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Discurso do Ministro Ernesto Araújo na Reunião Extraordinária de Chanceleres da Conferência Ibero-Americana
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na Reunião Extraordinária de Chanceleres da Conferência Ibero-Americana (30/11/2020)*
Muito obrigado, Senhora Presidente desta sessão, Ministra de Andorra,
Senhora Secretária-Geral Rebeca Grynzpan,
Senhoras e Senhores Chanceleres e representantes de governos legítimos,
A delegação brasileira reconhece o esforço da Secretaria pro tempore de Andorra e da Secretaria-Geral Ibero-Americana para tornar viável esta videoconferência durante a crise relacionada à pandemia da COVID-19.
Essa não é, porém, a única crise que afeta nossa região. Nossos irmãos venezuelanos padecem, desde há muito, os efeitos de uma tragédia múltipla imposta por um regime ilegítimo e ditatorial. Uma crise econômica, política e social. Uma crise humanitária e, sobretudo, uma crise de valores.
Temos que nos unir, concordo com o que dizia o querido amigo, o Chanceler da Argentina, Felipe Solá. Mas pergunto: unirmo-nos em torno de quê? Em torno de que valores? Vamos nos unir simplesmente em torno de um nome, simplesmente em torno de uma situação geográfica? Não! Precisamos unir-nos em torno da democracia, da liberdade, do Estado de Direito e da dignidade humana antes de tudo. Não podemos ter vergonha de falar de democracia. Não podemos ter vergonha de falar de liberdade.
Concordo também com a Ministra Arancha Gonzáles, da Espanha: democracia e Estado de Direito não são opcionais. O simples fato de situar-se geograficamente no espaço ibero-americano não dá direito automático a representantes de ditaduras de sentarem-se ao lado de representantes de nações livres. A Conferência Ibero--Americana tem seus pilares, como a defesa da democracia, o respeito à liberdade e a vigência do Estado de Direito, além da promoção da prosperidade e da igualdade de oportunidade para todos. E por isso não podemos calar-nos diante da tragédia venezuelana.
Esta videoconferência é uma etapa rumo à Cúpula Ibero-Americana, prevista para 2021, e o governo brasileiro entende que esta Conferência precisa rumar para a defesa permanente e intransigente da liberdade e da democracia. O Brasil é um país fundador deste foro. Nunca abandonamos o compromisso com aqueles valores que mencionei, que alicerçam a congregação dos países ibero-americanos. Nosso engajamento permanente com a democracia e com a liberdade [que não é simplesmente um exercício individual; tem de ser um exercício coletivo], esse engajamento está cada vez mais fortalecido no governo do Presidente Jair Bolsonaro.
Justamente pelo inerente sentimento de solidariedade e irmandade ibero-americana, o governo brasileiro sublinha o seu repúdio à presença nesta reunião de representantes do regime ilegítimo de Nicolás Maduro. E lamento que não haja representantes do governo legítimo de Juan Guaidó, que muitos, senão a maioria dos países aqui representados, reconhecemos. Por que razão o princípio de união deve dar-se em torno da ditadura e não da democracia? É algo que não compreendo. Nós não podemos esconder nossa cabeça na areia. Temos que trabalhar pela democracia na nossa região, e é isso o que queremos fazer aqui. O Brasil considera que a Conferência Ibero-Americana é um espaço essencial para a defesa da democracia.
A presença do regime madurista nesta sala corrói os pilares fundamentais desta comunidade, o sentimento de pertencimento e a vontade de estar juntos. Essa presença é lamentável, mas também expõe fraturas que abrem oportunidades para mobilizar os membros da Conferencia no sentido da revalorização, do relançamento do foro como espaço real de defesa da democracia e da liberdade, da plena vigência do Estado de Direito e da promoção da prosperidade e de igualdade de oportunidades para todos os nossos cidadãos.
Lembro que dois dos mais importantes foros interamericanos, a Organização dos Estados Americanos e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, já têm, como representantes da Venezuela, os representantes do governo legítimo de Juan Guaidó, o governo que honra o nome da Venezuela. Este instrumento ibero-americano, onde estamos aqui, não deveria estar atrás dos instrumentos pan-americanos. Somos igualmente democráticos os dois, ou deveríamos ser.
Lembro que a Venezuela foi suspensa do MERCOSUL em 2017, por flagrante ruptura da ordem democrática, quando do fechamento da Assembleia Nacional pelo regime ditatorial de Maduro. O Brasil ressalta que a defesa da democracia não é uma opção política para os membros do Protocolo de Ushuaia; trata-se de uma obrigação do Direito Internacional.
Falando em MERCOSUL, no dia de hoje, celebramos numa conferência entre os Presidentes Bolsonaro e Alberto Fernández, os 35 anos da Ata de Iguaçu, que deu início à integração Brasil-Argentina e posteriormente ao MERCOSUL. Essa coincidência de datas mostra que a integração económica que hoje vivemos no MERCOSUL, um dos pilares da integração latino-americana, baseou-se, antes de tudo, na democracia, porque vivíamos ali justamente o início do período de redemocratização do Brasil e da Argentina. E hoje, no Acordo de Associação MERCOSUL-União Europeia, que esperamos assinar em breve, temos também um instrumento baseado, antes do que no comércio, na democracia e no respeito aos valores fundamentais. Se o processo ibero-americano decidir basear-se em outra coisa que não a democracia, apenas prestará serviço aos liberticidas.
Não estamos aqui para criar ou traçar um mínimo denominador comum entre a ditadura e a democracia. A única integração válida é a integração entre nações livres, não a integração entre os cartéis da droga. Ao permitir a presença dessa representação por parte de um regime ditatorial, estamos expondo os demais países aqui, da nossa comunidade, a um regime que tem, como sabemos, uma estreita simbiose com o crime organizado em todas as suas facetas e com a corrupção transnacional.
Por essa razão, a tragédia venezuelana tornou-se um desafio para a segurança regional, e mesmo global, com alto risco de transbordamento dessas atividades ilícitas e criminosas para o território dos países vizinhos – o que em grande parte, infelizmente, já está acontecendo – e também para os países ibéricos. Queria lembrar, nesse contexto, que na semana passada a Operação Enterprise – iniciativa conjunta da Política Federal do Brasil e da Europol – apreendeu 12 milhões de euros em espécie, em Portugal, produto de atividades relacionadas ao narcotráfico, e no âmbito dessa operação já houve apreensões, também, além do Brasil, na Colômbia, no Panamá, em Portugal, na Espanha, num total de 463 milhões de reais, ou seja, cerca de 80 milhões de euros.
A delegação brasileira apresenta, diante disso, duas propostas. Primeiro, que a Conferência Ibero-Americana possa deter-se mais a fundo em ampliar e fortalecer iniciativas e programas de combate ao crime organizado, a ilícitos transnacionais, ao tráfico de entorpecentes e tráfico de seres humanos. A segunda proposta é que a Conferência Ibero-Americana, mantendo os compromissos assumidos, por exemplo, na Declaração de Mar del Plata, em 2010, que diziam que a democracia constitui um valor universal, que faz parte do acervo da Conferência Ibero-Americana, desde sua primeira reunião, que esta Conferência passe a trabalhar com dedicação no sentido de construir até a Cúpula de 2021 um mecanismo eficaz de defesa da democracia que contenha um procedimento claro e preciso de aferição e decisão, bem como de sanções efetivas contra qualquer país-membro que rompa com a ordem democrática. Propomos igualmente que o escopo desse mecanismo abarque, igualmente, as violações sistemáticas das liberdades individuais e dos direitos humanos.
Para concluir, é uma forte expectativa do Brasil que os demais membros desta Conferência possam trabalhar junto conosco pela restauração democrática na Venezuela.
Muito obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores