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Entrevista do Presidente da República, Jair Bolsonaro, à revista suíça Die Weltwoche
"Nenhum outro país cuida mais que o Brasil do meio ambiente"
Entrevista do presidente Jair Bolsonaro à revista suiça Die Weltwoche, em 15 de janeiro de 2020*
Flavio Morgenstern
O presidente brasileiro Jair Bolsonaro faz um balanço do seu primeiro ano de mandato, fala sobre seus planos de privatização, sua relação com Donald Trump e o papel de liderança do Brasil na América do Sul.
Brasília é um lugar terrível, um monstro sem cara, nem história, moldado em concreto, em cujas entranhas ninguém colocaria os pés por vontade própria. Decidi viajar para fazer uma entrevista com aquele que talvez seja o homem mais poderoso, e provavelmente mais controverso, da América Latina. O encontro fora planejado havia semanas, mas, assim que o avião pousou, recebi a mensagem de texto: "encontro cancelado". Não houve explicação. Nas redes sociais, especulava-se que Jair Bolsonaro tinha sido diagnosticado com câncer. Decidi permanecer na cidade.
Consegui marcar outro encontro, na manhã seguinte, no Palácio da Alvorada, residência dos sonhos, privativa do presidente, localizada em uma península junto ao Lago Paranoá. Desta vez, o senhor presidente não me deixou esperar nem um minuto. Sentei-me em um sofá, de frente para ele, às 9 horas em ponto. Ele desligou uma chamada: "Silvio, pode me ligar daqui a meia hora." Foi o tempo que Bolsonaro havia designado ao jornal Die Weltwoche para um balanço de um ano de seu governo. "É o Silvio que penso que é?", foi minha primeira pergunta. "Sim", disse Bolsonaro com um sorriso, Silvio Santos. O magnata mais poderoso do país no setor televisivo teve de esperar na fila. A mensagem era clara: aqui você lida com um homem de princípios. A entrevista deveria durar exatamente trinta minutos. Nem mais, nem menos.
– Senhor presidente, qual foi o maior sucesso de seu primeiro ano no cargo?
– A despolitização da administração pública, coisa rara na história recente do Brasil.
– E a maior derrota?
– Não termos conseguido aprovar o projeto de lei que não mais obriga os empresários a publicar seus balanços nos grandes jornais.
– Quais são os principais objetivos para este ano?
– A continuação da agenda econômica em curso: desregulamentação e redução da burocracia, facilitando as coisas para todos os que querem produzir. A privatização das empresas estatais não é fácil. O Supremo Tribunal Federal acabou de decidir que o processo deve passar pelo Congresso. Nosso grande teste será a privatização dos Correios. Acredito que os Correios vão desempenhar melhor sua função como empresa privada.
– Que outras privatizações ainda estão pendentes?
– Temos mais de quatro centenas de empresas estatais. Tomemos como exemplo a Hemobrás. A empresa tem faturamento de cerca de um bilhão de reais (cerca de 250 milhões de dólares, nota do editor) por ano, mas não tem lucro. A companhia é uma “máquina de empregos” para certas pessoas. Os empregados estão protegidos contra demissões, temos de arranjar-lhes novos empregos. A privatização é, antes de qualquer coisa, uma gigantesca batalha legal.
– Na Europa, o governo Bolsonaro é considerado, em face de sua política agrícola liberal, uma ameaça para a Amazônia. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
– Nenhum país protege seu meio ambiente mais que o Brasil. Cerca de 60% do nosso território é constituído por reservas naturais, parques nacionais, zonas de proteção ambiental ou reservas indígenas. Isso é único no mundo. Menos de 3% da área da floresta amazônica é dedicada à agricultura. Essa floresta não queima, por ser muito úmida.
– Então por que o Brasil é constantemente colocado contra a parede, como pecador ambiental?
– A razão é o protecionismo agrícola. Os países poderosos do mundo querem dificultar o comércio. Infelizmente, a imprensa brasileira se dedica a espalhar mentiras. A maioria das notícias falsas (fake news) nesta área surge aqui no Brasil, porque se sabe que é assim que são geradas as maiores manchetes, a ponto de a revista Time Magazine ter declarado uma pirralha de dezesseis anos como “Personalidade do Ano”. Por trás disso, não há nada mais que um negócio.
– O que os índios amazônicos podem esperar do governo? O senhor quer preservar as reservas indígenas ou reduzi-las?
– Esse debate começou com minha viagem a Osaka, ocasião em que o presidente francês estava preocupado com o Brasil. Ele aparentemente não conseguiu conter a controvérsia em torno do devastador incêndio na catedral de Notre-Dame, então falou dos incêndios no Brasil e dos territórios indígenas. Hoje, essas reservas cobrem 14% do nosso território. Planejava-se expandir as reservas, até o final de 2022, para 20% do nosso território. Mas então, nesse ínterim, ocorreu minha inesperada eleição. As reservas permanecerão como estão, mas com pequena redução. Lá onde elas nem são mais usadas pelos povos indígenas – eu chamo isso de fraude etnológica –, como é o caso de duas reservas, elas devem ser suprimidas.
– O que o senhor pensa dos índios?
– Como militar, tive muitos contatos com os índios e, como presidente, recebi três líderes indígenas neste ano. Do ponto de vista de muitos europeus, os índios pararam de se desenvolver em algum ponto. Tiveram simplesmente azar? Muitos querem que eles sejam preservados em suas reservas, como pessoas primitivas. Mas são os próprios índios que se aproximam da civilização, porque reconheceram o que significa livrar-se de dores de dente ou parasitas, ou curar-se de uma picada de cobra que seria letal. Eles reconhecem que é mais fácil moer o grão com uma máquina elétrica do que manualmente. Muitos ex-nômades há muito tempo se estabeleceram e desenvolveram seus próprios negócios, e há uma classe média indígena. Esse processo se chama evolução. Ninguém está forçando os índios a fazê-lo, mas tampouco devemos negar-lhes esse direito, o que para nós é algo evidente.
– Como a vida dos índios deve melhorar?
– Isso é difícil. Mas eu vou te dar um exemplo. Existem muitos garimpeiros, mineradores de ouro e pedras preciosas ilegais nas reservas. Em vez de lutarmos apenas contra a ilegalidade, deveríamos permitir uma exploração legal. Talvez as pedras preciosas – que agora estão sendo vendidas de forma barata no exterior, no mercado negro – possam ser processadas pelos próprios índios.
– O senhor já criticou o Acordo de Paris diversas vezes. O Brasil deixará o acordo?
– O único país que não apenas cumpre o Acordo de Paris, mas vai além, é o Brasil. O Brasil está fazendo sua parte, estamos combatendo o desmatamento ilegal, estamos combatendo incêndios ilegais. Estamos do lado da lei. Mas eu me pergunto: quanto sobrou de floresta natural nos países europeus? Em agosto passado, a Alemanha retirou sua contribuição para o reflorestamento da Amazônia, cerca de US$ 25 milhões por ano, não tenho a quantia exata na cabeça. Pois bem, a Alemanha deveria usar o dinheiro para reflorestar as suas próprias florestas virgens! Estamos indo muito bem, não precisamos dessa ajuda. O Brasil não renuncia à soberania sobre seu território em troca de esmolas.
– O que os países industrializados ricos podem fazer pelo Brasil? O que o senhor diria para um suíço?
– Antes de tudo, eles não devem espalhar inverdades sobre o Brasil. Eu diria aos suíços: venham até nós, olhem o país com seus próprios olhos, voem de Boa Vista para Manaus, por exemplo (aproximadamente 700 km, nota da redação), sobre a floresta amazônica, olhem pela janela, e vocês não verão nem fogo nem hectares desmatados. O Brasil não precisa de ajuda, queremos fazer negócios. O Brasil ajuda a alimentar cerca de um bilhão dos 7,6 bilhões de pessoas no mundo, número que aumenta a cada ano. Como não podemos, no momento, plantar em Marte, Vênus, Saturno, Urano ou Netuno, temos de cobrir nossas necessidades básicas na Terra, por algum tempo. Nossos agricultores fazem sua parte para combater a fome no mundo. Devemos protegê-los de repreensões exageradas.
– O senhor poderia falar do acordo controverso de livre comércio entre o MERCOSUL (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, nota da redação) e a União Europeia e a EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio – nota do tradutor)?
– Espero que esses acordos sejam implementados em um ano e meio a dois anos. Mas todos os países envolvidos precisam concordar. Todos se beneficiariam, inclusive o Brasil, é claro. Além disso, concluímos acordos com o Kuwait, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita para garantir suas necessidades alimentares. O Brasil é considerado um fornecedor muito confiável. Fortalecemos ainda mais, neste ano, essa confiança.
– A “onda Bolsonaro” no Brasil tem um forte componente nacionalista. O senhor está procurando um novo papel de liderança em toda a América do Sul?
– Olha, o Brasil é de longe o maior país da América do Sul, nosso produto interno bruto é maior que o de todos os outros países combinados, o que automaticamente nos coloca em um papel de liderança. Não podemos nos colocar em segundo plano. O Brasil é certamente um líder em ciência e tecnologia. Aqueles que têm certo nível de prosperidade também devem mostrar um mínimo de dissuasão militar contra interesses externos. Neste ano, aumentaremos o orçamento da defesa. Minha preocupação mais importante é que, no Brasil, os interesses do país fiquem acima de todos os interesses políticos particulares.
– A Venezuela, uma nação faminta, é atualmente a maior ameaça à estabilidade e à segurança da América do Sul. O senhor apoia o autoproclamado presidente Juan Guaidó. O que o Brasil está fazendo?
– A Venezuela não é apenas Maduro. O que torna Maduro forte é seu entorno, muitos interesses desempenham um papel. A China está envolvida, a Rússia, existem generais do narcotráfico e cerca de 60.000 cubanos no país, há milícias e existem grupos terroristas – e todos sabem que, quando Maduro cair, eles também cairão. É uma história muito complexa.
– Como pode um país como a Venezuela, que nada em um mar de petróleo, cair tão profundamente?
– As pessoas acreditavam que chovia maná na Venezuela. Quando o barril de petróleo custava 120 dólares americanos, foi fácil para Chávez, e mais tarde para Maduro, convencer os eleitores. Quando o petróleo caiu para 30 dólares, a miséria foi ainda maior. Chávez e Maduro prometeram igualdade na Venezuela, agora eles são todos igualmente pobres, quase todos eles. Os mesmos esforços foram feitos no Brasil. No Brasil, havia as mesmas intenções.
– Chávez e Maduro foram eleitos democraticamente, mas levaram seu país a uma ditadura. Na Europa, muitas pessoas temem que o senhor, Jair Bolsonaro, esteja fazendo exatamente isso com o Brasil.
– Isso é absurdo, era mais provável no governo de Lula e Dilma [Rousseff, nota do editor]. A esquerda sempre fala de "controle das mídias sociais", não eu. A esquerda sempre quis nacionalizar mais e mais no país, eu quero o oposto. Foi a esquerda que mergulhou o Brasil em um pântano de corrupção para ganhar poder absoluto. Nunca processei uma empresa de mídia, embora tenha sido difamado com frequência, não compro deputados para consolidar meu poder, como costumava acontecer antigamente. Quase toda a mídia me chamou de homofóbico, racista, sexista, xenófobo e não sei o que mais, e eu não tinha dinheiro para contrapropaganda, nem queria isso. O orçamento da minha campanha foi modesto, eu não tive um grande partido por trás. Procurei contato com parlamentares de diferentes campos. Hoje há um grupo considerável de pessoas que entende que estou no caminho certo. É ridículo quando pessoas que há anos apoiam o regime do Partido dos Trabalhadores [Lula e Rousseff, nota do editor] denunciam uma tendência ditatorial.
– O senhor quer agora fundar um partido próprio, novo. Isso não é uma traição à base que o apoiou?
– Muitos dos 52 membros eleitos do meu partido anterior estão do meu lado. Mas há um grupo na direção que está mais interessado nos 2 milhões de dólares do Fundo Partidário e em anúncios de TV gratuitos do que nos interesses do país. Quase metade deles defendem agora o oposto do que me prometeram durante as eleições. Eu já não tinha lugar no partido. Se eu conseguir formar um novo partido – e tenho de conseguir – vou disputar as eleições de 2022 sem dinheiro do Estado nem tempo de televisão.
– O seu nome representa uma onda conservadora que varreu o Brasil. Essa onda ainda não acabou?
– A maioria dos brasileiros é conservadora. A maioria das pessoas que trabalha duro e assume responsabilidades é conservadora. A esquerda progressista simplesmente grita mais alto, tem seus tentáculos profundamente na imprensa e nas universidades. A maioria silenciosa decidiu, mesmo assim, exercer seu direito de voto. Não sou o primeiro conservador. O retorno ao conservadorismo na América do Sul começou com Piñera, no Chile, e Macri, na Argentina. Mas ambos falharam em aproveitar a oportunidade que o povo lhes deu. Aqui no Brasil há alguns que me dizem que sou presidente de todos eles, que não há "direita" nem "esquerda". Concordo na medida em que, como presidente, estou lá para todos os cidadãos, mas há esquerda e direita. O presidente Macri queria agradar a todos, então ele promoveu o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo. A esquerda não se importou, eles não votaram nele de qualquer maneira, e a direita tampouco votou. Ele perdeu a eleição. É o parlamento que decide sobre casamento homossexual, eu respeito isso, mas continuo fiel a minha opinião pessoal, isto é: não!
– O senhor é frequentemente visto próximo ao presidente dos EUA, Donald Trump. Mas quando se tratou de algo concreto – a tarifa do aço –, a amizade de Trump não pareceu muito próxima.
– Ah, sério? Se você olhar mais de perto, verá que o imposto sobre o aço não foi aumentado. O problema está praticamente resolvido. Não vou revelar o pano de fundo. O fato é que, durante décadas, os líderes brasileiros sempre se orgulharam de desrespeitar o governo americano, acusando-o de imperialismo. Isso mudou no meu governo, mesmo que muitas pessoas ainda não acreditem nisso. Os americanos nos acusaram de manipular artificialmente o dólar. Mas conseguimos mostrar que vendemos bilhões de dólares para baixar o seu valor. Foi o mercado que decidiu conquistar participação de mercado brasileiro na economia norte-americana.
– Outra mudança radical na política externa brasileira diz respeito ao Oriente Médio. O que ganhamos com relações estreitas com Israel?
– Mantemos um excelente relacionamento com Israel. Nomeamos um novo embaixador, que segue fielmente nossas diretrizes. Agora, em janeiro, foi decidido abrir nosso escritório em Jerusalém. Estou cumprindo também uma promessa eleitoral. Um terço da população brasileira é evangélica, e eles apoiam particularmente essa aproximação. Já discuti isso com os países árabes. Até onde eu sei, apenas dois países se opõem a isso, um dos quais é o Irã. Agora lhe pergunto: o Irã não vai querer fazer negócios conosco por causa disso? Se Israel fez de Jerusalém sua capital, essa é a decisão deles. Não vamos interferir nos assuntos internos de Israel, assim como não vamos interferir nos assuntos dos países árabes. Pessoas de todo o mundo vivem no Brasil. Mais de dez milhões de brasileiros têm raízes árabes, vivemos com eles em perfeita harmonia, assim como com os judeus, sem problemas. E respeitamos a religião de todos. Reivindicamos o direito de que nossas decisões também sejam respeitadas.
– Há também uma aproximação com países com os quais o Brasil nunca teve muito contato, como a Hungria. Existe uma proximidade política com a direita europeia por trás disso?
– As pessoas na Europa Oriental já vivenciaram na própria carne o que significa uma ditadura totalitária. O Brasil nunca experimentou isso. Eles escolheram o conservadorismo nas eleições, e isso é algo que deve ser respeitado. Sempre digo que as leis são feitas para a maioria, e não para a minoria. Pretendo visitar a Hungria e seus vizinhos em 2020 para mostrar a esses países que o Brasil também mudou. Apoiamos suas políticas conservadoras.
– Antes de agradecer a entrevista, gostaríamos de lhe dar a oportunidade
de deixar uma mensagem para o povo suíço.
– Antes de tudo, gostaria de lhe agradecer a oportunidade de esclarecer algumas coisas. Muitas inverdades têm sido espalhadas. Nesse ponto eu gostaria de me referir a João 8:32: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará." O Brasil é um país de braços abertos para o mundo. Especialmente quando se trata de segurança, estamos melhorando muito. Aqui é um lugar para o turismo, com belezas que ninguém no mundo pode imaginar.
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* Tradução da embaixada do Brasil em Berna. Fonte: Ministério das Relações Exteriores.