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Discurso do Ministro Ernesto Araújo na Reunião Ministerial Extraordinária do Grupo de Lima
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na Reunião Ministerial Extraordinária do Grupo de Lima (13/10/2020)*
Querido Chanceler do Peru,
Senhores Chanceleres,
Queridos amigos,
Passaram-se dois meses desde a nossa última reunião e nesse período aconteceram importantes fatos relacionados à tragédia política, econômica e humanitária na Venezuela, os quais justificam, plenamente, a realização deste encontro.
Em primeiro lugar, o regime Maduro mantém seu plano de levar a cabo eleições legislativas em 6 de dezembro de 2020, uma fraude antecipada, que já foi denunciada por dezenas de países e pelas forças democráticas venezuelanas que decidiram, acertadamente, não atuar em cumplicidade com esse atentado à democracia representativa. Ninguém mais se engana com os movimentos da ditadura venezuelana para conferir um verniz de legalidade a suas ações.
Há um consenso na comunidade internacional de que essas eleições, que nasceram inconstitucionais, não possuem as mínimas condições de serem realizadas de maneira livre, justa e transparente. Mesmo entre aqueles que são mais tolerantes com o regime, ninguém pode afirmar que os resultados das eleições possam ser considerados críveis. É notório que se trata de uma disputa em que a ditadura é, ao mesmo tempo, parte e juiz. A hipocrisia do regime, hoje mais exposta do que nunca, deve ser um incentivo para que redobremos nossos esforços pela restauração democrática da Venezuela.
Em segundo lugar, vemos como o Presidente Juan Guaidó tem procurado unir as forças democráticas em torno do Pacto Unitário pela Liberdade e Eleições Livres, apresentado no mês passado, e manter a mobilização da população em favor da saída do regime ilegítimo do poder. Entendemos que, quanto mais força tenham as forças de oposição a Maduro, maiores serão as chances de se obter avanços significativos.
Em terceiro lugar, nas últimas semanas ficou ainda mais evidente a responsabilidade do regime ilegítimo por violações graves e sistemáticas dos direitos humanos de sua população, as quais já foram amplamente documentadas pelas Nações Unidas e pela Organização dos Estados Americanos. O último relatório da Missão Internacional de Verificação de Fatos das Nações Unidas sobre a Venezuela foi taxativo ao afirmar que o regime Maduro é responsável por crimes de lesa-humanidade. Sem ter argumentos para contradizer as denúncias e as acusações contidas no relatório, a estratégia do regime não poderia ser outra senão colocar em dúvida a credibilidade da Missão. Nesse sentido, a renovação do mandato da Missão pelo Conselho de Direitos Humanos por um prazo adicional de dois anos reflete a determinação da comunidade internacional de combater a situação arbitrária e ditatorial na Venezuela e de expor os ataques perpetrados por Maduro contra os direitos fundamentais da população de seu país.
Chegamos aqui ao que nos parece ser o tema central da crise venezuelana. Perguntamos: Onde está a força do regime? Perguntamos: Onde está a estrutura que o converte em uma ameaça regional, em um problema não apenas para os venezuelanos, mas para todos nós que nos reunimos aqui há tanto tempo no Grupo de Lima? A resposta está na simbiose do regime com o crime organizado, o terrorismo e a corrupção transnacional. Trata-se de um sistema político-criminoso. Esse sistema está sendo levado ao paroxismo na Venezuela; porém, não é um projeto venezuelano, mas sim uma espécie de coalião criminosa do hemisfério e de outros lugares.
Permito-me ler um trecho de um artigo importantíssimo de um estudioso de tais fenômenos, publicado em 10 de outubro, no Infobae, um artigo do senhor Héctor Schamis que diz o seguinte para descrever essa estrutura, que vai além da Venezuela, a partir do tema da corrupção:
Esta forma de corrupção obriga a desenvolver economias de escala para maximizar utilidades e para garantir proteção, ou seja, impunidade. O modelo de negócios exige diversificação, com a formação de verdadeiros conglomerados em que diferentes atividades são autônomas entre si, mas integradas, verticalmente, no topo do poder. De fato, os recursos da corrupção das obras públicas, do narcotráfico e do terrorismo regional e extrarregional, entre outros crimes, são lavados juntos.
Trata-se de uma nova forma de crime organizado, global, e cuja estratégia reside em praticá-lo em cumplicidade com o poder político e capturando o aparado do Estado. Ele coloniza, literalmente, suas instituições. O dinheiro deixa de ser um fim, como na corrupção clássica, para converter-se em um meio. O fim é o poder político, que é obtido por meio do crime. A hidra tem várias cabeças, mas apenas um sistema nervoso.
Parece-me que isso descreve claramente o obstáculo tremendo que se opõe ao retorno da Venezuela à democracia e que se opõe a todos nós. A luta pela democracia na Venezuela é a luta pela democracia em toda a região, no hemisfério e no mundo, contra o crime e contra a corrupção.
Por isso, propomos adicionar um parágrafo à Declaração para que busquemos investigações mais profundas da conexão do regime com o crime organizado. Já há provas abundantes, por exemplo, no relatório do Conselho de Direitos Humanos sobre a questão do Arco Mineiro do Orinoco, mas é preciso ir mais adiante, seja no âmbito do Conselho de Direitos Humanos, seja em outras instâncias. Por isso, propomos que a investigação da conexão do regime Maduro com o crime seja adicionada ao mandato da Missão de Verificação do Conselho, mas que não pare por aí, e busquemos outras maneiras de levá-lo adiante. Somente quando trouxermos à luz todos esses laços, essa estrutura de poder criminoso, se poderá realmente conscientizar a comunidade internacional sobre a tragédia venezuelana e a urgência de lidarmos com essa situação, e de resolvê-la de maneira pacífica, certamente.
É necessário superar o entendimento de que, com o regime Maduro, se está lidando com um ator político normal. Não o é! É um sistema a tal ponto colonizado pelo crime que se trata, na verdade, de um sistema criminoso. Não se trata de um governo autoritário, como se diz às vezes, com o qual uma oposição dialoga. Há um governo na Venezuela, o governo legítimo, presidido por Juan Guaidó, que todos aqui reconhecemos e apoiamos, que está representado aqui, representado na Organização dos Estados Americanos, representado no Banco Interamericano de Desenvolvimento e que, esperamos, estará representado, em algum momento, na Organização das Nações Unidas.
Deixemos de tratar esse regime como um governo e o governo legítimo como uma oposição. Isso é fundamental. É fundamental voltar sempre ao direito, à fonte do direito. Estamos no caminho do direito quando apoiamos uma transição democrática na Venezuela a partir de seu governo legítimo. Estamos no caminho da justiça, da defesa da autodeterminação dos povos e da solução pacífica. E, certamente, acredito que isso nos une aqui, o único caminho para essa autodeterminação são eleições livres.
Portanto, voltando ao tema das eleições e para concluir: menos de dois meses nos separam da fraude eleitoral que será conduzida pelo regime com o objetivo de sequestrar a última instituição democraticamente eleita e em funcionamento no país. Caberá à comunidade internacional e, em particular, ao Grupo de Lima, como ator-chave, assegurar que as forças democráticas venezuelanas continuem recebendo apoio. Os episódios dos últimos dois meses mostram que somente eleições presidenciais livres conduzirão à plena normalização do cenário político venezuelano e ao fim do drama que o povo venezuelano vive todos os dias.
Muito obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores