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Discursos do Ministro Ernesto Araújo na Reunião Ministerial América Latina e Caribe – União Europeia
Discursos do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na Reunião Ministerial América Latina e Caribe – União Europeia (14/12/2020)*
Muito obrigado, bom dia a todos.
Agradeço novamente o esforço da Alemanha e da União Europeia para realizar essa reunião tão oportuna. É um prazer estar com todos.
O Alto Representante [da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança] Josep Borrell falou de três respostas à crise atual: multilateralismo, democracia e desenvolvimento sustentável. Eu concordo, desde que por multilateralismo entendamos um melhor sistema multilateral, transparente, responsável, respeitoso perante os Estados, um espaço de coordenação e não de decisão impositiva.
Concordo também com desenvolvimento sustentável, mas desenvolvimento sustentável com soberania, atenção às populações mais vulneráveis e cumprimento daquilo que é acordado nos tratados internacionais em termos de apoio financeiro e mercados de carbono. Criar emprego e renda é a melhor preservação ambiental.
Mas, dos três aspectos, o mais importante é a democracia. Nem a COVID-19 nem a mudança climática podem justificar a destruição das liberdades fundamentais, que caracterizam praticamente todas as nossas sociedades aqui representadas. E a nação é o lugar da democracia. O multilateralismo não pode ser uma cortina de fumaça para o avanço de outras opções não democráticas no mundo. A nação também é o sujeito do desenvolvimento sustentável. Cada nação tem a capacidade de estabelecer suas estratégias para o crescimento, recuperação econômica, com respeito ao meio ambiente. Não podemos fazer uma transição energética que não seja uma transição democrática.
Precisamos também fazer uma transição digital, e aqui entramos no tema presente, que seja democrática. Podemos dar o nome que quisermos à transformação digital, mas, se não garantirmos que ela seja um instrumento de democracia e de liberdade, teremos um mundo muito sombrio no futuro. A transformação digital proporciona possibilidades antes não sonhadas para o exercício da liberdade, da criatividade humana, mas também pode proporcionar instrumentos para o controle estatal do tipo Big Brother. Então, é preciso que a transformação digital tenha em seu DNA o gene da liberdade.
Europeus, latino-americanos e caribenhos temos o gene da liberdade. Precisamos estar juntos. Precisamos estar juntos também com a América do Norte e países de outras regiões que compartilham também dos valores democráticos. Não adianta falar de um mundo de prosperidade, igualdade, desenvolvimento sustentável se não for um mundo de mais e crescente liberdade. E, para o exercício da liberdade, é fundamental a liberdade de expressão inclusive [e, cada vez mais, sobretudo] no mundo digital.
Temos que ter presente o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que fala da liberdade de opinião e de expressão, em qualquer meio. O mundo digital tem que ser tão favorável, tão aberto à liberdade de expressão quanto o mundo físico.
No universo digital, não se pode deixar espaço para o crime organizado e, ao mesmo tempo, não se pode criar um sistema inquisitorial, baseado na caça às chamadas fake news. Nenhuma entidade pode, mesmo agindo de boa-fé, ter o poder de determinar o que é verdade e o que não é, e excluir opiniões do debate público, sob a desculpa de que sejam fake news.
O mundo pós-COVID-19 é certamente um mundo mais digital, mas isso não garante que seja mais democrático. Precisamos da cooperação entre nós para que esse mundo digital seja um mundo democrático.
Muito obrigado.
Discurso no Painel temático III: Aliança Digital/Cooperação Digital
Senhoras e senhores,
O Brasil agradece e reconhece o esforço do Ministro Heiko Maas e do Alto Representante Josep Borrell para realizar esta reunião em plena pandemia. Para mim, o encontro de hoje é inequívoco sinal de absoluto compromisso com a cooperação entre nossas regiões.
A atual crise que enfrentamos não é apenas sanitária, mas também econômica, social e de valores. Para superar essa miríade de impactos, são necessários esforços nas áreas da saúde e da economia, a fim de assegurar o bem-estar de nossos povos. Temos, no Brasil, adotado política bem-sucedida de preservar a manutenção da atividade econômica, com resultados muito satisfatórios em termos de contenção dos efeitos negativos da pandemia sobre nossos índices de emprego e renda.
Esta videoconferência constitui oportunidade para relançarmos a cooperação birregional sobre novas bases. A defesa permanente e intransigente da liberdade e da democracia deve nortear nosso diálogo, com o objetivo de criarmos um mundo mais próspero, seguro e justo no contexto pós-pandemia.
A democracia e as liberdades fundamentais são valores que nos unem e por cuja promoção e defesa trabalhamos juntos. Esses valores representam fins em si mesmos; refletem o modelo de sociedade que queremos construir e devemos apresentar ao mundo.
Senhoras e senhores,
O mundo pós-pandemia pode ser um mundo com mais liberdade ou menos liberdade, com mais democracia ou menos democracia. A evolução digital e as telecomunicações desempenharão papel central nesse novo mundo, que, para ser mais livre e democrático, precisa garantir, a todos nós, instrumentos para seguirmos o caminho da prosperidade. A pandemia acelerou a emergência da sociedade digital e o intercâmbio de ideias e de informações em meios independentes. Esse intercâmbio é elemento absolutamente fundamental para fomentar a competitividade das nações em um contexto no qual a circulação de informações está indissociavelmente vinculada ao desenvolvimento das tecnologias digitais.
Em paralelo à circulação de informações, o comércio eletrônico beneficiou-se amplamente da crescente digitalização da economia mundial. Demonstrou ser uma das principais ferramentas para adaptação bem-sucedida dos governos, das empresas e da sociedade às restrições impostas pela pandemia. Além de contribuir para fortalecer nossos países em tempos de crises globais, o comércio eletrônico continuará a desempenhar papel relevante no processo de recuperação em curso de nossas economias, ao ser incorporado no dia a dia de uma grande parcela de nossas populações.
Precisamos, nesse contexto, estabelecer regras internacionais que garantam segurança jurídica e previsibilidade para as empresas e que assegurem, igualmente, um ambiente com direitos ao consumidor, à sua privacidade e aos seus dados pessoais.
A digitalização da economia instaura, portanto, oportunidades de imenso potencial para a integração birregional; para a dinamização dos fluxos de comércio, financeiros e de comunicações; e para a ampliação da internacionalização de empresas.
Não deixa, também, de impor desafios crescentes. O aumento da conectividade digital deve caminhar junto ao fortalecimento de medidas de segurança cibernética.
Senhoras e senhores,
O crescimento incessante de operações cibernéticas maliciosas tornou-se uma espécie de mal-estar do nosso tempo.
Essas operações, associadas à disseminação de desinformação, constituem grave e crescente ameaça à liberdade de expressão em nossos países e em nossos meios de circulação de informações, com consequências perigosas sobre nossas economias, nossos povos e mesmo nossas liberdades, se não soubermos agir tempestivamente para garantir a segurança cibernética.
O governo brasileiro adotou, por essas razões, nova Estratégia Nacional de Cibersegurança, visando a aumentar a resistência do país às ameaças cibernéticas e a contribuir para a prosperidade e a confiabilidade no ambiente digital.
Na era da inteligência artificial e do Big Data, devemos estar vigilantes. Mais do que nunca, devemos lutar pela liberdade de pensamento e de consciência, assim como pela liberdade de expressão. O exercício do direito à privacidade é crucial para a consecução plena dessas liberdades e para o desenvolvimento de opiniões sem interferências, livres do medo e da opressão.
No plano mundial, o Brasil tem-se empenhado em promover um ciberespaço aberto, seguro e protegido. É essencial garantir que esse espaço, como qualquer outro, esteja sujeito à força da lei. O Brasil é protagonista nos esforços para desenvolver normas, regras e princípios sobre o comportamento responsável do Estado nesse campo.
Na última Assembleia Geral das Nações Unidas, o Presidente Jair Bolsonaro deixou claro que o Brasil permanece interessado em estabelecer parcerias sólidas no campo da tecnologia e da inovação, com benefícios mútuos em termos de desenvolvimento científico e prosperidade econômica, desde que tais parcerias respeitem a soberania e as instituições brasileiras e se orientem pela defesa da liberdade, da democracia e pela proteção de dados.
O compartilhamento irregular de informações por meio digital é, hoje, ao mesmo tempo, o grande medo e o grande obstáculo para o desenvolvimento mais acelerado da digitalização de nossas economias.
No Brasil, 70% dos cidadãos têm acesso à Internet. Dispomos de avançada estrutura institucional para a governança da Internet. Marcos normativos importantes, como a Estratégia de Transformação Digital e a Lei Geral de Proteção de Dados, têm fortalecido a segurança digital, bem como a proteção de dados pessoais e dos consumidores. O Comitê Gestor da Internet, a Câmara da Indústria 4.0 e da Internet das Coisas 4.0 são instâncias, no Brasil, que, ao unirem representantes dos setores público e privado, demonstram firme abordagem multissetorial vigente em nosso país no tratamento de tecnologias emergentes.
No âmbito do MERCOSUL, o Acordo de Reconhecimento Mútuo de Certificados de Assinatura Digital oferece marco normativo de referência para maior convergência e interoperabilidade na região, com benefícios para o reconhecimento de documentos e consequente facilitação do comércio internacional. Estamos em condições, portanto, de promover a convergência das agendas digitais do MERCOSUL e da União Europeia.
Senhoras e senhores,
Os benefícios da digitalização se estendem, também, à eficiência energética. É um campo promissor a ser explorado, principalmente diante da necessidade cada vez mais evidente de racionalizarmos e otimizarmos o consumo de energia em nossas casas, indústrias e transportes.
Metade dos países-membros da Plataforma para o Biofuturo, iniciativa que debate e troca experiências a respeito de políticas para o fortalecimento da bioenergia e da bioeconomia, pertence a nossas regiões. Isso indica que América Latina e Caribe, de um lado, e União Europeia, do outro, podem aportar – e aportarão – contribuição inestimável no campo da bioenergia e da bioeconomia. Os países da América Latina e do Caribe, amparados pela Plataforma para o Biofuturo, estão investindo cada vez mais em bioenergia.
Ao mesmo tempo, o Brasil não perde de vista outros caminhos sustentáveis no setor energético, inclusive com foco em fontes limpas, traço fundamental da matriz energética brasileira: as fontes renováveis.
Mesmo as indústrias de energia tradicionais, como petróleo e gás, devem investir em práticas sustentáveis. A redução dos custos associados à digitalização no setor petrolífero há de servir como incentivo às empresas do setor de hidrocarbonetos, liberando recursos para fomentar formas de produção mais sustentáveis.
Os ganhos de sustentabilidade energética, com aplicação de soluções digitais, poderão ser disseminados em âmbito regional e, nesse sentido, vir a integrar-se a iniciativas birregionais de cooperação digital.
Soluções digitais no campo energético poderão, igualmente, beneficiar-se do componente de “transformação digital” previsto para a pauta de cooperação regional da União Europeia para a América Latina na programação orçamentária 2021-2027. Estamos prontos para trabalhar com o lado europeu nessa busca de desenvolvimento digital e de sustentabilidade energética.
Senhoras e senhores,
O Brasil acredita que a retomada do crescimento econômico tem de ser sustentável. Esse movimento deve contemplar as três dimensões do desenvolvimento: a econômica, a social e a ambiental. Não haverá desenvolvimento sustentável de tecnologias digitais se não implementarmos de maneira efetiva o princípio da eficiência em nossas economias.
Busca da eficiência significa ampliar a abertura ao comércio internacional, libertando nossas economias de amarras burocráticas que dificultam o desenvolvimento científico e tecnológico. Significa, igualmente, reduzir ao mínimo necessário as distorções sobre o comércio internacional e a produção em outros países. É imperativo evitar cenários de superprodução não sustentável em países fechados e subsidiadores.
Estou certo do poder da informação, da verdade e da livre circulação de informações neste momento de fragilização econômica e social em escala mundial e de esforços de recuperação econômica internacional. O desenvolvimento das tecnologias digitais exerce papel crucial nesse processo de recuperação econômica e na transformação crescente das cadeias transnacionais de agregação de valor. Constituem, portanto, elemento essencial da cooperação, do entendimento e da defesa da liberdade e da prosperidade em nossas regiões.
Muito obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores