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Discurso do senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Carlos França, por ocasião do evento “Paulo Tarso Flecha de Lima e seu Legado no Itamaraty”
Discurso do senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Carlos França, por ocasião do evento “Paulo Tarso Flecha de Lima e seu Legado no Itamaraty”
Um dos traços da personalidade do Embaixador Paulo Tarso era sua prodigiosa memória e lucidez que ele manteve até o último dia da sua vida. Eu pelo jeito não herdei esse traço dele, apesar de diplomata, porque eu esqueci de mencionar aqui a presença do Deputado Federal Carlos Melles, Presidente do SEBRAE. Muito obrigado pela sua presença aqui hoje, desculpe-me, e claro eu me referia ao Ministro Paulo Roberto de Almeida, que foi meu Ministro-Conselheiro, mas é o Embaixador Paulo Roberto de Almeida. Então, feita a correção aqui!
De fato, o Embaixador Paulo Tarso foi um dos nomes que mais incutiram, nesta Casa, a convicção de que nossa atuação como diplomatas justifica-se pela contribuição que damos à sociedade brasileira, aos cidadãos brasileiros, como ressaltei em meu discurso de posse, em linha com a política do Presidente Jair Bolsonaro.
Gostaria de aprofundar esse argumento lembrando episódios marcantes de sua trajetória, que permitem mensurar a estatura de seu perfil e de seu legado, centrado na ideia – décadas à frente de seu tempo – de um Itamaraty a serviço do povo brasileiro.
O Embaixador Flecha de Lima foi diplomata representativo da melhor tradição de diplomatas-executivos do Itamaraty. Nesse sentido, sua trajetória é também, penso eu, representativa de um Itamaraty que criou sistemas e métodos inovadores de gestão pública e que tem contribuído para a modernização do Estado. Ou seja, de um Itamaraty que soube inovar e posicionar-se em um mundo em transformação.
Em 1973, Paulo Tarso assessorava o Ministro de Estado Mário Gibson Barbosa em assuntos de promoção comercial. Sua iniciativa de reformular a estrutura da área econômica do Itamaraty, durante o período de mais de uma década em que esteve à frente do Departamento de Promoção Comercial, decorreu de uma leitura arguta das tendências internacionais do momento. Embaixador Paulo Tarso enxergou com clareza a vinculação entre expansão comercial e desenvolvimento econômico com geração de emprego e renda no País
O ambiente internacional naqueles anos foi marcado por sucessivas crises, a iniciar-se pelo choque do petróleo de 1973. Diante da recessão global, os países avançados passaram a desenvolver políticas agressivas de promoção de suas exportações e de abertura de mercados, com uso de subsídios diretos e outras medidas de incentivo. Esse contexto desafiador exigia maior planejamento dos esforços de abertura de mercados para as exportações brasileiras. Era preciso imprimir maior institucionalidade e, sobretudo, caráter estratégico àquelas iniciativas.
Uma das soluções foi encontrada pelo Embaixador Paulo Tarso na fórmula institucional do Departamento de Promoção Comercial (DPR). O DPR passou a administrar o Sistema de Promoção Comercial, o qual contava com áreas de produção de inteligência comercial e de operações de promoção comercial. O diagnóstico da necessidade de mecanismo abrangente e de visão de longo prazo para as iniciativas comerciais do Itamaraty resultou em ação pioneira de modernização institucional desta Casa, um exemplo precoce do que hoje chamamos de “diplomacia da inteligência”. Refletindo sobre aqueles anos, Paulo Tarso viria a escrever que “a ação do Itamaraty, em coerência com as prioridades do momento, transformou desenvolvimento e comércio em temas de todo dia na execução da política externa do País”.
Mas a contribuição do Embaixador Paulo Tarso à cidadania brasileira não se restringiu à promoção comercial. Na segunda metade dos anos 1980, já na capacidade de Secretário-Geral das Relações Exteriores, posição que assumiu em 1985, ele se viu confrontado com um tema que ganhou contornos dramáticos nas relações internacionais do Brasil: os contenciosos com os Estados Unidos sobre propriedade intelectual no setor farmacêutico e sobre o mercado de informática.
Eram contenciosos decorrentes da ausência de proteção de patentes para produtos farmacêuticos no Brasil e da política de reserva de mercado às indústrias brasileiras de informática. Os Estados Unidos, que dominavam os dois setores, passaram a exercer forte pressão sobre o Brasil, nos planos bilateral e multilateral, ao amparo da Seção 301 de seu Trade Act. Houve ameaça de imposição de sanções em paralelo a denúncia de nossa legislação frente ao GATT. Vale lembrar que as relações Brasil-Estados Unidos eram também marcadas, naquele momento, pela questão da dívida externa, o que aumentava a fricção em um período particularmente sensível de reconstrução da democracia brasileira.
Embaixador Paulo Tarso esteve à frente das negociações que culminaram na resolução dos dois contenciosos e na recuperação de uma agenda positiva nas relações com os Estados Unidos. O então Secretário-Geral Flecha de Lima viajou seguidas vezes a Washington para apresentar e defender os avanços legislativos domésticos em informática e negociar pessoalmente com a US Trade Representative (USTR) a suspensão formal de ameaça de sanções, após persistentes negativas do lado norte-americano. O mesmo desfecho prevaleceu no caso das patentes.
Nos anos 1990, o Embaixador Paulo Tarso chega como já um profissional amplamente tarimbado no corpo a corpo diplomático, uma experiência que muitos de nós por trás de mesas e escrivaninhas nem sempre temos a oportunidade de vivenciar. Essa experiência mostrou-se crucial em novo desafio que ele teve que enfrentar em seara diretamente vinculada ao bem-estar dos nossos cidadãos e que foi tocada aqui no discurso do Secretário-Geral Simas Magalhães: a área consular. Em 1991, ele salvou brasileiros que estavam retidos no Iraque. Não cabem meias-palavras aqui. O Embaixador Paulo Tarso viu-se diante de uma daquelas situações que podem constituir o teste de uma vida inteira: garantir a integridade física de compatriotas em situação de risco.
Nos estágios iniciais das negociações para liberação dos brasileiros no Iraque, nosso então embaixador em Londres foi designado para tentar obter a soltura dos brasileiros que Saddam Hussein havia feito de escudo no contexto da “Operação Tempestade do Deserto”, após a invasão do Kuwait. Embaixador Paulo Tarso conhecia bem a situação interna do Iraque: nos anos 1970, aquele país havia identificado o Brasil como importante supridor de suas importações, e nosso colega, à época no comando do Departamento de Promoção Comercial, acompanhou de perto o fortalecimento da relação comercial entre o Brasil e o Iraque.
A história é conhecida, mas nunca é demais lembrá-la: nos esforços que empreendeu para a soltura dos brasileiros, Paulo Tarso chegou a reunir-se com o Rei Hussein, da Jordânia, e a obter o auxílio de Yasser Arafat. A certa altura, a Embaixatriz Lúcia Flecha de Lima desembarcou pessoalmente no Iraque para contribuir com a missão. Os nacionais brasileiros foram todos libertados e repatriados em segurança.
Na minha Ribeirão Preto, lembro-me, assistindo pela televisão, da chegada de dois Boeings 707 fretados pelo Embaixador Paulo Tarso desembarcando aqui no aeroporto de Brasília. Isso foi transmitido ao vivo e dá a dimensão da grandeza daquele episódio que temos a alegria de relembrar.
Creio que essa rápida digressão sobre o percurso profissional de um exemplo para todos nós, diplomatas ou não, já é mais do que suficiente para termos presente a estatura de sua personalidade do Embaixador Paulo Tarso. Permito-me, aqui, em conclusão, citar novamente suas palavras. Em entrevista concedida há alguns anos, ele comentou que “o que caracteriza um bom negociador é sua credibilidade”. Eu diria que, entre suas maiores contribuições ao Itamaraty e ao Brasil, está a força da credibilidade que sua pessoa emprestou à nossa instituição e ao nosso país.
Credibilidade que se constrói com perenidade, mas também com profundo conhecimento. Por isso, tenho o prazer de anunciar hoje, aqui, que a futura escola de negócios internacionais da Apex/Brasil receberá o nome de Instituto Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, como justo reconhecimento e como modelo para nossos negociadores. Espero que possamos trabalhar sempre, como ele o fez, pelo bem-estar de nossos compatriotas, seja qual for nossa área de atuação no Itamaraty.
Que o exemplo do Embaixador Paulo Tarso sempre nos ilumine e eu espero que possamos trabalhar sempre como ele o fez pelo bem-estar de nossos compatriotas, seja qual for a área de atuação no Itamaraty.
Muito obrigado.
Veja aqui a versão do discurso do senhor Ministro de Estado para o espanhol