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Intervenção do Ministro das Relações Exteriores no debate aberto do CSNU sobre proteção de civis em conflitos armados – Nova York, 23/05/2023
Nesta terça-feira (23/5), o Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, proferiu discurso no debate aberto do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre proteção de civis em conflitos armados.
A tradução da intervenção está disponível abaixo:
Senhor Presidente,
Agradeço à Suíça por organizar o debate deste ano sobre a proteção de civis. É com grande satisfação que participo desta discussão sob sua presidência.
Faço meus agradecimentos ao Secretário-Geral, ao Presidente da Comitê Internacional da Cruz Vermelha e ao representante da sociedade civil por suas observações esclarecedoras.
Inicialmente, permitam-me dizer que o Brasil se associa, igualmente, à declaração a ser proferida pelo Estado do Kuwait em nome do grupo de amigos da proteção de civis em conflitos armados.
Senhor Presidente,
A escolha do tema do debate deste ano não podia ser mais oportuna.
Infelizmente, após mais de 150 anos de progresso no desenvolvimento do direito humanitário internacional, beligerantes não têm dado prioridade consistente aos esforços para reduzir os danos causados a civis e salvaguardar as infraestruturas civis essenciais durante os conflitos. O relatório do Secretário-Geral sobre a proteção de civis em 2022 oferece exemplos pungentes da necessidade de as partes em conflito intensificarem esforços para proteger civis.
Depois de lições dolorosamente aprendidas em lugares como os Bálcãs e Ruanda, o Conselho de Segurança finalmente incluiu em sua agenda a proteção de civis em 1999. Desde então, adotou série de documentos que se agregam ao robusto quadro previsto pelo direito internacional humanitário para proteger civis.
Apesar da existência deste vasto conjunto de normas, civis permanecem amplamente vulneráveis em contextos de guerra, e suas vidas não têm sido poupadas na maioria dos casos. Em verdade, a perda de uma vida civil é inaceitável. Os contextos podem mudar, mas as ações permanecem basicamente as mesmas: o uso indiscriminado de armas explosivas em áreas urbanas e outras áreas densamente povoadas; ataques contra infraestrutura civil, escolas e instalações médicas; paralização na agricultura e no comércio; hostilidade contra equipes médicas e humanitárias; violência sexual em conflito; e aumento das vulnerabilidades enfrentadas por mulheres, crianças, refugiados, deslocados internos e pessoas com deficiência.
Senhor Presidente,
Este mês marca o quinto aniversário da aprovação da resolução 2417, que reconheceu o círculo vicioso dos conflitos armados e da insegurança alimentar. A sua adoção foi apenas o ponto de partida. Há muito mais por fazer.
O agravamento da insegurança alimentar e nutricional no mundo é questão multifatorial, e o conflito é uma de suas principais causas. Atualmente, a vasta maioria da população mundial com fome aguda está localizada em zonas afetadas por conflitos.
Conflitos, especialmente os prolongados, contribuem para a insegurança alimentar no longo prazo. Conflitos provocam a erosão das redes sociais e econômicas, reduzem a resiliência e desestabilizam os mercados, as cadeias de fornecimento e as infraestruturas. Conduzem, igualmente, à queda da produção e dos rendimentos, o que frequentemente impede o alcance de três dos principais pilares da segurança alimentar: estabilidade, disponibilidade e acesso. É preciso, portanto, traduzirmos as disposições da resolução em ações significativas.
Entre as muitas recomendações importantes enumeradas no relatório do Secretário-Geral, gostaria de destacar a necessidade de encontrar soluções políticas para os conflitos, apoiar as economias dos países vulneráveis e salvaguardar os meios de subsistência.
Soluções políticas para conflitos são uma das razões de ser deste órgão e ferramenta necessária para abordar a interação entre conflito armado e insegurança alimentar. Mesmo quando ainda não se vislumbram perspectivas de paz no horizonte, medidas práticas para garantir o acesso a alimentos e a entrega de assistência humanitária são essenciais para salvar vidas.
Muitos dos países afetados pelo conflito eram anteriormente importadores líquidos de alimentos. O agravamento das hostilidades aprofunda ainda mais sua condição de vulnerabilidade. A trégua e subsequente facilitação das exportações para o Iêmen, apoiada pelo mecanismo de verificação e inspeção da ONU, ou a abertura de novos corredores humanitários na Síria, são exemplos poderosos de como soluções políticas podem gerar benefícios significativos para a segurança alimentar – e até mesmo a sobrevivência – de populações afetadas. Esperamos que estas iniciativas contribuam também para restituir a confiança entre as partes e estabelecer o caminho para a paz.
É crucial reconhecer que a prestação de ajuda humanitária por meio de transferências de alimentos em espécie pode potencialmente prejudicar os países que ainda têm alguma capacidade de produção. Sabemos hoje que a assistência alimentar em espécie a países que ainda têm mercados em funcionamento pode distorcer os preços e deslocar os produtores locais. Quando viável, a prestação de ajuda por meio de transferência de dinheiro permite que as pessoas respondam a suas necessidades essenciais e ajuda os produtores locais a prosperar.
Não podemos esquecer que o deslocamento causado por conflitos frequentemente obrigam as pessoas a abandonar as suas terras e os seus meios de subsistência. Isso os coloca em situação muito vulnerável e os expõe a várias formas de insegurança alimentar.
A implementação de medidas de resiliência é ainda mais crucial em tempos de conflito. Reconhecemos as várias iniciativas que as agências com sede em Roma – em parceria com outras agências da ONU e organizações internacionais – estão realizando em países que enfrentam conflitos armados.
Senhor Presidente,
Em 2022, o conflito na Ucrânia fez disparar os preços dos alimentos e da energia. Embora os preços dos alimentos tenham voltado a níveis semelhantes aos anteriores ao início do conflito, o flagelo da inflação, especialmente prejudicial aos pobres e necessitados, ainda paira sobre o mundo.
Os países em desenvolvimento sofreram dramaticamente as repercussões do conflito na Ucrânia, devido a suas vulnerabilidades estruturais às flutuações dos preços de alimentos e insumos agrícolas. A renovação da iniciativa Grãos do Mar Negro é passo fundamental para limitar as incertezas sobre o fornecimento global de grãos e fertilizantes.
Como observado pelo Secretário-Geral no seu relatório, o conflito é fator primário para insegurança alimentar aguda, mas não o único. Conflitos, quando combinados à inflação, estrangulamentos comerciais e outros desafios macroeconômicos, afetam o acesso ao abastecimento alimentar, em especial nos países em desenvolvimento. É, portanto, imperativo buscar respostas para a insegurança alimentar em todas as instâncias relevantes.
Medidas coercivas unilaterais, bem como subsídios que distorcem o mercado e outras formas de protecionismo, dificultam a capacidade dos países em desenvolvimento para construir sistemas agroalimentares resilientes e de participar plenamente nos mercados internacionais. Sem abordar essas práticas generalizadas, esses países continuarão a carregar o peso das desigualdades globais.
Nesse sentido, saudamos a adoção da Resolução 2664 em dezembro passado. Essa resolução desempenhará papel importante para garantir a prestação de assistência humanitária imparcial, incluindo alimentos e medicamentos, aos milhões de civis que, infelizmente, vivem sob regimes de sanções. A implementação em nível nacional será crucial para a sua eficácia.
Senhor Presidente,
Como um dos maiores fornecedores de alimentos do mundo, o Brasil tem interesse em garantir a segurança alimentar tanto no mercado interno quanto como objetivo de política externa. O Brasil continuará sendo fornecedor internacional confiável para ajudar a complementar os esforços de produção em nível local e garantir nutrição adequada de forma acessível. A constituição brasileira reconhece o direito humano à alimentação adequada, refletindo o compromisso do país com o enfrentamento da insegurança alimentar. O próprio Presidente Lula é um notável defensor da erradicação da pobreza e da fome, no Brasil e além de suas fronteiras.
Também estamos dando a devida atenção ao assunto em nossa atual gestão como membro eleito deste Conselho. Temos orgulho de ser, ao lado da Suíça, ponto focal de segurança alimentar e conflito neste órgão. Como sabemos, erradicar a fome é de suma importância para o cumprimento dos ODS e da Agenda 2030. À luz dos avanços significativos na tecnologia de produção agrícola, a fome é totalmente evitável e, mais importante, inaceitável.
Sociedades que são capazes de alimentar suas populações e oferecer-lhes oportunidades são mais resilientes e menos vulneráveis a conflitos.
Essa meta é viável. É também um imperativo moral para todos nós.
Obrigado.
Intervention by the Minister of Foreign Affairs at the UNSC open debate on the protection of civilians in armed conflict – New York, May 23, 2023
On Tuesday (May 23), the Minister of Foreign Affairs, Mauro Vieira, delivered a speech at the United Nations Security Council open debate on the protection of civilians in armed conflict.
The transcript of the intervention is available below:
Mr. President,
I would like to thank Switzerland for organizing this year's debate on the protection of civilians. I am very pleased to take part in this discussion under your presidency.
I would like to thank the Secretary-General, the President of the International Committee of the Red Cross and the representative of the civil society for their insightful remarks.
At the outset, let me express that Brazil also associates itself with the statement to be delivered by the State of Kuwait on behalf of the group of friends of the protection of civilians in armed conflict.
Mr. President,
The choice of the topic of this year's debate could not be timelier.
Unfortunately, after more than 150 years of progress in the development of international humanitarian law, belligerents have not consistently prioritized efforts to reduce harm to civilians and safeguard essential civil infrastructure during conflicts. The Secretary-General's report on the protection of civilians in 2022 brings harrowing examples of the need for parties to conflicts to step up efforts to protect civilians.
After lessons painfully learned in places such as the Balkans and Rwanda, the Security Council finally included in its agenda the protection of civilians in 1999. Since then, it has adopted a number of documents that join the robust framework provided by international humanitarian law to protect civilians.
Despite the existence of this vast body of norms, civilians remain largely vulnerable in contexts of war and their lives have not been spared in most instances. In fact, the loss of one civilian life is one too many. The contexts may change, but actions remain largely the same: the indiscriminate use of explosive weapons in urban and other densely populated areas; attacks against civilian infrastructure, schools and medical facilities; disruption of agriculture and trade; hostilities against medical and humanitarian personnel; conflict-related sexual violence; and increased vulnerabilities faced by women, children, refugees, internally displaced people, and persons with disabilities.
Mr. President,
This month marks the fifth anniversary of the approval of resolution 2417, which acknowledged the vicious cycle of armed conflict and food insecurity. Its adoption was only the starting point. Much more needs to be done.
The increase of food and nutrition insecurity in the world is a multifactor issue, with conflict being one of its main causes. Today, a vast majority of the world's population experiencing acute hunger is located in conflict-affected areas.
Conflicts, especially protracted ones, contribute to long-term food insecurity. They erode social and economic networks, reduce resilience, and disrupt markets, supply chains and infrastructures. They also lead to diminished production and yields, often causing barriers to the achievement of three of the main pillars of food security: stability, availability and access. Therefore, we must translate the provisions of the resolution into meaningful action.
Among the many important recommendations listed in the Secretary General's report, I would like to highlight the need to find political solutions to conflicts support the economies of vulnerable countries and safeguard livelihoods.
Political solutions to conflicts are one of the "raisons d'etre" of this body and a necessary tool to address the interplay between armed conflict and food insecurity. Even when the prospects of peace are not yet on the horizon, practical measures to ensure access to food supplies and the delivery of humanitarian assistance are essential to save lives.
Many of the conflict-affected countries were previously net food importers. The aggravation of hostilities deepens even further their already vulnerable situation. The truce and subsequent facilitation of exports to Yemen, supported by the UN verification and inspection mechanism, or the opening of new humanitarian corridors in Syria, are powerful examples of how political solutions can yield significant benefits for the food security - and even the survival – of affected populations. We hope that these initiatives will also play a part in rebuilding trust among parties and setting the path for peace.
It is also crucial to acknowledge that the delivery of humanitarian aid through in-kind food transfers can potentially harm countries that still have some production capacity. We know today that in-kind food assistance to countries that still have functioning markets can distort prices and displace local producers. When feasible, providing aid through cash transfers empowers people to address their essential needs and helps local producers thrive.
We cannot forget that displacement caused by conflicts often force people to leave behind their land and livelihoods. This puts them in a very vulnerable situation and expose them to various forms of food insecurity.
The implementation of resilience measures is even more crucial in times of conflicts. We recognize the various initiatives that the Roman-based agencies - in partnership with other UN agencies and international organizations – are putting in place in countries facing armed conflicts.
Mr. President,
In 2022, the conflict in Ukraine sent food and energy prices soaring. Although food prices are back in line with levels similar to those before the conflict began, the scourge of inflation, especially harmful to the poor and needy, still hovers over the world.
Developing countries dramatically suffered the repercussions from the conflict in Ukraine, due to their structural vulnerabilities to fluctuations in the prices of food and agricultural inputs. The renewal of the Black Sea grain initiative is a key step to limit uncertainties about the global supply of grains and fertilizers.
As the Secretary-General acknowledges in his report, conflict is a primary driver of acute food insecurity, but not the only one. Conflicts, coupled with inflation, trade bottlenecks and other macroeconomic challenges, affect access to food supplies, particularly in developing countries. Therefore, it is imperative to pursue responses to food insecurity in all relevant fora.
Unilateral coercive measures, as well as market-distorting subsidies and other forms of protectionism, hamper developing countries' ability to build resilient agrifood systems and to participate fully in international markets. Without addressing such pervasive practices, they will continue bearing the brunt of global inequities.
In this regard, we welcome the adoption of Resolution 2664 last December. It will play an important role in ensuring the delivery of impartial humanitarian assistance, including food and medical supplies, to the millions of civilians who have the misfortune to live under sanctions regimes. Domestic implementation will be crucial for its effectiveness.
Mr. President,
As one of the largest food suppliers in the world, Brazil has a significant interest in ensuring food security both domestically and as a foreign policy goal. Brazil will remain a reliable international supplier to help complement local production efforts and ensure adequate nutrition in an accessible manner. The Brazilian constitution recognizes the human right to adequate food, reflecting the country's commitment to addressing food insecurity. President Lula himself is a notable advocate for the eradication of poverty and hunger, both within Brazil and beyond its borders.
We are also giving due attention to the subject in our current tenure as elected member of this Council. We are proud to be, alongside Switzerland, focal point for food security and conflict in this body. As we know, eradicating hunger is of paramount importance for the achievement of the SDGs and Agenda 2030. In light of the significant advancements in agricultural production technology, hunger is entirely preventable and, more importantly, unacceptable.
Societies that are able to feed their populations and offer them economic opportunities are more resilient and less vulnerable to conflict.
This goal is feasible. It is also a moral imperative for all of us.
Thank you.