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Discurso do Ministro Ernesto Araújo na XIX Reunião Ministerial do Grupo de Lima
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na XIX Reunião Ministerial do Grupo de Lima (14/08/2020)*
Muito obrigado, Chanceler Mario López. Muito obrigado pela condução dessa reunião. Da mesma maneira, agradeço à Chanceler Claudia Blum por essa convocação.
Gostaria, antes de tudo, de enaltecer a liderança do Presidente Iván Duque, que nos brindou aqui com sua participação na abertura. O Presidente Iván Duque, ao lado do Presidente Bolsonaro, desde o primeiro dia, se posicionou pela democracia em toda a região. É um imperativo para todos nós.
Colegas, Senhores Ministros,
Seis meses se passaram desde a nossa última reunião e a situação política na Venezuela se deteriorou ainda mais. As últimas ações do regime de Maduro evidenciam a intensificação de seus ataques contra seu próprio povo e contra as forças e os espaços democráticos venezuelanos.
O regime ilegítimo intervém no processo eleitoral na Venezuela sem sequer preocupar-se em conferir a mínima legalidade a suas ações. A formação de um Conselho Nacional Eleitoral pela ilegítima Corte Suprema de Justiça e a intervenção nas juntas diretoras dos principais partidos que apoiam o Presidente Juan Guaidó demonstram que Maduro está determinado a apoderar-se da última instituição eleita democraticamente e que ainda funciona na Venezuela.
O anúncio de mudanças substanciais nas regras de composição da Assembleia Nacional, contrárias à Constituição, e a definição de uma data para a realização de eleições legislativas, em 6 de dezembro, sem as mínimas condições de transparência e sem supervisão internacional, impõem um desafio adicional ao Presidente Guaidó e a todos nós. Nesse contexto, a decisão das forças democráticas venezuelanas de não participar da crônica de uma fraude anunciada, que são as eleições convocadas por Maduro, essa não participação deve contar com nosso apoio e da comunidade internacional.
Devemos seguir denunciando as flagrantes violações de direitos humanos na Venezuela. Os últimos relatórios apresentados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) não deixam dúvidas de que a população venezuelana sofre as piores violações de seus direitos humanos e que também não há independência do sistema judicial. A renovação do mandato da Missão de Verificação de Fatos no âmbito do Conselho de Direitos Humanos, a qual termina este ano, deve ser uma de nossas prioridades nesse aspecto.
Em outra direção, igualmente preocupante, a mineração ilegal no Arco Mineiro do Orinoco, na fronteira com o Brasil, é motivo de grande preocupação para nós. Está claro que a maioria das atividades mineiras na Venezuela permanece sob o controle do crime organizado e de grupos armados. As autoridades brasileiras trabalham para que as atividades ilícitas relacionadas à mineração no território venezuelano não ultrapassem o território brasileiro e, quando isso acontecer, que seja rapidamente identificado.
Além da questão da degradação ambiental, é uma clara fonte de financiamento da ditadura. Portanto, é necessário que a comunidade internacional se mobilize para investigar e denunciar os atores responsáveis pela compra do ouro extraído ilegalmente da Venezuela, por sua conivência com a tragédia ambiental e com a própria sustentação do regime de Maduro.
Senhores, senhoras, colegas,
Não podemos permitir que o regime mantenha essa ofensiva contra a democracia venezuelana; é hora de refletir sobre o papel que queremos para o Grupo de Lima e o papel que este deve exercer no que diz respeito às eleições legislativas convocadas para dezembro pelo regime. Continuamos ouvindo rumores de ações que têm como objetivo a retomada do diálogo na Venezuela, mas não vemos resultados. Vejo que isso reafirma a necessidade do Grupo de Lima manter sua estratégia de pressão contra o regime ilegítimo, que nosso grupo retorne ao patamar de determinação política e moral, de janeiro de 2020, com discurso duro e claro.
Por que não avançamos? Por que, inclusive, retrocedemos em certa medida? Há diferentes razões. Uma delas é, lamentavelmente, o medo da força, o respeito ao poder pelo poder, a atitude que diz: “Bem, o Maduro está aí, ele controla o país, as forças armadas, ele tem a força bruta e, de alguma maneira, devemos respeitá-lo e aceitá--lo”, como se o exercício do poder fosse sua própria legitimidade. Essa atitude vai contra não apenas nosso princípio, mas também séculos de construção democrática ao redor do mundo.
Lastimavelmente, hoje, não somente em nossa região, mas, acredito que em outros lugares, há uma situação como se as democracias carecessem de confiança em si mesmas, carecessem de convicção e se renderam ao poder que é exercido de maneira cínica e brutal, como é o caso da Venezuela. Não podemos manter esse tipo de atitude, devemos confiar em nossos princípios. Se não confiarmos que nossos princípios estão corretos, que estamos prontos, e não trabalharmos por eles, vamos continuar com a situação que temos hoje na Venezuela.
Outra razão para não avançarmos ou para o retrocesso: há uma falsa identificação ideológica da situação venezuelana, como se fosse uma questão de esquerda ou de direita. Por essa razão, em muitos casos, correntes democráticas de esquerda chegam a tolerar e de certa forma também a ajudar o regime por uma simpatia, consciente ou não, de natureza ideológica. Reitero aqui, como disse muitas vezes, a convicção de que a democracia não é uma ideologia, e que as forças democráticas, sejam de esquerda ou de direita, devem trabalhar unidas pela liberdade, pela democracia na Venezuela.
Outra questão: uma falsa identificação geopolítica, como se na Venezuela se tratasse de uma competição entre uma grande superpotência do nosso hemisfério, os Estados Unidos, contra grandes superpotências de outros hemisférios. Isso tem sido extremamente prejudicial para o tratamento dado à questão. O Brasil viveu no passado situações em que determinava suas posições internacionais de acordo com a posição dos Estados Unidos: se os Estados Unidos estavam a favor, nós estávamos contra; se os Estados Unidos estavam contra, nós estávamos a favor. E isso, às vezes, reflete-se nos dias atuais por uma, digamos, tradição, uma tradição ruim, uma resistência a trabalhar em determinado sentido quando temos a participação desses amigos dos Estados Unidos, como se não quiséssemos entrar em uma disputa geopolítica. Não se trata de uma disputa geopolítica dessa natureza. Que bom que nós temos, de uma maneira tão profunda, a participação de um país como os Estados Unidos na luta pela democracia na Venezuela.
E há, além disso, a falta de um diagnóstico preciso do problema, um diagnóstico preciso da simbiose do regime de Maduro com o crime e a sua participação em uma rede continental, que une correntes políticas simpáticas ao totalitarismo – conscientemente ou não – uma vez mais, com o crime organizado, o terrorismo e o narcotráfico. O regime Maduro não será vencido enquanto não se trouxer à luz essa estrutura, essa simbiose, essa conivência, essa natureza comum de correntes políticas com o crime, essa estrutura político-criminosa que sustenta Maduro. Que essa rede se chame Foro de São Paulo, que se chame por outros nomes, outros avatares, não importa. Devemos ter a consciência de que é isso que sustenta o regime, essa rede político-criminosa da nossa região, essa espécie de “Internacional Narcotraficante”.
No Brasil, temos entre os princípios constitucionais de política externa, a integração latino-americana, e trabalhamos por isso. Às vezes criticam algumas atitudes que temos, por não estarem a favor da integração, como se tivéssemos que trabalhar com ditaduras somente pelo fato de sermos vizinhos. Ao contrário, nós acreditamos que a integração latino-americana requer democracia, e requer o que estamos fazendo no Grupo de Lima. Não teremos uma real integração na América Latina enquanto existam regimes como o da Venezuela. A integração latino-americana não pode ser a integração dos cartéis, deve ser a integração de nações livres.
É necessário, como já foi dito aqui, seguir denunciando à comunidade internacional tudo isso, tudo o que dissemos aqui sobre a Venezuela, com consciência dos problemas que enfrentamos, com consciência dos problemas reais, não apenas ao nível das palavras e do discurso. Devemos alcançar crescente conscientização da comunidade internacional sobre esses problemas, sobre a vinculação do regime Maduro com o crime organizado. Isso, claramente, ainda não chegou a muitos lugares do mundo e, inclusive, a muitos lugares de nossos países, as pessoas não conhecem esse vínculo.
Devemos falar sobre isso, devemos mostrar isso, devemos instar os países que dizem ser contra o terrorismo, contra o crime organizado, mas que apoiam o regime Maduro, a respeitarem seus próprios princípios. Se eles dizem que são contra o crime organizado, o narcotráfico e o terrorismo, então que estejam conosco na luta pela democracia na Venezuela, porque essa luta é a luta contra o crime e contra esses malefícios.
O governo brasileiro, por tudo o que dissemos aqui, é favorável à manifestação conjunta dos atores interessados na redemocratização da Venezuela, nos moldes da proposta apresentada recentemente pelos Estados Unidos, com a formação de um governo provisório e a rejeição das eleições legislativas fraudulentas – já sabemos que serão – convocadas para dezembro.
Por outro lado, a realização de eleições livres, com supervisão internacional, deve ser nosso objetivo comum, de toda a comunidade internacional, bem como a saída de Maduro do poder, que, recordemos todos, foi assumido de maneira ilegal. Essa é uma condição indispensável para garantir a legitimidade das eleições e a transição democrática na Venezuela. Não podemos fugir do fato de que o tempo não corre a nosso favor. O fim do mandato da Assembleia Nacional, em janeiro de 2021, e a encenação da farsa eleitoral que o regime conduz não nos permitem esperar com paciência.
A pergunta é se este Grupo, o Grupo de Lima, terá condição e atuação assertiva diante dessa crise. É necessário que atuemos agora para responder positivamente a essa pergunta. Acredito que temos um norte muito claro: a liberdade, e um caminho muito claro: os quatro pontos apresentados aqui pelo Presidente Iván Duque: a cessação da usurpação, o governo de transição, as eleições livres e um plano de recuperação econômica.
Sendo assim, temos todas as condições, temos os princípios, temos a convicção de atuar que nos faz, desde o começo do Grupo de Lima, um grupo tão especial que, apesar de todas as dificuldades, manteve a esperança da democracia na Venezuela.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores