, que este hemisfério poderá ser o hemisfério mais competitivo do mundo se todos trabalharmos juntos. Portanto, muito obrigado por seu tempo. Muito obrigado por seu trabalho. E boa sorte em sua viagem a Israel, que é muito promissora, como você estava me falando.
Portanto, muito obrigado. E fique bem.