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Discurso do Ministro Ernesto Araújo na XXIV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da CPLP
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na XXIV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada em Mindelo, Cabo Verde (19/07/2019)*
Muito obrigado, Excelentíssimo Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros e Comunidades e Ministro da Defesa da República de Cabo Verde, Luís Filipe Lopes Tavares,
Suas Excelências Ministras e Ministros das Relações Exteriores e dos Negócios Estrangeiros das nações-irmãs de Angola; Guiné-Bissau; Guiné-Equatorial; Moçambique; Portugal; São Tomé e Príncipe; e Timor-Leste;
Senhor Ministro da Administração Interna de Cabo Verde;
Autoridades daqui de Mindelo e da Ilha de São Vicente;
Senhores Representantes dos Estados membros junto à CPLP;
Senhor Secretário Executivo da CPLP, Embaixador Francisco Ribeiro Telles;
Senhora Diretora-Geral da CPLP, Georgina Benrós de Mello;
Senhoras e Senhores Representantes dos Estados Observadores Associados da CPLP;
Senhoras e senhores, amigos,
Sinto-me extremamente honrado em assistir a esta XXIV Reunião do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, no país de Amílcar Cabral e, mais especialmente, na cidade onde nasceu uma das mais expressivas vozes de Cabo Verde e de toda a comunidade de língua portuguesa, a cantora Cesárea Évora, extremamente querida em todos os nossos países.
Parabenizo as autoridades cabo-verdianas pela escolha do lema “As pessoas, a cultura, os oceanos” para sua presidência pro tempore da CPLP neste biênio. São temas extremamente caros ao Brasil e importantes para todos os nossos países. Estou certo de que, no dia de hoje, manteremos um debate franco e produtivo sobre todos esses temas.
Antes de vir, recordo-me de ter lido que Mindelo tem “um toque muito brasileiro”, e constatei isso plenamente, já, nessas poucas, mas muito ricas e muito agradáveis horas em que já estive a oportunidade de estar aqui em Mindelo. É com o mesmo orgulho que, sabemos todos, o Brasil se reconhece tanto em nossos ancestrais portugueses quanto africanos, e em cada um de nossos irmãos dessa comunidade. Acho que todos nós, aqui, temos um toque de cada um dos outros e é isso que nos faz realmente uma comunidade muito especial.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa também tem um significado muito vivo para nós, dado que nos faz sempre recordar o primeiro encontro de chefes de Estado e de Governo de Língua Portuguesa, realizado na cidade de São Luís do Maranhão, em 1989.
Ali se plantou a semente que, sete anos depois, prosperaria na criação da CPLP na Cúpula de Lisboa. Sentimos todos que era necessário dar voz a um idioma que nos une, e que, ao mesmo tempo, é falado por quase 300 milhões de pessoas ao redor do planeta. Era necessário, também, compartilhar internacionalmente nossas melhores expressões artísticas e culturais, algo que será favorecido pela recente decisão de criar-se a Bienal de Artes e Indústrias Criativas da CPLP.
Gostaria de fazer alguns comentários sobre a importância do trabalho que vimos desenvolvendo em torno dos três eixos conceituais da CPLP.
I
No caso da concertação política, a realização de 29 Missões de Observação Eleitoral desde 1999, quando assistimos ao referendo sobre a autodeterminação de Timor-Leste, atesta o compromisso de nossos países com o aperfeiçoamento dos processos democráticos em prol de nossas sociedades. No Brasil, especificamente, estamos vivendo um momento muito especial de construção democrática; um povo mobilizado que cobra resultados de suas instituições, e isso nos convence de que a busca da democracia é um trabalho permanente e no qual a cooperação entre nós, que temos esse objetivo compartilhado, é essencial.
Da mesma forma, o diálogo da CPLP com diferentes organizações internacionais e regionais tem-se ampliado, como demonstram o acompanhamento e o positivo desfecho da situação política na Guiné-Bissau, e sobretudo o respeito primordial às instituições daquele país‑irmão, tal como defendido pelo Brasil.
O número de dezenove países e organizações que compõem o grupo de Observadores Associados, a ser proximamente ampliado, reforça a percepção internacional da CPLP como um interlocutor internacional de marcada credibilidade. Eu tive a oportunidade de constatar isso muito claramente na reunião de Cúpula, na Cimeira do MERCOSUL, que transcorreu anteontem na Argentina, onde, ao mencionar que estava vindo para esta reunião em Cabo Verde, todos os países ali, que não são apenas os quatro fundadores do MERCOSUL, mas os Estados associados, que são todos outros países na América do Sul, expressaram vivo interesse por essa comunidade – e acho que já trouxe inclusive o interesse de mais um país em tornar‑se observador, que é a Bolívia.
O Ministro de Relações Exteriores da Bolívia expressou-me ali o interesse de tornar-se um dia observador, dado que há uma comunidade de 50 mil brasileiros, portanto lusoparlantes, vivendo na Bolívia. Outro país que acho seria um excelente candidato seria o Paraguai, onde há cerca de 300 mil brasileiros vivendo ali. Ou seja, a língua portuguesa também se está expandido para oeste, dentro da América do Sul.
Nós defendemos um engajamento e um trabalho cada vez mais coordenado entre os governos da CPLP a favor desses princípios que nos unem, muito especialmente da democracia em nossas sociedades. E nesse contexto, eu preciso mencionar a grave situação que atravessa hoje a Venezuela, país‑irmão de todos nós, com quem o Brasil compartilha mais de 2.000 km de fronteiras, e também um país que é o lar de muitos falantes da língua portuguesa, graças à comunidade portuguesa e também à comunidade brasileira. Nós acompanhamos de perto os acontecimentos nesse país vizinho e temos buscado apoiar os esforços para o restabelecimento da democracia na Venezuela. O regime ilegítimo, infelizmente ainda ali instalado, é o único responsável pela crise política, econômica e humanitária que atinge aquele povo irmão – uma situação de direitos humanos absolutamente inaceitável, tal como plasmado no relatório recente da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Quero dizer que essa situação não é uma situação abstrata, não é simplesmente uma situação de engenharia política – é um drama humano, tive a oportunidade de constatá-lo nas visitas que fiz à fronteira da Venezuela com o Brasil e da Venezuela com a Colômbia, onde testemunhei a situação, o drama dos refugiados venezuelanos que estão atravessando essas fronteiras, e onde testemunhei também diretamente o anseio deles por liberdade e pelo restabelecimento de um Estado de Direito no seu país. Esperamos vivamente que os países aqui reunidos possamos, todos, colaborar com os esforços de redemocratização da Venezuela.
Recordo que a CPLP, nos seus primórdios, teve um papel importante no apoio à independência do Timor. Nossa comunidade nasceu com uma vocação muito clara de liberdade. Ontem, na muito agradável recepção que nos ofereceu o governo da Ilha, entre as várias canções que foram tocadas com enorme talento, chamou-me a atenção aquela canção “Ai, Timor”, a canção da independência do Timor, que diz: “Calam-se as vozes dos teus avós, se outros calam, cantemos nós!” Isso é muito o que nós estamos tentando fazer nesse trabalho com a Venezuela. Os venezuelanos infelizmente estão calados pela ditadura que os assola, e nós precisamos cantar e falar em favor da democracia naquele país.
II
Outro eixo basilar da CPLP, ao qual o Brasil sempre procurou estender os melhores esforços, é o da cooperação. Por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e de outras instituições nacionais, que têm longa experiência em terreno muito similar ao dos demais Estados membros, a cooperação brasileira abrange áreas que implicam impacto direto sobre o bem-estar de nossos cidadãos e cidadãs, como saúde, educação, recursos hídricos, nutrição, ensino superior e direitos das pessoas com deficiência, entre outros.
Em maio passado, realizou-se, em Brasília, capacitação sobre planejamento de bacias hidrográficas e de redes hidrometeorológicas, no âmbito do projeto “Apoio à gestão de recursos hídricos nos países da CPLP”. Na ocasião, participaram técnicos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe. Em outubro, uma nova missão do projeto levará mais catorze técnicos a Brasília, para dar um exemplo de uma das atividades às quais temos dado prioridade.
Merece especial menção o projeto “Fortalecimento da capacidade política e institucional de agentes governamentais e não governamentais para a promoção e defesa dos direitos das pessoas com deficiência nos países da CPLP”, implantado pela Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD) e a CPLP, com apoio da ABC. Esse projeto, cuja segunda fase está em discussão, contemplou visitas oficiais a Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Ainda em 2019, serão executadas as atividades previstas para o Timor-Leste e para Guiné-Bissau.
Apoiaremos, ademais, instâncias inovadoras de cooperação entre países de língua portuguesa. Os Procuradores-Gerais de nossos países, em seu 16º encontro, em novembro do ano passado, em Brasília, decidiram criar uma rede de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro da CPLP, favorecendo o intercâmbio de informações entre os Ministérios Públicos sobre legislações e iniciativas nacionais, nessa área que é tão vital para a opinião pública e para a população de nossos países, que é o combate à corrupção. Eles formaram igualmente a Rede de Procuradores Antidrogas da CPLP, com o objetivo de fomentar e favorecer a cooperação entre as Procuradorias-Gerais da República da CPLP no enfrentamento desse outro flagelo que é o tráfico internacional de entorpecentes.
O governo brasileiro quer incentivar o aperfeiçoamento cada vez maior dos mecanismos de transparência, de defesa do patrimônio público e de combate à corrupção, tanto no Brasil quanto no exterior. Estamos dispostos a aprofundar a cooperação com nossos parceiros nestas áreas tão importantes para o bem-estar de nossas sociedades e para o nosso desenvolvimento.
Considero importante o exercício, em curso, de atualização dos instrumentos que regem a cooperação no seio de nossa comunidade. Cabe-nos estabelecer uma estrutura decisória que garanta maior coordenação e efetividade. Nesse sentido, procuramos apoiar a presidência cabo-verdiana na realização de seminário dos pontos focais de cooperação, em abril deste ano. É preciso buscar uma maior articulação com o Comitê de Concertação Permanente e com o próprio Secretariado Executivo, a fim de maximizar os recursos disponíveis para atividades de cooperação.
III
Quero também fazer uma menção muito especial ao eixo linguístico, esse “vasto mundo” do idioma português. O idioma comum que empresta seu nome a esta comunidade de nações é também o amálgama que liga e aproxima quatro continentes. A promoção da língua portuguesa afigura-se, a um só tempo, como objeto e objetivo da ação diplomática brasileira juntamente aos demais membros da CPLP. A língua é o pensamento, é a cultura, é a identidade. E a contribuição que todos nós temos a dar ao mundo nós a damos na nossa língua portuguesa. Defender a língua é, portanto, defender a nossa liberdade e o nosso lugar no mundo.
Temos particular interesse na promoção do idioma português como instrumento de coesão e na concertação das atividades da CPLP. Para o Brasil, o sucesso da promoção do idioma comum passa, necessariamente, pelo fortalecimento do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), sediado aqui em Cabo Verde, e agradeço muito a apresentação do Diretor do Instituto.
Desejo expressar ao Diretor Executivo do IILP, Professor Intumbo, o sincero apoio, por parte das instituições brasileiras, para ampliar o papel do instituto como ferramenta de promoção compartilhada do português. Gostaria, a propósito, de mencionar que uma das novas iniciativas do governo brasileiro é a criação do Instituto Guimarães Rosa, um instituo de promoção da língua e da cultura que homenageia o escritor e diplomata brasileiro, autor de, entre tantas obras, Grande sertão: veredas.
É intenção do Brasil facultar o uso da estrutura a ser criada com o novo Instituto para a realização de ações conjuntas com todos os membros da CPLP. Nessas condições, saúdo especialmente a realização, em 2020, ainda sob a produtiva presidência cabo-verdiana, da 4ª edição da Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial.
Ainda nesse contexto, gostaria de reiterar a importância atribuída pelo Brasil ao Acordo Ortográfico de 1990. O país tem feito marcado esforço para a efetiva implementação desse acordo, tornando-o de uso obrigatório, em território nacional, a partir de 2013.
Entendemos que alguns Estados membros que ainda não ratificaram este importante ato unificador poderão apresentar novos questionamentos quanto à própria evolução natural do instrumento. A reabertura do acordo nos deixaria, contudo, sem qualquer marco legal para a gestão do idioma português. Por isso defendemos, uma vez mais, a tese de que se faz necessária a ratificação do Acordo Ortográfico por todos os membros da CPLP, para depois cuidarmos da sua eventual retificação.
A lusofonia pauta a relação do Brasil com cada um dos demais integrantes desta organização. O idioma comum nos dá força para atuarmos diante de diferentes situações que se apresentem a nós, seja no endosso a posições internacionais conjuntas por parte da CPLP; seja no tratamento de desafios internos de nossos países, sempre respeitando a soberania e os princípios históricos da autodeterminação e da não ingerência.
IV
O governo do Presidente Jair Bolsonaro encontra-se empenhado em conferir novo impulso à CPLP, que, posso assegurar, terá prioridade na agenda diplomática do Brasil. Ela será um foro de maior importância dentro dos eixos da nossa política externa, tanto da abertura econômica quanto da promoção da democracia e dos nossos valores. Queremos trabalhar em todos os espaços e em todas as geometrias pelo crescimento com liberdade e identidade.
Não queremos dissociar da dimensão econômica a dimensão dos valores e das tradições. E a CPLP é um foro marcadamente construído em torno dessa coesão entre agendas práticas e agendas, digamos, de identidade e de valores.
No Brasil, estamos profundamente empenhados em rever e aprofundar a atuação nos foros de direitos humanos e meio ambiente. No caso de direitos humanos, por exemplo, acabamos de apresentar a plataforma para a eleição do Brasil a um lugar no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, onde nos propomos a promover, entre muitos outros temas, a igualdade entre homens e mulheres, o combate ao racismo, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa e a defesa dos direitos da família. No tema do meio ambiente, estamos inteiramente comprometidos em manter e implementar nossos compromissos já assumidos, sempre com enfoque de soberania e de responsabilidade compartilhada.
De um modo geral, no sistema das Nações Unidas, que é tão importante para todos nós, nós temos a clara noção de que ali estamos num ambiente de “nações unidas”, portanto onde as nações, os Estados membros, devem ter protagonismo. No caso da CPLP, eu queria destacar que a perfeita coordenação e a extremamente produtiva coordenação que existe entre os Estados membros e o Secretariado (nisso parabenizo a exposição do Secretário-Geral) é um modelo para outros organismos onde muitas vezes essa coordenação faz falta.
Além disso, como tive a oportunidade de expressar na celebração do Dia da África em Brasília, recentemente, no Palácio Itamaraty, a CPLP, em função da presença africana, apresenta igualmente oportunidades de cooperação com outros mecanismos regionais importantes, como a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), lembrando, ainda, que nosso português é, com grande honra, língua de trabalho da União Africana.
V
Finalmente, parabenizo o governo de Cabo Verde pelas iniciativas que vêm sendo promovidas sob a égide de sua presidência de turno da CPLP. O tema “As pessoas, a cultura, os oceanos”, ademais da beleza de sua composição, tem trazido à discussão de nossos governos temas de alta relevância para nossas sociedades.
A questão da mobilidade deve ser, certamente, objeto de um esforço cada vez mais amplo de aprofundamento da integração dos países que compartilham o português como idioma. É necessário lembrar, também, que já existem sete acordos entre os países da CPLP na área da circulação de pessoas, cuja internalização deve ser acompanhada de reflexões mais atuais sobre as normas que queremos, e podemos, estabelecer em prol dos cidadãos e cidadãs da comunidade. O Brasil orgulha-se de cumprir cada um dos acordos de circulação de pessoas assinados no âmbito desta nossa comunidade.
Como procurei frisar, a cultura constitui pilar fundamental para darmos seguimento a iniciativas de promoção e divulgação da língua portuguesa junto a outros parceiros internacionais, como é o caso dos observadores associados à CPLP.
O Atlântico e, notadamente, o Golfo da Guiné, possuem papel central para vários de nossos países. Para o Brasil, o Atlântico Sul é parte fundamental de seu entorno estratégico. Nesse caso, procuramos cooperar, na CPLP, em ampla gama de temas, que atravessam a seara ambiental, a da proteção e aproveitamento dos recursos naturais e, ainda, os esforços comuns na área naval e na área de defesa. Exemplo disso é o “Exercício Felino”, cuja próxima edição será realizada em setembro, em Angola. É nesse sentido que me congratulo, uma vez mais, com o governo de Cabo Verde pela inclusão de um tema tão multifacetado quanto relevante na pauta de seu mandato à frente da CPLP.
Agradeço, finalmente, a acolhida das autoridades cabo-verdianas a todos os participantes da 24ª Reunião do Conselho de Ministros da CPLP, bem como a hospitalidade com que os anfitriões receberam seus irmãos de alma e fala.
Muito obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores