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Palestra do Ministro Ernesto Araújo sobre a nova política externa do Brasil e sua vertente comercial
Palestra do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) sobre a nova política externa do Brasil e sua vertente comercial, no Rio de Janeiro (28/08/2019)*
Gostaria de começar por um pequeno momento de reflexão epistemológica: normalmente se considera que o pensamento ocidental começa a ter sua estrutura, a que conhecemos, com Sócrates; e Sócrates tem como seu lema (até se discute se ele disse isso mesmo, ou não disse, mas é sabido que é o centro do pensamento socrático), que se torna fundamento do pensamento ocidental, aquela frase: “só sei que nada sei.” Eu acho que é fundamental, quando tratamos de qualquer fenômeno político, social e econômico, ter sempre essa humildade diante dos fatos, e não partir de determinados pressupostos que às vezes são enganosos.
E digo isso, inclusive, como um compromisso pessoal: quando assumi este cargo, tendo tido a honra de ter sido indicado pelo Presidente Bolsonaro, dei-me conta de que não sabia como é que funcionava o governo, como é que funcionava o Brasil – e nestes quase oito meses, tenho tentado aprender um pouco. Eu não sabia o quão profundo era o Estado clientelista, o quão profundo era o Estado patrimonialista, eu não sabia o quão profundo era o aparelhamento do Estado pelo fisiologismo e por ideologias que nos dominaram. Acho que continuo aprendendo isso a cada dia, assim como os demais membros da equipe – porque isso também é outro elemento que estamos aprendendo: acho que, pela primeira vez, temos um governo no Brasil que trabalha em equipe, e não um sistema de atribuição de funções de acordo com determinados arranjos políticos; sem prejuízo de toda qualidade de políticas que houve no passado, a despeito de um sistema que tinha essas características, e sem prejuízo de todas as pessoas que sempre trabalharam nesses esquemas anteriores, entre as quais eu modestamente também me incluo (claro, trabalhei durante trinta anos no serviço público), mas hoje a gente se dá conta de que esse era um dos problemas do Brasil, um dos problemas que tentamos superar.
Nesse quadro anterior, de uma distribuição do Estado de acordo com esquemas de poder, o Itamaraty, e a política externa, era uma espécie de corpo estranho, era um órgão que estava ali e que não atrapalhava, que organizava viagens e que, de vez em quando, tinha uma participação maior ou menor em política comercial, em outros esquemas, mas que era muito visto pela própria sociedade brasileira como um corpo estranho. E isso é outro compromisso que tenho desde que fui indicado, que é fazer do Itamaraty uma parte do projeto nacional, uma parte do governo, e não uma espaçonave que por acaso pousou em Brasília.
Voltando um pouco ao tema das fontes do conhecimento: hoje é paradoxal, porque temos acesso, graças à tecnologia, a fontes praticamente inesgotáveis e imediatas de informação e de conhecimento, e, no entanto, nós não as usamos, ou as usamos mal, inclusive porque nos vamos dando conta (outra tarefa que, todos os dias, temos de ir aprendendo) do quanto há de manipulação nessa circulação de informações.
Nós todos estamos, já há vários anos, aprendendo que existe o “Photoshop com imagens” – cada vez que a gente vê uma imagem assim meio esquisita, que tem alguma mensagem, pensamos: “será que isso aqui é um Photoshop?” – mas, às vezes, a gente não se dá conta de que existe o “Photoshop com ideias”, que existe “Photoshop com conceitos”, e isso infelizmente é o que parte dos nossos meios de comunicação pratica. Em função desse “Photoshop de ideias”, a gente acaba vivendo e circulando num circuito de desinformação, e não num circuito de informação.
Isso nós estamos vendo, hoje, nessa questão ambiental, nessa questão da Amazônia, nessa discussão dos últimos dias. Tudo parte de desinformação, e tudo parte de falta do bom uso de informação, e tudo parte da falta dessa humildade do “só sei que nada sei”. Tudo parte basicamente de uma foto: uma foto que o Presidente Macron tuitou, que mostra um incêndio que não é na Amazônia e que não é deste século, que acho que é de 1999, dizendo “nossa casa está pegando fogo!”. Bem, e aí começa toda essa onda, essa pressão internacional voltando a falar de “internacionalização da Amazônia” – coisa que se dizia que era teoria da conspiração, quando nós falávamos, desde o começo desta administração, que é um de nossos receios. “Ah, isso é teoria da conspiração!” Bem, está aí, bastante explicitamente essa ideia da internacionalização da Amazônia.
Esse fato nos mostra que nós, que estamos aqui no Brasil, sabemos o que é a realidade: a realidade é de incêndios sazonais na Amazônia, que neste ano são bastante intensos, mais do que no ano passado, muito menos do que nos anos 2003, 2004, 2005, e um pouco menos do que a média dos últimos vinte e pouco anos, que é a média que a gente pode usar de uma maneira científica, porque é o período em que nós temos a cobertura de satélite. Para trás disso, é mais difícil de saber, evidentemente. Mas essa é, se é que podemos chamar assim, a realidade. A realidade é essa. E, no entanto, isso tem um grau de penetração limitado no nosso pensamento. Eu procurei hoje dar uma pequena contribuição a esse pensamento: publiquei um artigo no Figaro falando desse problema do conhecimento, de como é necessário ter a disposição de usar os dados reais da realidade, e não sair correndo para a rua, gritando, quando se vê uma foto.
E por que isso acontece? Há, evidentemente, os interesses internacionais, de décadas, nos recursos da Amazônia, e há também o fato de que o Brasil mudou, e muita gente não gosta desse Brasil que está mudando. Muita gente dentro do Brasil, como nós sabemos, e muita gente fora do Brasil.
Muita gente, por exemplo, não quer que o Acordo MERCOSUL-União Europeia seja ratificado. Muita gente no Brasil não quer que o acordo seja ratificado; muita gente na Europa não quer. No caso de pessoas no Brasil, não são pessoas que acham que o acordo é ruim para o Brasil e por isso não querem que ele seja ratificado; são pessoas que sabem que o acordo é bom para o Brasil, e por isso não querem que ele seja ratificado – porque, ao ser bom para o Brasil, e ser um acordo negociado e concluído por este governo, é bom para este governo, e essas pessoas preferem o que haja de pior para o Brasil desde que dane este governo. Isso é o que nós estamos enfrentando. Isso é a realidade que nós enfrentamos todos os dias em Brasília e no Brasil inteiro. Isso são os fatos. Isso são “os fatos sem Photoshop”.
O fato de que existem setores, minoritários – muito minoritários, em termos de número de pessoas, mas muito influentes nos meios de comunicação, etc. –, que querem que esse Brasil não dê certo. Não se importam que o Brasil dê certo ou não. É como se você torce por um time, mas só quer que o time ganhe com um determinado técnico (na verdade também não querem que ganhe com técnico nenhum), mas certamente não querem que o time ganhe com esse técnico. Não é bem torcer pelo time quando se tem esse tipo de atitude.
E lá fora também. Muitos setores no primeiro mundo, no que se chamava “primeiro mundo”, nos países desenvolvidos, não querem um Brasil forte, pujante, um país que se afirma com suas próprias ideias, um país que se abre para o mundo, um país que começa a livrar-se de suas cadeias históricas e de seu papel reservado, ali, num canto da globalização, e que começa a querer afirmar-se, e querer dizer o que ele pensa, e fazer o que ele acha melhor para si mesmo. Muita gente não gosta desse país.
Então, é um mundo feio, é um mundo feio, onde nós estamos lutando por um Brasil melhor. Isso é importante dizer. Não é um mundo de arco-íris e unicórnios, no qual todo mundo só quer fazer negócios. Não é esse o mundo que existe. Não é esse o mundo que existe, onde todos são bem-intencionados, onde todos os atores, sejam nacionais ou internacionais, atuam dessa maneira.
Então, no Brasil, nós temos os interesses muito presentes contra esse governo e temos a carga histórica desse clientelismo, desse patrimonialismo, dessa economia de cartório – que todos os senhores aqui, que são do setor privado, não sei como conseguiram sobreviver ao longo dessas décadas, com essa economia. Graças a Deus sobreviveram. Graças a Deus temos essa base que, de alguma maneira, talvez em função das virtudes intrínsecas do povo brasileiro, conseguiu afirmar-se, e não certamente através da qualidade das políticas de Estado.
Nós temos hoje a agenda comercial mais ambiciosa que o Brasil já teve. Acho que disso não há dúvida; e, se há dúvida, estou aqui dizendo; pelo menos é a minha convicção. E muita gente é contra que nós tenhamos essa agenda. Conseguimos provar que essa agenda é para valer, com a conclusão das negociações MERCOSUL-União Europeia; agora com a conclusão das negociações com a EFTA; com o aprofundamento de várias outras negociações; com o lançamento – se tudo der certo, muito em breve – de uma negociação com os Estados Unidos; também, se tudo der certo, um pouco mais adiante, com o Japão. Temos interesses em todas essas frentes, de uma maneira que vai bem além do discurso, como estamos demonstrando.
Mas muita gente é contra. E não é o protecionismo, disso eu me dei conta. Trabalhei com negociações comerciais por muito tempo, e o lugar-comum que existia, o clichê, era que “o Brasil é protecionista, o setor privado é protecionista”. Não é! É curioso, mas o setor privado, no Brasil, não é protecionista; o Estado é que sempre foi protecionista no Brasil. Por quê? Porque uma economia fechada, uma economia com o Estado muito presente, uma economia sem competição internacional é mais fácil de controlar, é mais fácil e ser uma economia onde circula essa “seiva” do clientelismo, do patrimonialismo; onde é mais fácil alocar recursos a partir de uma lógica política, e não de uma lógica econômica; onde é mais fácil manter o esquema de circulação de privilégios. Por isso é que o Brasil era protecionista. E por isso que está deixando de ser protecionista.
A nossa política comercial, hoje, não é algo que “pousou”, também, como uma espaçonave, dissociada do restante das nossas políticas públicas e do nosso programa de governo. É algo absolutamente essencial, e parte desse programa de governo. Só é possível nós estarmos fechando esses acordos, porque existe esse compromisso de derrotar essas décadas e séculos de clientelismo, patrimonialismo, etc. Essa é a precondição de tudo que está acontecendo.
Mas existe um sistema que está sendo posto em questão, e pelo menos grande parte da imprensa, infelizmente, é porta-voz desse sistema. E esse porta-voz é que recicla esse “Photoshop ideológico”, fazendo parecer que esse governo está em crise, que esse governo não está dando certo, que esse governo não tem programa, que esse governo não se entende, quando é exatamente o contrário que acontece.
Nós temos séculos de protecionismo. Temos muito claramente algumas décadas de fisiologismo na veia, na nossa nova República. Nesse período, tivemos o fisiologismo “clássico”; tivemos, depois, o fisiologismo “chique”, com boa gramática; e depois, o fisiologismo “ideológico”, dominado por um projeto de dominação ideológica muito claro e muito bem identificado. Bem identificado não; antes não era; agora estamos tentando identificar, e sabemos muito bem qual era esse projeto ideológico.
Nós temos de limpar camadas e camadas desse fisiologismo. É um pouco como os exploradores do Egito, quando, a partir do século XIX, começaram a entrar nas pirâmides e nos túmulos. Primeiro, tinham que limpar aqueles dejetos de morcego, sobretudo, que fica vam ali e impediam de ver as coisas. É isso que nós estamos tentando fazer: entrar no fundo do Brasil e limpar para que possamos liberar as riquezas que estão lá embaixo. Muita gente bem-intencionada, ao longo dos anos, teve as mesmas ideias, mas não entrou lá. Ficavam olhando esses monumentos de fora. Nós entramos, e estamos tentando limpar tudo isso para chegar aos tesouros, e liberá-los para o povo brasileiro. O Presidente Bolsonaro acredita (e eu acredito com ele, e todos nós que estamos trabalhando com ele acreditamos) que existe um país decente, um país rico, um país próspero, um país feliz por baixo dessas décadas de fisiologismo.
Por que nós conseguimos o acordo com a União Europeia depois de vinte anos de tentativa? Dizem: “Ah, estávamos quase lá, e agora só que fechou.” Não, não é isso! Também estávamos quase lá em 2004 e não fechou, e não ia fechar. E se continuássemos no esquema anterior, não ia fechar. Por quê? Porque nós estamos enfrentando o sistema; o sistema é que não permitia uma política comercial com resultados.
Nós vemos esse sistema, para voltar ao tema do meio ambiente, o sistema está gritando; esse sistema que queria deixar o Brasil parado, controlado, fechado, estatizado. É esse sistema que está gritando e procurando essas vozes internacionais para, através de uma totalmente falsa percepção da nossa política ambiental, nos acusar de todo tipo de coisa. Não só nos acusar; ferir-nos nos nossos interesses comerciais, nos próximos acordos, naquele acesso que nós já temos. Denegrir a nossa agricultura, denegrir o nosso setor produtivo.
Incêndios na floresta existem todos os anos, e foram maiores em outros anos. Em outras ocasiões, ninguém falou nada. Este ano, não só estamos reconhecendo isso, mas estamos agindo. Colocamos milhares de soldados na Amazônia, bombeiros e todo tipo de ação para tentar debelar esses incêndios que havia todo ano. Nunca ninguém fez nada, nunca ninguém falou nada, mas agora estamos ferindo outros interesses.
O debate é totalmente enviesado, é totalmente manipulado, é um “Photoshop de ideias”. Esse conceito do clima e da mudança climática que começa a cobrir tudo; não é negar que exista a questão do clima e que ela deva ser tratada, mas é subsumir tudo à questão do clima. “Clima” torna-se uma palavra que faz parte, como mencionei em artigo no Figaro, do “pensamento selvagem”, o pensamento que se move por imagens, por conceitos fora da realidade. O clima é uma série de dados e fenômenos que são e têm de ser estudados. Tem de se realmente fazer o que é preciso para mitigar o que há de mal na mudança climática. Mas não é isso de que se trata. É como se fosse um circuito cerebral, em que as pessoas falam “clima” e saem para a rua para gritar contra o Brasil nos países desenvolvidos.
Isso é um sistema que se preparou durante trinta anos, pelo menos desde o começo das discussões ambientais nessa fase atual. Acho que não é demais pensar que todo esse esquema está montado, há trinta anos, para que um dia chegássemos a dizer “olha só, o Brasil está destruindo o planeta, então vamos intervir no Brasil”. Ou em qualquer outro país. “O primeiro país que sair do curral, vamos laçá-lo com esse conceito de salvar o planeta e trazê-lo de volta para o curral.” É isso que está acontecendo.
Não quero fazer propaganda do governo, mas pergunto: o que deve fazer quem quer a continuação dessa política comercial, quem quer a ratificação dos acordos que nós já assinamos, quem quer novos acordos? Modestamente, acho que é apoiar um pouquinho o nosso governo, apoiar a nossa agenda de luta contra a corrupção, a nossa agenda de reforma do Estado, a nossa agenda de luta contra o ambientalismo ideológico – não contra o meio ambiente; contra o ambientalismo ideológico, como estamos vendo agora. Porque essas coisas estão ligadas. Existe um continuum que vai desde a pequena corrupção, praticada no Brasil há séculos, até essa grande manipulação do tema climático, por exemplo.
Enfim, desculpem, eu faço um apelo para fora daqui. Sei que os senhores não pensam assim. É difícil defender que o Brasil tem que ter uma economia moderna, produtiva, competitiva, e ao mesmo tempo sem estar disposto a questionar o sistema, sem estar disposto a apoiar aqueles que estão lutando contra esse sistema, contra essa infraestrutura de patrimonialismo e de clientelismo que corrói o nosso país há tanto tempo.
Queria falar mais um pouco de política comercial e sobre o conjunto da nossa política externa. Às vezes vemos dizer que nossa política externa não tem uma estrutura. Eu acho que tem. Uma vez, eu estava fazendo uma escala no aeroporto em Madrid e vi um letreiro: “España no se abarca con la mano.” O Brasil também não se abarca com a mão. Sendo a política externa do Brasil, ela também não se abarca com a mão. Requer um pouco de esforço para tentar perceber aquilo que estamos tentando fazer.
Mas para tentar abarcar com a mão: democracia, abertura econômica, soberania, defesa dos valores e, cobrindo isso tudo, o conceito de liberdade. Eu acho que qualquer das ações que estamos tentando tomar, as coisas que estamos mudando, as coisas que estamos aprofundando, encaixa-se em algum desses domínios; e eles se coadunam: democracia, abertura, soberania, valores. Por exemplo, no MERCOSUL: por que nós conseguimos esse avanço com a União Europeia, com a EFTA, por que estamos avançando com outros acordos? Porque nós preconcebemos o MERCOSUL como uma plataforma de negociação, de integração aberta, num contexto de democracia. E por que nós temos receio do que possa acontecer na Argentina? Porque não vemos, naqueles que estão liderando as pesquisas, o compromisso com a democracia, o compromisso com a integração aberta, com a abertura econômica e com a própria essência do MERCOSUL.
Infelizmente, o candidato que lidera as pesquisas na Argentina declarou outro dia que a Venezuela de Maduro não é uma ditadura, porque Maduro foi eleito. Foi eleito com fraude, foi eleito numa eleição em que os candidatos da oposição estavam presos, foi eleito numa eleição em que o TSE deles é nomeado pelo Presidente a seu bel-prazer, em que as listas de eleitores são manipuladas, em que, em alguns casos, para votar você tinha que provar que tinha determinada fidelidade ao partido, e coisas desse tipo. Essa eleição “democrática” que conduziu Maduro ao poder, que reconduziu Maduro ao poder no ano passado. Nessa visão, é uma democracia.
Então, é claro que nos preocupa; porque esse tipo de concepção, transplantado para o MERCOSUL, vai destruir o MERCOSUL. Vai destruir o MERCOSUL verdadeiro, que nós preconcebemos. Vai destruir o MERCOSUL como plataforma negociadora de integração aberta e como polo de democracia na América do Sul. O Brasil voltou a ser o polo de democracia na América do Sul (se é que alguma vez foi), e, graças ao Brasil, hoje o MERCOSUL é o polo de abertura econômica e democracia na América do Sul.
Nós queremos que continue assim. Se isso for quebrado por uma opção de outro país do MERCOSUL, aí teremos de ver o que fazer. Nós não vamos ficar inertes diante disso, porque a dimensão de democracia e a dimensão de abertura econômica estão ligadas. Não podemos tratar de uma sem a outra. Não existe liberdade econômica sem liberdade política, e vice-versa. É preciso ver que esses dedos da mão fazem parte da mesma mão, porque eles estão cobertos pelo conceito de liberdade, que é o conceito que os une.
Uma das coisas que nós estamos tentando fazer é parar de impor-nos limites artificiais, de impor-nos limites por medo, por receio do que vão falar. Vou dar um exemplo concreto. No passado recente, no governo anterior, foi feito um enorme esforço para passar a emitir vistos eletrônicos para americanos que quisessem visitar o Brasil. Um enorme esforço e empenho que deu algum resultado, aumentou o fluxo de turismo. Por que foi feito esse esforço enorme? Porque havia uma demanda por parte dos setores interessados em mais turismo no Brasil, e havia um limite, um limite que nós impomos, que era a questão da reciprocidade. “Ah, não, você não pode liberar vistos para os americanos sem a reciprocidade!” “Por que não?” “Ah, porque não pode.” Então, todo esse esforço teve algum resultado. Nós quebramos esse limite. Nós quebramos essa barreira. Isenção unilateral de vistos para americanos, japoneses, australianos e canadenses. Aumento de 100%, 200%, 300% no turismo, nos principais centros de turismo no Brasil, já este ano, graças a essa medida. O visto eletrônico tinha aumentado mais ou menos 35% o turismo. Sem reciprocidade? É, sem reciprocidade. Um Deputado amigo meu dizia: a reciprocidade é o emprego; a reciprocidade é a renda; a reciprocidade é o desenvolvimento econômico que isso está trazendo para regiões que dependem do turismo. Só para dar um exemplo. Por quê? Porque nós resolvemos quebrar essa barreira. “Ah, a gente não pode parecer que não exige reciprocidade para os americanos. O que vão achar?” O que vão achar é que um sujeito que não tinha emprego agora tem, está trabalhando no turismo em algum lugar no Brasil.
Eu acho que há algumas correntes, alguns setores que até reconhecem que estamos fazendo algum avanço na agenda comercial. Acho que é difícil de não reconhecer isso com os avanços que nós temos com a União Europeia e com a EFTA. Mas alguns se recusam a pronunciar meu nome, outros se recusam a pronunciar o nome do Presidente Bolsonaro. Como se: “Ah, o acordo foi assinado”; “Foi assinado por quem?”; “Não, só foi assinado.” Bom, está bem. Não é por vaidade (talvez seja, se estou falando isso); mas há pessoas que são contra o Presidente, mas há pessoas que são também contra o Presidente e reconhecem que ele está fazendo as coisas, mas não admitem dizer uma frase positiva associada a ele.
Isso é outro problema de epistemologia: a ação sem agente. Eu acho que é preciso descer um pouco desse mundo emocional. Está bem que as pessoas não gostam, mas vamos reconhecer que normalmente ações têm agentes, ações negociadoras. Você não negocia um acordo de milhares de páginas sem um agente, com se brotasse da natureza.
Então, nós estamos diante da ideologia. O que é ideologia? É engraçado, porque eu e alguns colegas somos chamados de “a ala ideológica do governo”. O que nós tentamos é identificar a ideologia. Nós lidamos com a ideologia todo dia. Alguns Ministros lidam mais do que outros. Por quê? Porque a ideologia está mais implantada em alguns setores do que em outros. O Ministro da Educação lida com a ideologia todo dia; o Ministro do Meio Ambiente lida com a ideologia todo dia; a Ministra dos Direitos Humanos lida com a ideologia todo dia; e nós, do Itamaraty, também. Não por causa do Itamaraty, mas porque essa ideologia permeia a nossa vida Internacional, porque ela está implantada nas discussões de clima, ela está implantada nas discussões internacionais de direitos humanos, ela está implantada nas discussões comerciais internacionais, muitas vezes. E por isso que nós temos que enfrentar a ideologia. Está bem, se isso é ser ideológico, quem enfrenta a ideologia, que assim seja. Mas eu acho que é justamente o contrário.
Ideologia é basicamente ter uma teoria e aplicá-la aos fatos, e quando os fatos contrariam a teoria, pior para os fatos! Escolhemos outros fatos que a comprovem, ou simplesmente os ignoramos. Isso é a ideologia. Quando a realidade contraria a teoria, tanto pior para a realidade. É complicado, porque isso está arraigado na nossa
maneira de pensar. Isso não é uma coisa que a gente possa se livrar de um dia para o outro. É preciso todo um trabalho de introspecção, de pensar, de avaliação, um trabalho diante dos fatos que nos são apresentados, de perguntar-nos se aquilo é Photoshop, se não é Photoshop... E às vezes é difícil.
Enfim, nós temos que aproveitar esse momento, em que existe uma coisa extraordinária, do ponto de vista da agenda da abertura econômica e da agenda comercial: o povo brasileiro abraçou a liberalização econômica de uma maneira sem precedentes. E casou esse apego ao liberalismo econômico com os seus valores mais profundos, que são os valores conservadores da sociedade brasileira. Eu sempre digo: a meu ver, o fundamental, hoje, para mantermos esse programa de mudanças no Brasil é a aliança liberal-conservadora, é o amálgama liberal-conservador; é nós nos darmos conta de que o povo brasileiro, que ao mesmo tempo tem valores conservadores, é um povo que quer abertura comercial, que quer integração ao mundo, que quer as cadeias globais de valor, que quer acordos comerciais, etc.
Durante muito tempo, acho que vivemos separados, entre liberais e conservadores. É fundamental que essas correntes se unam, como estão se unindo, e se tornem, no fundo, a mesma corrente, como está acontecendo. Quem, lá em maio, junho, quando enfrentamos desafios grandes, saiu às ruas para defender nosso Presidente, para defender o nosso programa, quem saiu às ruas para defender as reformas? Foram os movimentos conservadores, e as pessoas conservadoras, desorganizadas ou organizadas precariamente, que foram às ruas e colocaram o pé no chão para defender um programa que em grande parte é um programa liberal, que é um programa liberal.
Bom, já falei um pouco do meio ambiente, que é um tema que está nas páginas, e infelizmente isso se deu justamente num momento em que nós temos uma política ambiental sólida, que procura livrar-se também de décadas de... no caso da política comercial, o problema era esse protecionismo arraigado no Estado; no caso da política ambiental, são as ONGs que se adornaram da nossa política ambiental. Mas nós estamos mudando isso, estamos tentando, pelo menos, livrarmo-nos desse passivo.
Nós temos ideias, isso eu vejo todos os dias nas reuniões de Gabinete. Temos reuniões sistemáticas a cada duas semanas, mas temos algum tipo de reunião ministerial duas, três, quatro vezes por semana. Isso também é uma coisa sem precedentes. Tem uma intensidade e gera uma energia de mudança fantástica. Ideias na área do crédito, na área da liberdade econômica, da facilitação de negócios, da desburocratização, ideias de simplificação. Para o setor privado, por exemplo, a meu ver, uma grande ideia do Presidente Bolsonaro é essa medida provisória que desobriga as empresas de publicarem em jornais os seus balanços, que possam publicá-los on-line ou de outra maneira. Vou fazer propaganda mais uma vez. Queria, se me permitem, pedir o apoio dos senhores, na medida em que achem que vale a pena, para os seus parlamentares, que apoiem essa medida, assim como outras medidas de liberdade econômica.
Porque não são coisas pontuais. Isso tudo forma um conjunto, isso tudo forma uma agenda de mudança e um sentimento de mudança que extrapola as políticas individuais. Se nós conseguirmos essa agenda de liberdade econômica, se conseguirmos passar a reforma da previdência, criando equilíbrio fiscal, se conseguirmos passar o pacto federativo, se conseguirmos passar a reforma tributária, com espaço e atraindo investimentos para todos os setores, muito especialmente energia e infraestrutura, por exemplo, que foram totalmente subinvestidos durante décadas, e se deixarmos o povo brasileiro trabalhar, o Brasil vai tornar-se um grande país. Nós vamos ser a “onça sul-americana”, como teve os tigres asiáticos nos anos 80.
Se nós conseguirmos continuar à frente desse processo de uma integração democrática na América do Sul, ajudando a devolver a democracia à Venezuela e evitando que novas Venezuelas surjam em outros países, se nós conseguirmos, através de uma plataforma MERCOSUL – ou não, mas idealmente sim –, integrar-nos nas grandes cadeias de valor, o Brasil vai ser um país completamente diferente.
Bem, acabei ficando sem tempo para falar um pouco mais dos projetos específicos que nós temos pela frente, mas, só para não deixar de mencionar: União Europeia e EFTA, temos que ratificar esses dois acordos. Espero que os países europeus, no caso da União Europeia, não caiam na percepção completamente equivocada de que o Brasil é um país que não cuida da Amazônia, e que, portanto, não devem ratificar o acordo. Acho que isso será muito bem esclarecido e que não haverá esse problema.
Continuar muito a fundo com as negociações em curso: Canadá, Coreia e Singapura. Com os EUA, nós já temos, posso dizer assim, a decisão política dos Presidentes Trump e Bolsonaro de abrir uma negociação comercial. Temos que ver o formato e o modelo, mas isso, se tudo der certo, como eu dizia, virá muito em breve. Com o Japão, há enorme interesse. Precisamos também começar a desenhar uma negociação com eles.
A entrada na OCDE também está às portas. Depende só de um entendimento entre americanos e europeus, não sobre o Brasil, mas sobre a questão da paridade entre o novo número de países não europeus e de países europeus. Isso virá certamente muito em breve.
Aprofundamento do comércio com a China, evidentemente parceiro absolutamente fundamental. A mudança é que antes as pessoas diziam: “ah, a China é nosso principal parceiro comercial, um sócio estratégico”, e pronto, não faziam nada. Nós falamos menos a respeito da China, mas estamos fazendo mais, eu acredito, cuidando realmente dos nossos interesses, assim como os chineses cuidam muito bem de seus interesses, e tentando achar a conexão entre os interesses, para, no nosso caso, no nosso ponto de vista, o aumento da nossa presença no mercado chinês, só para dar um exemplo.
Tudo isso no sentido de nos integrarmos às cadeias de valor, valorizar parcerias que estavam negligenciadas, criar novas parcerias. Acho que um bom exemplo também do que nós estamos fazendo é Israel e os países árabes. Nós, como os senhores sabem, temos uma política de aproximação muito grande com Israel. Dizia-se que isso iria em detrimento do nosso relacionamento com países árabes, mas é exatamente o oposto que está acontecendo. Há um interesse enorme, crescente, gigantesco, por parte dos países do Golfo, dos países do norte da África, sobretudo Marrocos, por exemplo, mas muito certamente dos países do Golfo, que têm os maiores fundos de investimento do mundo, em investir mais no Brasil, em ser parceiros muito mais profundos do Brasil. Israel é um parceiro decisivo em várias áreas, de tecnologia, por exemplo. Tudo isso de maneira integrada, de maneira que faz sentido em conjunto.
Para terminar, eu comecei com Sócrates, queria terminar com (quem é da minha geração para cima conhece, quem é para baixo talvez não conheça) o Sammy Davis Junior, aquele cantor americano. Uma vez perguntaram a ele qual é o segredo do sucesso. E ele disse assim: “Olha, eu não sei o segredo do sucesso. Eu sei o segredo do insucesso: o segredo do insucesso é querer agradar a todo mundo.” Então, nós deixamos de lado uma política em que o Brasil concorria ao concurso de Miss Simpatia, e se satisfazia com isso. Estamos no mundo tentando construir as bases para o desenvolvimento, para um país grande.
Muito obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores