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Discurso do Ministro Ernesto Araújo na XXV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da CPLP
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na XXV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) (09/12/2020)*
Muito bom dia,
Excelentíssimo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde, querido amigo, Luís Filipe Tavares,
Excelentíssimos amigos Ministros de Negócios Estrangeiros,
Outros colegas, Embaixador Francisco Ribeiro Telles, caros amigos.
É uma grande honra, uma alegria, estar novamente com todos aqui, neste final de ano, após o excelente encontro que tivemos no dia 28 de setembro, também virtualmente.
Naquela ocasião, eu tive a oportunidade de compartilhar algumas informações sobre o combate à pandemia e seus efeitos aqui no Brasil. Relatei o esforço fiscal brasileiro no enfrentamento da pandemia, que chegou a mais de 8% do produto interno bruto, mais do que a média dos países desenvolvidos, que foi de 7%, e quase o dobro da média dos países emergentes, que foi de 4,3%.
Na ocasião, também me referi ao auxílio aos segmentos mais carentes da população, os mais vulneráveis, que já alcançou 40% da população adulta brasileira, com um dispêndio, apenas nesse auxílio, de praticamente US$ 60 bilhões. Continuamos trabalhando para equipar nossos hospitais para os casos graves da doença. Temos 16 mil leitos de unidades de terapia intensiva habilitados exclusivamente para pacientes da COVID-19; adquirimos 300 milhões de equipamentos de proteção individual; entregamos mais de 16 milhões de testes de diagnósticos; ampliamos, junto com a iniciativa privada brasileira, a capacidade de testagem da rede pública em mais de 800%, e contratamos mais de 6 mil profissionais de saúde para reforçar o atendimento da população assolada por esse flagelo.
Eu me refiro a tudo isso, em algumas coisas até me repetindo, “chovendo no molhado”, como se diz aqui no Brasil. Eu não sei se nos seus países existe essa expressão – é sempre bom compartilhamos também as nossas expressões –, mas “chovendo no molhado” porque é importante mostrar o esforço enorme que temos feito, por parte do governo federal brasileiro, no enfrentamento da COVID-19 e dos seus efeitos econômicos, sobretudo para a população mais carente.
Nós sabemos que, muitas vezes, na imprensa – sobretudo a brasileira, mas acho que a imprensa internacional também –, criou--se um pouco a impressão de que o governo federal brasileiro, o próprio Presidente Jair Bolsonaro, não estaria fazendo o suficiente para o enfrentamento da COVID-19 aqui no terreno doméstico, e no terreno da cooperação tampouco. E a verdade é exatamente o inverso. Nosso esforço, como os números mostram, é maior do que o de outros países das mesmas dimensões e dos mesmos desafios que o nosso.
Como dizia, além desses breves dados de enfrentamento interno, também estamos cooperando intensamente com países amigos, diante desse mesmo desafio. Nós, aqui no âmbito da CPLP, demos o aval do Brasil para que equipes técnicas competentes trabalhem sobre uma proposta realista de mecanismo de apoio entre os Estados membros da Comunidade em situações de emergência, que levem em consideração aquilo que já vem sendo debatido nas Reuniões de Ministros de Saúde, Administração Interna e Defesa da CPLP. Queria reiterar também que o Brasil está pronto a compartilhar com os parceiros da Comunidade o nosso conhecimento sobre estratégia de intervenção em situações de crise sanitária e calamidades, como aquela que nós hoje enfrentamos. Igualmente, queremos aprender com a experiência de todos aqui.
No momento, estamos definindo as estratégias para a vacinação em massa, como será a vacinação no Brasil, conforme definido pelo governo federal, porque essa é a atribuição legal e constitucional. Quando houver uma vacina aprovada – ainda não há – pelas nossas autoridades sanitárias e houver a produção da vacina, aqui no Brasil temos uma boa capacidade de produção, inclusive esperamos um superávit de produção que permitirá também cooperação internacional no fornecimento da vacina. Quando houver a vacina aprovada, a vacinação será, no Brasil, gratuita, mas não obrigatória. Isso também se discutiu muito, e o governo federal tem a faculdade de considerar uma determinada vacinação obrigatória ou não; nesse caso, pelas circunstâncias, pela novidade das vacinas, há pessoas que não querem tomar a vacina, então não será obrigatória a vacinação. De toda forma, é preciso esperar que seja validada pelas autoridades sanitárias.
Portanto, já estamos preparando o plano de vacinação. São 210 milhões de pessoas; possivelmente, a vacinação alcançará um bom número dessas pessoas, mesmo não sendo obrigatória. Queremos também compartilhar, quando for o momento, essa questão da vacina, que é um desafio muito grande para países como os nossos, onde temos desafios semelhantes.
Queria recordar, também, que já atendemos à solicitação de cooperação de 18 países em desenvolvimento, dos quais nove africanos, e dois organismos regionais, entre os quais a Comissão da União Africana, e várias organizações internacionais e, dentro da Comunidade, apoiamos – a partir de pedidos recebidos – São Tomé e Príncipe e Moçambique. Cooperação que, neste caso, possibilitou a aquisição de materiais e insumos médico-hospitalares.
Queria saudar a equipe do Secretariado Executivo, que não poupou esforços para, nesse contexto de dificuldades, assegurar a continuidade do funcionamento da nossa Organização, e garantir que a CPLP, em todas as áreas setoriais, continue trabalhando efetivamente e mostrando resultados concretos. Foram dezenas de reuniões, eventos em nível técnico, que versaram sobre os mais diversos temas, com o adensamento dos nossos intercâmbios.
Felicito muito, igualmente, a Presidência cabo-verdiana, que vem empreendendo esforços notáveis para assegurar a realização de todos os encontros ministeriais, setoriais pendentes, nesse contexto adverso. Eu acho que todos os desafios sempre dão oportunidade de avanços, uma oportunidade de melhoras, e Cabo Verde soube, durante a sua presidência, inovar nos métodos e conduzir com sucesso reuniões em formato distinto. Isso tudo se agrega ao nosso capital de cooperação dentro da Comunidade.
Além do fortalecimento dos sistemas de saúde, precisamos pensar na recuperação econômica, obviamente: criação e preservação de empregos, aumento da resiliência das micro e pequenas empresas, que são a base do nosso tecido produtivo, e proteção, sempre com muita ênfase, aos segmentos mais vulneráveis das nossas populações. Acho que é o caso de todos aqui: temos, em diferentes maneiras, populações especialmente vulneráveis, aquelas que dependem de empregos informais. No caso do Brasil, são dezenas de milhões de pessoas que não têm, ainda, emprego formal e que, portanto, não têm a rede de segurança de seguridade social. Essa foi uma parte importante do nosso grande desafio.
Graças aos nossos esforços, também posso colocar aqui números alvissareiros sobre a economia brasileira, com recuperação já bastante visível, crescimento de 7,7% do produto interno bruto no terceiro trimestre, uma perspectiva de que fechemos o ano com um decréscimo de apenas 4%, quando, no início da crise, o FMI previa até 10% de decréscimo da economia brasileira, ou seja, uma performance ainda negativa, mas muito menos desfavorável do que se imaginava e com a perspectiva de crescimento muito sustentável a partir do ano que vem.
Precisamos também nos coordenar cada vez mais e trocar ideias sobre o tema da recuperação econômica, cada um dentro das nossas regiões e de acordo com as nossas prioridades. Mas acho que convergimos nesse processo, nessa importância de não esquecer essa dimensão, através do comércio, dos investimentos, não criando barreiras ao comércio; ao contrário, o Brasil continua empenhado em um grande programa de abertura comercial e econômica, como já estávamos antes da pandemia.
Eu queria falar brevemente de algo que está muito presente nas redes e nos debates, que é a questão do Great Reset, do grande recomeço, como se chama. Tenho participado de alguns debates sobre isso, e o que me chama a atenção é que há, nesses debates, no Fórum Econômico Mundial e em outras dimensões, um conjunto de princípios e propostas muito louváveis, de que esse novo mundo pós-COVID-19 seja um mundo de solidariedade, de prosperidade, de paz, etc. Mas acho que tem faltado – eu queria colocar aqui dentro da nossa Comunidade esse debate – o conceito de democracia e o conceito de liberdade. Fala-se muito que a reconstrução terá que ser uma reconstrução mais verde – acho que sim, todos concordamos –, mas precisa ser também uma reconstrução mais democrática, mais livre, tanto no nível da comunidade internacional, quanto dentro dos países.
Acho que não podemos ignorar que hoje existem desafios, inclusive muitos desafios novos, aos regimes democráticos que todos nós compartilhamos. Sobretudo, algo muito presente aqui na nossa região é o desafio do crime organizado, mas acho que é algo presente para todos também. O crime organizado vem crescendo exponencialmente na nossa região, e os tentáculos dessas organizações atravessam o Atlântico, alcançam a África, alcançam a Europa e a Ásia, mas com um polo criador, se posso dizer assim, de criminalidade muito coordenada e muito sofisticada aqui na América do Sul, com conexões políticas, que realmente ameaçam, além da nossa segurança, também as nossas instituições democráticas.
Isto é algo que acho que precisa estar cada vez mais presente na nossa cooperação, como também me referi na última reunião: a cooperação no combate ao crime organizado. O combate tem que ser internacional, porque o crime organizado é, obviamente, transnacional na sua operação e, sobretudo, na sua infraestrutura financeira. Isso é algo que precisa ser feito diante da permanente criação de novas maneiras de burlar a lei e de fugir da lei e da ordem, de modo que precisamos estar cada vez mais presentes nesse tema, e acho que nossa Comunidade tem uma vocação para isso, pela diversidade geográfica, pela diversidade de percepções. Nós podemos criar e, inclusive, proporcionar a outras regiões instrumentos de cooperação nessa área, a nosso ver decisiva.
Outro pilar fundamental da nossa Comunidade: a língua portuguesa. Queria, entre outras coisas, parabenizar São Tomé e Príncipe pela conclusão do seu Vocabulário Ortográfico, uma grande conquista daquele país e um ganho na gestão da nossa língua comum. Gostaria de parabenizar o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) pelo evento que terá lugar em Salvador da Bahia, em junho de 2021, sobre terminologias científicas e técnicas. Queria reiterar que, graças a essa iniciativa, a língua portuguesa disporá de bases de dados capazes de colocá-la a par de outras línguas para fins de tradução profissional, emprego em organizações internacionais, negócios, ciência, o que reforçará ainda mais a presença do nosso idioma. Trata-se, portanto, de uma iniciativa fundamental do IILP.
No encontro de hoje, entendo que teremos a satisfação de escutar o Secretário Executivo da CPLP e o Diretor Executivo do IILP, que apresentarão seus relatórios. Desde já os parabenizo pelo trabalho e agradeço a dedicação a esse pilar fundamental da nossa Comunidade.
Temos diante de nós, para aprovação, resoluções muito importantes. A Resolução sobre o Acordo de Mobilidade, que reitera os princípios sobre os quais nós nos engajamos e nos deixa perto de concluir esse auspicioso acordo, que a Presidência cabo-verdiana idealizou, para realmente tornar a CPLP uma verdadeira comunidade de pessoas. A Resolução sobre o Acordo de Sede permite-nos avançar na afirmação da CPLP como organismo internacional, assegurando igualdade de tratamento face a outras organizações internacionais com sede em Portugal. A Resolução sobre o Reforço da Cooperação na CPLP em Situações de Emergência, à qual já nos referimos, que demonstra um potencial enorme dessa dimensão da nossa Comunidade.
O referencial estratégico que a presidência cabo-verdiana propõe que seja elaborado pela reunião de pontos focais de cooperação deverá ter presente o contexto corrente de esforços coletivos acerca de possíveis vacinas e medicamentos para combater a pandemia, bem como os esforços de recuperação econômica pós-pandemia. Poderemos apreciar e examinar esse referencial na próxima reunião da nossa Comunidade, que, com muito prazer, havíamos já previsto para julho de 2021, em Luanda.
Finalizo, essa intervenção defendendo que, nesse contexto de adversidade para todo o mundo, a CPLP continue, como já vem fazendo, demonstrando sua capacidade de inovar e de fazer cada vez mais, dentro das nossas vocações, dentro das nossas competências, mostrando o valor agregado que esta Comunidade pode proporcionar a cada um dos nossos países. Precisamos fortalecer nossa cooperação, fazer face a esses novos desafios. Esses nossos laços históricos, culturais e linguísticos são trunfos, são uma base, um terreno fértil, onde estão crescendo e crescerão cada vez mais esses frutos da cooperação.
Contem sempre com o Brasil na CPLP.
Muito obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores