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Live com o Ministro Ernesto Araújo sobre repatriação de brasileiros durante a pandemia
Live com o Ministro Ernesto Araújo sobre repatriação de brasileiros durante a pandemia (10/06/2020)
Ministro Ernesto Araújo – Boa noite a todos. Estamos aqui para fazer uma primeira live. Estou fazendo da minha sala de trabalho, no Itamaraty, para conversar hoje sobre o tema da repatriação de brasileiros de diferentes países do exterior durante a pandemia.
Estou aqui com a Conselheira Melina Espeschit Maia [Coordenadora-Geral de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania] e com o Primeiro-Secretário Adam Jayme de Oliveira Muniz [Subchefe da Divisão de Temas Educacionais e Língua Portuguesa] para falarmos sobre todo o trabalho que centenas de pessoas do Itamaraty fizeram em favor dessa repatriação de brasileiros.
Queria começar dizendo o seguinte, que tem tudo a ver, evidentemente, com o tema da repatriação: um dos nossos princípios é que nós do Itamaraty, os diplomatas brasileiros, em Brasília e no exterior, não devemos fazer apenas coisas que sejam importantes para outros diplomatas. Eu acho que é uma tradição, não só no Brasil, mas no mundo, uma tendência, diplomatas só fazerem coisas que sejam importantes para outros diplomatas. Nós queremos fazer coisas que sejam importantes para o povo brasileiro, para a população. É para isso que nós estamos aqui, é esse o nosso dever e essa é a nossa vocação. E o tema da repatriação é, muito claramente, um exemplo disso. É trabalhar com as pessoas, com os brasileiros, para ajudar pessoas que estão enfrentando dificuldades para retornar ao Brasil, para que possam retornar à Pátria.
Sobre a palavra repatriação: vocês sabem que eu gosto de examinar as palavras, pois elas, no fundo, sempre dizem mais que apenas na aparência. Então, na repatriação, está a “pátria” e “re”, o retorno, a volta. A repatriação é algo que vai além de, simplesmente, do ponto de vista do Itamaraty, do caso de ajudar no transporte, na vinda das pessoas.
Eu estou convencido que, hoje, nós estamos num processo de repatriação do Itamaraty no sentido de o Itamaraty estar voltando a ser Pátria; estar voltando a ser parte da nossa Pátria amada Brasil. Deveria ser óbvio, mas não é. Durante muito tempo, o Itamaraty se afastou da Pátria, se afastou da ideia de Pátria, se afastou do povo brasileiro e se aproximou dos organismos internacionais. Sem nenhum problema com os organismos internacionais, mas eu acho que nós nos esquecemos que nós somos Pátria, que nós somos parte dessa Pátria e que nós temos um dever permanente de trabalhar por essa Pátria. Durante muito tempo, nós tivemos uma certa mentalidade, que se foi arraigando, de um Itamaraty distante do povo brasileiro, um Itamaraty envergonhado da nossa essência e muito preocupado em como éramos vistos lá fora e menos preocupado em trabalhar com o nosso povo a partir dos valores dele.
“Pátria” é uma palavra que a gente não escuta muito nos corredores da diplomacia – não escutava. Agora, pelo menos no Brasil, é uma palavra que se está escutando porque é uma palavra muito profunda, é uma palavra com muito significado. A Pátria é a nossa razão de ser, então é por isso que nós estamos aqui. Lembrando, evidentemente, o lema do nosso patrono, Barão do Rio Branco: “em todos os lugares, lembrar-se da Pátria”, Ubique patriae memor. Está aí a nossa essência, desde o patrono da nossa diplomacia. E até como mencionei ontem, na reunião do Conselho de Governo, nós temos, hoje, com esse trabalho da repatriação, a oportunidade de complementar esse lema do Barão dizendo: “em todos os lugares, lembrar-se dos brasileiros” que estão em todos os lugares do mundo precisando voltar.
Agora, falando especificamente de repatriação, eu acho que o universo simbólico e o universo concreto estão sempre lado a lado, mas, do ponto de vista concreto, nós já tivemos a oportunidade de ajudar a repatriação de 34 mil brasileiros; 241 nas últimas 24 horas. Isso dá uma dimensão desse trabalho que nós estamos realizando já há alguns meses aqui no Itamaraty. Claro, sempre em coordenação com outros órgãos, e em muitos casos em coordenação com o Ministério do Turismo e com a Embratur; em outros casos com a FAB, mas com o peso e uma centralidade muito grande aqui no Itamaraty.
Eu queria passar um breve histórico de como tem sido esse trabalho e eu queria pedir para a Melina nos falar a respeito. Começou lá em fevereiro, com aqueles brasileiros que ajudamos a trazer da Província de Hubei, na China, e depois falar de todo o desdobramento.
Conselheira Melina Maia – Tudo começou de uma forma muito repentina aqui no Itamaraty. Tivemos essa demanda dos brasileiros que estavam em Wuhan quando a cidade foi fechada por causa do aumento do número de pessoas infectadas por coronavírus. Houve uma mobilização muito grande por esses dois aviões da FAB, os aviões do Presidente que foram a Wuhan pegar os brasileiros que precisavam voltar. Nesse momento, os diplomatas já foram muito integrados no processo. Três colegas foram dirigindo até Wuhan, na neve, várias horas à noite, para conseguir entrar e fazer todos os trâmites necessários com o governo chinês para que o voo acontecesse. Ocorreu tudo bem com a quarentena em Anápolis (GO), os colegas também ficaram lá junto com os brasileiros, saiu tudo bem e não teve pessoas infectadas.
Depois tivemos o Irã que, no começo de março, teve um aumento dos casos de forma muito repentina. Nós tínhamos um grupo de turistas lá com uma situação muito específica, pois eram um grupo de turistas idosos e que precisavam voltar, pois faziam parte do grupo de risco. Com isso, nós tivemos várias embaixadas mobilizadas para que eles pudessem ser encaixados em voos comerciais ainda existentes naquele momento e que pudessem chegar no Brasil. Houve pessoas que fizeram escala em Moscou, então nós tivemos de mobilizar a Embaixada de Moscou. Tinham pessoas na Tailândia, na Suíça e todos chegaram bem; até que, de uma hora para outra, quando foi declarada a pandemia, em 11 de março, a demanda por repatriação de pessoas que realmente ficaram retidas naquele momento (turistas mesmo), que precisavam voltar para o país, cresceu enormemente. Foi quando foi criado o grupo consular de crise. De uma hora para outra, em uma semana, nós tínhamos 15.000, 20.000 chamadas nos celulares que foram colocados à disposição. A demanda por número de pessoas para trabalhar aqui com esse processo de repatriação aumentou cada vez mais e o processo todo foi sendo montado.
Num primeiro momento, a ideia era acomodar as pessoas em voos comerciais ainda existentes porque, apesar de todos os países terem fechado ao mesmo tempo, algumas linhas ainda eram possíveis de serem utilizadas. Mas, aí, chegou um momento em que isso não era mais possível e foram pedidos esses recursos extraordinários para o Ministério da Economia, que nos atendeu, juntamente com a Casa Civil, sendo possível fazer uma operação até hoje inédita no Itamaraty, porque nunca houve casos de fretamento de voos e agora já estamos com 31 voos fretados e, mais ou menos, entre 7.500 e 8.000 pessoas voltaram nesses voos contratados pelo Itamaraty com o auxílio das embaixadas, dos consulados e de toda a rede de postos no exterior.
Ministro Ernesto Araújo – Excelente. Esse caráter sem precedente dessa operação é algo que precisamos destacar. Não se tinha um roteiro, era algo que fomos fazendo à medida da necessidade, criando o próprio trabalho. Assim como a pandemia que nós estamos vivendo é algo sem precedentes. Nós formamos, em março, o grupo consular de crise para centralizar e atender essas demandas por repatriação. Eu queria pedir para o Adam falar um pouco de como é a dinâmica desse grupo desde o começo.
Secretário Adam Jayme Muniz – Obrigado, Ministro. O grupo se formou, basicamente, logo depois da pandemia ser declarada. Foram formados grupos de trabalho por região, eu próprio coordenei, coordeno, ainda, a América do Sul, e fomos angariando colegas para formar esses grupos aqui na Secretaria de Estado, são mais de 60 diplomatas no Itamaraty trabalhando nesses grupos.
O interessante é que, por mais que às vezes esse grupo seja referido como gabinete de crise, o trabalho é completamente descentralizado e, por conta da pandemia, a maior parte é feita a partir de casa pelos colegas. Nós temos um celular de plantão para cada região, que serve para que o colega atenda ligações e responda mensagens de WhatsApp durante o turno. Às vezes um turno emenda com outro, então tentamos revezar para que o colega não fique muito cansado. E, com o desafio do deslocamento por causa da pandemia, aqui em Brasília, ainda tínhamos que criar uma logística para não expor o colega que estava executando o trabalho ao risco de contaminação.
Nós chegamos num momento, logo no início da pandemia, a ter dezenas de ligações em um único dia. Um colega uma vez me ligou quase chorando, me dizendo: “O que eu faço, eu não consigo mais atender aos telefonemas, tenho mais de 60 mensagens de WhatsApp não respondidas, e tem uma senhora e a filha dela...” Isso mostra um pouco da dimensão no início do trabalho.
Porém, uma questão que é característica desse trabalho é que ele é muito descentralizado. Além dos mais de 60 colegas na Secretaria de Estado, nós tivemos centenas de colegas mundo afora, nas embaixadas e consulados, além de todas as carreiras do serviço exterior, de funcionários locais, completamente dedicados ao atendimento na ponta. Um trabalho dessa natureza só dá certo por causa dessa descentralização, porque somente contando com o nosso colega lá na ponta, com os nossos funcionários na ponta, é que é possível realizar uma operação de repatriação.
Conselheira Melina Maia – O interessante, só para complementar, é essa questão do trabalho em rede que hoje as redes sociais proporcionam. Você tem um embaixador lá no posto preocupado com o brasileiro que precisa daquele tratamento específico, e o colega aqui em Brasília, o colega em outro lugar. O trabalho foi realmente muito solidário e todos buscando ajudar caso a caso, desde os mais complicados até casos de documentação necessária, ou de como a pessoa iria chegar ao aeroporto, porque vários países impediram o deslocamento interno. Por exemplo, na Índia, havia uma pessoa num lugar do país, outro ao sul, outro ao norte... Então todo esse trabalho logístico foi coordenado com muito cuidado para que tudo desse certo. Você não pode tirar uma pessoa do norte da Índia e leva-la até o lugar onde iria pegar o avião se não tivesse certeza de que aquilo iria dar certo, de que iria funcionar.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Essa rede funcionou em Brasília, claro, e em mais de cem postos (embaixadas e consulados) do Brasil no exterior, 24 horas por dia. O número total de pessoas envolvidas nessa operação é superior a 400. Esse número inclui pessoas do serviço exterior, que tem as carreiras de diplomata, oficial de chancelaria, assistente de chancelaria, e contratados locais que trabalham em embaixadas e consulares brasileiros no exterior que são vinculados diretamente a essas embaixadas e consulados. O total é seguramente mais de 400, talvez chegando a 500 pessoas envolvidas nisso, trabalhando 24 horas por dia e, em cada país, um desafio diferente, cada pessoa uma situação diferente – famílias, pessoas ilhadas, muito distante de qualquer lugar que pudesse ter um voo. Uma coisa é conseguir, como já estamos conseguindo, fizemos 31 voos fretados; outra coisa é reunir os brasileiros que estão, às vezes, a milhares de quilômetros de onde pode ser feito o voo e com muitos países com restrições de deslocamento interno, barreiras que exigem uma negociação. Eu mesmo participei e me considero parte desse número de mais de 400. Fiz ligações para chanceleres de outros países, sobretudo chanceleres de países vizinhos para facilitar esse translado de brasileiros sempre fixados nessa demanda completamente diferenciada, às vezes imprevisível, a cada momento surgindo algo que a gente tinha que tratar naquele momento.
O tema dos países vizinhos é interessante porque em grande parte foi realizado transporte terrestre, com um desafio grande, sobretudo Bolívia e Argentina. O Adam quer falar um pouco da Bolívia, especificamente o caso dos estudantes brasileiros.
Secretário Adam Jayme Muniz – A Bolívia é um caso bastante interessante porque o perfil do brasileiro lá é diferente do turista que foi pego de surpresa. Aliás, nós até tínhamos um número pequeno de turistas na Bolívia naquele momento, mas nós tínhamos um grande contingente de estudantes, mais de 25 mil estudantes, sobretudo de medicina; também de ciências da saúde, mas a grande maioria é de medicina. Então são estudantes que, de repente, tiveram seu semestre suspenso, aulas suspensas com grande indefinição, o dólar subindo naquele momento, aumentando a dificuldade de mantê-los ali. E esse não é um caso clássico de repatriação, porque são pessoas que desejam voltar ao Brasil e depois, evidentemente, retornar à Bolívia para terminar seus estudos. Então, nós conseguimos estabelecer uma estratégia de repatriação por terra, mobilizando todos os nossos postos na Bolívia, sobretudo, a Embaixada em La Paz, nossos Consulados-Gerais em Cochabamba e em Santa Cruz de La Sierra, e o nosso Consulado de fronteira em Puerto Quijarro para autorizar comboios que pudessem chegar até a fronteira. Não é uma operação simples, porque você não pode simplesmente encher uma série de ônibus e levar para as fronteiras. Você tem que coordenar do lado de cá também. É uma coordenação com a Prefeitura de Corumbá com o governo do Estado do Mato Grosso do Sul, com a Polícia Federal e com a Polícia Rodoviária Federal, porque os alunos tampouco ficarão depois em Corumbá. Eles seguirão para os seus destinos de origem. É uma operação extremamente complexa num país, no caso da Bolívia, em que todos os deslocamentos internos estavam suspensos. Então, era preciso de uma autorização especial da capital e por isso a nossa embaixada foi fundamental para realizar, junto com os consulados, essas autorizações para os ônibus com as listas, para poderem sair e informar os nossos postos nas fronteiras, para as autoridades locais e para a Anvisa. Realmente, foi algo bastante complexo e o mais interessante é que, desde que desenhamos essa nova operação, praticamente todos os dias nós tínhamos um ônibus de brasileiros que iam até a fronteira.
Ministro Ernesto Araújo – Isso chama atenção para essa realidade dos diferentes estados brasileiros que, às vezes, têm diferentes pessoas concentradas em outros países e isso fez com que nós tenhamos recebido uma colaboração, uma coordenação muito boa, com todos os parlamentares, senadores e deputados que me ligaram, ligaram para o grupo de crise. Muitas vezes era algo importantíssimo e sempre para chamar atenção a casos específicos de brasileiros que nós precisávamos atender e, às vezes, era a maneira mais rápida de chegar o pedido, acompanhando e muitas vezes ajudando nas negociações. Nesse caso, essa coordenação entre nós do Itamaraty, o Poder Executivo com o Legislativo foi extraordinária e continuamos sempre recebendo essas indicações de parlamentares que falam: “Tem brasileiro do estado que está em tal lugar, vamos verificar se já está atendido ou se não está”, sempre colocando as pessoas na lista de todo mundo que virá para o Brasil.
Isso foi, desde o começo, um grande desafio: saber onde estavam os brasileiros que precisavam da repatriação. Isso é fundamental, é preciso saber, é preciso ver as pessoas no mapa para que possamos dar as orientações e organizar os transportes terrestre, aéreo, etc. Nisso, nós nos valemos muito, evidentemente, das redes sociais. A Melina podia falar um pouco disso, de como a utilização das redes foi o fundo central para o nosso trabalho.
Conselheira Melina Maia – Com certeza. A forma como as demandas chegavam era muito importante, porque as pessoas tinham que conseguir chegar aos consulados e às embaixadas numa situação muito difícil. Então, a forma como as redes sociais foram utilizadas proporcionou muito a passagem dessa mensagem de que era preciso entrar em contato com a embaixada e com o consulado para que a sua necessidade fosse atendida. Não tínhamos como saber que a pessoa estava presa lá no interior do Peru se a pessoa não entrasse em contato com a embaixada ou o consulado. Por isso tentamos muito divulgar esses números do grupo dos plantões e, na medida do possível, atender a todas as ligações.
Uma coisa interessante, se o senhor me permite, Ministro, e que deixou o grupo bastante apreensivo, era a questão dos casos dos cruzeiros. Embora tivesse uma grande disposição do Ministérios das Relações Exteriores para ajudar, muitas vezes era realmente muito difícil, porque esses cruzeiros estavam em alto mar e eles tiveram de mudar suas rotas por causa de os países terem fechado os seus portos e não deixarem as pessoas desembarcarem. Nós tínhamos grupos enormes de pessoas que não tinham destino e que estavam esperando permissão de um dos países da rota para que eles desembarcassem e, muitas vezes, com medidas restritivas de quarentena – eles ficavam quinze dias dentro do navio para depois serem testados para ver se poderiam sair ou não. Muitos países exigiram que esses passageiros de cruzeiro só podiam retornar com voos fretados. Para isso, era necessário reunir um número mínimo de pessoas para que eles pudessem retornar. Não tem como, economicamente falando, fazer um voo fretado para quinze pessoas. Então, essas foram pessoas que realmente deixaram o grupo bem angustiado, porque queríamos realmente tentar ajudar, mas não era possível. Hoje, ainda temos a parte dos passageiros, que já está bastante resolvida, e temos alguns tripulantes que ainda estão nessa situação, mas que pouco a pouco, com o auxílio das próprias empresas de cruzeiros e das embaixadas e consulados, a situação está se resolvendo.
Ministro Ernesto Araújo – Ótimo. Duas coisas interessantes: teve um caso de um cruzeiro que eu acho que estava no sul do Chile e, se não me engano, foi subindo, não tinha onde parar e chegou em San Diego, nos Estados Unidos. E nós conseguimos trazer as pessoas de San Diego, inclusive pessoas de outros países da América do Sul. Em muitos casos, nós ajudamos a transportar nacionais de outros países, que sempre ficaram muito gratos por essa colaboração. Também recebemos esse tipo de colaboração, como do Uruguai, que ajudou a transportar brasileiros. Essa solidariedade foi muito importante.
Temos outros exemplos como o Chile. Nós fizemos um memorando, porque, num certo momento, era muito difícil para os chilenos vindos de outros lugares fazerem a conexão no Brasil para retornar ao Chile; e brasileiros vindos de outros lugares que faziam conexão no Chile, por exemplo, para voltar para o Brasil. Nós conseguimos fazer esse memorando, que teve uma excelente colaboração com esses países e com outros países também, mas eu queria mencionar esses dois como exemplo de coordenação que funciona muito bem aqui na região, do Uruguai e Chile. Isso dá uma dimensão de que está sendo um momento único e que as pessoas que às vezes estão no meio do mato, estão visitando Machu Picchu, estão visitando Katmandu, aquelas pessoas lá na Índia, as que estão nas Maldivas, nas ilhas do Equador, Galápagos... Equador é um caso específico, não é?
Secretário Adam Jayme Muniz – Foi um caso, Ministro, se me permite, que nos chamou bastante atenção porque, no início da crise sanitária, o Equador tinha a taxa de transmissão mais alta da região, então o Equador logo fechou o seu espaço aéreo e proibiu o transporte dentro do país. E nós tínhamos um grupo de turistas em Galápagos que não estavam autorizados a voltar para o continente, o que demandou muitas gestões da nossa embaixada junto às companhias aéreas e ao governo equatoriano para viabilizar que eles pudessem voltar para o continente. Isso que a Melina falava, da dificuldade de você... Porque não adiantava falar que nós tínhamos 110 brasileiros no Equador, porque eles não estavam todos em Quito, em um único ponto para poderem ser repatriados. Então o primeiro desafio era reunir todos em Quito. Nesse caso, inclusive, nós tínhamos nove para-atletas e mais o seu treinador, que estava em Cuenca; então precisamos de autorização para deslocá-lo até Quito.
Ministro Ernesto Araújo – Uns 300 km de distância?
Secretário Adam Jayme Muniz – Mais ou menos isso. E não é uma operação simples mantê-los depois em Quito. Foram apoiados pelo Itamaraty, que autorizou recursos para mantê-los numa hospedagem até o voo de repatriação ser viabilizado.
Ministro Ernesto Araújo – Ótimo. E foi muito bacana que algumas pessoas gravaram vídeos no momento do embarque, no momento de pegar o ônibus, de pegar o avião. Estavam com a bandeira do Brasil e querendo expressar a alegria de conseguir voltar para casa.
Queria agradecer todo mundo que teve esse gesto de reconhecer o trabalho que foi feito aqui pela equipe e de favorecer isso. É claro que é a nossa obrigação, é a nossa vocação, como eu dizia, mas é óbvio que ficamos muito alegres quando as pessoas mencionaram esse trabalho, porque é isso, é uma conexão muito profunda aquele momento da pessoa que está se perguntando como voltaria para o Brasil e, conseguindo, mostra a bandeira e é aquela alegria. É claro que, como eu já disse, a alegria vem junto com a preocupação com aqueles que nós ainda não conseguimos ajudar na repatriação e eu queria falar um pouco disso. Antes, só mencionar também o seguinte: um desses aspectos foi o caso de muitos países onde brasileiros que estavam viajando a turismo e, de repente, se viram expulsos dos hotéis onde estavam; muitos hotéis fecharam e não queriam mais saber de ter hóspedes e as pessoas ficaram na rua e nos aeroportos tentando diminuir a dificuldade... E, através das nossas embaixadas e consulados, nós pudemos prover a assistência mínima para as pessoas terem onde ficar aguardando o voo de retorno. Isso também faz parte da nossa assistência no trabalho de repatriação.
Secretário Adam Jayme Muniz – O senhor me permite um comentário? O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foi parceiro fundamental nisso.
Ministro Ernesto Araújo – Sim, a Ministra Damares. Muito obrigado, Ministra.
Secretário Adam Jayme Muniz – Graças a essa rede do Ministério, nós pudemos oferecer abrigo, sobretudo para aquelas pessoas com dificuldades, com situação de desvalimento, em diversos países da Europa. Nesse momento, conta muito a rede de conexões dos nossos colegas, dos embaixadores e cônsules-gerais, dos cônsules honorários que possibilitaram encontrar locais como igrejas e outros que os pudessem abrigar.
Isso foi bastante fundamental, porque a política de repatriação não é apenas o transporte, ela começa no acolhimento, e esse é um aspecto que eu gostaria de destacar.
Conselheira Melina Maia – Algumas pessoas que ficaram sem dinheiro, de uma hora para outra, mas o voo de repatriação só seria no prazo de dez dias e os consulados puderam dar esse tipo de apoio, pequenos auxílios, negociaram com albergues para que recebessem essas pessoas, mesmo sendo difícil naquele momento por causa das restrições de movimentações dentro do país ou impostas pelo governo.
Uma coisa que era complicada também, e, para nós, era muito difícil, era a questão de que nem sempre os consulados estavam abertos. Mas não era porque não queríamos que eles estivessem abertos, era mais porque eles não podiam estar abertos naquele momento pelas regras sanitárias locais. Então, as pessoas tinham que realmente ter paciência para esperar serem atendidos por telefone ou e-mail, porque, embora no momento de aflição seja interessante ter a interação com a pessoa, não dava para abrir o atendimento ao público totalmente nesse momento por restrições locais.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. O Adam mencionou o apoio que nós tivemos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e da Ministra Damares. Eu tinha mencionado antes a FAB então, portanto, o Ministério da Defesa, a Casa Civil, evidentemente, o Ministério do Turismo, a ANAC... Isso mostra que o governo que trabalha em conjunto, que trabalha de maneira coordenada, o gabinete de crise para o enfrentamento da pandemia funcionando 24 horas por dia com a colaboração de todos os ministérios funcionou e continua funcionando de uma maneira permanente e que permitiu concretizarmos isso que é algo que existe desde o começo, esse espírito de equipe que o Presidente Bolsonaro trouxe para o governo, esse espírito de que somos todos um time, de trabalhar em conjunto. Isso é muito importante.
Secretário Adam Jayme Muniz – O senhor me permite um gancho? Eu contava o caso da Bolívia e que essa coordenação dos dois lados da fronteira só foi possível porque nós tínhamos o Planalto também num grupo coordenado com todas as instituições presentes. Então, quando chegou o momento em que nós iríamos receber um comboio de 16 ônibus, nós precisávamos coordenar com a Anvisa, a Polícia Federal, o Exército... Isso foi possível graças a essa equipe coordenada no Planalto.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Ainda temos a questão com a qual estamos trabalhando dia a dia dos brasileiros que ainda não puderam retornar e que pediram a nossa ajuda. Existem ainda números altos como, por exemplo, na Argentina, mais de 1.200; Canadá, mais de 700; Austrália, mais de 600; na Índia, cerca de 100, mas também em vários países africanos com um ou dois brasileiros em vários países. No caso da África, nós estamos vendo como organizar para juntar a partir de um determinado ponto, mas trabalhando com todos esses casos.
Nós temos recebido muita procura, muita demanda, sobretudo de pessoas que estão no Canadá e no México. Isso tem aparecido na imprensa e eu queria garantir que tudo está sendo feito para que possamos atender a todos esses casos. Não sei se vocês querem falar um pouco desses dois casos específicos, como que está no Canadá e no México?
Conselheira Melina Maia – Nesse caso, estamos tentando ainda entender a demanda, porque a contratação de voo não é uma tarefa simples, não é só a questão de querer fazer o voo de repatriação. Temos uma limitação no trabalho das companhias aéreas e nem todas estão podendo operar. No caso do México, hoje nós estamos fazendo um levantamento para ver como podemos, exatamente, atender a demanda.
A mesma coisa no caso do Canadá, a gente tem uma situação, de certa forma, parecida com a da Bolívia, de muitos estudantes que estão presos lá agora por causa da pandemia, com o fim de semestre escolar e coisas desse tipo. Tudo está sendo analisado para trabalharmos e resolvermos com a maior brevidade possível.
Secretário Adam Jayme Muniz – Vemos também que os países começam devagarzinho a abrir, o que facilita bastante para que nós possamos permitir que os voos e as rotas comerciais se estabeleçam e os brasileiros possam voltar.
Conselheira Melina Maia – A demanda muda, por exemplo, mesmo no caso do Canadá. Até pouco tempo atrás, os voos estavam ocorrendo e, de uma hora para outra, por questão de diminuição de demanda, os voos pararam de acontecer. Então, a cada momento, a cada semana, temos uma situação num país diferente que a gente precisa lidar e tentar encontrar uma solução.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Eu queria, sobretudo, destacar, do nosso ponto de vista, a dedicação do Itamaraty, membros da carreira diplomática, como eu, colegas do Itamaraty representando todo o serviço exterior, todas as pessoas que se mobilizaram nessa tarefa. Por isso que eu queria mostrar que o Itamaraty se desdobrou nisso, está se desdobrando e, novamente, é uma obrigação, é uma vocação nossa, mas é algo que nós fazemos com um sentimento muito profundo de alegria por poder trabalhar diretamente com os brasileiros concretizando esse ideal de abrir as portas, abrir o nosso ministério para trabalhar com os brasileiros, pois nós somos parte desse povo, nós queremos que o Itamaraty seja Brasil e que o Brasil seja Itamaraty e não uma espécie de representação dos organismos internacionais no Brasil. Isso é algo que concretiza o nosso ideal. Adam, quer falar alguma coisa?
Secretário Adam Jayme Muniz – Eu gostaria, Ministro. O senhor falava, no início, sobre a ideia de Pátria e, desde que eu entrei na carreira, eu e Melina somos da mesma turma e vamos fazer quase quinze anos de carreira, em poucos momentos eu senti tanto essa presença de um dever patriótico, porque o trabalho consular está muito ligado ao beneficiário da política pública, ao cidadão. Então, essa ideia de servidor público, eu nunca senti tão forte, a ideia de servir ao público, quanto neste trabalho. E eu digo, e posso falar pelos meus colegas, oficiais de chancelaria, assistentes de chancelaria, diplomatas no início de carreira, que estão na nossa equipe, pouco mais de dez, todos extremamente engajados, quando chega uma mensagem, todos participam no grupo de WhatsApp para saber como estão os casos dos brasileiros e festejam quando, na volta, eles mandam mensagens. São mais que burocratas, são torcedores para que essa política dê certo.
Conselheira Melina Maia – Eu também compartilho desse sentimento do Adam. O sentimento de você ter várias pessoas em lugares como no interior da Irlanda, na Itália, na Índia com o seu número de celular para poder pedir ajuda. Eu várias vezes acordei às três horas da manhã me perguntando como eu poderia fazer para ajudar determinadas pessoas, o que é muito difícil às vezes, porque, apesar da nossa tentativa de ajudar, às vezes era impossível realmente naquele momento. Mas depois de ter um feedback, como no caso de uma mãe de uma brasileira que estava em Portugal e estava, muito, muito aflita, me escreveu muitas vezes e depois me mandou o vídeo da filha dela chegando e você realmente vê o resultado do trabalho, é muito gratificante para nós do grupo de crise consular.
Ministro Ernesto Araújo – Eu tenho um pouco mais que vocês. Tenho trinta anos de carreira e, realmente, nunca participei e é um privilégio participar, poder ajudar nesse momento, poder coordenar e isso a partir da minha sala, mas independentemente do local, estamos 24 horas por dia nisso, sempre com essas emergências, com essas urgências e trabalhando com essa convicção de que estamos juntos nessa tarefa com todo o povo brasileiro.
Eu queria agradecer a atenção de todos que nos assistiram, agradecer a Melina, o Adam e todos os outros colegas de todas as carreiras do serviço exterior e contratados locais no exterior que trabalharam na repatriação e que estão dando concretude a esse ideal da nossa Casa aqui, do Itamaraty.
Obrigado, boa noite a todos.