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Discurso do Ministro Ernesto Araújo na Sessão Extraordinária do Conselho Permanente da OEA
Discurso do Ministro Ernesto Araújo na Sessão Extraordinária do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, D.C. (11/02/2020)*
Muito obrigado, Senhor Presidente do Conselho Permanente, Embaixador Riyad Insanally, saúdo muito especialmente Vossa Excelência.
Queria saudar igualmente o Excelentíssimo Senhor Secretário-Geral, Luís Almagro.
Excelentíssimo Senhor Secretário-Geral Adjunto, Nestor Mendez;
Senhores Representantes Permanentes, muito especialmente o Embaixador Fernando Simas Magalhães, Representante Permanente do Brasil, querido amigo;
Senhores Representantes Alternos, senhoras e senhores, queridos amigos.
Antes de mais nada, gostaria de dizer que para mim, do ponto de vista pessoal, é uma emoção muito grande estar aqui neste momento com atenção de Vossas Excelências, deste Conselho tão importante para o nosso hemisfério, uma vez que, antes de assumir a chancelaria brasileira, meu trabalho anterior era justamente, como dizia ao Presidente do Conselho Permanente, a função de Diretor de Assuntos Interamericanos. Muitas vezes tive a oportunidade de assistir às sessões do Conselho, seja diretamente, seja pela transmissão ao vivo, sempre eram momentos que acompanhávamos com a maior atenção, dada a extraordinária significação que atribuímos a essa casa, e a admiração e o empenho enorme que o Brasil tem pela OEA.
Agradeço muito a oportunidade de estar presente aqui hoje e de poder compartilhar com os senhores um pouco da visão brasileira sobre esta Organização e seus desafios, assim como sobre as principais tarefas que nós, os países-membros, precisamos enfrentar juntos. E isso sob a perspectiva das ideias, ideais e valores do Presidente Jair Bolsonaro e do nosso governo, que foram escolhidos pelo povo brasileiro nas urnas.
A Organização dos Estados Americanos consolidou-se nos últimos anos como o principal foro das Américas para o tratamento coletivo das crises políticas que afetam a democracia no hemisfério. Na visão do Brasil, o patrimônio mais caro e consolidado da OEA diz respeito justamente à defesa dos valores democráticos. A democracia é um conceito que encontra sentido prático na OEA. Nossa Organização foi capaz de dar concretude ao conceito de democracia mediante iniciativas, mecanismos e ações com real impacto sobre os povos do hemisfério. Poucas organizações internacionais podem dizer o mesmo.
O que acabo de mencionar pode parecer trivial, mas não é. Dizer que estamos unidos por valores democráticos, em compromissos voluntariamente assumidos por todos os países do hemisfério, significa reconhecer que o único consenso possível e aceitável deve ser construído em torno da defesa desses mesmos valores. Democracia, para nós, é algo profundamente enraizado à dignidade humana, à alma humana, e não apenas um ponto de retórica; é a base de tudo aquilo que esta Organização pode fazer, assim como no Plano Nacional, no Brasil, hoje, procuramos fazer da promoção da liberdade e do pleno exercício da democracia, com a voz do povo sendo ouvida permanentemente, a base de tudo aquilo que tentamos fazer.
Infelizmente, e no sentido contrário do que se poderia esperar, é cada vez mais frequente a divulgação da falsa tese de que a defesa da democracia seria responsável por uma quebra de consenso e divisões no seio desta Organização. No meu entender, trata-se de um argumento falacioso, que distorce o sentido de princípios legítimos reconhecidos para, ao final, distanciar a Organização de sua vocação democrática e, com isso, legitimar regimes que optaram por caminhos totalitários e pela supressão da liberdade.
Tenho insistido muito que democracia não é ideologia. A promoção da democracia jamais pode ser considerada uma opção ideológica, por oposição a uma outra ideologia. Se é que existem ideologias que toleram a ausência da democracia e o totalitarismo, isso não é problema nosso. O nosso problema é promover a liberdade e a democracia no continente.
O Brasil reitera sua posição de que o desejável consenso na Organização deve ser buscado pela união de todos os Estados membros em torno da defesa dos valores democráticos. Não é razoável esperar que o consenso se forme em torno de uma visão ambígua ou mesmo da defesa aberta ou velada do totalitarismo. O consenso tem que se formar em torno da democracia e da liberdade, sem meias palavras.
Nas últimas duas décadas, o sistema interamericano foi, por vezes, esvaziado por iniciativas parciais que se apresentaram como alternativas à OEA. Olhando em retrospecto, resta claro que tais iniciativas foram motivadas por aqueles que queriam mais espaço de ação e flexibilidade na definição dos conceitos centrais e inalienáveis de democracia e de liberdade – o caso da UNASUL, por exemplo. Ainda hoje, persistem arranjos com os mesmos objetivos contrários aos valores que devem nos unir, arranjos que pregam um confortável relativismo. Por esse motivo, o Brasil decidiu distanciar-se de certos foros e denunciar outros, e renovou sua aposta nesta Organização dos Estados Americanos.
A OEA mostrou capacidade de resiliência nos momentos em que mais sofreu ataques e soube reerguer-se. Esse esforço deve-se, em grande medida, ao trabalho incansável e ao sentido de responsabilidade e princípio do Secretário-Geral Luis Almagro. Sua coragem de enfrentar desafios e críticas e de romper a inércia em que se encontrava a Organização é notória e deve ser enaltecida. Acompanho pessoalmente, como dizia, inclusive graças a minha função anterior, desde 2016, o seu trabalho pela causa da liberdade do nosso continente. Não há pessoa mais capacitada e em melhores condições para liderar a OEA em meio dos prementes desafios do hemisfério. Sabemos que a dedicação pessoal e as convicções inequívocas de Luis Almagro, compartilhadas pelo governo brasileiro, constituem a melhor vigilância possível para seguir conduzindo a OEA no caminho da liberdade, da democracia e da justiça. Por isso, o Brasil apoia a reeleição do Secretário-Geral Luis Almagro.
O contínuo fortalecimento da OEA e o aperfeiçoamento de sua capacidade para gerar soluções serão essenciais para enfrentarmos os desafios que se avistam, e o Brasil está pronto a contribuir nessa tarefa. Como já foi dito e repetido inúmeras vezes nesta sala, alguns dos principais problemas para a democracia e a liberdade no hemisfério resultam primordialmente das ações e da cumplicidade dos regimes totalitários em Cuba e na Venezuela. São regimes que promovem visão não só autoritária, mas ditatorial, que violam direitos humanos e ignoram liberdades fundamentais de suas populações, que apoiam outros regimes com claras deficiências em termos democráticos e que atuam para minar o Estado de Direito na região, de forma aberta ou velada, como verificamos ao longo do ano passado em diversas ocasiões.
Pretender que Venezuela e Cuba são países que vivem em qualquer tipo de situação de normalidade, ou que se trata simplesmente de uma questão de um mero autoritarismo e que seria preciso respeitar as diferenças e ficar silentes em nome do princípio da não ingerência, é algo que o Brasil certamente não fará. O que está em jogo, hoje, no hemisfério, é uma clara disjuntiva entre, de um lado, a liberdade, e de outro, o totalitarismo e a tentativa de exportar um modelo que já deveria estar relegado ao passado.
Temos a alternativa de seguir a Carta Democrática Interamericana e os padrões do sistema interamericano de direitos humanos, ou trilhar o caminho pantanoso que admite, com aparente naturalidade, quebras democráticas, Estados que convivem com simbiose perfeita com o narcotráfico e o terrorismo, ou ainda aqueles que, pregando uma visão canhestra e distorcida da liberdade e do desenvolvimento econômico e social, tratam pessoas como os servos da Idade Média – como acontece, por exemplo, no caso dos médicos cubanos, conforme vimos no Brasil.
O que deveria preocupar-nos, na verdade, é a falta de consenso na defesa do que está certo, a falta de consenso para condenar o que é claramente injustificável e para combater o bom combate. A evolução dos acontecimentos na Venezuela e sua transformação em cenário de crise inédita na história de nossa região espelha, de forma clara, nossa incapacidade coletiva, até aqui, de fazer o que era preciso para ajudar o povo venezuelano. O consolo é que, ainda de forma imperfeita, a OEA tem conseguido evitar um cenário ainda pior e uma conivência inaceitável com os crimes de Nicolás Maduro e seu regime.
A OEA que o Brasil quer é a OEA que defende incondicionalmente a democracia, ao desmascarar, por exemplo, a tentativa de fraude eleitoral na Bolívia e impedir a consumação de estelionato contra o povo boliviano em outubro do ano passado. Quando a Bolívia for novamente às urnas, em maio próximo, deve ter o apoio da OEA a fim de que se restabeleça integralmente a sua normalidade institucional. Espera-se que o processo de retomada de normalidade do exercício efetivo da democracia representativa transcorra pacificamente e que todos os países-membros da OEA, fiéis aos compromissos que assumiram na Carta Democrática Interamericana, possam apoiá-lo em uníssono.
A OEA deve, igualmente, usar melhor seu potencial em outras questões fundamentais das agendas de desenvolvimento e segurança. Os Estados membros devemos exercer a prerrogativa básica de definir quais são as prioridades da Organização. É ilusório imaginar que a OEA poderá lidar com eficiência com todos os desafios que enfrentamos no campo do desenvolvimento. Precisamos fazer diferente. A OEA deve concentrar sua atuação em áreas nas quais pode fazer a diferença no terreno e ser percebida como uma parceira qualitativamente diferenciada.
Essa discussão mais ampla sobre o papel da OEA no universo da cooperação hemisférica é fundamental. O Brasil defende a perspectiva de que é importante – a partir de um diagnóstico claro do perfil de atuação de outros atores de cooperação no hemisfério, agências nacionais, organismos internacionais, bancos de desenvolvimentos, principalmente o BID, etc. – que a OEA defina espaços em que possa contribuir de maneira significativa, evitando dispersão ou redundâncias.
Na área educacional, por exemplo, a OEA possui experiência e relevância que não podem ser ignoradas. Como um dos principais ofertantes de bolsas de estudos de pós-graduação da Organização, o Brasil concedeu quase três mil bolsas integrais de mestrado e doutorado para estudantes da região entre 2011 e 2019. Queremos reforçar, na medida de nossas possibilidades, iniciativas como essa, que contribuem para a formação de profissionais qualificados em nosso continente, com efeitos multiplicadores nas economias de nossos países.
Com relação à agenda hemisférica de segurança, para citar somente mais um exemplo, o tráfico de drogas, o terrorismo e a criminalidade organizada transnacional são desafios comuns continente. Soluções verdadeiramente efetivas e duradouras para esses problemas, que não respeitam os limites de nossas fronteiras, devem ser encontradas em ações e iniciativas coordenadas. Na semana passada, estive em Bogotá, na Conferência Hemisférica para o Combate ao Terrorismo, e ficou claro ali que precisamos atuar em conjunto, e que a OEA precisa ter um papel no enfrentamento desse flagelo.
Precisamos reconhecer as novas ameaças que se deparam com a nossa região, com o nosso continente e a conexão entre as diferentes ameaças. Não podemos tratar os problemas de democracia isoladamente dos problemas de narcotráfico, de outros problemas de segurança ou do problema do terrorismo, pois as ameaças aos regimes totalitários da região cada vez mais fazem parte de uma rede onde não se distingue mais o que é o exercício do totalitarismo em determinados países, o narcotráfico, o crime organizado e o terrorismo.
O Presidente Jair Bolsonaro tem feito do combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas, em especial, prioridades de sua gestão, tendo alcançado, em pouco mais de um ano de mandato, resultados muito positivos nesse campo, seja na redução de diversos tipos de crimes, seja no aumento da apreensão de entorpecentes, por exemplo. Estamos trabalhando e queremos trabalhar cada vez mais com os nossos vizinhos, seja bilateralmente, seja de forma coletiva, mas, sobretudo, aqui, no âmbito da OEA, para enfrentar esses desafios.
Gostaria de mencionar também que, nessa minha vinda a Washington, participei, ontem, do lançamento de aliança para promover a liberdade religiosa, que já conta com a participação de 27 países. O governo brasileiro está convencido de que esse tema precisa estar mais presente na agenda internacional, e precisa estar mais presente, também, portanto, na agenda da Organização dos Estados Americanos. É preciso que a Organização ofereça espaço para a discussão do problema da liberdade religiosa, assim como ofereça espaço para a defesa da vida e da família.
Não quero estender-me mais. Meu objetivo, hoje, além de expressar meu reconhecimento e apoio ao Secretário-Geral Luis Almagro, é reiterar o compromisso do Brasil com uma OEA que defenda os princípios fundacionais da Organização, que trabalhe pela democracia e pela defesa da liberdade em nossa região; com uma OEA que não seja omissa, nem que desvie o olhar de sua função fundamental.
Muitíssimo obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores