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Palavras do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Carlos França, pela celebração do Dia da África
Palavras do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Carlos França, pela celebração do Dia da África, em Brasília (25/05/2021)[*]
Muito obrigado, Embaixador Martin Mbeng, pelas suas palavras tão calorosas e pela brilhante abertura que faz deste nosso evento.
Aqui pela tela de retorno eu consigo ver a imagem das senhoras e senhores chefes de missão diplomática, que nos acompanham virtualmente, e gostaria de dizer que isso multiplica em mim a vontade de que, assim que as condições sanitárias o permitam, nós possamos fazer um encontro presencial aqui no Itamaraty. Gostaria muito de poder recebê-los, as senhoras e os senhores, para um evento social, para um almoço, para um jantar, onde possamos então estreitar ainda mais os nossos laços, discutir presencialmente sobre os temas que estão sendo tratados aqui.
Senhor Embaixador Mbeng, decano do Grupo Africano, em nome e quem cumprimento todos os Embaixadores e chefes de Missão Diplomática de países africanos acreditados junto ao governo do Presidente Jair Bolsonaro, aqui em Brasília,
Caros colegas,
Senhoras e senhores,
Agradeço a presença de todos na celebração desta data, que possui grande importância simbólica para o Brasil: o Dia da África.
Quando nós, brasileiros, falamos da África, precisamos deixar de lado o rigor protocolar do discurso diplomático a que estamos acostumados. Temos de falar da África com convicção e emoção, pois nossa ligação é indelével. A África, em seus diferentes povos, culturas e territórios, integra a ascendência de mais de 50% dos brasileiros, que se autodeclaram afrodescendentes. Foi uma história marcada pelo sofrimento de inocentes, pelo trabalho de sobreviventes e pelo anonimato de subjugados.
O Brasil, maior nação de origem africana fora do continente, segue aqui, do outro lado do “rio chamado Atlântico” – para evocar palavras do Embaixador Alberto da Costa e Silva – de braços abertos, cada vez mais seguros e orgulhosos de nossa herança cultural e humana africana. Juntos, brasileiros e africanos, poderemos enfrentar desafios comuns rumo à prosperidade, criando condições para a conquista da dignidade por cada um de nossos cidadãos. Etapas nesse caminho tão árduo devem ser galgadas por meio da cooperação política, econômica e social, com olhos postos no futuro comum.
O Dia da África celebra a liberdade e vincula-se à criação da Organização da Unidade Africana, em 25 de maio de 1963. A União Africana desempenha hoje papel protagonista no reforço da institucionalidade no continente. Os países africanos estão cientes de que caminhar unidos é a forma mais eficiente para realizar seus objetivos, em favor de uma “mais ampla liberdade” – para evocar as palavras de um notável filho do continente, Kofi Annan.
O Brasil quer estar sempre unido com a África. Mantemos relações diplomáticas com todos os países do continente. Temos missões diplomáticas residentes em 35 capitais africanas. E, como bem lembrou o Embaixador Mbeng, 33 países africanos estão presentes com embaixadas residentes em Brasília e, eu ainda acrescentaria, com rede consular operante em nossas maiores cidades.
As relações com o continente africano constituem prioridade permanente do Estado brasileiro e, particularmente, do governo do Presidente Jair Bolsonaro. Desde janeiro de 2019, contabilizamos mais de 30 encontros de alto nível, presenciais e virtuais, entre altos funcionários do Brasil e de países africanos.
Desejamos seguir fortalecendo esse lastro de intensas relações, tendo por base os pilares da cooperação comercial e empresarial, da cooperação para o desenvolvimento e da cooperação em segurança e defesa. Antes, porém, de discorrer sobre cada um deles, gostaria de tratar de um tema que merecerá os melhores esforços do Itamaraty durante a minha gestão, por razões evidentes: a diplomacia da saúde.
Começo por expressar as mais profundas condolências do governo brasileiro pelas vidas perdidas para a COVID-19, aqui e no continente africano.
Desde o início da crise sanitária internacional causada pela pandemia que ainda nos flagela, o governo brasileiro disponibilizou a diferentes países do continente africano, por meio do Programa Mundial de Alimentos (PMA), doações financeiras destinadas à aquisição de respiradores mecânicos, kits de testagem, termômetros e medicamentos, além de equipamentos de proteção individual. Os recursos brasileiros beneficiaram países como Congo, Gana, Moçambique, Quênia, Ruanda, São Tomé e Príncipe e Serra Leoa, e, ainda, populações abrigadas em campos de refugiados na Argélia e no Mali. O maior volume individual doado pelo Brasil destinou-se ao Centro Africano de Prevenção e Controle de Doenças da União Africana.
Merecem destaque, também, outras iniciativas no âmbito da cooperação brasileira com países africanos. Inaugurado em 2018, o Laboratório Nacional de Referência da Tuberculose, em São Tomé e Príncipe, passou a abrigar, neste último ano, o centro laboratorial de testagem de COVID-19 no país. Em Cabo Verde, a capacitação de 450 técnicos e auxiliares no âmbito do fortalecimento da atenção primária à saúde acabou por contribuir para o esforço de contenção da pandemia no país. A cooperação técnica em Bancos de Leite Humano instalados com apoio brasileiro manteve-se ao longo da crise sanitária, tendo comportado iniciativas de treinamento para manejo de leite materno no contexto da pandemia.
No âmbito multilateral, defendemos que o consórcio COVAX Facility garanta acesso equitativo à vacina para todos os países. O Brasil apresentou sua candidatura para integrar a Comissão Executiva da COVAX. Estamos igualmente engajados em iniciativas como o ACT Accelerator e o Solidarity Call to Action. O Brasil tem trabalhado também em estreita colaboração com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), com países vizinhos e de diferentes regiões no compartilhamento de melhores práticas e lições aprendidas sobre a pandemia.
Estamos dispostos a aprofundar os laços de cooperação e solidariedade também com os países africanos nesses temas, a fim de que possamos superar juntos, o quanto antes, este terrível flagelo que assola nossas populações. Acreditamos que ninguém está seguro até que todos estejam seguros. Não é somente uma convicção, é ideia-base de nossas ações.
Estimo que, até o final de 2022, o Brasil possa cooperar na imunização de países africanos com vacinas produzidas no Brasil. Temos de lutar, nesse espaço, por uma posição de protagonismo condizente com nossas capacidades e com as expectativas que nossos irmãos da África nutrem a nosso respeito.
Não preencheremos esse espaço sem darmos a devida atenção ao fortalecimento dos fluxos de comércio e investimentos de lado a lado. Nestes últimos vinte anos, a África tornou-se polo econômico em ascensão, registrando taxas de crescimento econômico superiores à média mundial e apresentando grande capacidade de atrair capitais.
Entre 2000 e 2010, o continente africano registrou 5,4% de crescimento anual do PIB, ao passo que a média mundial foi de aproximadamente 3% no mesmo período. Nos dez anos subsequentes, até o fim de 2019, o PIB da África cresceu em média 4% ao ano, com picos de 7% ao ano – taxas também superiores à média mundial.
Diante desses números, percebemos que ainda estamos longe de realizar o potencial de comércio entre o Brasil e o continente africano. Após sensível redução na corrente de comércio entre Brasil e África verificada em 2016, experimentamos uma fase de modesta recuperação. De 2017 a 2019, as nossas trocas comerciais flutuaram entre 13 e 15 bilhões de dólares. Em 2020, a pandemia nos mostrou a solidez do nosso intercâmbio comercial, que sofreu retração de apenas 12%. Precisamos e podemos trabalhar para redinamizar nossas relações econômicas com base em um comércio igualitário, com oportunidades de desenvolvimento para todos.
Seguindo o espírito do Acordo Continental Africano de Livre Comércio, que saudamos vivamente, queremos mais acordos comerciais. Já temos em vigor instrumentos como o Acordo de Livre Comércio MERCOSUL-Egito, país para onde se destinam 26% das exportações do Brasil para o continente, quase um terço, e o Acordo de Comércio Preferencial entre o MERCOSUL e a União Aduaneira da África Austral.
Convido nossos parceiros africanos a continuar o diálogo com o Brasil sobre formas e opções para aumentarmos nosso comércio, bem como para diversificá-lo. Este diálogo já se encontra em curso, por exemplo, com os países da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC). Também queremos promover, com o apoio da Apex-Brasil, mais eventos empresariais que divulguem oportunidades de negócios dos dois lados do Atlântico.
Os investimentos do Brasil na África concentram-se, principalmente, nos ramos da construção civil, agronegócio, mineração e petróleo, tendo como principais parceiros em investimentos países como África do Sul, Angola e Nigéria.
Chamo a atenção para o fato de que também há significativos investimentos africanos no Brasil. Esses investimentos acontecem nos mais diferentes campos: da produção de petróleo e fertilizantes à extração e ao transporte do minério de ferro, passando pelo mercado editorial e pela ligação, por cabo submarino de fibra ótica, entre nossos continentes.
Temos interesse, também, em expandir nossa cooperação técnica com os parceiros da África. Nos últimos vinte anos, o Brasil realizou mais de 700 projetos de cooperação técnica com os mais diversos países africanos, destacadamente nas áreas de saúde, agricultura, pecuária, pesca, educação e formação profissional.
Notabiliza-se aqui o trabalho da Agência Brasileira de Cooperação, a ABC, que, desde 1987, presta cooperação técnica como instrumento de desenvolvimento de países irmãos – entre estes, muito especialmente, os países africanos. Atualmente, encontram-se em vigor 38 acordos de cooperação técnica entre o Brasil e países do continente e 78 projetos de cooperação técnica com a África em andamento.
Essa cooperação técnica brasileira reveste-se, como sabem, de variados formatos. Reservamos um lugar cada vez mais importante para a cooperação trilateral, em que participa, via de regra, um país desenvolvido. Temos o caso exitoso do projeto com Alemanha e Gana para melhoramento do plantio de caju naquele país africano, e com o Japão, para fortalecimento do Sistema de Resposta ao HIV em Moçambique, ou ainda no combate à lagarta do cartucho em inúmeros países africanos, em parceria com os Estados Unidos, para citar aqui apenas alguns exemplos.
No âmbito da cooperação trilateral com organismos internacionais, destaca-se o programa para o apoio no desenvolvimento de Programas Sustentáveis de Alimentação Escolar, implementado em parceria com o Programa Mundial de Alimentos por meio do Centro de Excelência contra a Fome.
Ressalto, igualmente, interesse permanente em ampliar nossa cooperação cultural com a África, em virtude dos laços humanos que unem nossos povos. No campo educacional, o Brasil mantém acordos com 26 países africanos, que permitiram a mais de oito mil jovens africanos admissão em universidades brasileiras para estudos de graduação. Tal cifra representa 75% de todos os estudantes estrangeiros atendidos pelo Programa Brasileiro de Estudante-Convênio.
Senhoras e senhores embaixadores,
O Brasil mantém ainda com a África crescente e intensa cooperação na área de defesa e segurança. África Ocidental e Brasil compartilham o Atlântico Sul, espaço que faz parte do “entorno estratégico” brasileiro.
Temos acordos-quadro de cooperação em defesa com 12 países africanos. Nossas Forças Armadas enviam e recebem, regularmente, oficiais e suboficiais para cursos e outras atividades de treinamento. A Marinha do Brasil, por exemplo, forma mais de mil militares da Marinha da Namíbia em escolas brasileiras, e este é o maior contingente de oficiais estrangeiros já capacitados no Brasil. A Missão Naval do Brasil na Namíbia contribuiu para a criação do Curso de Formação de Marinheiros na Base de Walvis Bay.
Várias forças aéreas da África já utilizam aeronaves Super Tucano fabricadas no Brasil pela Embraer. Também cooperamos com países africanos na implantação de sistemas de controle terrestre, aéreo e naval. Destaca-se ainda o desenvolvimento conjunto de tecnologia de mísseis com a África do Sul: o projeto de míssil ar-ar de quinta geração “A-Darter”, concluído em setembro de 2019, é um exemplo de cooperação exitosa.
No Golfo da Guiné, participamos, pela sétima vez, nas atividades da "Operação Obangame Express", com o navio-patrulha oceânico "Araguari", da Marinha do Brasil. No exercício, participam os 16 países do Golfo da Guiné, desde Senegal até Angola.
Bienalmente, realizam-se os exercícios navais IBSAMAR, que contaram com a atuação da corveta “Barroso”, em 2018, gerando aproximação e intercâmbio de experiências entre as Marinhas do Brasil, da África do Sul e da Índia.
No âmbito desse esforço de fortalecimento da cooperação em defesa e segurança, sublinho que o Brasil condena veementemente todo tipo de violência terrorista, sob quaisquer formas ou motivos. Reafirmo a determinação do Brasil, em nome da defesa e segurança de nosso entorno geográfico comum, de trabalhar contra esse flagelo em conjunto com a comunidade internacional.
Nesse contexto, manifesto a solidariedade do Brasil ao governo e ao povo de Moçambique, assim como às vítimas moçambicanas e estrangeiras das indiscriminadas e brutais ações terroristas em Cabo Delgado.
Senhoras e senhores,
Vemos na União Africana canal privilegiado de diálogo entre o Brasil e a África. O Brasil tem proposta de criação de um mecanismo de consultas políticas regulares entre nosso país e a União Africana. A Organização representa importante espaço de divulgação de projetos de alcance continental, como a área de livre comércio ou o passaporte continental unificado. Complementarmente, instrumentos como a observação eleitoral, a garantia do resultado dos pleitos e o apoio ao funcionamento regular das instituições dos países-membros têm contribuído para prevenção de conflitos e reforço da institucionalidade no continente, trabalho para o qual desejamos continuar a contribuir dentro de nossas possibilidades e interesses comuns.
Senhoras e senhores,
Por fim, refiro-me, de maneira muito especial, à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP. Seis dos nove membros da CPLP são países africanos. A Comunidade é um símbolo do valioso patrimônio humano, linguístico e cultural que nos une. Em seus quase 25 anos de história, a CPLP registrou amplos avanços, enviando ao mundo mensagem de paz, solidariedade, tolerância, diálogo e plurilinguismo, conforme já observado pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres.
E aqui me permito uma breve digressão: eu recebi esta manhã o Secretário de Internacionalização do governo português, e ele mencionava, com muita alegria, a possibilidade de realização de forma presencial da cúpula CPLP em julho, agora, na cidade de Luanda. E dizia também da importância que ele outorga a esse Fórum, não apenas no campo cultural, linguístico ou das relações internacionais, mas também de uma dimensão econômica à CPLP, com a participação, por exemplo da Agência de Investimentos Brasileira, a APEX-Brasil.
De modo que a experiência da CPLP – como também a da União Africana – demonstra serem os povos e as nações mais fortes quando se unem.
Senhoras e senhores,
Refiro-me agora, para terminar, ao futuro das relações entre o Brasil e a África. É ambição do Brasil tornar-se parceiro de relevo no desenvolvimento do continente africano.
O crescimento da África torna a questão da segurança alimentar um dos grandes temas do continente. Uma população que dobrará em trinta anos precisará de fornecimento de energia. Há que se pensar ainda a questão da infraestrutura. Essa realidade configura oportunidade única para darmos impulso a nosso comércio e investimentos recíprocos.
Estamos determinados, no Brasil, a participar da revolução agrícola pela qual passará a África, com nosso conhecimento, maquinário e programas de capacitação. Nos campos do urbanismo, infraestrutura e agronegócio, precisamos dar os passos necessários para empreender processos de transferência de tecnologia que proporcionem ganhos de bem-estar social e geração de empregos qualificados pelos quais africanos e brasileiros tanto têm lutado e que tanto merecem.
Não há limites para aquilo que o Brasil e a África, juntos, podem fazer, sobre a base de uma herança cultural e humana compartilhada. Parabéns pelo Dia da África!
Muito obrigado.