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Discurso do Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador Fernando Simas Magalhães, por ocasião da sua cerimônia de posse
Discurso do Senhor Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador Fernando Simas Magalhães, por ocasião da sua cerimônia de posse (04/06/2021)[*]
Senhor Ministro de Estado,
Embaixador Otávio Brandelli, a quem agradeço pelo apoio na transição e desejo felicidades em seu futuro Posto,
Senhores Secretários,
Presidentes das Associações de Classe,
Prezados colegas diplomatas, oficiais de chancelaria, assistentes de chancelaria e demais funcionários,
Apreciadas amigas e amigos que nos acompanham hoje e que me dão essa grande honra.
Com a devida licença, gostaria de iniciar estas palavras com uma breve nota, mais de cunho pessoal. Quero referir-me ao amor e à influência de pessoas muito próximas e queridas em minha vida. Dedico este momento, em especial, ao meu saudoso pai, Embaixador Fernando Paulo Simas Magalhães, que fez de sua vida no Itamaraty um exemplo de rigor profissional e ética pública. Juntamente com minha mãe Tercília, sei que velam por mim, nesta ocasião de profunda emoção e agradecimento. Todo carinho ao meu irmão mais velho, Mário, cuja carreira de engenheiro, em algum momento, tive a inocente ilusão de poder seguir. Um de seus filhos, André, nos acompanha com brilho nesta saga diplomática familiar, está aqui e hoje representa a toda a família. Meu emocionado reconhecimento também ao irmão querido, nosso colega, Embaixador Carlos Alberto Simas Magalhães, profissional extraordinário, por quem peço as orações e a energia positiva de todos. Por fim, mas não por último, obrigado Matilde, companheira de vida, que me abençoou com três lindas crianças, Felipe, Julia e Antonia, que são para nós a fonte de toda felicidade.
Como dizia, o Itamaraty felizmente me resgatou, quando visivelmente a faculdade de engenharia se mostrava uma escolha desacertada. Ingressei muito jovem nos quadros do Ministério, aos 21 anos, e vivi cada um desses últimos 42 anos com toda vibração e entrega. O ofício de diplomata, de certa forma, é a minha segunda pele, e em respeito a esta instituição de Estado, nossa Casa, e aos seus valiosos integrantes, aceito, com humildade, o imenso e honroso desafio que o Ministro de Estado decidiu, não sem alguma audácia, colocar diante de mim.
Comecei com essa nota pessoal porque, ao longo desses anos de carreira, pude sempre reconhecer na atuação dos melhores diplomatas e chefes queridos da Casa os elevados valores daqueles que nos antecedem, e que servem de inspiração para todos nós. Vejo, em cada um deles, o traço da dedicação, da retidão profissional, do amor pela Pátria e do valor ético da entrega plena ao serviço público, muitas vezes com particular sacrifício das suas famílias. Com o receio de que algum nome me escape, e desde já apresentando minhas desculpas, presto aqui sentida homenagem a esses grandes profissionais, que me chefiaram diretamente e me ajudaram, orientaram e colocaram na trilha de serviço à diplomacia brasileira: Henrique Rodrigues Valle, Luiz Filipe de Macedo Soares, Fernando Guimarães Reis, Vera Pedrosa Martins, George Álvares Maciel, Ronaldo Sardenberg, Sebastião do Rego Barros, Rubens Ricupero, Paulo Tarso Flecha de Lima, Antonino Mena Gonçalves, Roberto Jaguaribe. Resgato, ainda, os nomes dos Chanceleres Luiz Felipe Lampreia, Antonio de Aguiar Patriota e Mauro Vieira, com quem tive uma relação particularmente estreita. Para mim, especialmente, coroa essa lista o meu grande amigo e prezadíssimo chefe e Secretário-Geral, que queria muito estar aqui hoje conosco e não pôde viajar, infelizmente, cujo aconselhamento e amizade foram uma bússola privilegiada durante cerca de dez anos de profícua convivência e aprendizado: Embaixador Osmar Chohfi. Sou grato e reconhecido a todos eles.
Nossa carreira está, é claro, ordenada e regulada normativamente, obedece a uma linha hierárquica de comando e se pauta pela obediência e lealdade aos chefes, a começar, constitucionalmente, pelo Presidente da República, a quem estendo também meu profundo agradecimento. Isso não quer em absoluto dizer, por outro lado, que a verticalização da estrutura signifique um fechamento artificial dos espaços para o diálogo sincero e respeitoso, o intercâmbio de opiniões, o compartilhamento de boas práticas, a formulação de posições em atenção ao melhor interesse do país. A Secretaria-Geral saberá recolher de forma contínua o sentimento dos colegas, as sugestões que julgarem pertinentes, as inquietações que porventura existam. Minha equipe sabe disso, e está instruída nesse sentido.
À Casa de Rio Branco dirigimos, com entrega e devoção, nossas melhores energias. Creio expressar um sentimento coletivo quando digo que não escolhemos a profissão de diplomata de forma burocrática ou aleatória, mas sim por vocação inata. Oferecemos o melhor de nosso intelecto, de nossa criatividade e de nosso talento para a causa pública, pelo bem da Nação brasileira e dos brasileiros. Contribuímos para formar uma imagem do Brasil que granjeie o respeito internacional, e que permita projetar e sustentar o justo e legítimo lugar que nos cabe no mundo, sempre atuando de forma colaborativa, solidária e negociada com todos nossos sócios. Fazemos da política exterior uma ferramenta a serviço dos preceitos constitucionais e do Estado de Direito, em respeito às obrigações internacionais assumidas e aos profundos anseios de prosperidade e justiça social, à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Nossa Instituição tem alicerces sólidos na História e nos grandes nomes da construção da pátria. Sobre esses alicerces é que erigimos, geração após geração, a política exterior brasileira. Que fique claro, contudo: não o fazemos como um exercício de repetições mecânicas, alinhamentos oportunistas ou de simples defesa de posturas estáticas, e sim em obediência aos interesses nacionais em permanente evolução, à realidade de nossas demandas, à legitimidade do mandato democrático e à imperiosa necessidade de nos mostrarmos sempre sensíveis aos tempos em que vivemos. Foi graças às sólidas fundações e à capacidade de adaptação de nossa diplomacia que o Brasil pôde manter, de maneira ininterrupta e oportuna, posição privilegiada no sistema de Nações e nos principais centros de decisões multilaterais.
Ministro Carlos França,
Já o fiz em privado, mas quero de público reiterar meu penhorado reconhecimento pela confiança que em mim deposita para essa missão, e que recebo com profundo sentido de responsabilidade. Assumo abnegadamente o cargo, com consciência plena da tarefa que se impõe ao Itamaraty na atualidade. Espero honrar o nome e o exemplo de alguns dos meus grandes antecessores, que hoje celebro nas pessoas dos queridos amigos, Embaixadores Osmar Chohfi, Marcos Galvão e Sérgio Danese.
Nossas instruções estão dadas em seu discurso inaugural e na mensagem ao Itamaraty. Com o apoio que espero da Casa, e que estou certo de receber, empenharei o melhor de mim e de minha equipe para cumprir tais instruções, dentro das competências da Secretaria-Geral. Procurarei adequar os meios para o enfrentamento das três urgências que Vossa Excelência elencou, ou de qualquer outra ação que nos for encomendada. São urgências que exigem o compromisso, a união e o engajamento pleno dos funcionários de todas as carreiras do Serviço Exterior.
Estou convencido de que o Itamaraty somente estará à altura dos imperativos da política externa se também souber enfrentar, com coragem e criatividade, suas próprias demandas como instituição. Esse será, Ministro Carlos França, meu principal objetivo à frente da Secretaria-Geral.
Caros Chefes da Casa, colegas e funcionários,
Não são poucos nem simples os desafios que enfrentamos. Muitos deles são problemas estruturais de longa data, e vão continuar a exigir nossos melhores esforços. Outros cobram necessários ajustes de rumos. Alguns estão na ordem do dia, debatidos no Congresso Nacional, levados à justiça, ventilados afoitamente na imprensa ou nas redes sociais, e vão requerer urgentes medidas de nossa parte, não só para aprimorar a convivência entre todos os integrantes do Serviço Exterior, mas sobretudo para lançar harmoniosamente as bases da própria subsistência do Itamaraty nos anos vindouros, oferecendo justa vazão a legítimas aspirações profissionais que temos. Peço a Deus que me dê forças para contribuir, no curto mandato que me toca, para um exercício significativo de valorização e crescimento institucional, que vejo como um dos chamados da minha gestão.
Pretendo, assim, concentrar-me naquelas que considero as questões mais prementes, conforme tive oportunidade de identificar em recentes conversas com os Secretários e outros Chefes da Casa. Agradeço as amplas informações e sugestões recebidas nesses encontros, que foram muito gratos, assim como as centenas de mensagens que me foram enviadas, cada uma delas com um olhar de cuidado e zelo em defesa do patrimônio diplomático pelo qual nos batemos todos os dias.
Ressalto um elemento fundamental das palavras do Ministro ao tomar posse: a necessidade imperiosa de preservarmos o espírito de coesão institucional. Essa é a linha que orientará as ações da Secretaria-Geral.
Quero dirigir também algumas palavras aos jovens diplomatas, sobretudo do alto dos 42 anos que tenho de Ministério.
Compreendo e compartilho a angústia, mais do que natural, com os gargalos da progressão da carreira. Eu mesmo a vivi alguns anos atrás, e sabemos que colegas mais antigos também a enfrentaram em diferentes momentos. Tais dificuldades são fruto, em última instância, de nosso próprio crescimento corporativo e podem apresentar-se periodicamente. O importante é que saibamos dar respostas oportunas. É preciso encontrar saídas viáveis para uma demanda que é legítima e afeta o funcionamento da Casa como um todo. Minha equipe na Secretaria-Geral e a Administração serão instruídas para que se abram ao tratamento dessa premente questão, estudem o assunto com afinco e apresentem recomendações que nos ponham no caminho de uma abordagem técnica, estrutural e sistêmica. Não subestimo as dificuldades que encontraremos pelo caminho e tampouco pretendo despertar expectativas infundadas, sobretudo em vista do horizonte temporal de minha gestão. Mas quero que saibam que podem encontrar em mim um aliado e alguém comprometido em empenhar os melhores esforços para encaminhar essa questão com sentido prático.
Caros colegas,
Acredito, como baliza de minha gestão, que juntos podemos fazer que o Itamaraty espelhe o melhor da sociedade brasileira, o amor pelo Brasil, a força dos valores que nos congrega, sua riqueza cultural, a fortaleza da convicção democrática que nos une a todos. Pretendo, dentro de minhas competências, estimular ações e iniciativas plurais, que reconheçam a diversidade de nosso corpo de funcionários, e promovam um conjunto amplo de ideias e visões de mundo, convencido que estou de que as melhores políticas e práticas são gestadas e se enriquecem a partir do embate saudável de perspectivas.
Estou também convencido de que o potencial pleno do talento humano aflora apenas em ambientes de trabalho saudáveis e participativos. As chefias têm, igualmente, o dever de exigir dos funcionários sob seu comando os mais altos padrões éticos, profissionais e de eficiência, atributos indispensáveis para a boa representação do Brasil. Não devem ser tolerados comportamentos que atentem contra a urbanidade, a civilidade e a cordura no trato interpessoal. Temos mecanismos institucionais para coibir desvios dessa natureza, mas gostaria aqui, neste momento em que estou reunido com todos vocês, de fazer um apelo para que as chefias zelem preventivamente pela qualidade do ambiente de trabalho e pelo bem-estar de seus funcionários, sobretudo nos difíceis momentos impostos pela pandemia de COVID-19.
A pandemia também pôs em evidência um problema que eu considero há muito negligenciado no Itamaraty: a saúde mental de nossos colegas e funcionários. As peculiaridades do serviço exterior expõem funcionários e suas famílias a situações de vulnerabilidade e potencializam quadros de fragilidade psíquica, podendo levar inclusive a tragédias pessoais, como tivemos a tristeza de testemunhar. Creio que é chegado o momento de darmos a devida atenção a essa questão. Tomei conhecimento de proposta em etapa final de preparação e espero poder anunciar, em breve, iniciativa nesse campo.
Estimados colegas,
Outro conjunto de preocupações se refere ao lugar do Itamaraty aos olhos da sociedade brasileira, claro que pensando sempre em como melhor representá-la. Somos chamados a refletir de forma ordenada e aberta sobre o papel de nossa chancelaria no mundo de hoje. A miríade de fontes de difusão de informações e a velocidade com que circulam essas informações constituem teste diário de nossa capacidade de identificar e filtrar o que é importante, o que é pertinente, e põem em xeque os instrumentos tradicionais da diplomacia.
Sob outra ótica, o crescente – e legítimo – engajamento de outros agentes governamentais e da própria sociedade civil em assuntos antes circunscritos aos afazeres diplomáticos também nos força, de certa forma, a sair da zona de conforto. Mas esse é um fenômeno positivo, devemos aceitá-lo com naturalidade. A acertada prioridade do Itamaraty na “diplomacia da saúde”, como foi declarada pelo Ministro Carlos França, ilustra de forma cabal a simbiose cada vez maior entre a política externa e as necessidades dos brasileiros. E, também, nos alerta que podemos ser cobrados, a qualquer momento, por nossa eventual inabilidade ou por nossa omissão.
Nessas circunstâncias, precisamos ampliar os canais de comunicação e diálogo, fazer-nos presentes em novos espaços de debate e afirmar nossa relevância aos olhos da sociedade brasileira como um todo. Vivemos hoje em ambiente que é dominado pela cobrança da tomada de decisões em tempos cada vez mais curtos, e por vezes a partir de conhecimentos por vezes incompletos ou marcados pela incerteza.
A pertinência da ação diplomática será sobretudo medida pela capacidade de leitura inteligente e compreensão objetiva da realidade, e de traduzir nosso ofício em informações que se mostrem precisas e úteis para a tomada de decisões em cenários que poderão mostrar-se de particular volatilidade.
A capilaridade mundial do Itamaraty, com sua rede de 218 postos, e a excelência de nosso pessoal nos posiciona de maneira privilegiada para essa tarefa. É preciso, porém, trabalhar continuamente para atualizar os métodos de trabalho e os nossos protocolos; produzir análises e propor ações ajustadas às necessidades de projeção do interesse nacional; precisamos ampliar os canais de comunicação e profissionalizar nosso relacionamento com a imprensa; estabelecer, em suma, uma efetiva política de comunicação social, para mencionar apenas algumas medidas que considero de importância imediata à frente da Secretaria-Geral.
Senhor Ministro de Estado, senhoras e senhores,
Não pretendo me alongar mais. O tempo é curto e quero começar de imediato o meu trabalho, junto a todos vocês. Contem comigo sempre.
Muito obrigado.