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Discurso do Ministro Ernesto Araújo por ocasião da reunião informal do Conselho de Segurança das Nações Unidas relativa aos 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial
Discurso do Ministro Ernesto Araújo por ocasião da reunião informal do Conselho de Segurança das Nações Unidas relativa aos 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial – 8 de maio de 2020*
Obrigado Senhor Presidente, prezados colegas e amigos,
Começo congratulando o Ministro Urmas Reinsalu, da Estônia, por organizar esta reunião, no dia que marca o 75º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e em momento no qual enfrentamos talvez o mais grave desafio à comunidade das nações desde aqueles dias trágicos.
Por que se lutou a Segunda Guerra Mundial? As pessoas lutaram pela dignidade humana, contra o racismo, contra o antissemitismo. E as pessoas lutaram por liberdade. Não nos esqueçamos disso. A liberdade não vem de graça. A liberdade requer a vontade permanente para lutar, para protegê-la e para promovê-la. Esperemos nunca mais precisar lutar pela liberdade em guerras totais como aquela, mas precisamos lutar todos os dias.
Aqui, hoje, celebramos a paz – uma paz que veio de uma luta, uma luta justa e necessária. Muitos milhões de pessoas derramaram seu sangue pela liberdade naquela época, dentre os quais muitos brasileiros, pois o Brasil teve importante participação no esforço de guerra, enviando 25.000 tropas para lutar na Itália, junto com os Aliados, contra forças nazistas. Ter ajudado a libertar a Itália e, portanto, a Europa da tirania nazifascista talvez seja o maior orgulho do Brasil.
Há setenta e cinco anos, a liberdade e a democracia prevaleceram contra o totalitarismo graças ao sacrifício de pessoas reais: de americanos, russos, britânicos, poloneses, estonianos, canadenses, franceses, chineses, brasileiros e muitos outros. Mas outra forma de totalitarismo, depois da Guerra, lançou sua sombra por muito tempo sobre metade da humanidade. Essa forma de totalitarismo, durante as décadas seguintes, tentou manipular as Nações Unidas a seu favor. Essa forma de totalitarismo tentou sequestrar e perverter essa nobre iniciativa que é a Organização das Nações Unidas. Infelizmente, a ideologia no centro dessa forma de totalitarismo não está morta. Ao longo dos anos, essa ideologia sempre trabalhou com o mesmo princípio de sequestro e perversão. Tentaram sequestrar e perverter causas e conceitos nobres, como direitos humanos, justiça e proteção ambiental. Não permitamos que a saúde seja mais uma vítima a ser sequestrada por essa ideologia e pervertida para servir a objetivos totalitários.
Libertemos todas essas boas e nobres causas, como direitos humanos, justiça e meio ambiente. Libertemo-las da manipulação e da escravização por ideologias totalitárias.
Estamos comprometidos a trabalhar de maneira construtiva em fóruns internacionais. Mas creio que devemos evitar a palavra “multilateralismo” para falar de instituições internacionais ou de multilaterais. Palavras terminadas em “ismo” normalmente designam ideologias: fascismo, nazismo, comunismo. Não façamos do “multilateralismo” uma ideologia. O oposto de todas as ideologias não é outra ideologia. O oposto de todas as ideologias é a liberdade. Note-se que não dizemos “liberdadismo”. Dizemos liberdade. Portanto, não tornemos o multilateralismo outro sistema de pensamento que nega a realidade e que tenta impor-se à realidade. Façamos das instituições multilaterais uma plataforma para trabalhar pela verdade e pela liberdade.
A pandemia da COVID-19 é provavelmente a maior crise desde a Segunda Guerra Mundial. Não deixemos outra forma de totalitarismo emergir agora, como a que emergiu após a Segunda Guerra Mundial. De fato, uma nova ordem certamente emergirá desta crise, só não sabemos ainda qual forma assumirá.
Essa nova ordem a emergir terá mais liberdade ou terá menos liberdade. Terá mais dignidade humana ou menos dignidade humana. E a opção que todos preferimos, o caminho que todos desejamos percorrer, o caminho em direção a mais liberdade e mais dignidade humana, é o caminho das nações.
Nações não são o problema. As nações são os bons moços nesta foto. Nações, agindo em coordenação, obviamente, por meio desta ONU e de outros foros. A Organização das Nações Unidas deve, portanto, ser um espaço de coordenação entre nações independentes, e não um instrumento para substituí-las.
Os países aqui reunidos devem fazer uso deste espaço para identificar os desafios enfrentados atualmente pela humanidade. Se a Organização das Nações Unidas ignorar os desafios reais de hoje e, em vez disso, optar por jargões politicamente corretos, seu papel estará diminuído.
A ONU não deve ser um esforço para encontrar uma base comum entre liberdade e totalitarismo, e muito menos para promover o totalitarismo sub-repticiamente.
A liberdade e a democracia devem estar no centro das ações da ONU. E a fonte da democracia são as pessoas. Pessoas organizadas nos Estados-nação, com sua soberania, orgulhosas de si mesmas.
O Brasil, hoje, coloca-se inequivocamente em favor da democracia e da soberania. A soberania do povo livre. Não caiamos no equívoco de bater naqueles que defendem a soberania, não desprezemos os que defendem o sentimento nacional. Sem nações soberanas, não há liberdade. Esse postulado não deriva da lógica abstrata, e sim da história, do sacrifício real de milhões de pessoas, da natureza das coisas, da essência do ser humano.
Portanto, o sentimento nacional não é o problema do mundo atual. Ao contrário, o problema é a erosão da soberania, que deixa as nações sujeitas à perda de liberdade.
No Brasil, estamos empenhados em colocar o demos, o povo, de volta na democracia, conforme o preceito de nossa Constituição de que todo o poder emana do povo. Esse é o caminho para a liberdade. E o Brasil hoje, assim como fizemos na Segunda Guerra Mundial, defende a liberdade.
Obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores