Notícias
Entrevista do Ministro Ernesto Araújo concedida ao canal Terça Livre TV
Entrevista do Ministro Ernesto Araújo concedida ao canal Terça Livre TV, em Brasília (11/02/2020)
Allan dos Santos – Boa noite a todos. Excepcionalmente, hoje nosso Boletim da Noite começa um pouquinho mais cedo. Eu sou Allan Santos e você está no canal Terça Livre.
Estamos iniciando o nosso Boletim da Noite de hoje um pouco mais cedo por questões diplomáticas. Mas não porque queremos evitar alguma guerra ou solucionar algum problema no mundo; é porque estamos aqui com o senhor Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Seja bem-vindo. Boa noite, Ministro, tudo bom?
Ministro Ernesto Araújo – Muito obrigado, Allan. Boa noite. É uma grande alegria estar aqui com você.
Allan dos Santos – Para nós que é uma grande alegria. Ministro, há um zilhão de perguntas que os nossos seguidores e internautas enviaram, e algumas pessoas ainda vão mandar perguntas ao vivo (estamos ao vivo; são 18h47), e a primeira de todas é um balanço do ano de 2019. O ano de 2019 iniciou com a imprensa dizendo que o Itamaraty seria um fracasso, que o Brasil estava com um louco dentro do Itamaraty, que não iria conseguir nada de bom para o país e, de repente, nós fechamos o ano com visitas, não uma, mas visitas ao Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump. O Brasil termina com a indicação, pelos Estados Unidos, para a OCDE. Não há nenhum tipo de conflito com a Venezuela. O Brasil não deixou de apoiar Juan Guaidó. Enfim, não houve nada do que a imprensa narrou no início do ano de 2019. O seu Ministério terminou com chave de ouro, com Donald Trump apoiando o Brasil para a OCDE – toda a imprensa queria tanto que ele dissesse que o Brasil não seria indicado para a OCDE. Recordo, também, o acordo entre MERCOSUL e União Europeia. Como é que o senhor vê esse balanço de 2019?
Ministro Ernesto Araújo – Eu acho que uma maneira de caracterizar é que o Brasil saiu da caverna. Nós estávamos lá no fundinho da caverna, vendo aquelas sombras na parede, e nosso projeto sempre foi de sair da caverna, e saímos. Saímos para a luz do sol, para ver como é que as coisas são realmente, e começar a implementar nosso projeto na realidade, e não através de ideias indiretas, de ideias clichês e esse tipo de coisa. E acho que foi, sobretudo, isso. Há várias maneiras de caracterizar. Eu acho que quebramos a caixa. A gente estava numa caixinha muito pequena para o Brasil. Quebramos isso; saímos. E começamos a mostrar que fazia sentido essa nossa disposição, esse nosso programa. Temos, acredito, um conjunto de ideias, uma estratégia que faz sentido, que já está dando resultados, e que vai dar mais resultados ainda.
O Brasil estava preso em algo que não era o Brasil, algo que, no caso da política externa, era uma política externa genérica, uma política externa acomodada, uma política externa tímida. Então, saímos, e acho que fomos quebrando várias ideias pré-concebidas, fomos desmentindo vários alarmismos que diziam: “isso vai dar errado.” E não, fomos mostrando que as coisas dão certo. Por quê? Porque eu acho que nós temos uma interpretação da realidade do mundo e uma vontade de ser Brasil, uma vontade de ser um Brasil nesse mundo real, e não nesse mundo de certas teorias globalistas, como a gente fala, que dizem que não existe mais nação, que dizem que não tem mais lugar para isso. Então, eu acho que foi, por um lado, um ano de rupturas com padrões equivocados, e o começo da construção de um novo caminho, como eu digo, à luz do sol; à luz da realidade.
Allan dos Santos – Diante dessa dissolução da identidade nacional em todo o planeta, nós estamos vendo nações levantando-se, fincando a bandeira dos seus países e dizendo: “Não, aqui é território do meu país e aqui nós queremos ter autonomia”. Só que as instâncias que o povo quer tocar não são afetadas pelo voto. São blocos absolutamente supranacionais que às vezes não querem, de modo algum, submeter-se ao povo. E aí, a gente tem o sucesso do Brexit. O Terça Livre, inclusive, tem uma entrevista com Nigel Farage; é a única mídia brasileira que entrevistou Nigel Farage, que teve um papel importantíssimo na saída do Reino Unido da União Europeia. Você tem os Estados Unidos com a vitória do Donald Trump, que provavelmente será reeleito esse ano. E essa identidade nacional está se repetindo no mundo inteiro sem nenhum agente “mecânico” (ou seja, é algo orgânico); não há nenhum bilionário falando para as pessoas amarem o seu país contra qualquer tipo de opressão que venha de modo externo. Como o senhor está enxergando esse ressurgimento? O senhor está conversando com os representantes de outros países? Como está sendo essa receptividade de que os Estados Unidos, Brasil, Hungria, Polônia, Itália, Reino Unido, Índia – depois a gente vai conversar um pouquinho sobre a Índia, a última viagem, acho que não teve nenhum depois dessa, não é?
Ministro Ernesto Araújo – Do Presidente, foi a última viagem.
Allan dos Santos – Então, como está sendo a receptividade quando o senhor leva essa mensagem de que nós queremos ter uma relação clara, sem violar as cores da nossa bandeira? Como está sendo a receptividade fora do país?
Ministro Ernesto Araújo – Muito boa, uma receptividade muito boa. Eu tenho ouvido pessoas de outros países, colegas, chanceleres falarem: “Obrigado por aquilo que o Brasil está fazendo; obrigado por ser uma voz, de um país grande, a favor de coisas que a gente acredita.” Há muitos países menores que talvez não estivessem saindo à rua com essas ideias, mas que ao ver os Estados Unidos, claro, mas também o Brasil, estão se animando com essa perspectiva de uma mudança. Não só países, mas acho que correntes políticas, pessoas. Como você falou, é orgânico, é espontâneo, é mundial, está acontecendo em toda parte. Eu acho que é algo que está no espírito do tempo. Para aqueles, como nós, que acreditamos em forças superiores a nós, eu acho que há forças do bem que estão querendo que o mundo não ficasse preso naquela dinâmica. Eu acredito que é algo que tem uma dimensão espiritual.
É um movimento de recuperação, por um lado, da soberania popular; há um anseio de recuperação da soberania popular. Pode-se mencionar diferentes datas, mas eu acho que, desde os anos 60, vinha-se preparando um mundo pós-nacional, antinacional, que, ao mesmo tempo, era um mundo antiespiritual, um mundo materialista, um mundo mecanicista. E acho muito interessante que as duas coisas estão renascendo juntas e convergindo. Por um lado, há o anseio do exercício da soberania popular, o anseio dos povos de exercerem seu poder soberano dentro de seus espaços nacionais, como democracias plenas. O mundo havia mudado rumo a uma democracia sem demos [povo]. A gente está voltando a colocar o demos na democracia. E por outro lado, isso faz parte de um anseio de quebrar o molde materialista, mecanicista, reducionista do ser humano, que se vinha impondo.
Eu acho muito positiva essa convergência. Não acho que seja por acaso que a gente esteja encontrando-se com essa ânsia de transcendência, ao mesmo tempo em que a gente esteja reencontrando-se com essa ânsia de nacionalidade. São coisas que se reforçam mutuamente e que ganham um apelo incrível, que realmente supera qualquer projeto político nacional, que supera qualquer corrente política. É algo que vai muito além, que é um movimento intelectual, um movimento de pessoas de todas as extrações sociais, também, isso é importante.
Nós havíamos chegado num momento em que se tinha a impressão de fim da história, no começo dos anos 90, que se criticou muito, mas nesses anos 2000, também estava havendo uma espécie de impressão de fim da história. Não deixa de ser uma tese marxista, com o triunfo do materialismo, com o triunfo do pós-nacionalismo. Mas muitas pessoas e correntes, ao redor do mundo, disseram que não é bem assim. A gente está nesse momento de uma confrontação de ideias, de atitudes; e países como o Brasil, com o nosso governo, têm mostrado que a gente não tem medo dessa confrontação.
Há outros países, outras pessoas que admiram isso, esse rompimento daquele molde de um Brasil pequeno. O Brasil tem uma responsabilidade. Temos que ter consciência do nosso peso e da nossa responsabilidade nos destinos do mundo. Quando olhamos, vemos que tem gente que está vindo atrás, porque estamos aqui, porque estamos quebrando paradigmas, abrimos caminhos, com todas as críticas, que é natural, porque há uma fricção, há um confronto, e as pessoas estão vendo que somos sérios, e que isso está dando resultado. Isso era outra parte de um falso paradigma, de que, se você tiver uma política de afirmação, de identidade, uma política de ideias, isso seria incompatível com resultados econômico-comerciais.
Allan dos Santos – Sim. Eu estava até conversando com o Max hoje, mais cedo, sobre a velha discussão lá da Grécia Antiga: se a sofia vale menos ou mais do que a tékhne. O conhecimento técnico ou tecnológico não é suficiente. O reconhecimento facial, por exemplo, não é nada mais, nada menos do que você saber varrer de um jeito mais sofisticado, ou seja, a tékhne nunca vai substituir a sofia, que é a sabedoria da filosofia. Às vezes, faltando uma noção de princípios e valores, não importa que tipo de conhecimento tecnológico você tenha, você vai carecer da sabedoria. Ou seja, não é um conhecimento tecnológico que vai trazer benefícios para uma nação, mas a sabedoria, a defesa de valores, de princípios, etc. Esse debate está vivo desde a Grécia Antiga.
Ministro Ernesto Araújo – Sem dúvida. E nós estamos reavivando toda uma série de debate, estamos reavivando a importância da palavra, da linguagem. Toda essa libertação do sentimento nacional e da espiritualidade tem a ver também com a libertação da palavra. Em algum texto que escrevi há algum tempo, eu falei o mundo está criando uma espécie de frente de libertação do logos. E eu acho que isso está acontecendo, e me orgulho de fazer, modestamente, parte dessa frente. Devemos falar das coisas; libertar a linguagem do politicamente correto, quebrar o molde do politicamente correto, para as pessoas poderem voltar a falar. A linguagem é uma relação entre o espírito e a matéria, de alguma maneira; não é puramente descritiva. E isso também está acontecendo: a libertação da linguagem, você poder falar das coisas. Claro, encontrando muita resistência, sempre, mas isso está chegando.
E isso que você falou, da tékhne e da sofia, as duas, claro, se complementam se você tiver a sofia, mas se você tiver somente a tékhne, você tem uma escravização das pessoas. Eu já usei um pouco essa expressão em relação à inteligência artificial, por exemplo, que é um avanço técnico importante, mas inteligência artificial deveria ser a máquina tornando-se mais parecida com o homem. Porém, o que se verificava é que o homem estava tornando-se mais parecido com a máquina, em um processo de mecanização. Nós estamos quebrando esse paradigma, para que o ser humano volte a estar no centro, com toda a sua complexidade, em todo o seu desafio.
Eu acho que essa pós-modernidade, contra a qual a gente de alguma maneira se insurge, parte muito dessa ideia da recusa da complexidade do ser humano. Ela é um achatamento, uma simplificação, um reducionismo do ser humano. Ela é uma recusa da contradição, uma recusa do paradoxo, ela é uma falsa aplicação da lógica. A lógica vem de logos, e logos é lidar com a contradição, e não impor falsas soluções. É interessante, porque a gente está vivendo tudo isso junto: a quebra de certos paradigmas de política externa, em relação ao relacionamento com determinados países; a quebra de paradigmas intelectuais, de politicamente correto achatando e reduzindo o pensamento; ao mesmo tempo em que a gente trabalha na tékhne, na dimensão da razão prática, em que a gente consegue acordos comerciais, em que a gente consegue perspectivas que vão, se tudo der certo, levar o Brasil para um outro patamar, como economia industrial competitiva, eficiente.
É o que a gente fala, no fundo, da aliança liberal-conservadora, que é um conceito tão importante. As duas coisas podem e devem, precisam ir juntas, e é o que o Brasil está mostrando. Coisas que se queria só pelo lado do liberalismo, e nunca se conseguiu, estão sendo conseguidas porque existe um tecido social que está sendo mobilizado graças à dimensão conservadora, à dimensão dos sentimentos, dos ideais, que a gente está procurando reviver.
É um momento em que os desafios são grandes, porque as resistências são grandes. A gente está lidando com interesses mundiais também, muito arraigados, que achavam que já tinham formatado o mundo.
Allan dos Santos – Achavam que já tinham solidificado. Agora, mesmo com todo aparato bilionário de grupos e organizações para orientar todos os povos, todos os países para uma única direção, com aquelas narrativas de superpopulação, aquecimento global, que o mundo vai acabar, aquela visão apocalíptica que, se a gente for puxar até a origem do fio, a gente irá parar em Joaquim de Fiore. Mas para a gente não ir até lá na Idade Média, com essa coisa apocalíptica, vamos entender um pouco o aqui e o agora. O senhor disse que tem essa resistência, sobretudo, na linguagem. Da imprensa, a gente já sabe um dos motivos, mas, fora da imprensa, como está sendo a receptividade, nos países que o senhor está visitando, representando o Brasil, quando o senhor fala de valores nacionais e isso acaba sendo interpretado como um nacionalismo, como os socialistas defendem, e aqui no Brasil, de maneira patética, acabam até falando de nazismo, etc.? Como o senhor está lidando com essa incompreensão e jogos com as palavras, em que, se você defende o interesse nacional, você é um nacionalista, no sentido fascista, ou coisa do tipo; como é esse desafio?
Ministro Ernesto Araújo – É um grande desafio, porque a gente precisa também tirar as pessoas de fora da caverna; precisa mostrar a nossa tridimensionalidade. É preciso sair desses paradigmas, de que ou você é nacionalista, ou você é internacionalista; ou você quer cooperação, ou você quer a guerra; como se não houvesse nada no meio. A gente tem procurado, antes de mais nada, falar as coisas que a gente pensa, sem medo das críticas. Eu acho que isso é a primeira coisa. Em todas as oportunidades, seja em encontros oficiais (claro que sempre com conotações diferentes, ou explorando ângulos diferentes) ou em palestras, tentar colocar as coisas em debate. E é difícil, sobretudo, no espaço europeu, no espaço cultural e intelectual europeu, onde, por diferentes razões, estava mais profundo o domínio do paradigma da horizontalidade do ser humano e da não nacionalidade. Aliás, isso está sendo contestado lá também; mas acho que lá as coisas são mais tabus do que em outros lugares. E claro, a Europa ainda é uma caixa de ressonância muito grande.
Allan dos Santos – Até mesmo pela questão física, a questão geográfica: Portugal é do tamanho do Rio de Janeiro, então é mais fácil você ter domínio sobre toda a Europa do que ter domínio sobre toda a América Latina, por exemplo.
Ministro Ernesto Araújo – De certa forma. Mas acho que o projeto europeu – que hoje é tão contestado em função do Brexit, entre outras coisas – acostumou, acomodou o pensamento europeu a uma certa frieza, a esse fim da história, a esse fim da nação. Por exemplo, ao conversar com o Chanceler da Índia, ele falou que a gente está lidando não simplesmente com uma estrutura mundial econômica, que tem determinadas características, mas com uma estrutura de pensamento. Eu achei muito interessante isso, porque é o tipo da coisa que a gente fala com outras palavras, mas que os indianos estão vendo da mesma maneira que a gente. Ou seja, para a gente exercer o nosso projeto, a gente tem que não simplesmente ter um projeto econômico, que a gente tem, e que tem muito a ver com o da Índia, de abertura – são processos diferentes, mas talvez convergentes –; no nosso caso, muito claramente, de eficiência e abertura econômica. Isso não basta. Você tem que lidar com o plano do pensamento único.
Allan dos Santos – Como se fosse um pedágio. Seria como se alguém estivesse cobrando um pedágio: “Olha, para que haja a abertura econômica, você tem que pensar como eu quero que você pense”.
Ministro Ernesto Araújo – Isso. E a gente está dizendo: “Não, não vou pagar esse pedágio”.
Allan dos Santos – Eu fiz isso recentemente com um pessoal aí. Não fui pagar pedágio.
Ministro Ernesto Araújo – Pois é. Eu sei. E estamos mostrando que, pelo trilho que estamos abrindo, nós estamos indo muito mais longe do que aqueles que pagavam o pedágio do globalismo. Acho que estamos fazendo o nosso próprio caminho, e esse caminho está indo mais longe; e muitos outros estão trilhando esse caminho. Mas eu vejo um dinamismo intelectual enorme entre pessoas que têm ideias semelhantes às nossas. Muito mais do que, digamos, do establishment intelectual mundial, dessa coisa politicamente correta, que está na defensiva e não esperava essa onda, que é mais do que uma onda momentânea. É uma recuperação de coisas muito profundas, que estavam sendo negadas ao ser humano, que vêm, no fundo, da pré-história, dos nossos sentimentos, mas sobretudo da época dos clássicos. As pessoas estão recuperando toda uma série de correntes de pensamentos que eram descartados.
Allan dos Santos – Podemos até elencar, porque não são muitos pontos que estão sendo convergentes: o valor da vida desde a sua concepção; o valor da identidade nacional, sem nenhuma violação da cultura local (isso está acontecendo cada vez mais forte); a abertura econômica interna do país, o cuidado com o free trade, o livre comércio, para não financiar países que não queiram colaborar com o próprio mundo em si, como o episódio do Irã, que está sendo tão forte nos Estados Unidos. Eu acho que esses pontos são bem convergentes em muitos lugares.
Ministro Ernesto Araújo – São convergentes, claro, e um reforça o outro, de muitas maneiras. Mas, sobretudo, eu acho que está havendo essa percepção de cada um de nós que vai vendo que não está sozinho. Aliás, o Terça Livre foi muito importante para mim nesse sentido. Quando eu comecei a ver o Terça Livre, lá em 2015, eu pensava que nada tinha jeito, nada ia mudar, mas então você pensa “não, espera aí; tem uma janela aqui”. Foi importantíssimo para mim, pessoalmente, e acho que para muita gente. Além da qualidade e da diversidade das ideias que vocês sempre colocaram, há essa sensação de a gente não estar sozinho, e hoje você vê isso muito claramente.
Allan dos Santos – Eu sinto isso no meu público todo dia. Não há um desafio que eu não possa enfrentar, porque eu não vou ficar sozinho. Meu público vem junto.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Isso é fundamental. Claro que o projeto do Presidente Bolsonaro é absolutamente fundamental nisso. Ele criou um caminho para o Brasil que a gente não imaginava que pudesse existir, e a gente está seguindo aceleradamente por esse caminho. Isso é uma coisa extraordinária que está acontecendo. Mantendo essa autenticidade, essa coerência entre esses sentimentos, entre essas várias vertentes que você mencionava dos valores, e também de um projeto econômico. Isso não é uma coisa que aconteça todo dia. É uma coisa muito única que a gente está vivendo, eu acho.
Allan dos Santos – Ministro, o Grupo de Lima. Como é que está a situação da Venezuela? Parece que Juan Guaidó está voltando hoje; ele estava nos Estados Unidos. O senhor tem tido contato frequente com Mike Pompeo e, vale ressaltar, é a primeira vez na história do Brasil que um Secretário de Estado americano tem uma intimidade e recebe um Ministro das Relações brasileiras assim. Não fique modesto aqui não, por favor.
Ministro Ernesto Araújo – Não. Eu acho que sim; e fico muito feliz.
Allan dos Santos – É a primeira vez que sinto acontecer, e eu estou morrendo de alegria. O Brasil deixando de ser nanico.
Ministro Ernesto Araújo – Sem dúvida. Realmente, eu acho que desenvolvi uma amizade muito grande com o Mike Pompeo, e isso tem sido fundamental para muitas coisas que a gente tem conseguido na relação com os Estados Unidos, porque entre o Mike Pompeo e eu, assim como entre o Presidente Trump e o Presidente Bolsonaro, há uma convergência. A gente acredita nas mesmas coisas, tem uma visão convergente, e isso é fundamental.
Em relação à Venezuela, há um esforço muito grande de Juan Guaidó – uma pessoa que admiro muito – em realmente fazer uma campanha mundial, coisa que a gente já vinha falando muito, de mobilizar a comunidade internacional – para além, inclusive, da nossa região – para a necessidade de construir um caminho para a Venezuela. Eu acho que é um momento de afirmação muito grande da liderança de Guaidó. Isso é muito claro, e é da maior importância.
Allan dos Santos – Os Estados Unidos também estão preocupados com essa situação e querem colaborar?
Ministro Ernesto Araújo – Sim. Eu acho que isso ficou muito claro no Discurso do Estado da União, no qual o Presidente Trump levou e citou o Presidente Gauidó. Não há nenhum abandono ao sonho de libertar a Venezuela, através desse projeto que foi inaugurado basicamente por uma construção nascida no Grupo de Lima, esse projeto de você criar um governo legítimo dentro de um país com um regime tão ilegítimo quanto a Venezuela. Isso também é uma coisa nova; tem muito a ver com uma construção com a qual o Brasil contribuiu muito.
Allan dos Santos – De dar nome aos bois; deixar bem claro que é um regime ilegítimo.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Então, há um esforço de mostrar que essa legitimidade é o único caminho para a Venezuela, conduzindo a eleições livres, com supervisão internacional – isso é absolutamente necessário –; vencendo todas as armadilhas que o pessoal de Nicolás Maduro volta e meia interpõe: falsos diálogos, falsas negociações. Há um esforço por reviver esse projeto de uma Venezuela livre, que, para nós, nunca esteve em questão, mas diziam “olha, não está dando certo”, e com o compromisso americano, brasileiro e de vários outros países.
Também é muito interessante ver o crescimento, no âmbito dos países do Grupo de Lima, da consciência de que não é só a Venezuela; de que é o Foro de São Paulo. Eu fui o primeiro a falar de Foro de São Paulo no Grupo de Lima. Perguntaram-me o que era isso, e eu expliquei. E é curioso, porque um chanceler de um país amigo, que eu não vou dizer qual é, disse-me, mais ou menos no final do ano passado: “Olha, eu não sabia; você tinha razão. A primeira vez que você falou do Foro de São Paulo, no Grupo de Lima, eu achei que isso deveria ser teoria da conspiração, e agora eu estou vendo que existem coisas e ações que se ligam, que eu não sabia e que agora estou vendo que existe.”
As pessoas se conscientizaram. Alguns não gostam de falar explicitamente em Foro de São Paulo, mas estão vendo que há uma rede de conexão entre partidos radicais, entre forças terroristas e força do crime organizado e do narcotráfico através da América Latina, e que esse é o nosso desafio. Não é só a Venezuela, que é, digamos, uma fachada disso, e que ao mesmo tempo só está de pé porque existe essa rede de conexão, que extrapola a região, mas que de certa forma está muito concentrada aqui. Então, há esse esforço de conscientização sobre o caráter tão regional do problema desse amálgama entre os projetos marxistas radicais, o socialismo do século XXI e a criminalidade. Não é mais, simplesmente, uma aliança; está virando a mesma coisa.
Allan dos Santos – É uma união indissolúvel.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. É uma união indissolúvel. Portanto, para combater o crime organizado, para combater o narcotráfico, ao mesmo tempo você não pode deixar voltar e tem que eliminar esses regimes totalitários na região. Isso é uma coisa.
Outra coisa com a qual a gente tem que lidar é o seguinte: eu acho que existe – vou usar essa expressão por falta de melhor – um arco ideológico que une, de certa forma, esses projetos do socialismo do século XXI, o Foro de São Paulo, com o que a gente estava falando antes, esses projetos do politicamente correto, que é mais um fenômeno dos países desenvolvidos. Se você olhar, parecem coisas muito diferentes. No Primeiro Mundo, pode-se imaginar que é uma preocupação com a democracia, com a igualdade, com direitos humanos, e aqui é um socialismo reconfigurado com esse amálgama com o crime. Mas, quando você começa a examinar, eu acho que percebe que eles fazem parte de um mesmo arco. E isso é parte do desafio.
Isso é também uma inquietação que eu tenho, porque, se você olhar pelos padrões que aparecem muito em países europeus, por exemplo, há uma defesa da democracia liberal. E o que é o Brasil hoje? O Brasil é uma grande democracia liberal. Democracia, evidentemente; o Brasil é profundamente democrático, muito mais do que muitos outros países, pela participação direta das pessoas, pela maneira tão viva que as pessoas estão discutindo suas instituições, pela liberdade completa, independência de poderes. O Brasil é a democracia mais viva que nós jamais tivemos. E liberal porque, ao mesmo tempo, a gente tem o compromisso com a abertura econômica, com os princípios liberais. Além disso, defendendo a democracia no resto da região. Então se você olhar por esse ângulo, o Brasil, nesses meios politicamente corretos, deveria ser o herói, porque queremos uma democracia liberal total para nós e queremos ajudar que ela exista na nossa região. Mas não; o Brasil é muito criticado. Tem alguma coisa errada nisso aí.
Allan dos Santos – Estamos com a camisa de outro time, não é?
Ministro Ernesto Araújo – É, exato. Olha só, eu estou fazendo a mesma coisa que você diz que você quer, e você está me criticando; tem alguma coisa estranha.
Allan dos Santos – Só abrindo um parêntese sobre isso. Esse livro aqui do Paulo Francis, O diário da Corte, é bem interessante. Há um artigo dele que é “A Revolução Bolchevique: 60 anos de Lenin, Trotski e Stalin”. Na entrevista do Paulo Francis à Rede Cultura de 1994 ou de 1996 (nunca me lembro em qual das duas), ele cita o porquê de Trotski ter criado a teoria da revolução permanente. É o que ele fala nesse artigo, que é só para justificar o derramamento de sangue praticado por Lenin e depois por Stalin. Ele vai dizer assim, essa frase do Paulo Francis eu me lembro claramente: “Max e Engels sabiam muito bem que nenhuma revolução pode existir em um país subdesenvolvido.” Então, Paulo Francis, nesse artigo aqui – eu não estou fazendo aqui um juízo; é a leitura que eu tenho até agora –, parece mostrar que Trotski, ao ir para o México, ao fugir de Stalin, e mesmo assim ser morto, ele de certa forma virou uma testemunha dos mencheviques. Enquanto que Stalin, que fica na União Soviética, seria uma testemunha viva dos bolcheviques. Então, essa esquerda mais radical, junto com o narcotráfico, seria herdeira dos bolcheviques, e os mencheviques seriam essas esquerdas das minorias, etc. É bem interessante essa leitura do Paulo Francis. Eu lembrei disso porque nós estávamos comentando aqui, eu e o nosso jornalista da revista, o Max Cardoso, que Paulo Francis traz essa leitura de como que eles estão absolutamente unidos, só que cada um dentro de uma esfera econômica e financeira distinta. Como que um país subdesenvolvido pode fazer rebelião sem dinheiro? Então, esquece desse negócio de falar de minorias, igual o pessoal do PCO, que é a favor do fim do estatuto do desarmamento, para armar o campo e sair matando todo mundo. Esse é o discurso do PCO. Já o PSOL vai dizer que não; arma para ninguém; chega de Polícia Militar, temos que dar voz às minorias, etc. É bem interessante, e por isso que eu lembrei que O diário da Corte, do Paulo Francis, fala sobre isso que o senhor está dizendo. Há um elo ali.
Ministro Ernesto Araújo – Pois é. Há um elo. Você pode também, talvez, ver da seguinte maneira: 1989, queda do Muro de Berlim, esfacelamento do projeto comunista, pelo menos em sua versão soviética; imediatamente ele começou a se reestruturar. Na América Latina, ele se reestruturou de uma certa maneira, com o Foro de São Paulo, cada vez mais baseado em algo que o professor Olavo de Carvalho já chamou a atenção, que já existia a ligação das esquerdas brasileiras com a criminalidade, já de antes. Eles precisam achar um novo sujeito revolucionário; então, aqui na região, seria esse esquema do Foro de São Paulo, com a criminalidade, corrupção, etc.
Nos países desenvolvidos, isso tomou uma forma diferente, do politicamente correto, das várias coisas que compõem essa agenda globalista, mas a raiz não deixa de ser comum. No caso do Primeiro Mundo, isso já vinha desde, talvez, os anos 1960, 1968, com a Revolução Cultural, a contracultura. Então, já se via, no Ocidente, que o sujeito revolucionário não seria o proletariado clássico e que era preciso criar uma nova estratégia sem abandonar o objetivo. Mas eu acho que essa matriz comum liga essas diferentes vertentes, essa simpatia que intelectuais de Primeiro Mundo ainda têm por regimes totalitários, por terrorismo. Isso é curioso.
Allan dos Santos – O pessoal gosta de tirar foto com ditador. Agora, essa conexão entre eles ficou evidente no episódio da Amazônia. A gente viu pessoas colocando fotos de incêndios que nem eram no Brasil, ou de incêndios que eram do interior do Brasil, falando que era na Amazônia. E países como Suécia, Alemanha, Espanha e outros países que não têm quase mais verde nenhum colocando o dedo na cara do Brasil e exigindo que ele “cumpra o que deve”.
Ernesto Araújo
Ministro Ernesto Araújo – Foi um momento muito importante de afirmação do nosso programa, porque o que certas forças quiseram – e aquele episódio do tweet do Presidente Macron é uma parte disso – era nos intimidar, usando a carta ambiental. Já se estava vendo, em meados do ano passado, que o nosso programa estava dando certo, estava avançando, a economia se recuperando, nossa política externa reatando com grandes países, acordo com a União Europeia, que foi muito marcante. Coisa que não se esperava e, eu acho que certas correntes pensaram que o Brasil não ia dar certo, e estava dando certo, e continua dando certo agora. Mas quando eles viram que havíamos conseguido um acordo com a União Europeia, conseguimos construir um novo projeto – que vai sendo construído aos poucos – com os Estados Unidos, com Israel e, ao mesmo tempo, mantendo boa relação com a China, mantendo boa relação com os países árabes, e a economia crescendo. “Nossa, o Brasil está dando certo; a gente precisa atacar de alguma maneira.”
Então, houve uma coligação do nosso pessoal aqui, que é contra, com caixas de ressonância que eles têm lá. Decidiram, então, usar a carta ambiental, que é o último refúgio do marxismo na defensiva. Eu não acho que haja necessariamente uma programação consciente – acho até que há, em alguma medida –, mas usando o caldo de cultura (ou de falta de cultura) existente na Europa nessa coisa ambiental, jogaram isso contra nós, achando que a gente iria ficar pedindo desculpas. Não, o Presidente Bolsonaro e nós não somos assim. Não existe isso aqui. Nós podemos ir em frente porque sabemos que estamos certos. Então, eles viram que estavam diante de um projeto sério e de um projeto diferente.
Esses países todos, em si mesmos, são países sérios, que querem levar adiante a relação conosco. Eu conversei, sobretudo em setembro, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com vários chanceleres, da Alemanha, da Noruega, da Dinamarca, de vários países. As conversas foram muito boas, sem nenhuma hostilidade.
Há uma percepção de que temos desafios no meio ambiente, de proteção ambiental. Eu estou vindo agora do Planalto, onde criamos o Conselho da Amazônia, que reconhece que nós temos desafios e que vamos enfrentá-los de uma maneira que eles não eram enfrentados. Estamos enfrentando a sério, desde o começo do ano passado, e agora renovamos esse instrumento do Conselho da Amazônia, agora sob a coordenação do Vice-Presidente.
Allan dos Santos – E o Mourão tem conhecimento de causa, conhece bem o tema de Raposa Serra do Sol.
Ministro Ernesto Araújo – Claro. Inclusive, o Presidente, em sua alocução na abertura da Assembleia Geral, falou desse tema da reserva Raposa Serra do Sol. Ou seja, a gente está criando um instrumento novo para a proteção da Amazônia sem se dobrar ao dogmatismo do politicamente correto; quer dizer, o Presidente voltou a falar da questão da demarcação das terras indígenas, que vem desde os anos 90, sem se furtar a isso. Falou dessas coisas no discurso da Assembleia Geral das Nações Unidas. Na época, todo mundo achava que o Presidente iria fazer um discurso de concessão. Não; ele mostrou o que é, para o que nós viemos; pontuou bem, falou que as Nações Unidas têm que ser nações unidas, tem que ser um sistema multilateral formado pelos países, com sua soberania; falou da defesa da soberania.
Allan dos Santos – Nem os críticos conseguiram destruir a beleza e a grandiosidade do discurso do Presidente na ONU. Eu lembro que no dia eu acompanhei.
Ministro Ernesto Araújo – É. Foi um momento muito emocionante justamente por isso, porque havia a expectativa de um recuo, de uma concessão, e não; o Presidente reafirmou esse programa do qual a gente tem tanta convicção em tantas dimensões. Falou de Deus. Falou contra o socialismo, contra a ideologia que quer retirar Deus da alma humana e matar a família, esse tipo de coisa. Então, as pessoas se deram conta de que o Brasil é isso aí. Esse é o Brasil.
Allan dos Santos – Veio para ficar. Não é uma coisa temporária, momentânea.
Ministro Ernesto Araújo – Isso. Então, eu acho que a questão ambiental, nós continuamos tratando, óbvio, mas aquela politização que foi feita como algo que poderia ferir o coração do nosso projeto, isso está afastado. E, graças a Deus, acho que a gente conseguiu. O Itamaraty teve uma participação nisso, de esclarecer e de manter a nossa linha de frente, que as forças estavam tentando quebrar. Nós temos que estar sempre atentos, claro, mas isso que você falou de balanço de 2019 também foi fundamental: nós nos mantivemos fiéis ao nosso projeto, e continuamos mantendo-nos fiéis.
Allan dos Santos – E conseguiram provar que não era um trabalho de amadores ou de loucos, insanos, como a imprensa estava colocando.
Ministro Ernesto Araújo – Exatamente.
Allan dos Santos – Porque eu nunca vi um maluco conseguir colocar o Brasil na OCDE, fechar acordo com MERCOSUL-União Europeia, ser recebido pelo Trump várias vezes. Eu já vi maluco adquirir sítio, apartamento e dizer que não é dele. Agora, conseguir isso, eu nunca vi.
Ministro, como entender o que aconteceu agora no Brexit e, algo que pode ser paradoxal, o MERCOSUL tendo mais abertura com a União Europeia? O senhor acha que a União Europeia pode se dissolver em um curto prazo de tempo e todo o esforço do MERCOSUL, de querer estar unido à União Europeia, foi em vão? Como é que o senhor enxerga isso?
Ministro Ernesto Araújo – Não, eu não acho não. Eu acho que estamos em um momento promissor com a União Europeia. Inclusive, pelo seguinte: eu acho que o Brexit foi um choque de realidade para a União Europeia. Minha impressão é de que o Brexit e outras contestações similares que existem em outros países mostram que existe um sentimento de que o projeto estava indo longe demais; de que a criação de uma Europa federal, supranacional, eliminando as nações...
Allan dos Santos – Era quase uma Pátria Grande, só que europeia.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Não quero interpretar demais; isso é uma questão dos europeus. Mas, enfim, tenho a impressão de que a União Europeia está voltando a ser um projeto, sobretudo, comercial e econômico. Nessa dimensão, nós temos um interesse enorme. Essa é a dimensão principal na qual nós trabalhamos com os europeus e que se configura no acordo com a União Europeia.
Também acho que existe a dimensão dos europeus, que é sincera, de defesa da democracia, defesa de valores de direitos humanos, dos quais a gente compartilha, e que também são um terreno comum. De modo que acho que nós temos um amplo terreno comum com os europeus, com a União Europeia, e com os países individuais também. Inclusive porque acho que a Europa está mudando, em função do Brexit, em função desse choque de realidade que houve com o Brexit, na recuperação e revalorização das nacionalidades.
Allan dos Santos – Os reflexos já estão até acontecendo na França, com toda essa tentativa de reforma. Eu já cheguei a falar algumas vezes, mas eu quero salientar: a França, para conseguir uma reforma da previdência, está tendo policial lutando contra corpo de bombeiros; povo tendo que se defender contra as forças do Estado. Aqui no Brasil, o pessoal vestiu-se de verde e amarelo, cantou musiquinha, colocou terror nos políticos e voltou para casa. E nós tivemos uma reforma da previdência. Como não enxergar a grandiosidade do povo brasileiro e do Brasil neste momento no qual a França, tentando fazer o que nós conseguimos no ano passado, está sangrando, literalmente, infelizmente, e o Brasil conseguindo, com tranquilidade? Óbvio que tem que ir para a rua, tem que pressionar, tem que cobrar. Mas isso faz parte da democracia.
Ministro Ernesto Araújo – Sem dúvida. O que está acontecendo esses confrontos que a gente assiste em um país que a gente quer tão bem e que tem tantos laços com o Brasil. Eu vinha lendo um livro do Michel Onfray, um pensador de esquerda francês, mas indignado com a tentativa de sufocar o povo francês; ele fala desse movimento todo como uma tentativa de recuperação do francês comum contra, digamos, um esquema tecnocrático. E acho que é parte do que está acontecendo na União Europeia. Então, os europeus, quando nos veem, acho que nos veem como talvez parte desse mundo que está revivescendo, de alguma maneira, na Europa; das reivindicações, do demos voltando à democracia.
Isso é interessante; a história ainda não acabou. Eu, quando servi em Bruxelas, na segunda metade dos anos 1990, a impressão era de que havia uma autoimagem dos europeus, na Comunidade Europeia, da União Europeia de que aquilo era o ápice...
Allan dos Santos – “Chegamos ao topo da democracia; venham nos copiar.”
Ministro Ernesto Araújo – Aquilo era considerado um modelo incontestável, perfeito. E começou a se ver que não é. O que eu acho muito bom, porque a história continua. A gente tem que observar o ponto de vista do que está acontecendo no mundo com esses movimentos de recuperação das soberanias populares nos países europeus, ao quais os governos europeus e os partidos tradicionais estão respondendo de maneiras diferentes. A Europa está em movimento, assim como nós.
Allan dos Santos – Ministro, em um ano, o Presidente Bolsonaro fez viagens à China, à Índia, ao Japão... A Ásia ficou muito presente na agenda do Presidente. O senhor falou muito bem de fazer todo o trabalho de pragmatismo para relações comerciais sem querer pagar qualquer tipo de pedágio ideológico. Nós temos China, Índia, Japão, três países que pensam absolutamente diferente um dos outros. Qual é a importância da Ásia para o Brasil, hoje, nas relações exteriores, e como conciliar esse pragmatismo sem se deixar submeter nas questões ideológicas, sobretudo com a China?
Ministro Ernesto Araújo – Ótimo. Nossa intenção – e acho que está dando certo – é você ter, com cada país, uma relação de acordo com a lógica do relacionamento daquele país. Eu acho que o problema de uma política externa genérica, como em algum momento a gente teve, era que tudo seria igual; você estaria tratando só de comércio; e essa política queria tratar só de comércio, mas não fazia nem comércio, e não conseguia a projeção que a gente precisa ter. Hoje, ao termos uma aproximação política mais sofisticada com os países, de maneiras diferentes e explorando aquilo que tenhamos em comum com cada um, estamos conseguindo aberturas que não se conseguiam antes. Então, é isso: respeitar a lógica de cada um; e, claro, os países asiáticos têm importância econômica imensa; com cada um, estamos procurando trabalhar de acordo com essa lógica.
Com o Japão, há maior convergência conosco nessa agenda, digamos, nacional, à maneira deles, mas temos um campo comum nisso, e a gente conseguiu uma aproximação grande. Há um interesse muito grande do Japão de negociar um acordo de livre comércio com o MERCOSUL; já começamos a sondar isso e queremos aprofundar isso. Houve sinais iniciais muito bons a esse respeito. O Japão está nos vendo de forma diferente, com muito mais interesse, só para dar um exemplo. Com a China, a gente tem uma relação profunda e da maior importância, de acordo com a sua própria lógica. Com a Índia, o interesse pelo Brasil que a gente encontrou lá é imenso. Muito maior do que eu esperava.
Allan dos Santos – É mesmo?
Ministro Ernesto Araújo – Sim, sim. Eu conversei tanto com o Chanceler quanto com o Ministro do Comércio da Índia e falei: “Vamos rumar para um acordo de livre comércio com vocês.” E eles responderam: “vamos.” Precisamos conversar e ver como.
Allan dos Santos – Olha só. Com naturalidade, sem formalidade, sem burocracia?
Ministro Ernesto Araújo – Exatamente.
Allan dos Santos – Vamos ganhar dinheiro juntos.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Com um país que hoje já é a terceira economia do mundo pela medida de paridade do poder de compra.
Allan dos Santos – Inclusive no top dez de poder bélico também.
Ministro Ernesto Araújo – Também. É uma abertura que a gente não tinha antes, com a Índia. Porque a gente conseguiu criar essa harmonia de visões. Eu acho que a gente está fazendo um jogo mais sofisticado, um jogo de acordo com aquilo que cada relação pode dar, tentando explorar ao máximo: todos os países do Sudeste Asiático, algo que a gente quer explorar mais. Já tivemos várias conversas; há um interesse imenso.
Com a África, por exemplo, eu fiz uma viagem a alguns países africanos. Quero fazer várias outras, porque nos demos conta do extraordinário potencial da relação com a África, que tem que ser reinventada. Houve muito discurso em relação à África, mas pouca coisa na prática. Isso é interessante, porque a África está muito mais perto de nós do que a gente imagina do ponto de vista dessa agenda de valores, de princípios, de ideais, de sentimentos. São países que querem exercer a soberania, mesmo porque são países jovens; como nós. Eles não querem se diluir. Eles foram parte de impérios coloniais clássicos, e não querem ser parte de um império colonial globalista, agora. Eles querem ser eles mesmos; cada um, ele mesmo. Esse tema de soberania fala muito forte aos africanos. Quando a gente fala disso, eles prestam atenção de uma maneira diferente. Queremos cooperar com eles em segurança, porque nisso também havia uma coisa abstrata. Concretamente, quais são alguns dos desafios de vários países africanos? É o terrorismo, Boko Haram, esse tipo de coisa; no Sahel, o Al-Qaeda da África...
Allan dos Santos – Perseguição fortíssima aos cristãos.
Ministro Ernesto Araújo – Perseguição aos cristãos, que, mesmo em países de maioria muçulmana, os governos estão preocupadíssimos, porque não querem isso. Então, a gente pode, de alguma maneira, cooperar com isso, tentando quebrar os fluxos de narcotráfico que partem da América do Sul e que, em alguns casos, alimentam esses movimentos. As pessoas têm que se dar conta desse mapa da criminalidade mundial, também. As coisas não estão paradas no seu lugarzinho. Essas redes estão-se formando, como esse fenômeno da América do Sul, de você ter esse amálgama entre certos projetos totalitários e o narcotráfico e terrorismo. Isso, de certa forma, é uma coisa mundial, essa reconfiguração das ameaças; sobretudo, essa vinculação entre o narcotráfico e o terrorismo. Então, a gente tem como colaborar um pouco com isso.
Na parte econômica, há uma expectativa deles de um retorno do Brasil, pois a gente teve aquela questão das construtoras, em que houve todo aquele problema que fez com que, praticamente, tenham saído dos mercados africanos. Agora voltar com outras ideias, sobretudo na parte de investimentos agrícolas. A África pode ser uma nova fronteira agrícola, na qual o Brasil poderia ser o número um nos investimentos, gerando riqueza lá e aqui, e isso é um potencial imenso, que as pessoas não estavam enxergando. Então, a lógica da relação com a África, hoje, é mais ou menos essa, e eu me sinto muito entusiasmado com isso.
Ao reconhecer que cada país é um país e que cada relação é uma relação, a gente está abrindo fronteiras que não se imaginavam.
Allan dos Santos – Ministro, falamos da questão da Ásia; falamos da África; Estados Unidos (eu ainda quero falar mais um pouquinho no final); mas falemos sobre países árabes e Israel. No ano passado, fui procurado para conhecer mais a Embaixada dos Emirados Árabes, e eles estavam muito preocupados com o que está acontecendo no Brasil. É conhecido o conflito que eles têm com o Irã. Não dá para colocar todos os países árabes no mesmo pacote. Eles querem cada vez mais investir no Brasil, não querem saber de ideologia; querem saber só de trabalhar a relação comercial. Minha recepção foi muito boa. O Presidente Bolsonaro foi muito bem recebido lá.
Eu queria saber qual é o papel que exerce o Brasil, hoje, nessa relação com países árabes e com Israel. O Brasil indicou a intenção de mudar sua embaixada em Israel para Jerusalém, mas ao mesmo tempo mantém uma ótima relação com vários países árabes. Em um ano vocês conseguiram.
Ministro Ernesto Araújo – Certamente. Não só mantém, mas aumenta a relação com os países árabes. Eu acho que, entre as grandes fronteiras que a gente abriu, que a gente está desenvolvendo, claro, há as que a gente tem falado muito – Estados Unidos, Israel, Índia, como a gente comentou – e também com os países árabes; muito especialmente, com os países do Golfo. Essa nova construção que a gente está fazendo com eles é tão importante quanto. Sobretudo com os Emirados Árabes e a Arábia Saudita, que são países que têm, inclusive, uma liderança imensa no mundo árabe.
Não se trata simplesmente dos interesses econômicos enormes que existem, mas de uma convergência de visão. Eu acho que há muita gente que comenta sobre essa região sem ter a menor ideia do que está falando. Falam dos sentimentos dos países árabes sem nunca ter conversado com os árabes. Imaginam vozes nas cabeças deles que dizem o que os árabes estão pensando, e nunca foram lá. Algum deles se dizem jornalistas, mas são jornalistas que nunca foram lá falar com um árabe, com alguém dos Emirados Árabes, da Arábia Saudita, para saber o que ele realmente pensa sobre a nova política do Brasil. Os jornalistas alegam que os árabes estão criticando; mas não estão. Eles estão se sentindo muito mais próximos de nós, pelo menos de países-chaves do mundo árabe, como esses que eu mencionei. Em função disso, nós estamos construindo uma relação que não é só de manter as coisas que nós tínhamos, mas de ir muito além. Muito simbólico disso foi essa decisão do príncipe da Arábia Saudita de colocar dez bilhões do fundo soberano deles no Brasil, e que nós estamos vendo agora em que projetos serão investidos.
Allan dos Santos – Repete a cifra para o pessoal.
Ministro Ernesto Araújo – Dez bilhões de dólares. Hoje, mais de 40 bilhões de reais. Esses são os árabes que não estão gostando da nossa política em relação a Israel.
Allan dos Santos – Se gostarem, então...
Ministro Ernesto Araújo – Pois é. E por quê? Porque a gente conversa com franqueza. A gente conversa a partir do que a gente acha que é. A gente não quer ser aquilo que os outros querem que sejamos. Antes, era assim: “o que você quer que eu seja?” Não é assim que você se comporta no mundo. Infelizmente, o Brasil estava um pouco assim. Hoje não, eu sou assim; isso é o que eu quero. E ao ser o que você é, você acha pontos de convergência extraordinários com países como esses, que certas pessoas ainda não conseguiram enxergar.
A percepção sobre a questão do Oriente Médio, sobre a questão Israel-Palestina, por exemplo, está muito defasada por parte de muita gente que se diz analista, que não vai realmente a campo, perguntar. Claro que é uma questão complexa, mas acho que também aqui há uma questão que está se movendo, que está mudando; estão-se abrindo janelas. Eu sei que muitas pessoas foram contra esse projeto de Plano de Paz que Donald Trump apresentou para a questão Israel-Palestina. Nós achamos que é uma boa base de negociação, justamente porque ele inova, porque ele pode criar uma nova dinâmica completamente diferente na região; porque ele é realista, ao mesmo tempo que é ambicioso. Ele tem ideias que você pode negociar aqui e ali. Claro, se formos chamados a ajudar de alguma maneira, estaremos prontos, mas é algo, sobretudo, para as partes diretamente envolvidas. Mas eu acho que é um sinal dos tempos. Um sinal de coisas que se estão movendo, que estavam travadas há décadas.
Isso surgiu também porque há uma nova realidade na região, onde Israel cada vez mais é aceito pelos países árabes. Algumas pessoas que analisam partem do princípio da rejeição de Israel por parte dos países árabes, e isso mudou completamente, recentemente, o que tem muito a ver com a ótima diplomacia de Donald Trump para o Oriente Médio. Eu digo sem problema nenhum, pois eu admiro muito, e acho que ela mudou para melhor a realidade na região. Por isso que nós inclusive apoiamos essa ideia do Plano de Paz, porque achamos que está dentro de um processo que pode ser bom para todos os envolvidos.
Allan dos Santos – Mike Pompeu tem um papel fundamental nisso?
Ministro Ernesto Araújo – Certamente. A diplomacia está sendo conduzida de uma maneira muito inteligente, justamente, também, quebrando paradigmas, defendendo os interesses nacionais americanos, como nós defendemos os nossos. Eu acho que é um exemplo. E também lá, como aqui, não é reconhecida; talvez lá seja um pouco mais. Para a Ásia, para o Oriente Médio, vários lugares, a diplomacia americana, nesse período de Donald Trump, tem feito mudanças extraordinárias.
E nós estamos nos reposicionando, também aqui, sem uma caixa predefinida, chegando, olhando e falando com as pessoas, para saber o que elas pensam, e não pressupondo o que elas pensam. E com isso estamos conseguindo resultados, inclusive econômicos, muito maiores do que a gente imaginava. São parceiros extraordinários para nós, os países árabes como um todo e, muito especificamente, esses que eu mencionei. São países onde nós estivemos. O Catar, também, tem um potencial extraordinário.
Alan dos Santos – Eduardo Bolsonaro tem algum papel relevante nesse processo, com a CREDN?
Ministro Ernesto Araújo – Certamente. O Deputado Eduardo Bolsonaro foi várias vezes, também, a esses países; ajudou muito a construir e aprofundar esses laços. São países que querem bem a gente. Tem até o caso dos Emirados Árabes, que tem o jiu-jitsu; é uma coisa que nos une.
Alan dos Santos – Inclusive nós temos – nem sei se posso falar isso – um grande apoiador que dá aula de jiu-jitsu lá, para um dos xeiques. Só vou falar isso, para não complicar a vida dele.
Ministro Ernesto Araújo – Pois é. Exato. É uma dimensão nova. Mas, para voltar, o Deputado Eduardo Bolsonaro teve, como Presidente da CREDN, um papel extraordinário também na relação com os Estados Unidos, com o apoio a várias coisas que nós fizemos, e indo diretamente a vários lugares, reforçando conexões. Essa parceria, digamos, que nós tivemos foi extremamente produtiva.
Alan dos Santos – Por último, o Brasil na OCDE. Ministro, eu sinceramente, achava que algumas coisas no Brasil iriam acontecer depois de décadas. Primeiro, a vitória do Bolsonaro. Óbvio, no calor de 2016 para 2018, o Terça Livre foi analisando; o Ítalo Lorenzon, nosso analista político; o próprio Jeffrey Nyquist, nos Estados Unidos; a nossa equipe de jornalistas, sobretudo com influência de Filipe Martins, que chegou a fazer comentários no Terça Livre na vitória do Trump. A gente foi, portanto, entendendo. Mas se alguém me perguntasse lá nos idos de 2007, 2008 (o Max me conhece dessa época), se alguém falasse que os conservadores iriam começar a incomodar um pouquinho mais; eles iriam inundar a Internet e, depois, eles conseguiriam eleger um Presidente e teríamos um Ministro das Relações Exteriores que faria com que o Brasil entrasse na OCDE; se alguém tivesse falado isso para mim em 2007, eu falaria: “Eu admiro o seu otimismo, mas vamos devagar; eu acho difícil o Brasil conseguir isso em pouco tempo”. E cá estamos nós, às 19h52 do dia 11 de fevereiro de 2020, e o Brasil está indo, a caminho da OCDE. E, não só isso, poder ser também um país convidado da OTAN. Se eu errar algum termo, o senhor me corrige. E sem contar a proximidade entre o Brasil e os Estados Unidos da América. O Brasil, que era tão amigo de Cuba, Venezuela, e agora próximo dos Estados Unidos da América. Depois de falar isso, eu não sei nem o que perguntar para o senhor. Se alguém me contasse isso em 2007, 2008, eu não acreditaria, Ministro. Essa é a verdade.
Ministro Ernesto Araújo – Pois é. Realmente, eu acho que as coisas, graças a Deus, estão acontecendo porque a gente acredita. O Presidente acredita, eu acredito, todos nós do governo acreditamos no Brasil. Acreditamos no Brasil grande. A gente voltou a pensar grande; acho que isso é fundamental. Eu, há mais ou menos um ano, falei no Instituto Rio Branco que queria caracterizar a nossa política em função de dois eixos: liberdade e grandeza. Eu acho que liberdade abrange várias coisas que a gente está tentando fazer: a defesa da democracia, defesa dos nossos valores, dos nossos ideais, da nossa identidade. E, ao mesmo tempo, grandeza, ou seja, acreditar que o Brasil pode ser um grande no mundo. Sem complexos.
Alan dos Santos – Tendo orgulho da própria pátria.
Ministro Ernesto Araújo – Tendo orgulho da própria pátria. Pensando adiante. Claro, há problemas, mas pensando na solução, e não pensando que não vai dar e que vai ser difícil. Sobretudo, claro, sem o viés antiocidental, anticapitalista, anti-humano – como você sabe, eu acredito que o marxismo é um anti-humanismo. Enfim, libertando-se de coisas submarxistas, de interpretações equivocadas sobre o mundo. Isso nos está permitindo sair da caverna. O que está à luz do Sol? A possibilidade de a gente ser alguém no mundo, a partir daquilo que a gente é, e não inventando um não Brasil.
Quanto à OCDE, durante muito tempo, houve quem quisesse tentar, mas sempre havia resistências: “Ah, é muito exigente.” É. “Ah, mas a gente vai se limitar.” A OCDE só limita de fazer coisas que não são boas para você.
Alan dos Santos – O que é ótimo.
Ministro Ernesto Araújo – Exato, mas havia uma doutrina de que a gente não pode se prender na OCDE, porque nós somos um país em desenvolvimento. Não interessa esses conceitos; eu quero ser o Brasil; quero ser alguém, perder esses complexos e esses falsos conceitos.
Allan dos Santos – Síndrome de vira-lata, falando a linguagem do povo.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. No governo anterior, houve a decisão de pedir para entrar na OCDE, mas aí o que faltava, principalmente? O apoio americano. Precisou da nossa construção geopolítica e divisão de mundo com os Estados Unidos para nós conseguirmos isso. Porque tínhamos essas coisas claras do que era preciso. Para o Brasil ser aquilo que a gente quer ser, precisa de uma boa relação com os Estados Unidos.
Isso é algo que vem do tempo do Barão do Rio Branco, na verdade, que, justamente, era alguém sem complexo. Alguns complexos foram-se formando ao longo do século XX, na nossa diplomacia.
Allan dos Santos – Dom Pedro II era recebido lá, nos EUA, com honra e glória.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Então, ao nos liberarmos dos complexos, conseguimos abrir essa porta. Claro, graças a muito trabalho, mas a partir de uma concepção nova. Os Estados Unidos também, quando a gente começou, perguntaram: “vem cá, é para valer esse Brasil novo?” “Sim, é para valer.” Esse Brasil que não fica mais de meio termo em defesa da democracia, que vai lá e dá as caras, como, por exemplo, o que aconteceu na Venezuela, que foi tão marcante na nossa liderança.
Allan dos Santos – Eles tinham medo de que o Bolsonaro fosse arrancado, de alguma maneira? Por exemplo, os Estados Unidos, quando dialogavam com o Brasil, chegaram a indicar: “Olha, eu acredito em você, enquanto Ministro, mas eles vão querer arrancá-lo, ou isso aqui é para valer e vai continuar?” Teve esse receio por parte dos Estados Unidos?
Ministro Ernesto Araújo – Não eu acho que não eu acho que teve um pouco...
Allan dos Santos – Por causa da instabilidade que o Brasil viveu nesses últimos anos... Você tem a presidência, impeachment...
Ministro Ernesto Araújo – Eu acho que eles ao longo dos anos sempre viram o Brasil, em alguns momentos, fazendo alguma aproximação e depois se distanciando, mas sempre preso por alguma coisa. Então, eu acho que demorou um pouquinho, mas com a visita do Presidente Bolsonaro aos Estados Unidos, ficou claro que não, que esse Brasil é para valer, que não era simplesmente um projeto de campanha. Era um projeto de governo e um projeto de país que o Presidente trazia e que tinha no seu bojo uma relação nova com os Estados Unidos.
Por exemplo, em relação à OTAN, por que não ser um aliado preferencial? No momento, aliado preferencial extra OTAN, ainda, declarado pelos Estados Unidos. Mas há o interesse de a gente pensar em aproximações com a OTAN. Por abrir uma nova página e tentar desenhar uma coisa que seja boa para nós, e não ficar tentando remendar desenhos anteriores que nos prendem a determinados paradigmas. Vamos pensar o Brasil como um dos grandes do mundo. Isso é o que nos move, também. Além das nossas convicções, eu acho que é essa convicção da grandeza do Brasil, que todos nós temos.
Allan dos Santos – Falando em grandeza, quero ler os comentários dos nossos seguidores. [...] O Celso Canavezi perguntou: “Ministro, depois do Brexit, o senhor acha que os outros países da Europa podem seguir o mesmo caminho?” Eu já fiz essa pergunta no decorrer da entrevista. Ele pergunta se os outros países vão seguir o caminho da Inglaterra.
[...] “O Ministro Ernesto é excelente e super competente”, disse Andrade e Silva. E o Daniel Lemos disse: “Ministro, parabéns pelo trabalho. Deus o abençoe. Poderia comentar como está o avanço das relações com Taiwan? Muito importante um olhar ampliado nas relações comerciais bilaterais. Abraços.” Como estão as relações com Taiwan, depois até dos últimos conflitos que ocorreram?
Ministro Ernesto Araújo – Como você sabe, a gente mantém a nossa política de reconhecimento da política da China de uma só China, ou seja, de não reconhecimento de Taiwan como país independente. E mantemos isso, nós acreditamos que esse é o caminho. Reafirmamos isso, uma só China. Ao mesmo tempo, é claro, temos relações econômicas com Taiwan, relações comerciais, que são tão importantes, e esperamos aprofundar isso. Taiwan é muito competitivo, tem oportunidades econômicas muito grandes. Mas, para nós, assim como – o Presidente tem reiterado isso – foi muito importante a China reconhecer a nossa soberania sobre a Amazônia, no momento em que ela, de alguma maneira, foi contestada, nós reconhecendo a soberania chinesa com o conceito de uma só China.
Allan dos Santos – Entendi. A Nídia Alvez disse aqui: “Chanceler Ernesto, quero dar meus sinceros parabéns ao seu notório trabalho. Orgulho do senhor e de sua equipe.” O Bernardo Breder pergunta: “Quando deixaremos de ser um país em desenvolvimento? Teria como comentar os benefícios comerciais e tecnológicos dessa mudança?”
Ministro Ernesto Araújo – Olha, o fato de a gente ter renunciado ao tratamento especial e diferenciado como país em desenvolvimento na OMC, para negociações futuras, já nos reposicionou no tabuleiro das negociações comerciais, porque havia muito mau uso desse conceito, desse tipo de tratamento. Era algo que, no fundo, parecia que podia nos beneficiar, mas sempre nos prendia, e prendia outros países em desenvolvimento – claro, cada um faz a sua decisão –, mas tem a ver com essa nossa convicção de grandeza, também. O Brasil, para ser grande, não pode ficar pedindo tratamento especial e diferenciado; temos que chegar lá e negociar os acordos...
Allan dos Santos – Não quer cota.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Queremos ser um dos que estão definindo, sem esse tipo de necessidade. Claro, preservando algumas coisas adquiridas no passado que são importantes, mas isso está nos reposicionando no tabuleiro. É claro que muitas outras coisas são necessárias para ser desenvolvido do que simplesmente deixar de se considerar, mas faz parte, e tem um caráter prático. A gente hoje influi mais na OMC, na tentativa, que é uma coisa difícil, de redesenho da OMC, porque a realidade do comércio mundial mudou, então a gente tem que estar adaptado a ela. Ainda está muito travado, mas o Brasil hoje é parte disso, como não era antes.
Isso está no bojo de toda uma estratégia de reposicionamento: OCDE, como você mencionava; os novos acordos comerciais; a aproximação com os Estados Unidos; algum tipo de aproximação com a OTAN, aliado preferencial extra OTAN, que pode nos trazer oportunidades no terreno da indústria de defesa, por exemplo, que é uma indústria bilionária, de alta tecnologia. É algo a que a gente não teria acesso se não tivesse esse reposicionamento e essa nova convicção.
Allan dos Santos – E o Brasil, com a Embraer, fazendo um trabalho excelente, ou seja, o Brasil tem um potencial enorme para avançar.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Temos falado muito com os Estados Unidos sobre isso, sobretudo porque é um polo gigantesco, nessa indústria de defesa; as oportunidades que a gente está abrindo são gigantescas nesse campo. Eu acho que o Brasil realmente pode, se a gente perseverar em todas essas áreas, dar esse salto. Não sei se é considerado desenvolvido ou não, mas se tornar, realmente, um novo país, ter um novo patamar em termos de capacidade industrial, capacidade tecnológica. A gente não falou muito da consequência de todos esses acordos comerciais que a gente está negociando, mas que é de colocar o Brasil no centro das cadeias globais de valor – a gente estava muito alijado –; atrair investimentos de alta tecnologia; ao mesmo tempo, é claro, mantendo a nossa competitividade no agronegócio, etc. Então, esse aspecto de abandonar o tratamento especial e diferenciado para o futuro faz parte de um conjunto, de uma estratégia; não é algo individual.
Allan dos Santos – Sensacional. Muito obrigado. [...] Lucila Dias colocou: “Parabéns pelo seu trabalho, Ministro. Não eram esperadas tantas conquistas em tão pouco tempo de governo.” [...] Pedro colocou: “Excelente, Ministro Ernesto! Só no Terça Livre.” Eu é que agradeço a generosidade do Ministro de vir aqui. Rafael Avez escreve: “Allan, pergunta ao Ministro se ele teve algum problema de relacionamento com algum país por causa das antigas políticas internacionais.” Eu não cheguei a perguntar isso especificamente, mas falei um pouco genérico. Teve alguma? O senhor mencionou os próprios Estados Unidos, que viram de maneira distinta.
Ministro Ernesto Araújo – Sim, exato. Eu acho que não tivemos problema até agora com nenhum país. Nós só temos problemas com países com os quais queremos ter problema. Por exemplo, Cuba. Nós queremos, no fundo, que Cuba deixe de ser um problema para a região, como vem sendo há 60 anos, já falei isso. Cuba está na raiz de muita coisa ruim que aconteceu na América Latina. Não o povo cubano, mas o regime cubano. Quando nós temos um desafio desse tipo, nós não ficamos presos naquele discurso: “ah, coitadinha de Cuba.” Não. Nós vemos Cuba como um problema.
Então, não houve problema com país nenhum. Alguns países demoraram um pouco mais, ou um pouco menos, para entender a nossa proposta. Acho que todos já estão entendendo. Mas eu acho que nós crescemos em todas as áreas, crescemos em todas as frentes. Como eu dizia, onde há um problema, é porque nós queremos enfrentar um problema, e não criar um problema, mas enfrentar problemas que eram ignorados. Principalmente, problemas da democracia na nossa região.
Allan dos Santos – [...] J. V. S. Channon disse: “Ao Ministro, Samuel Huntington acertou ao prever o choque de civilizações? Esse choque ocorreu? Está sendo superado?” Essa é a última pergunta, Ministro.
Ministro Ernesto Araújo – Eu acho que está sendo superado. Eu vi muito isso como decorrência do que a gente tem feito, por exemplo, com o mundo árabe, islâmico, com a Índia. Eu acho que, apesar de sermos civilizações diferentes, nós estamos convergindo nessa recuperação da questão da soberania, na recuperação da identidade do ser quem se é. Eu acho que o choque, hoje, não é entre civilizações. Eu acho que é o choque entre uma determinada concepção do mundo e do ser humano e outra concepção...
Allan dos Santos – Podemos dizer, choque entre blocos de poder?
Ministro Ernesto Araújo – É, mas não no sentido clássico, de países ou grupos de países. Acho que são choques entre ideias, duas ideias diferentes de mundo e de humanidade.
Allan dos Santos – O que me vem à cabeça quando o senhor fala isso, de que não são países, é o que ocorreu na Bolívia. A Bolívia estava sendo um problema aqui para o Brasil; Evo Morales chegou a ameaçar o Brasil em 2016. De repente, a Bolívia se vê, acho que inspirada pelo Brasil, com um general levantando a Sagrada Escritura, falando, feliz, que é um povo cristão e colocando os esquerdistas para correr. Isso deixa claro que não é um problema de países.
Ministro Ernesto Araújo – Não é um problema de países. Não houve esse choque de civilizações. Eu fiquei muito feliz de ver que países de diferentes civilizações têm uma convergência conosco. O que há é justamente o choque entre, de um lado, uma concepção antinacional, antiespiritual, materialista, e, de outro, uma concepção de nação, de ser humano como um ser vertical, que tem uma espiritualidade. Isso é o que a gente está vivendo.
Foi importante essa tese de Samuel Huntington para mostrar que se estava saindo de um modelo de poder clássico, de país contra país, mas foi para um outro lado. Em parte, o que a gente faz é justamente querer recuperar a identidade da civilização ocidental, da qual a gente acredita que faz parte. Assim como outras civilizações estão recuperando a sua. Mas acho que todas as civilizações, no fundo, estão convergindo na defesa dessa ideia de uma humanidade que tem uma dimensão transcendental, digamos, e que tem na nação o seu espaço de exercício.
Allan dos Santos – Bem, queremos agradecer ao Ministro Ernesto Araújo. O tempo já está corrido, não dá para ler tudo. O Everton, um grande amigo nosso, do Mato Grosso, mandou uma pergunta. Ele diz: “Ministro, eu li seu artigo ‘Trump e o Ocidente’, muitos meses antes de que o Presidente Bolsonaro fosse eleito; é uma das grandes reflexões deste tempo. Parabéns por tudo, e não pare de escrever. Existe algum livro seu a caminho?” Quer responder rápido?
Ministro Ernesto Araújo – Rapidamente. Não tenho tido tempo. Gostaria de poder estar escrevendo mais, mas tenho procurado colocar algumas ideias em palestras, em exposições que eu faço.
Allan dos Santos – Na Revista Terça Livre.
Ministro Ernesto Araújo – Na Revista Terça Livre, exatamente. Agradeço muito. Quem tiver interesse, tenho procurado estar presente colocando algumas ideias na rede.
Allan dos Santos – Ministro, peço desculpas por demorar tanto a entrevista, mas é uma oportunidade que nós tínhamos aqui. Muito obrigado, mesmo! Que Deus o abençoe cada vez mais. Obrigado pelo trabalho que todos os ministros estão fazendo. Eu canso de dizer aqui que os ministros estão atrapalhando a imprensa como um todo. É o Moro atrapalhando a vida do narcotráfico; é o Guedes atrapalhando a vida dos monopólios e oligopólios; é o Tarcísio levando infraestrutura aonde ninguém nem sonhava que poderíamos ter; é a Damares levando verdadeira noção de direitos humanos, que estavam sonolentos, as pessoas não sabiam que aquele direito humano à vida existia; enfim, todos os ministros têm feito um trabalho sensacional, o senhor é um deles, e o Brasil agradece. Muito obrigado! Deus o abençoe.
Ministro Ernesto Araújo – Muito obrigado! Deus te abençoe também. Amém!