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Discurso do Ministro Ernesto Araújo na Reunião de Chanceleres do PROSUL
Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na Reunião de Chanceleres do PROSUL (07/12/2020)*
Caro amigo Andrés Allamand, muito obrigado por organizar este encontro. Bom dia a todos, queridos Chanceleres, amigos, colegas. Em primeiro lugar, uma saudação e agradecimento à equipe da presidência pro tempore do Chile, com o Chanceler Allamand, que em um ano tão difícil se mostrou à altura dos desafios que se apresentam à nossa região.
O pensador colombiano Nicolás Gómez Dávila, e Claudia me corrigirá se eu estiver equivocado, mas creio que disse que “a prolixidade não é excesso de palavras, mas escassez de ideias”. E todos sabíamos que, em nossos diversos processos de integração regional, abundam os fóruns, conselhos e grupos de trabalho, sem ideias claras do que fazer. Outras vezes pensávamos que tínhamos muitas ideias, mas estávamos perdidos nas disputas vazias do momento, sem ligação com as realidades e desejos dos sul-americanos.
Especialmente na UNASUL, a prolixidade era a regra e a eficácia, a exceção. A exceção quase a zero, eu diria. Para o Brasil, o PROSUL é uma tentativa de mudar essa história. Sua criação responde diretamente a duas ideias-chave para o futuro de nossa região. Em primeiro lugar, a ideia de que o processo de integração deve salvaguardar a democracia, os direitos humanos e o Estado de Direito na região, sem cumplicidade com regimes autoritários ou ditatoriais.
A outra ideia-chave da criação do PROSUL é que o processo de integração deve ser flexível e dinâmico, tendo em vista servir os países e os desejos dos nossos cidadãos. Sua finalidade não deve ser apenas o funcionamento de seu próprio aparato burocrático, mas servir aos países em suas necessidades, respeitando sua soberania e seus diferentes ritmos de implementação de políticas. Neste primeiro ano do PROSUL foi possível, graças aos esforços de todos os Estados presentes, e com grande destaque para a PPT chilena, dar passos iniciais importantes para a concretização dessas ideias.
Em relação à primeira ideia-chave, o PROSUL alcançou, desde a sua fundação, uma posição firme na defesa da democracia, por exemplo, no processo eleitoral na Guiana, bem como apoiou as liberdades políticas, a ordem constitucional, as instituições democráticas frente aos eventos ocorridos no Chile e no Equador no ano passado. Assinamos no ano passado, em Nova York, como parte das diretrizes de funcionamento do PROSUL, uma cláusula democrática que possui requisitos fortes e claros, além de um método eficiente de tomada de decisões. Desta forma, dispomos de um mecanismo preparado para responder de forma adequada às ameaças mais modernas à democracia. Para o Brasil é fundamental manter essa ferramenta.
Os desafios causados pela pandemia têm sido um teste de tensão para a qualidade do PROSUL. No segundo aspecto, sua capacidade de resposta, fica claro que o resultado é positivo. A maioria dos grupos de trabalho iniciou suas atividades apesar das graves limitações do período. Também foi possível lançar mesas de trabalho ad hoc sobre as formas de coordenar esforços no combate à pandemia, estruturas mais frágeis e leves, com foco em resultados que contribuam para as medidas nacionais. Quero aqui reiterar a total disposição do Brasil em cooperar no que segue adiante, no que resta da pandemia. Acreditávamos que nesse ponto já a teríamos superado, mas continuamos enfrentando desafios muito grandes. No caso das vacinas, por exemplo, o Brasil tem uma capacidade de produção que supera as necessidades nacionais, portanto estaríamos prontos a cooperar com todos os países aqui reunidos. Quando as vacinas forem devidamente aprovadas por nossas autoridades sanitárias, estaremos prontos também para cooperar na imunização e, portanto, para esse passo decisivo na luta contra a pandemia em todos os países do PROSUL, bem como em outros países amigos.
Estamos, como Brasil, satisfeitos com o andamento do PROSUL até o momento, mas sabemos que ainda há muito a se fazer e estamos prontos para esses desafios. É necessário consolidar nosso foro e continuar buscando a adesão ao PROSUL dos demais Estados sul-americanos que atendam aos requisitos para acompanhá-lo, especialmente o requisito democrático.
Além de coordenar a luta contra as consequências da pandemia e o trabalho dos diversos grupos e mesas de trabalho, devemos estar atentos aos graves desafios que enfrentamos como países e como região. Para o Brasil, o desafio central, que exigirá cada vez mais coordenação e ações conjuntas, é o crescimento de atividades ilícitas do crime organizado, como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, tráfico de armas, corrupção, e as conexões políticas de todos esses esquemas de crime. Esses grupos não respeitam fronteiras, como sabemos, e se aproveitam de nossas fraquezas. Como todos sabemos, eles encontraram, por exemplo, um refúgio e um ambiente ideal para prosperar na Venezuela. Mas o assunto não se limita à Venezuela.
A defesa da democracia e a busca da prosperidade estão intimamente ligadas à segurança. E hoje, mais do que nunca, dependem do combate ao crime organizado. Não podemos escolher nossos problemas e dar as costas aos problemas reais, à realidade. É o crime organizado que ameaça nosso futuro mais do que outros problemas, ao penetrar instituições, manipular informações, destruir oportunidades econômicas. É, inclusive, o crime organizado que está por trás, talvez, da maioria dos problemas ambientais. Outra questão que nos ocupa hoje, tanto na agenda mundial, é o crime ambiental, talvez o mais sério desafio na questão do meio ambiente. Como sabemos, existem organizações criminosas continentais, com laços transcontinentais, que são hoje, em muitos casos, mais sofisticadas do que nós e mais eficientes, infelizmente, do que nós, e que querem o contrário do que queremos, que pretendem não só enfrentar o Estado, mas conquistar o Estado e fazer do Estado seu instrumento. O exemplo claríssimo é a Venezuela, mas não se restringe à Venezuela, repito. A Venezuela é uma plataforma para o crime hoje, mas esses grupos, esses interesses, querem que cada um de nossos países se torne também uma plataforma semelhante.
Amigos, defender a segurança e a democracia não é uma opção ideológica, e quero falar francamente sobre isso. Se as ideologias de esquerda se associam ao crime para atingir seus objetivos e se, ao contrário, o crime penetra nas ideologias de esquerda de forma a criar um aparato político, criando uma verdadeira simbiose, um complexo político-criminoso, isso não faz do combate ao crime uma questão ideológica. O fato de o crime ser apoiado ou tolerado por correntes de esquerda não deve fornecer ao crime organizado uma espécie de salvo--conduto. Os esforços do PROSUL nesta área de segurança devem ser intensificados com determinação, dando reforço e centralidade ao Grupo de Trabalho sobre Segurança e Combate ao Crime Organizado e articulando-se com outras entidades, especialmente com a OEA, bem como com instâncias de cooperação bilateral.
Sabemos que é mais fácil entrar numa ditadura do que sair, e a Venezuela, mais uma vez, o comprova. Temos que criar organizações e instrumentos – e o PROSUL é um deles – para mudar essa lógica, para que seja mais fácil entrar na democracia e cada vez mais difícil sair. Para a democracia, as eleições não são suficientes. A cultura democrática é necessária. Também é necessário maximizar os custos para os totalitários e também maximizar os benefícios para os democratas. Se os ditadores forem tratados da mesma forma que os regimes democráticos, por qualquer razão, que incentivos terão para democratizar? O PROSUL precisa ser um desses instrumentos para aumentar os custos para os totalitários e os benefícios para os democráticos.
Caros colegas, para nós, o PROSUL é motivo de grande otimismo em nossa região. Deixo aqui o compromisso do Brasil com a presidência pro tempore da Colômbia para continuar construindo nosso projeto comum.
Muito obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores