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POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA - 2022
Intervenção do Ministro Carlos França em sessão de debates temáticos do Senado Federal – 24 de março de 2022
Eu começo, claro, por saudar o Senador Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado Federal; a minha colega Ministra Tereza Cristina, Ministra de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; a Senadora Rose de Freitas, por meio de quem eu cumprimento as demais Senadoras e Senadores desta Casa – e agradeço a V. Exa. o convite por meio desse requerimento. Cumprimento também o Dr. Roberto Fendt, Secretário Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia; e, por intermédio do Embaixador Fernando Simas Magalhães, Secretário-Geral das Relações Exteriores, todos os Embaixadores e Diplomatas que me acompanham nesta sessão temática.
Senhoras e senhores, é para mim um grande orgulho poder dirigir-me, pela primeira vez, ao conjunto de todos os representantes do povo no Senado Federal, nesta sessão plenária, para tratar sobre temas de responsabilidade do Itamaraty em um momento em que nos vemos diante de uma nova crise internacional; uma crise que nos traz novos desafios, quando já estávamos começando, no Brasil e no mundo, a deixar para trás o período mais grave da pandemia e a nos concentrar nas medidas e perspectivas de recuperação econômica.
O conflito na Ucrânia coloca-nos diante de uma situação internacional bastante desafiadora. Para fazer frente a esse novo cenário, o Itamaraty, bem como os demais órgãos aqui representados, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Ministério da Economia, precisará buscar o máximo de coesão entre Governo e Congresso, entre Executivo e Legislativo, sobre o curso de ação a ser trilhado pelo Brasil.
Sob a liderança do Presidente Jair Bolsonaro, em coordenação com os demais órgãos do Executivo e com a ajuda do Parlamento, nossa determinação, Sr. Presidente, no Itamaraty, é trabalhar pela defesa dos interesses do Brasil e da contenção dos efeitos negativos dessa situação sobre o povo brasileiro. Esse objetivo será perseguido em plena consonância com os preceitos estabelecidos na Constituição Federal, de defesa da independência nacional, dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos, da não intervenção, da paz e da solução pacífica dos conflitos, entre outros princípios de nossa Carta Magna. É um trabalho do Itamaraty, é um trabalho do Governo e do Estado brasileiro pelo equilíbrio na formulação de nosso posicionamento externo, pela preservação do emprego e da renda de nossa população e pela tradição do Brasil no campo da política externa.
Sras. Senadoras, Srs. Senadores da República, acompanhamos com imensa preocupação a deflagração, no dia 24 de fevereiro, de conflito armado no território da Ucrânia, o qual tem afetado gravemente a população ucraniana, além de causar vasta destruição de infraestrutura do país. É imperativo que encontremos o caminho para o restabelecimento da paz com toda a urgência possível, diante do número de vítimas e da crise humanitária gerada pela fuga de mais de 3 milhões de pessoas do país e da ameaça direta à segurança alimentar imediata de pelo menos 12 milhões de ucranianos; ameaça que, no médio prazo, atingirá também a alimentação básica da população em um amplo número de países em desenvolvimento.Aqui precisamos lembrar que cerca de 50 nações dependem da importação de grandes quantidades de trigo da Rússia e da Ucrânia, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
É com esse sentido de urgência que o Itamaraty tem trabalhado em coordenação com as esferas competentes do Governo brasileiro para dar a contribuição possível do Brasil a uma pronta solução do conflito, ao mesmo tempo em que agimos de forma igualmente imediata para acelerar a partida de cidadãos brasileiros que desejassem sair da Ucrânia.
Falarei primeiro sobre a retirada de brasileiros da Ucrânia para, em seguida, referir-me à posição do Governo brasileiro diante do conflito.
A proteção da integridade física dos cidadãos brasileiros no exterior em situação de risco é uma das principais missões do Itamaraty. Sempre agimos dessa maneira em outras situações de crise, providenciando a retirada dos brasileiros que desejem retornar à pátria. Foi assim, por exemplo, em conflitos anteriores e mesmo durante a pandemia.
Mantemos, há 30 anos, ampla relação diplomática com a Ucrânia, país com grande contribuição humana e cultural ao Brasil. Antes do início do conflito, ainda em janeiro, nossa Embaixada em Kiev elaborou o plano de contingência para evacuação dos brasileiros residentes no país, em coordenação com o consulado honorário que o Brasil mantém na cidade de Lviv. Nossa embaixada também providenciou a rápida atualização do registro da comunidade brasileira na Ucrânia. Fizemos apelo, naquele momento e nas primeiras semanas de fevereiro, para que os brasileiros no país se registrassem ou atualizassem o seu cadastro de forma a habilitar a embaixada em Kiev e a Secretaria de Estado das Relações Exteriores em Brasília a agir com a rapidez necessária se e quando chegasse o momento. Sublinho o "se e quando" por uma razão bem específica. O Itamaraty levou em consideração pedidos feitos reiteradamente pelo Governo ucraniano a toda a comunidade internacional, antes do início do conflito, no sentido de evitar recomendações de partida de residentes na Ucrânia. Autoridades ucranianas declaravam ostensivamente, nas semanas anteriores ao conflito, que recomendações de partida eram – abre aspas – "prematuras" – fecha aspas –, uma demonstração de – abre aspas – "cautela excessiva" – fecha aspas – e contribuíram para – abre aspas – "espalhar pânico entre ucranianos e estrangeiros" – fecha aspas.
Uma vez iniciado o conflito no dia 24 de fevereiro, a embaixada em Kiev atuou para assegurar a maior reserva possível de espaços para cidadãos brasileiros em trens de evacuação rumo à cidade de Lviv, partindo de diferentes cidades do país. A embaixada também recomendou aos que desejassem permanecer no país, em caso de decisão individual nesse sentido, buscar sempre manter-se em condições de segurança, com o número de telefone específico disponibilizado para orientações a nacionais brasileiros. Outras embaixadas agiram dessa mesma forma, uma vez iniciado o conflito.
O Brasil montou em Lviv, em território ucraniano, dias após o início do conflito, um posto avançado de apoio para evacuação de brasileiros. Não houve outro país que montasse em Lviv posto específico para retirar seus cidadãos da Ucrânia e que ainda esteja operacional, como o nosso, para facilitar a partida daqueles que eventualmente ainda decidam deixar a zona de conflito. Nosso pessoal em Lviv continua, portanto, na cidade, com auxílio do Cônsul Honorário do Brasil, que permitiu montagem do posto avançado em hotel de sua propriedade. O posto em Lviv faz parte de força-tarefa de repatriação dos brasileiros, o que incluiu um grupo de trabalho 24 horas em Brasília e o envio de missões com servidores do Itamaraty para a região conflagrada. Nossa força-tarefa tem trabalhado em coordenação direta com as embaixadas do Brasil em Kiev, em Varsóvia, em Bucareste, em Bratislava e em Moscou.
O Itamaraty já auxiliou 220 brasileiros a deixarem a Ucrânia; 43 brasileiros, junto com 20 ucranianos, 5 argentinos e 1 colombiano voltaram em voo da FAB comigo há duas semanas, a partir da Polônia, um voo do qual tive o orgulho de participar. Na ida para buscar os brasileiros, esse mesmo avião levou cerca de 12 toneladas de mantimentos, medicamentos e máquinas potabilizadoras de água, na qualidade de doação humanitária do Brasil à Ucrânia. Em paralelo, atuamos junto ao Governo da Moldova para a ajudar na passagem de cidadãos brasileiros deixando a Ucrânia em direção à Romênia; 74 brasileiros foram evacuados por essa rota. Também providenciamos evacuação de cidadão brasileiro que se encontrava em território ucraniano já sob ocupação militar russa, na cidade de Kherson. O cidadão em questão, que hoje se encontra em segurança no Brasil, conseguiu retirar-se da zona de conflito após pedido nosso ao Governo russo. Ainda há 25 brasileiros na Ucrânia, dos quais 12 manifestaram intenção de, por enquanto, lá permanecerem.
Além de não deixarmos nenhum brasileiro para trás, também não deixaremos de acolher ucranianos que queiram abrigar-se no Brasil. O Governo instituiu, em 3 de março, por meio de portaria interministerial, política de acolhida humanitária vigente até 31 de agosto que permite solicitação de visto correspondente e de residência temporária, de até dois anos. Esclareço que não se trata de uma política de reassentamento, mas de medida para assistir pessoas que enfrentam situação de emergência em seu país de origem. Desde a entrada em vigor da portaria sobre o assunto, mais de 900 ucranianos chegaram ao Brasil, dos quais 32 portadores de vistos de acolhida humanitária. A isenção de visto de turista entre Brasil e Ucrânia já permitia a nacionais ucranianos desembarcar no Brasil sem visto e requerer autorização de residência para acolhida humanitária perante a Polícia Federal.
É uma iniciativa que se coaduna com a tradição brasileira de defesa dos direitos humanos e dos ideais humanitários.
Eu agradeço, em nome do Itamaraty, o apoio e as iniciativas de Parlamentares, de empresas, de cidadãos brasileiros que buscam ajudar não apenas os nossos conacionais, como também as populações afetadas pelo conflito, o que demonstra a unidade e a solidariedade do povo brasileiro.
Passo agora a me referir ao posicionamento do Governo brasileiro em relação ao conflito.
Nossa posição tem sido orientada – reitero – pela preservação dos interesses do Brasil e pela contenção de efeitos negativos sobre a população brasileira. O Brasil defende, em seus votos e pronunciamentos no Conselho de Segurança, no Conselho de Direitos Humanos e na Assembleia Geral das Nações Unidas, posições que correspondem à nossa tradição diplomática: cessar-fogo imediato; proteção de civis e de infraestrutura civil; acesso desimpedido a serviços humanitários; e pronta solução política da questão, baseada nos Acordos de Minsk, aceitos em 2015 por ambas as partes hoje em conflito e que foram aprovados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas igualmente naquele ano de 2015. Nossa posição e nossa determinação são de buscar soluções que levem à paz.
Temos visto o surgimento de iniciativas em diversos organismos internacionais, inclusive naqueles de caráter técnico, no sentido de expulsar a Rússia dessas entidades ou suspender sua participação. O Brasil tem sido claramente contrário a essas iniciativas, em consonância com nossa posição tradicional em favor do multilateralismo e do direito internacional, que deve incluir todas as nações com base no princípio da igualdade soberana dos países. Além disso, temos defendido que o foro adequado para tratar de temas de paz e segurança é, como sempre foi, a Organização das Nações Unidas. Ao mesmo tempo que nos empenhamos pela paz nos foros apropriados da ONU, também defendemos a continuidade dos trabalhos de outros foros, como o G20 e a Organização Mundial do Comércio, de modo a permitir que esses órgãos cumpram seus respectivos mandatos e ajudem a minimizar as graves consequências da crise, ao invés de intensificá-las ainda mais.
O Brasil defendeu que o Conselho de Segurança da ONU deve agir prontamente quanto ao uso da força contra a integridade territorial de uma nação soberana. Na Assembleia Geral, que reúne todos os 193 estados membros da ONU, apoiamos a resolução sobre o conflito na Ucrânia, em votação que decorreu da impossibilidade de consenso sobre a questão no âmbito do Conselho de Segurança. Dissemos, porém, e eu reafirmo aqui, que o texto aprovado não contempla as condições necessárias para a resolução pacífica do conflito.
No Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, o Brasil votou a favor de resolução sobre a situação dos direitos humanos na Ucrânia em decorrência da incursão militar russa. Deixamos claro, porém, que o texto tem falhas ao não criar o espaço necessário para o diálogo entre as partes e não enviar mensagem forte e suficiente de respeito ao direito internacional. Em nossa opinião, tampouco cabia incluir referências a eventuais processos judiciais em tribunais internacionais, que antecipam o resultado das investigações e em nada contribuem para evitar ainda mais o sofrimento de milhões de civis na Ucrânia.
Defendemos nessas votações – e eu aqui reitero – que o Brasil não está de acordo com a aplicação de sanções unilaterais e seletivas. Essas medidas, além de ilegais perante o direito internacional, preservam concretamente os interesses urgentes de alguns países, como o fornecimento de petróleo e gás a nações europeias. Por outro lado, atingem produtos essenciais à sobrevivência de grande parcela da população mundial. Refiro-me aqui a alimentos e a insumos necessários para a produção desses alimentos. Os fertilizantes de que nós no Brasil precisamos são igualmente essenciais para evitar a fome e garantir a sobrevivência econômica e a estabilidade política das nações em desenvolvimento, ou seja, de países que respondem por três quartos da população global.
O grande risco das sanções do modo como têm sido implementadas é que suas consequências recairão, no médio prazo, mais sobre o mundo em desenvolvimento do que sobre a própria Rússia, enquanto resguardam os países desenvolvidos de seus piores efeitos. Não fazem sentido, portanto, sanções cujos efeitos colaterais sobre terceiros países sejam mais graves do que os efeitos sobre o próprio objeto dessas sanções.
A aplicação dessas sanções seletivas por parte de certos países praticamente inviabiliza, no curto prazo, a realização de pagamentos em operações de exportação e importação com a Rússia. No médio e no longo prazos, tais sanções constituem uma perigosa ameaça ao sistema de comércio internacional, baseado em regras válidas para todos, sem distinção, e previsíveis em todas as circunstâncias.
Há um ano, quando recebi do Presidente Jair Bolsonaro a responsabilidade de comandar o Itamaraty, frisei a membros desta Casa, em audiência na Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, que o Brasil se defrontava, à época, com três urgências: a urgência sanitária, a recuperação econômica e o desenvolvimento sustentável. Permito-me tecer aqui breves comentários sobre as perspectivas preliminares de efeitos do conflito na Europa sobre nossas três urgências.
No que diz respeito à urgência sanitária, o Brasil, felizmente, já se encontra em estágio relativamente avançado de vacinação, mas não pode subestimar, porém, o risco de que o conflito na Ucrânia apresente para as perspectivas de fim da pandemia. O Diretor-Geral da OMS, Tedros Adhanom, deixou claro, em reunião de que participou no Conselho de Segurança das Nações Unidas na semana passada, que somente um terço da população ucraniana se encontrava imunizada contra a covid-19 quando as hostilidades foram então iniciadas. Não se trata apenas da Ucrânia, mas de todos os países em desenvolvimento, cujas populações sofrerão o efeito do encarecimento dos alimentos e terão, por essa razão, as suas infraestruturas no campo da saúde testadas e desafiadas.
Quanto à recuperação econômica, o aumento no preço de insumos energéticos, como petróleo e gás natural, em decorrência do conflito e das sanções sobre a Rússia, levará a uma forte redução do crescimento global e ao aumento mundial da taxa de inflação. A Rússia e a Ucrânia são grandes produtores de alimentos, de minerais e de energia. Como bem lembrou o Presidente Rodrigo Pacheco em sua locução inicial, os dois países respondem por 30% das exportações globais de trigo; por 20% das de milho, fertilizantes minerais e gás natural; e por 11% das de petróleo. Essas circunstâncias produzem sério impacto no preço de gêneros alimentícios de primeira necessidade e podem acarretar, segundo relatórios recentes, a elevação mundial do preço dos alimentos com forte impacto sobre o poder de compra de populações inteiras. A consequência disso, eu não tenho dúvida, será uma possível instabilidade política em países dependentes de importações de grãos russos e ucranianos, o que não inclui o Brasil, mas abrange alguns países com os quais o Brasil mantém sólidos laços políticos e comerciais, como os países da África e do Oriente Médio. O receio de crescente instabilidade no mundo em desenvolvimento tende a levar investidores a concentrar seus portfólios em fundos dos países industrializados. Quanto mais tempo durar o conflito, maior será a probabilidade de esse cenário reforçar-se.
No âmbito do desenvolvimento sustentável, por fim, ainda é relativamente cedo para analisar, mas os mesmos estudos a que me referi destacam que o aumento do preço do barril de petróleo no mercado internacional estimulará investimentos em maior extração de combustíveis fósseis em outros países, o que ocasionará um retrocesso na produção de energias renováveis e no aumento de participação de fontes fósseis na matriz energética de diversos países.
Trata-se de momento no qual o Brasil pode e deve reafirmar seu compromisso com energias renováveis e limpas, com o cumprimento de metas definidas de redução de emissões e de desmatamento ilegal e, acima de tudo, com nossa histórica posição de uma das lideranças mundiais no campo do desenvolvimento sustentável, tendo em conta nossa dependência muito menor de energias fósseis.
Estou terminando aqui, Presidente.
Trata-se de mostramos ao mundo nossa determinação com nossos compromissos nos campos da energia e do meio ambiente em momento no qual muitos daqueles que criticam o Brasil permitem-se adotar medidas que, na prática, postergarão suas transições para economias de baixo carbono.
Sr. Presidente Rodrigo Pacheco, Sra. Senadora Rose de Freitas, Srs. Senadores, são essas as observações que eu tinha a apresentar a V. Exas. nesta minha intervenção inicial. Reitero a minha disposição de ouvir de V. Exas. as ponderações, dúvidas e contribuições para que todos – juntos – possamos agir de modo a conter os efeitos do conflito em curso na Europa sobre o Brasil e sobre o povo brasileiro. O Itamaraty sempre estará de portas abertas aos representantes do povo, cujos Parlamentares nas duas Casas deste Congresso Nacional reproduzem toda a diversidade e dinamismo de nossa sociedade.
Muito obrigado.