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Discurso do Ministro Ernesto Araújo por ocasião da 50ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA)
Discurso do ministro das Relaçōes Exteriores, embaixador Ernesto Araújo, por ocasião da 50ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) – 20 de outubro de 2020*
Excelentíssimo Senhor Darren Henfield, Chanceler de Bahamas, a quem cumprimento pela eleição para presidir esta Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos,
Senhoras e Senhores Ministros,
Senhor Secretário-Geral da OEA, meu caro amigo Luis Almagro,
Senhor Secretário-Geral Adjunto, Néstor Méndez,
Senhoras e senhores,
Neste ano, a Assembleia Geral Ordinária da OEA ocorre em momento desafiador para o nosso hemisfério. Com redobrado empenho, a Secretaria-Geral e as missões de nossos países têm sabido superar as limitações impostas pela crise sanitária para manter a Organização em funcionamento.
Antes de tudo, quero lamentar cada uma das perdas de vidas humanas sofridas durante a pandemia e reiterar o compromisso do Brasil de cooperar no enfrentamento dessa pandemia e de suas consequências com todas as nações do hemisfério.
A COVID-19 não pode ser, entretanto, ocasião para retrocedermos nos objetivos centrais da nossa Organização: democracia, segurança e desenvolvimento. Ao contrário, precisamos perseguir esses objetivos com ainda mais determinação.
Portanto, os desafios da pandemia não podem servir de pretexto para que mandatos já acordados no âmbito da Organização sejam postos de lado. Não podemos deixar que arrefeçam os esforços realizados para o fortalecimento da democracia e seu pleno restabelecimento em todos os lugares do hemisfério onde se faça necessário. O Brasil vem atuando com afinco para evitar que, no contexto da pandemia, regimes antidemocráticos tentem extrair benefícios de um redirecionamento das prioridades internacionais.
A crise sanitária tampouco pode servir de escusa para violações de direitos humanos por parte de tais regimes. Ao adotar a Carta da Organização e outros instrumentos, como a Carta Democrática Interamericana, nós aqui, todos, assumimos o compromisso de promover e defender a democracia e os direitos humanos no continente. Temos o dever moral e a obrigação política, diante de nossos povos, de respeitar e fazer respeitar os compromissos assumidos por cada um de nós.
A OEA é, antes de mais nada, a casa da democracia nas Américas. Assim é como o Brasil concebe essa Organização. Quero, aqui, enaltecer os esforços dos países-membros que têm trabalhado vigorosamente por esse ideal, entre os quais me orgulho de contar o Brasil. E enalteço, também, particularmente, o trabalho, a dedicação e a visão do Secretário-Geral Luis Almagro em favor da democracia no continente.
Estamos diante de novas ameaças à democracia e aos direitos humanos nas Américas, ameaças oriundas da ligação de projetos políticos com o crime organizado. Temos que reconhecer essas ameaças pelo que elas são e não pelo que gostaríamos que fossem. A OEA não pode ser um espaço para o politicamente correto. Necessita ser um espaço para o corajosamente democrático, para a formulação de ideias e ações concretas em defesa da liberdade e da justiça. Cada vez mais assistimos, no hemisfério, à imbricação entre projetos de poder totalitários, que se chamem “socialismo do século XXI”, “Foro de São Paulo”, como quer que seja o nome, com o crime, em suas várias formas. O crime, tal como o narcotráfico, o terrorismo, o tráfico de pessoas e de metais preciosos, a corrupção. Esse grande pacto político-criminoso constitui, hoje, o grande desafio que precisamos enfrentar. É necessário estudá-lo, entendê-lo e combatê-lo. Podemos, se o vencermos, construir uma região verdadeiramente livre, como sonharam os nossos fundadores: próspera e segura. Do contrário, poderemos assistir à formação de um gigantesco império do crime, da miséria e da opressão.
Senhor Presidente,
A situação na Venezuela nos mostra hoje tudo o que não queremos e aquilo que podemos nos tornar se não agirmos. A Venezuela é a linha onde hoje se enfrentam o ideal democrático e o complexo político-criminoso, um laboratório sombrio de novos totalitarismos.
Não se trata, apenas, de um sistema que retira a todo um povo as suas liberdades civis, embora isso já fosse gravíssimo. É mais do que isso. É um mecanismo perverso de desconstrução social, econômica e moral, não só da Venezuela, mas de todas as nações latino-americanas. Faz parte de uma rede hemisférica que não desistiu de conquistar o poder em toda a região.
É triste ver essa grande nação, a Venezuela, com suas tradições democráticas, suas riquezas, transformando-se, hoje, numa espécie de templo da tirania que inspira aquelas figuras nefastas que desejam espalhar esse mesmo pesadelo por toda a região. Infelizmente, “Venezuela” tornou-se sinônimo dessa nova e velha utopia da destruição e da desumanização.
Há que mudar esse significado. “Venezuela” pode e deve voltar a ser o nome de uma grande nação livre. “Venezuela” pode e deve ser o nome de uma grande batalha pela liberdade, uma batalha que podemos vencer pelo poder da paz e da justiça, se não tivermos medo de propugnar pelas nossas convicções e pelos nossos ideais.
O regime ditatorial na Venezuela se sustenta, portanto, por esse complexo de imbricação com o crime organizado. O regime faz parte desse complexo. A tragédia humanitária deteriora-se a cada dia nesse querido país, a Venezuela. A violência do regime ilegítimo contra a população prossegue, assim como o bloqueio à assistência internacional. Os crimes de lesa-humanidade cometidos pelo regime de Maduro foram, mais uma vez, postos à luz pelo contundente relatório da Missão Internacional de Verificação de Fatos sobre a Venezuela.
Diante de tudo isso, o Brasil exorta toda a comunidade internacional a mobilizar-se em favor do retorno da democracia à Venezuela. É preciso que os países que ainda prestam algum tipo de apoio à ditadura, à tirania de Maduro, seja de forma voluntária ou por omissão, passem a trabalhar pelo bem do povo venezuelano, que é o bem de toda a humanidade, com a vigência dos direitos humanos e da democracia.
Todos os países necessitam compreender que, na Venezuela, hoje, o que temos diante não é simplesmente um processo clássico de uma difícil transição rumo à democracia, muito menos uma simples questão ideológica. É um embate entre a liberdade, o direito, a paz, de um lado e, do outro lado, o crime. Países que se dizem contrários ao terrorismo não podem apoiar a ditadura venezuelana, que alberga o terrorismo. Países que se dizem favoráveis aos direitos humanos não podem apoiar a tirania de lesa-humanidade de Maduro e seus asseclas. Países que prezam pela autodeterminação dos povos não podem seguir apoiando um sistema oriundo de farsas eleitorais, como a pseudoeleição presidencial de 2018 e a pseudoeleição parlamentar que se aproxima.
A autodeterminação dos povos pertence aos povos, e não às tiranias que os oprimem. Sejamos claros: o regime de Maduro deriva seu poder, como insisto aqui, de uma estrutura criminosa. Não estamos falando de um ator político normal. Existem provas abundantes da sua ligação com o crime, por exemplo, o relatório do Conselho de Direitos Humanos sobre a questão do Arco Mineiro do Orinoco. Essas ligações precisam continuar a ser investigadas e trazidas à luz do dia.
Esse regime não tem quaisquer condições ou legitimidade para convocar ou conduzir um processo eleitoral limpo e justo. Essa fraude eleitoral, convocada para dezembro, deve ser firmemente rejeitada pela comunidade internacional. Uma transição rápida e pacífica para a democracia, conduzida pelos próprios venezuelanos, é o caminho certo para a estabilidade, a recuperação e o retorno à prosperidade. E para reavivar a esperança de que todos esses valores – da liberdade, da prosperidade e da segurança – prevaleçam em todo o hemisfério.
O Brasil está convencido de que esta Assembleia Geral deve ser um momento fundamental para esse empenho. Deve ter, como um de seus principais resultados, a aprovação de uma resolução sobre a Venezuela, com mandatos concretos contra o esquema de Maduro e em favor da democracia. Seguimos empenhados em coadjuvar os esforços do povo venezuelano para alcançar um futuro pacífico, próspero e democrático.
No Brasil, por meio da Operação Acolhida, recebemos, de modo digno e solidário, milhares e milhares de nacionais venezuelanos que buscam abrigo em território brasileiro. Mas estamos convencidos de que a única solução para o drama humanitário da Venezuela é o pleno retorno desse país à democracia.
Em outra frente, Senhor Presidente, devemos dedicar nossos melhores esforços à busca de soluções conjuntas sobre as ações antidemocráticas de Daniel Ortega na Nicarágua. Entre outras iniciativas, é necessária e urgente uma reforma do sistema eleitoral daquele país. Devemos buscar formas de atender às demandas legítimas da sociedade nicaraguense, como o retorno dos mecanismos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão do Conselho Permanente da OEA. Instamos o governo nicaraguense a participar, de boa-fé, do diálogo com a oposição, sem instrumentalizar a negociação para fins espúrios.
Caros colegas,
O governo brasileiro segue engajado na luta contra o crime organizado transnacional. É cada vez mais robusta a nossa participação, de maneira coordenada e construtiva, em mecanismos interamericanos contra a corrupção e contra o terrorismo. Esse trabalho, com a defesa da democracia e a busca do desenvolvimento, constituem um só sistema. São um e o mesmo.
Do mesmo modo, o Brasil mantém o seu firme compromisso com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, inclusive apoiando a agenda de reforma de procedimentos e práticas da CIDH. Também advogamos, firmemente, em favor da liberdade religiosa e da família, bem como da plena igualdade entre homens e mulheres.
Todas essas dimensões se somam, e a OEA constitui um espaço privilegiado onde podemos promovê-las em conjunto: a democracia, os direitos humanos, a segurança, o desenvolvimento.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Ministros,
Faço, aqui, um apelo para que sigamos firmes na luta em prol das principais bandeiras do nosso hemisfério: respeito à democracia e aos direitos humanos, a promoção da segurança e do desenvolvimento dos nossos povos. Duzentos anos depois da independência em relação ao regime colonial, nossos ideais, hoje, requerem uma nova independência: a independência frente ao complexo político--criminoso que nos ameaça.
O Brasil mantém intacto seu engajamento com as iniciativas da OEA a partir de uma perspectiva que une todas as dimensões de trabalho desta Organização. Reafirmo, portanto, o compromisso do Presidente Jair Bolsonaro e de seu governo de colocar o Brasil, de maneira inequívoca, ao lado dos ideais mais caros dos nossos povos, representados nesta Organização e centrados no valor sagrado da liberdade.
Muito obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores