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Entrevista com o Ministro Ernesto Araújo concedida ao programa “Brasil em Pauta”, da TV Brasil
Entrevista com o Ministro Ernesto Araújo concedida ao programa “Brasil em Pauta”, da TV Brasil (20/12/2020)
Paulo La Salvia – Definir e colocar em prática a política externa brasileira, além de defender os interesses dos cidadãos, das empresas e do próprio Brasil no exterior, estão entre as principais atividades do Ministério das Relações Exteriores. Sobre este e outros assuntos, eu recebo, mais uma vez, aqui no Brasil em Pauta, o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Muito obrigado pela participação conosco, mais uma vez, Ministro.
Ministro Ernesto Araújo – Obrigado. É uma alegria estar com vocês aqui.
Paulo La Salvia – Ministro, antes de falarmos um pouquinho da participação do Brasil, do Presidente Jair Bolsonaro e do senhor nas reuniões do G20 e do BRICS que ocorreram agora no mês de novembro, introduzimos o nosso programa falando um pouquinho da questão da definição da política externa brasileira. Eu queria que o senhor falasse um pouquinho o que é a política externa brasileira nesses dois anos, 2019 e 2020, do Ministério das Relações Exteriores, sob o comando do senhor.
Ministro Ernesto Araújo – Perfeito. Fundamentalmente, a política externa tem que fazer parte de um projeto nacional. Isso é o primeiro compromisso que nós assumimos e que nós estamos implementando, ou seja, a política externa não pode ser externa ao país. Ela tem que ser parte de uma determinada concepção, de uma estratégia e, no nosso caso, nós temos com o Presidente Jair Bolsonaro um programa de transformação muito profunda do país. Foi isso que elegeu o Presidente, isso que os brasileiros esperam: um país mais próspero, evidentemente, um país sem corrupção, um país associado ao que há de melhor ao redor do mundo e proporcionando tanto democracia quanto empregos e crescimento para sua população.
Então, nós vemos o Itamaraty como uma parte desse projeto, como um elemento nesse processo, como, digamos, um jogador nesse time. É assim que nós o concebemos. Não foi sempre assim no passado. Surgiu ao longo das décadas uma sensação de que a política externa é feita de fora para dentro, de que existem determinados parâmetros ditados pelos organismos internacionais e de que o Brasil deve simplesmente se adaptar a isso. O que nós queremos é que a nossa atuação no mundo seja parte desse projeto nacional.
Paulo La Salvia – E também eu percebo que nessa definição da política externa brasileira pelo Ministério das Relações Exteriores tem uma questão muito forte que é a questão da soberania do Brasil, da defesa da liberdade de expressão, de opinião. Esses são pontos centrais nessa política externa.
Ministro Ernesto Araújo – Certamente. A soberania, em todos os seus aspectos, é um dos eixos da nossa política externa, juntamente com a abertura econômica, com a segurança, com a defesa da democracia e com a defesa dos nossos valores. Isso tudo faz sentido em conjunto, e acho que isso tudo corresponde àquilo que os brasileiros esperam.
Liberdade de expressão é absolutamente essencial para o exercício de qualquer outra liberdade e tem que ser permanentemente defendida, seja dentro de casa, seja nos organismos internacionais. Nessa parte que nos cabe, dentro dos organismos internacionais, nós temos procurado enfatizar muito isso, dentro de todo esse rol de liberdades: liberdade religiosa, liberdade de pensamento, a própria democracia, que é um exercício institucional da liberdade, e, ao mesmo tempo, reconhecendo quais são as verdadeiras ameaças a essas liberdades e à democracia.
Hoje, nós vemos que a principal ameaça – seguramente aqui na nossa região, na América do Sul – é o avanço do crime organizado, as conexões do crime organizado com correntes políticas. Então nós temos procurado, cada vez mais, cooperação internacional e conscientização internacional nessa questão do combate ao crime organizado. Se você tem um regime de insegurança jurídica e um país sujeito à criminalidade, isso afeta os investimentos, portanto afeta o crescimento.
De modo que todas essas vertentes de política externa têm uma conexão entre elas e têm uma conexão muito forte. Isso é o que pretendemos, com o nosso projeto nacional.
Paulo La Salvia – Bom, Ministro, também falamos aqui um pouquinho, na abertura do nosso programa, desses dois grandes encontros que ocorreram em novembro, de forma virtual: o G20, na Arábia Saudita, em Riade, e o BRICS, na Rússia. Vamos conversar um pouquinho e falar sobre o G20. Como o senhor analisa a participação do Brasil neste encontro do G20? Foi a 15ª Reunião de Cúpula de Chefes de Estado e de Governo que ocorreu em novembro, na Arábia Saudita, em Riade, de forma virtual, em que participação dos líderes deu-se dessa forma em razão da pandemia do coronavírus. Qual é a análise do senhor sobre a participação do Brasil no encontro?
Ministro Ernesto Araújo – O G20, hoje, é, talvez, o grande foro do que se chama “governança internacional”. A palavra talvez não seja a melhor, porque dá uma ideia de que há um governo central. Não é nesse sentido. É no sentido de coordenação entre os países. É o principal foro desse tipo, portanto é importante que coloquemos ali o que o Brasil tem feito, qual é a nossa reação, a nossa preparação para o enfrentamento da pandemia propriamente na área da saúde (que muitas vezes é sujeita à desinformação e a informações distorcidas, tanto aqui quanto lá fora), mas também na parte econômica, sempre enfatizando o esforço enorme que foi feito em função, sobretudo, das pessoas mais vulneráveis na nossa população, com o auxílio emergencial e outras medidas; portanto, mantendo a própria capacidade de demanda da economia e garantindo a própria sobrevivência digna de tantas dezenas de milhões de brasileiros. Isso é uma coisa de que, muitas vezes, não se tem a noção lá fora. Então, quando um chefe de Estado, o Presidente, coloca isso, tem um impacto muito grande.
Segundo, colocando a nossa contribuição para o enfrentamento da crise. Então, claro, na parte da saúde, toda a questão de nossa participação em pesquisa de vacinas, por exemplo, mas também algo que o Presidente destacou muito: a parte da nossa produção agrícola e agropecuária. Se o Brasil tivesse parado a economia nessa área, também teria produzido fome, não só no Brasil, mas ao redor do mundo. O Brasil, hoje, tem a capacidade, nosso agro tem a capacidade de alimentar mais de um bilhão de pessoas, e alimenta mais de um bilhão de pessoas, com as nossas exportações. Houve, infelizmente, ao redor do mundo, com a pandemia, em alguns países, um aumento dos índices de pobreza, de fome, mas teria sido muito pior se o Brasil não tivesse dado essa contribuição através da manutenção da nossa capacidade produtiva no agro.
Isso também é algo que nos toca muito, porque nessas reuniões geralmente se fala muito em abstrato: “Ah, a solidariedade; precisamos de mais solidariedade diante da COVID-19.” Na prática, o que significa? No caso do Brasil, solidariedade interna, com auxílio emergencial, diante do drama de sessenta milhões ou mais de brasileiros, de repente, sem meios de viver e que o governo federal tem ajudado; e solidariedade internacional, por exemplo, alimentando pessoas, mantendo as nossas exportações agrícolas.
Além disso, nessa última Cúpula do G20, colocamos nossas ideias sobre reforma da OMC (Organização Mundial do Comércio), sobretudo no sentido de redução, eliminação dos subsídios. Geralmente, já tem sido a posição brasileira, e continuamos buscando isso: a redução dos subsídios agrícolas. Mas, cada vez mais, queremos trabalhar também na liderança da redução de subsídios industriais que distorcem a competição. Parte da nossa preocupação também é alavancar a indústria brasileira. Nosso agro é muito competitivo; continuamos fazendo tudo para aumentar a presença do agro, como acabo de reconhecer...
Paulo La Salvia – Equilibrar essas discussões dentro da OMC também.
Ministro Ernesto Araújo – Exatamente. A OMC precisa de uma reforma. O mundo de hoje é diferente do mundo de 1993, quando ela foi criada. São desafios novos aos princípios da OMC. Os princípios permanecem os mesmos: a liberalização, a virtude da economia de mercado, a ideia de que a OMC tem que garantir um campo de jogo equânime, um campo de jogo justo, sem distorções. Mas as distorções variam com o tempo; então, hoje temos que atacar e reduzir as distorções ou corrigir as distorções que existem para que esse processo de abertura econômica em que o Brasil está envolvido, com novos acordos comerciais, se dê, justamente, num campo onde não há, digamos, atores que competem de maneira distorciva. Isso é algo em que o Brasil está assumindo a liderança, na discussão sobre reforma da OMC.
Então, tudo isso o Presidente colocou no G20. Eu acho que isso mostra o nosso engajamento nos temas que importam, hoje, no mundo, nos temas que importam para os brasileiros, e esse foro realmente pode fazer diferença, pode ser cada vez mais um motor de mudanças, que são aquelas que nós queremos ver.
Paulo La Salvia – E dos 19 países mais a União Europeia que fazem parte do G20, só há três países latino-americanos: o México, a Argentina e o Brasil. E o Brasil é a maior economia da América Latina; está entre as dez maiores economias do mundo. O senhor considera, pela sua experiência, por estar à frente do Ministério das Relações Exteriores nesses dois anos desde o início do mandato do Presidente Jair Bolsonaro, que o Brasil é cada vez mais ouvido nesses foros internacionais? Tem cada vez mais representatividade?
Ministro Ernesto Araújo – Certamente, certamente. Antes de tudo, porque nós estamos falando com a nossa própria voz. Nós estamos falando das ideias que nós temos, das propostas que nós temos, e não simplesmente seguindo consensos. Ao longo do tempo, formou-se um pouco a imagem, a meu ver incorreta, de que a nossa diplomacia existe para permitir consensos entre os outros, para fazer pontes. Em alguns casos, sim, se pudermos contribuir – e queremos contribuir – para a solução de conflitos, mas isso não significa que nós não temos nossas posições, nossas opiniões, nossos interesses. Eu acho que a ideia de que o Brasil está no mundo só para, digamos, arbitrar os interesses dos outros é bastante limitada e limitante.
Hoje nós queremos estar no mundo para defender os nossos interesses, mais do que tudo, e procurar, sim, gerar consensos, ajudar a gerar consensos mundiais em função dos nossos interesses, das nossas prioridades, dos nossos valores, dos valores do nosso povo. E, com base nisso, acho que as pessoas estão escutando mais o Brasil. Eu acho que antes, quando o Brasil ia falar, de certa forma todo mundo já sabia o que o Brasil ia falar. Hoje as pessoas não sabem, e prestam mais atenção. Muitas vezes, falamos coisas que não são, digamos, o corrente. Enfatizamos temas que, muitas vezes, as pessoas não gostam muito de falar: liberdade religiosa, por exemplo, perseguição a cristãos ao redor do mundo. Isso chama a atenção, e isso influi no debate; é um debate que está crescendo no mundo. É claro que, quando você quer influir num debate, você causa fricções. Há pessoas que dizem: “Não pode ser assim”. Mas é para isso que nós estamos; não temos mais esse medo do debate, medo do enfrentamento de opiniões, do enfrentamento de posições.
Paulo La Salvia – Bacana, Ministro. Antes de falarmos do BRICS, queria voltar um pouquinho na questão do G20, da Arábia Saudita. Ali foi destacado que onze trilhões de dólares foram gastos pelos países no enfrentamento à COVID-19, o que – eu estava fazendo as contas – é cerca de 12% da economia mundial. E o Brasil também gastou um volume de mais de 600 bilhões de reais, que pode chegar a até um trilhão de reais, no enfrentamento à COVID-19. Eu vi que o Presidente Jair Bolsonaro colocou, e o senhor também, que isso mostra que os próprios países é que, na verdade, tiveram esse enfrentamento, foram para a linha de frente e conseguiram colocar isso em prática. Eu gostaria que o senhor falasse um pouquinho sobre isso também, já que é importante destacar como esse papel dos países no enfrentamento é uma coisa que tem que ser ressaltada.
Ministro Ernesto Araújo – Exato. Isso é muito importante, porque uma resposta mais ou menos automática que surge nas discussões internacionais, hoje, sobre a COVID-19 é de que o mundo hoje precisa de mais multilateralismo como resposta à COVID-19. Bem, em primeiro lugar, eu não gosto muito do termo multilateralismo porque “ismo”, geralmente, é uma ideologia. Então, quando se fala em “multilateralismo”, parece que já há um conjunto de ideias prontas que têm que ser aplicadas. Eu prefiro falar em sistema multilateral.
Devemos evitar essa resposta automática de que a resposta está necessariamente nesse âmbito multilateral. Está também, mas os organismos internacionais têm que ser foros muito mais de coordenação entre os países. Então, essa questão dos gastos está mostrando isso. Quem criou o auxílio emergencial que, para repetir mais uma vez, ajudou tantos milhões de pessoas no Brasil? Não foi nenhum sistema multilateral.
Paulo La Salvia – Foi o governo brasileiro.
Ministro Ernesto Araújo – Exatamente. Foi o governo brasileiro que fez chegar; não só a questão do dispêndio dos recursos, mas essa logística extraordinária que foi montada para chegar até as pessoas e criar um sistema de distribuição desses recursos. A questão da produção agrícola que nós mantivemos, isso foi graças ao trabalho dos brasileiros: não só de quem planta, colhe, mas de quem leva ao porto, de quem faz a logística. Esse esforço não é nem do governo, é um esforço do brasileiro, do povo, da sociedade.
Às vezes, essa mentalidade de que tudo é o “multilateralismo” desmerece justamente isso. E a realidade é essa. O que temos procurado colocar, na verdade, desde antes da pandemia, é nossa visão do que deve ser a relação entre o sistema multilateral e as nações. O sistema multilateral tem que ser um espaço de coordenação entre os países, muitas vezes gerando cooperação para determinados países mais necessitados, o que nós também não ignoramos. Ele tem muita eficiência nisso. Por exemplo, o programa de combate à fome das Nações Unidas, o World Food Program, um tema no qual o Brasil pode contribuir tanto, que é a segurança alimentar. Mas não nesse sentido de que tudo o que é gerado nos organismos internacionais é bom e aquilo que os países geram é ruim. Não é questão de bom ou mau, mas surge um pouco essa mentalidade.
Para continuar um pouco nessa linha, a ideia de que existem soluções globais para os problemas que atingem o mundo todo, que você deva procurar sempre soluções globais: isso também não é necessariamente assim. Muitas vezes as realidades são diferentes e requerem soluções diferentes. Então, a injeção dessa ideia de que tudo tem que ser global, tudo tem que ser multilateral, faz com que se perca, muitas vezes, a eficiência da resposta às crises.
Paulo La Salvia – Pode anular a soberania dos países também.
Ministro Ernesto Araújo – Pode atingir a soberania. Há essa ideia de que a soberania é uma coisa que atrapalha soluções globais. Para nós, é exatamente o contrário: é só a soberania, o exercício da democracia...
Paulo La Salvia – E é um princípio que existe há séculos...
Ministro Ernesto Araújo – Que existe há séculos, e não é uma crise ou outra que deve fazer que se relativize esse princípio. As nações estão provando que são plenamente capazes de atuar em coordenação e superar mais essa crise.
Paulo La Salvia – Agora, um outro assunto que também trazemos ao nosso programa é o BRICS. Ocorreu agora a 12ª Reunião de Cúpula, e o Brasil também participou, também fez propostas. Eu queria iniciar a nossa conversa com essa questão da reforma do Conselho de Segurança da ONU. Como que está sendo gestada essa ideia nesse consórcio entre o Brasil, a África do Sul e a Índia, que são países que porventura poderiam participar como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU?
Ministro Ernesto Araújo – Perfeito. Nós temos o chamado G4, que é integrado por Brasil, Índia, Japão e Alemanha. São quatro países que há algum tempo se coordenam em torno da ideia de que têm uma espécie de vocação para vir a integrar, como membros permanentes, o Conselho de Segurança. Então, nós nos coordenamos com esses países em várias ações para manter vivo, pelo menos, o debate sobre a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas – o que em si mesmo já é um desafio –, na percepção de que, se houver uma ampliação, o Brasil tem todas as características para integrá-lo.
Mas nós também nos movimentamos, nesse sentido, em outros âmbitos. O apoio dos outros países do BRICS é importante, sendo que, no BRICS, você tem o Brasil e a Índia, que são parte também desse G4, o que nos beneficia muito. A questão da África do Sul é um pouco mais complicada, porque a África tem o compromisso de definir em conjunto quem seria o país ou os países africanos que viriam a integrar um Conselho ampliado com membros permanentes, o que faz do caso africano uma geometria mais complicada. Mas isso tem um valor muito grande para nós, no caso do BRICS, que é uma caixa de ressonância importante para essa nossa ideia de que o Brasil poderia vir a integrar o CSNU. É algo que sempre estamos conversando. Eu acho que precisamos, sobretudo, manter o debate aberto no âmbito das Nações Unidas.
Paulo La Salvia – Até porque a realidade de 2020, 2021 é diferente da realidade de 1945.
Ministro Ernesto Araújo – Evidente. É o Brasil tem um peso, e quer ter cada vez mais um peso no cenário internacional. Queremos, portanto, colocar as nossas visões. Por exemplo, nessa área de segurança, e para voltar ao que eu falei antes, cada vez mais vemos o desafio do crime organizado. Hoje, os desafios, justamente, à segurança mundial em muitos casos não são os conflitos entre Estados, que é o clássico nas relações internacionais e que é, mais ou menos, para o que as Nações Unidas estão montadas, para evitar esse tipo de conflito, o que é, evidentemente, um objetivo absolutamente necessário. Mas as ameaças estão mudando, ameaças não estatais à segurança, e, portanto, um Conselho de Segurança precisa prestar atenção nessas ameaças que existem, e não nas que existiam há anos atrás.
De modo que achamos que o Brasil enriqueceria o Conselho de Segurança como membro permanente. Não é só a questão do nosso tamanho, do nosso peso econômico; é também nossa capacidade de ter propostas, de ter ideias, de levar uma determinada visão a todos os foros em que nós atuemos.
Também há a relação entre segurança e democracia. Nós achamos que todo o sistema internacional não pode ser indiferente à democracia e à liberdade; ele tem de trabalhar permanentemente para que haja mais democracia e mais liberdade no mundo. Hoje você vê que nos debates internacionais pouco se fala de democracia, de liberdade.
Paulo La Salvia – Como se fosse algo já consolidado.
Ministro Ernesto Araújo – Como se fosse algo consolidado, e não é. A democracia não está garantida. Ao contrário, sofre mais ameaças hoje do que há algum tempo. Então, procuramos levar esse debate. O Presidente Bolsonaro sempre fala de democracia, de liberdade em seus discursos internacionais, como você sabe. Nós queremos levar nossa voz nesse sentido, levar nosso sentimento e colocar o peso do Brasil em favor de um mundo mais seguro, mas também um mundo com mais liberdade, com mais democracia.
Então, isso não é só uma questão do Conselho de Segurança, é uma questão da nossa visão. Não queremos estar no Conselho de Segurança só para estarmos lá e colocar uma placa do Brasil. É porque achamos que o Brasil tem inclusive uma responsabilidade mundial, um lugar no mundo a partir do qual nós podemos defender – voltando ao começo – valores que são essenciais para os brasileiros.
Paulo La Salvia – E o BRICS, que surge ali nos anos 2000 como um acrônimo desenvolvido pelo Goldman Sachs, ganhou toda essa projeção, reúne Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul. Eu penso que, cada vez mais, se torna um player, um grande jogador nesse cenário global. Como é que o senhor analisa o BRICS atualmente e o papel do Brasil dentro do bloco?
Ministro Ernesto Araújo – O BRICS tem-se tornado um bloco cada vez mais focado em objetivos específicos, dentro de cada presidência. Então, no ano passado, na presidência brasileira, nós focamos muito no tema da inovação, e conseguimos criar uma rede de inovação do BRICS para estimular, sobretudo, pequenas companhias, novas companhias a atuarem nessa área da inovação. Este ano, um avanço muito importante foi a cooperação na esfera do combate ao terrorismo, onde todos os países do grupo têm essa mesma convicção contra o terrorismo, em regiões diferentes, obviamente. Então, qualquer cooperação nessa área, para nós, hoje, é extremamente útil, porque vemos uma ameaça de terrorismo, inclusive aqui na nossa região. A presidência indiana, no ano que vem, já sinalizou que provavelmente vai se concentrar em temas como água e saneamento, saúde, o que também nos interessa muito.
Então, o BRICS, hoje, não pretende ser um foro de coordenação de posições em todos os foros. Não pretendemos levar posições únicas do BRICS para outras negociações, como, um pouco, foi a ideia em algum momento. Acho que o BRICS, quando surgiu, foi um pouco na ideia de que ele poderia passar a ser, digamos, o centro de coordenação global, a ideia de que havia uma decadência dos Estados Unidos e da Europa, e de que os países emergentes seriam, digamos, o novo centro do mundo. Isso não se materializou.
Acho que o BRICS é mais um elemento. Mas, ao mesmo tempo, queremos atuar com os Estados Unidos, com a União Europeia, com outros atores, como o Japão e a Austrália, enfim, com todos os nossos parceiros ao redor do mundo, e não nos concentrar simplesmente no BRICS. Acho que o BRICS criou muita expectativa por isso. Falava-se muito, em meados dos anos 2000, no mundo “pós-americano”, que no BRICS é que seriam tomadas as decisões. Não é. O G20 aumentou também, e todos os países do BRICS estão no G20...
Paulo La Salvia – Estão representados.
Ministro Ernesto Araújo – Sim, estão representados, mas também o G20 não substitui o G7, com o qual também temos interesse de nos aproximar por causa dos valores de democracia, por exemplo. Uma coisa não substitui a outra, portanto. Cada um tem a sua vocação. Claro que no BRICS, às vezes, nós conseguimos declarações importantes sobre temas como Oriente Médio, mas a ideia central do BRICS não é de ser um foro de coordenação e de apresentação de políticas comuns; é de gerar resultados concretos na cooperação entre os países. Ademais, há o Banco do BRICS, que é uma entidade que tem uma vocação para também financiar projeto de desenvolvimento, do qual cada vez mais o Brasil se beneficia, o que é também algo concreto, e não simplesmente abstrato.
Paulo La Salvia – Muito obrigado pela participação aqui conosco, de novo, Ministro. De uma certa forma, esta entrevista complementou a que o senhor nos concedeu no começo do segundo semestre. Muito obrigado mesmo. É sempre bom abrirmos o Brasil em Pauta para entrevistas como a do senhor, que traz esclarecimentos, informações e conteúdo para quem nos assiste.
Ministro Ernesto Araújo – Muito obrigado. Sempre é uma boa oportunidade para falar de nossas ideias, das nossas ações. Fico muito feliz de ter participado.