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Por um Reset Conservador-Liberal, artigo do Ministro Ernesto Araújo publicado no no livro Política externa: soberania, democracia e liberdade
Por um Reset Conservador-Liberal, artigo do Ministro Ernesto Araújo publicado no no livro Política externa: soberania, democracia e liberdade (31/12/2020)[1]
Em 2020 muitas coisas ficaram mais claras.
Ficou claro que existe uma gigantesca batalha no mundo. De um lado, a liberdade e a dignidade humanas, fundamentadas na realidade humana: a realidade de um ser que possui uma dimensão espiritual em conjunto e inseparavelmente da dimensão material. E do outro lado, um grande arco de ideologias, programas, práticas, grupos de interesse, correntes de pensamento, associações e atitudes contrárias àquelas liberdade e dignidade.
De fato, existe hoje ao redor do mundo uma imensa, profunda e complexa trama de interesses que une:
• a grande mídia;
• o narcossocialismo (única forma de socialismo capaz de sobreviver no longo prazo);
• a corrupção;
• a bandidagem em geral (crime organizado);
• o sistema intelectual politicamente correto;
• o climatismo (uso da questão climática como instrumento de controle econômico);
• o racialismo (programa de organização da sociedade segundo o princípio da raça);
• o covidismo (a histeria biopolítica e sua utilização como mecanismo de controle);
• o terrorismo;
• o multilateralismo antinacional (distorção e manipulação do sistema multilateral composto pelos organismosinernacionais);
• a ideologia de gênero;
• o abortismo;
• o transumanismo;
• o anticristianismo e a cristofobia;
• o esquema de alguns megabilionários ou trilionários;
• o elitismo transnacional;
• e o marxismo de mercado megatecnológico ou neomaoísmo.
Embora algumas dessas correntes pareçam distantes umas das outras, trata-se de vasos comunicantes: quando se alimenta uma, todas comem. Quando uma avança, todas progridem. Quando uma vence, todas ganham.
Como num jogo de xadrez, cada um desses elementos, ao mover-se ou ao permanecer onde está, embora fisicamente independente dos demais, exerce uma função em favor do conjunto. Cada peça protege uma ou mais outras peças do mesmo time e ataca uma ou mais peças do adversário, cada uma ocupa espaços em benefício de todo o time, cada uma cria linhas de força e possibilita, em jogadas futuras, novas agressões e novas ocupações. Não parece haver um jogador único por trás das peças planejando todos os movimentos, mas é como se o sistema se jogasse sozinho, ou melhor, é como se as peças do time anti-liberdade soubessem que estão jogando juntas e compartilhassem uma mesma estratégia. Alguns elementos têm mais consciência do que os outros, mas todos possuem instintivamente, mesmo sem sabê-lo, a percepção de uma estrutura comum que os coliga e os promove a todos, e agem de acordo com esse instinto.
Podemos ver esse grande esquema também como um grande conglomerado composto por muitas companhias, cada uma delas vendendo seus produtos sob diferentes marcas, sem que o público saiba, e talvez sem que os próprios dirigentes e empregados de cada companhia saibam, que tudo faz parte do mesmo conjunto, que o lucro de cada uma dessas companhias aumenta a capacidade de investimento da outra. Assim, quando você compra a biopolítica do “fique em casa” talvez esteja ajudando o narcotráfico. Quando compra o multilateralismo antinacional talvez não perceba que está ajudando a corrupção. Ou talvez saiba e não se importe. Talvez saiba e ache bom.
Podemos chamar todo esse conjunto de “globalismo”. Trata--se, fundamentalmente, da globalização econômica capturada pelo marxismo, fenômeno que começou logo após o fim do bloco soviético e se intensificou a partir do ano 2000, embora seus impulsos destrutivos tenham raízes milenares. O globalismo nasceu quando a globalização capitalista, ao esquecer o espírito, entregou-se inconscientemente ao comunismo em sua metástase pós-soviética, ou seja, o marxismo de Gramsci e da New Left, da Revolução Cultural (tanto a ocidental quanto a chinesa), que sempre almejou ocupar o capitalismo por dentro em vez de enfrentá-lo de fora, e hoje está conseguindo. O atual modelo maoísta e sua expansão crescente pelo mundo é uma das principais expressões e resultados dessa triunfante penetração do capitalismo pelo marxismo.
Vemos o processo de uma estranha alquimia ao inverso, que vai conseguindo transformar o ouro espiritual em chumbo inerte. Que escraviza as melhores energias do ser humano – a ciência, a tecnologia, o pensamento, a arte, enfim o logos – em favor de uma cultura da morte, da mentira e da maldade.
“Você não terá nada e será feliz”, diz a propaganda do Great Reset. Nesse mundo, de fato, o ser humano não terá nada, nem liberdade, nem dignidade, nem vida espiritual. Será “feliz” como uma pedra é feliz, sem sentimentos, sem pensamentos, tendo todas as suas “ideias” geradas pelo mecanismo megatecnológico de controle total.Tudo isso, todas as peças do xadrez, todas as companhias pertencentes à mesma holding, não constituem um sistema totalmente coordenado, mas um grande organismo de afinidades eletivas conjugadas no ódio à transcendência e no desejo de arrancar ao ser humano sua dimensão espiritual.
Por que esse ódio? Não se sabe. Eis aí talvez o mysterium iniquitatis de que fala São Paulo na segunda Epístola aos Tessalonicenses.
De qualquer modo, muitas pessoas, em todo o mundo, estão despertando para a natureza desse monstruoso projeto e para a urgência de combatê-lo pela sobrevivência da humanidade. O ano de 2020 começou a expor a situação. O misterioso complexo anti--liberdade mostrou ao menos parte de seu rosto, com o lançamento do conceito de Great Reset e com a ideia de restauração de uma certa “ordem mundial liberal” diante da perspectiva de mudança de rumo nos Estados Unidos.
Em 2021 há que seguir estudando e combatendo esse misterioso e iníquo sistema, a partir dos dados que ele mesmo proporciona, rasgando o véu de cinismo e hipocrisia que cobre suas palavras. Lembremos que o mal raramente diz “eu sou o mal”, mas de maneira insidiosa apresenta-se como se fosse o bem, com as roupagens da paz e da felicidade. O ser humano, contudo, possui (na medida em que preserve sua posição vertical, espiritual) a inteligência e a sensibilidade necessárias para perceber esses enganos e buscar a verdade.
Não se trata aqui de uma questão puramente filosófica, nem muito menos de teoria da conspiração. Trata-se de procurar entender as forças em ação no mundo para defender e promover os interesses muito reais – materiais e espirituais – dos brasileiros e de todas as pessoas de bem no mundo.
A seguir, algumas sugestões para compor uma agenda de defesa da verdadeira democracia, com liberdade e dignidade para o ser humano. Dirijo-me principalmente àqueles que se dizem e se acham sinceramente democratas, liberais e humanistas, mas se deixam levar pelo complexo liberticida:
• Respeitem a Nação, pois nela está o coração pulsante da liberdade e das aspirações da comunidade humana.
• Respeitem as liberdades fundamentais consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
• Respeitem o povo, respeitem os povos e as pessoas, não tentem constituir-se em um mágico conjunto de sábios capazes de dar um reset no mundo. Tenham humildade. Nada de despotismo esclarecido globalista. Não caiam na ilusão de tornarem-se “reis-filósofos” de Platão, testas-de-ferro de um regime totalitário. Entendam que a democracia se faz de mais demos e menos kratía. Deixem de rotular e desmerecer os líderes de direita como “populistas”, quando eles são simplesmente populares, porque amam o povo, respeitam os sentimentos do povo, exprimem-nos e defendem-nos.
• Estudem e entendam de onde vêm as ameaças à democracia, e de onde não vêm. Saibam quem é quem.
• Contribuam para uma economia mundial que proporcione reforço positivo para os países democráticos e reforço negativo para os países não democráticos. (Hoje, em geral, é o contrário.)
• Ajudem a colocar a economia capitalista a favor da democracia, da liberdade e da dignidade humana, e não a favor do controle social totalitário.
• Ajude a tornar as novas tecnologias instrumento de democracia e não de controle social. Trabalhe para que o mundo não se torne uma grande “internet das coisas”, onde as pessoas sejam meramente coisas entre outras coisas, onde uma pessoa humana não seja meramente um conjunto de dados. Que o mundo virtual seja uma grande internet das pessoas, e não das coisas, pessoas trocando sentimentos e ideias livremente e assim gerando prosperidade e vivendo sua humanidade.
• Parem de demonizar a religião, pois a religião é um veículo privilegiado para a espiritualidade. Parem de achar que o ateísmo é mais “evoluído” do que a fé. A perda da faculdade de conduzir uma vida espiritual não representa nenhuma evolução. Rejeitar o espírito humano é o oposto de qualquer coisa que se possa chamar honestamente de humanismo.
• Parem de deixar que os organismos multilaterais sejam manipulados por atores não democráticos para seus próprios interesses (como o foram durante a Guerra Fria pela União Soviética). Injetem os ideais de liberdade e democracia no sistema multilateral e em todas as discussões internacionais. De que vale um democrata que tem medo de falar de democracia para não ofender os antidemocráticos?
• Entendam que o mundo não deve organizar-se em torno do eixo do “desenvolvimento sustentável” nem do eixo da “saúde”. Colocar na mais alta prioridade mundial esses temas “globais” que não têm nada a ver com a liberdade apenas serve aos interesses dos antidemocráticos. Tratem o desenvolvimento sustentável, a saúde e todos os outros temas ditos “globais” a partir da perspectiva da liberdade, e não o contrário, não tratem a liberdade a partir da perspectiva do desenvolvimento sustentável, porque isso ferirá de morte a liberdade e não trará desenvolvimento algum.
• Parem de dizer que “temas globais requerem soluções globais”. Problemas globais requerem soluções pró-democracia, pró-liberdade, pró-dignidade humana. Muito mais importante do que “reconstruir verde” é “reconstruir livre”.
• Estudem e entendam a penetração de forças antidemocráticas na imprensa, nas instituições e nas empresas em países democráticos, penetração tanto em termos de mentalidades quanto em termos de agentes efetivamente atuantes.
• Coloquem a liberdade de expressão no centro da liberdade, pois ela é a seiva vital da humanidade. Entendam de que maneira e em que extensão a grande mídia nos países democráticos é manipulada por forças antidemocráticas e torna-se instrumento de aniquilação da liberdade de expressão e da liberdade de pensamento. Entendam que a maior arma das forças antidemocráticas hoje é o ataque à liberdade de expressão sob pretexto de combater fake news.
• Parem de colar rótulos nas garrafas e achar que, ao colar o rótulo, já beberam o vinho ali contido. Não sejam enólogos que conhecem todos os rótulos, mas jamais sentiram uma gota de vinho na língua.
• Prestem atenção de onde vêm as ideias que você consome e que acabam direcionando o seu pensamento. Não se preocupem apenas com os ingredientes do que vocês comem, mas com os ingredientes do que vocês pensam, a procedência das ideias-feitas que circulam por toda parte, sua qualidade, a capacidade de corromper seu organismo mental que essas ideias possuem. Preocupem-se não apenas com as cadeias de suprimento de produtos industriais, mas também com as cadeias de suprimento de ideias: como são montadas, que interesses atendem, que tipo de mundo promovem.
• A direita, o conservadorismo, são fundamentalmente e intrinsecamente pró-democracia e pró-liberdade. Se você se acha liberal e não quer ser chamado de direitista ou conservador por causa de preconceitos que incutiram em você, vá lá, mas não fique preso aos nomes e entenda que a direita e o conservadorismo querem a mesmíssima coisa que você diz querer, liberdade, um mundo favorável à liberdade.
• Liberal, dê a mão ao conservador, aceite a mão que o conservador lhe estende. Somente o conservador pode salvá-lo das garras do marxismo. Somente juntos você e o conservador podem salvar o mundo.
• O mundo, o sistema internacional “liberal” que você está criando, não é um mundo seguro para a democracia, safe for democracy. É um mundo safe for totalitarianism. Veja quem está ganhando nesse sistema “liberal”, quem se torna hegemônico, quem está ganhando as corridas de acordo com as “regras” que você tanto preza.
• Uma ordem liberal internacional somente será sólida e verdadeira se for uma ordem liberal-conservadora internacional. Uma ordem liberal internacional nunca se sustentará sem o conservadorismo.
• Entenda o que é o conservadorismo e estude-o. Conservadorismo é: liberdade individual em equilíbrio com a saúde da comunidade, a Nação acima do Estado (menos Estado, mais Nação), liberdades fundamentais clássicas (de expressão de opinião, de crença, de não ser preso arbitrariamente, direito ao devido processo legal, direito a escolher seus governantes, direito à vida, etc.), respeito, amor e cuidado pelos seus ancestrais, pelas lutas e sentimentos das gerações passadas, cuidado e devoção pelas gerações futuras, pelo passado histórico, pelas tradições, amor à família e à pátria como família estendida, cultivo da beleza, da coragem, da virtude, pensamento constituído pela busca da verdade e não pela construção de vantagem política, respeito à língua entendida como logos, instrumento divino de comunicação, estudo da realidade e expressão do sentimento, e não como meio de distorcer a realidade, prática ou pelo menos respeito da religião como veículo da espiritualidade intrínseca ao ser humano, equilíbrio entre a razão e o sentimento, humildade diante das limitações da razão humana e percepção de que nem todo conhecimento é racional e nem toda verdade é científica.
O conservadorismo é o corpo da liberdade, a liberdade em sua versão concreta.
Se querem Great Reset, que seja esse o Reset: liberalismo e conservadorismo juntos pela liberdade e pela democracia.
Trabalhemos por isso, lutemos por isso em 2021.