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Aula magna do Ministro Ernesto Araújo no Instituto Rio Branco
Aula magna do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, no Instituto Rio Branco, em Brasília (11/03/2019)*
Embaixadora Gisela Padovan – Boa tarde a todos, turma de 2017/2019 (que é um nome que eu nunca entendi) e a nova turma que recém-inicia e para quem se destina essa aula magna, bem, para as duas destina-se essa aula magna. Senhor Ministro, Senhor Secretário-Geral, é uma grande honra para nós termos o Ministro abrindo o curso do Rio Branco. Eu me permito até sugerir que isso vire uma tradição, a ser fielmente respeitada, que o Ministro abra e o Secretário-Geral feche. Então, já que eu estou com os dois aqui, permito-me sugerir isso, pois acho que é muito importante esse contato direto dos alunos com as chefias da Casa. Então, espero que vocês aproveitem muito a oportunidade.
O Ernesto, ele é meu contemporâneo no Instituto Rio Branco. Ele era o meu segundo ano, na época que tinha segundo ano, e eu me permito uma pequena digressão, Ministro, com a sua permissão, e até por conta de uma das inovações feitas aqui no Rio Branco, que foi a introdução (aliás, muito apreciada) da matéria de Clássicos. Uma segunda inovação que a gente fez foi voltar a ser três semestres, de modo que houvesse, inclusive, mais tempo livre durante a semana, que era uma demanda da primeira turma, que tinha um horário extremamente ocupado e não tinham tempo de ler, refletir e preparar‑se para as aulas. Então hoje há mais espaços, mas, em compensação, temos três semestres. Essas, a meu ver, são as duas grandes mudanças principais, uma de inspiração e pedido direto do Ministro, e as duas, entendo, estão sendo muito bem apreciadas.
Como eu ia dizendo, o Ministro era meu contemporâneo, meu segundo ano, depois fez uma carreira muito variada, começou trabalhando com o MERCOSUL, escreveu um livro, aliás, com o professor de vocês, o Embaixador Sergio Florêncio, sobre o MERCOSUL, depois fez Bruxelas, Bonn, Berlim, Ottawa, e foi meu Ministro-Conselheiro em Washington. Em diferentes momentos da carreira, seja no Rio Branco, seja mais recentemente, eu tive o prazer de trabalhar, no segundo caso, sob a orientação, porque eu era Conselheira e ele era Ministro-Conselheiro, e no Rio Branco, como o primeiro ano dele. Ministro, realmente é um prazer e uma honra ouvi-lo, eu tenho aqui a casa cheia, alunos ansiosos para escutá‑lo. Então, desejo a todos uma ótima palestra. Imagino que depois teremos um pequeno debate, não sei se o senhor tem tempo, mas fica ao seu critério. Boa palestra a todos.
Ministro Ernesto Araújo – Muito obrigado, Gisela. É uma alegria para mim estar aqui com vocês, e muito obrigado pelo convite. Realmente, nós tivemos a alegria de conviver em vários momentos desde o Rio Branco. Quando eu estava no Rio Branco, ainda nem era Terceiro-Secretário, era só aluno, e foi sempre uma alegria em todos esses momentos. Eu, desde essa época, sempre sonhava em um dia dar aula no Rio Branco, e nunca imaginei que a minha primeira aula no Rio Branco fosse ser nessa condição. Sempre tive a convicção do caráter absolutamente fundamental do Instituto Rio Branco para o conjunto do Itamaraty, e sempre tive a vontade de poder contribuir com alguma experiência ou ideia para a reflexão, que deve ser parte do trabalho do Instituto e seus alunos.
Queria começar dizendo que nós precisamos problematizar a política externa brasileira. Às vezes eu tenho a impressão, pelo debate recente desses últimos dois meses, até um pouco antes, indo até o período da transição, de que existe uma determinada estrutura chamada “política externa brasileira”, à qual sucessivos governos deveriam adaptar-se, quando, na verdade, me parece o contrário. Eu acho que a política externa deve ser parte da estrutura de cada governo, e nós é que precisamos adaptar a nossa capacidade de atuação, as prioridades e as políticas introduzidas pelo novo governo. E precisamos fazer política externa, e não apenas falar sobre política externa.
Esse debate que tem havido sobre política externa no Brasil é um debate feito, a meu ver, para alunos de Relações Internacionais, e vocês não são alunos de Relações Internacionais. Isso aqui não é um curso de Relações Internacionais. Alguns diplomatas mais antigos consideram-se professores de Relações Internacionais e consideram- ‑se, alguns, grandes especialistas em relações internacionais, e não são. Não é isso que eles têm que ser. Não é isso que nenhum de nós tem que ser, especialista ou comentarista de relações internacionais.
Como sabem aqueles que conhecem o meu currículo, eu fiz curso de Letras na UnB, sou formado em Letras, e sempre gostei de escrever ficção. No curso de Letras você estuda teoria literária, você não estuda técnica literária, porque não se estuda técnica literária; alguns dizem que sim, mas na verdade, não. E eu acho que podíamos fazer uma analogia com isso. Nós estamos aqui para escrever, não estamos aqui para estudar teoria literária. Estamos aqui para escrever uma obra que outros analisarão ou pensarão do jeito que quiserem, mas a nossa tarefa é de produzir a política externa, e não falar sobre ela.
Eu vou falar um pouco sobre política externa, então eu vou contradizer-me um pouco. Acho também que as pessoas, hoje, têm uma necessidade muito grande de colocar rótulos e de fazer comparações, mas não estão encontrando esses rótulos e nem estão conseguindo fazer essas comparações, e ficam perdidas. Acho que muitas pessoas estão saindo do seu mundinho confortável em que viveram durante muito tempo, no fundo da caverna, vendo as sombras e relacionando-se com essas sombras, e, de repente, eu e a nossa equipe estamos tentando puxar essas pessoas para fora, sair para a luz do dia. E a claridade dói, não é? A claridade dói no olho, no começo: “Cadê meu rótulo? Cadê o meu conceito aqui, que eu aplico?” Não tem. Nós estamos fazendo, não estamos teorizando.
Só para finalizar esta introdução, acho fundamental também dizer o seguinte: voltando à minha experiência no curso de Letras, tinha um professor meu que dizia que quem sabe só literatura, não sabe nem literatura. E aqui é a mesma coisa: quem sabe só diplomacia ou só relações internacionais, não sabe nem diplomacia nem relações internacionais. Temos que estudar tudo: filosofia, história, matemática, biologia, climatologia, cada vez mais, arte, tudo, para podermos desempenhar essa função que a sociedade nos atribui. A diplomacia, a meu ver, não é uma disciplina do saber. Não estamos aqui para observar a nós mesmos trabalhando. A diplomacia é um ramo da ação humana que utiliza conhecimentos de todas as disciplinas.
Bom, então vou falar de política externa (depois de falar que não devemos falar, e sim fazer), mas vou falar problematizando. Problemas que eu pessoalmente identifico muito claramente na política externa brasileira recente, há uns anos, algumas décadas. Em primeiro lugar, a indiferença moral. Nós nos acostumamos a uma política externa que não tem bússola moral, onde não existe bem e mal. Qualquer tentativa de introduzir esse tipo de conceito é chamada de maniqueísmo ou do que quer que seja, e, com isso, nós navegamos sem bússola nesse universo, nos relacionamos e temos iniciativas sem saber se elas apontam no sentido do bem ou do mal.
Eu acredito que nenhum ser humano é perfeito; então, quando a gente fala isso, às vezes se diz “está moralizando”. Cada um de nós tem evidentemente suas falhas. Então não se trata de pregar determinados valores. Mas se trata de reconhecer que no universo existem essas direções, existe um norte moral e existe um sul moral, e parece-me que qualquer atividade humana, seja a diplomacia ou qualquer outra, precisa orientar-se de acordo com essa bússola.
A segunda coisa é a indiferença civilizacional. É o fato de concebermos nossa presença no mundo e a de outros países e de outros atores como se tudo fosse a mesma coisa, como se nós não fizéssemos parte de uma determinada civilização, como se os outros países também não fizessem, como se todo o universo da cultura fosse uma coisa meramente decorativa, diferentes estilos arquitetônicos. E não é. A meu ver, a dimensão civilizacional, as diferenças, a particularidade, o espírito de cada civilização é algo que deveria ser determinante e, sobretudo, no nosso caso, reconhecer que nós fazemos parte de uma determinada civilização e que isso nos impõe um legado e uma responsabilidade que esse indiferentismo tem nos negado.
O terceiro problema é o comercialismo. A tendência, muito clara nessa política das últimas décadas, de ver a política externa apenas como uma política comercial. Um comercialismo estranho, porque um comercialismo que não gerou muitos resultados em termos de acordos ou de resultados comerciais, mas que nos dominou muito e nos domina, hoje, de maneira muito clara: quando você fala da comercialização do Brasil com algum outro país, a primeira coisa que pensa é na balança comercial. Essa perspectiva parece-me importante, mas extremamente limitante.
Um quarto problema é o nominalismo. Eu uso muito esse conceito, de forma um pouco diferente do termo técnico, do conceito técnico do que se designa como nominalismo na filosofia, mas acho que o sentido é mais ou menos claro, quando falamos de nominalismo versus realismo. O nominalismo, na política externa, isso tem sido muito claro, é a concentração puramente na palavra e no discurso, sem tanta atenção à realidade por trás dessa palavra; é a preocupação muito com o conceito, é a preocupação muito com o caráter redondo da expressão, e não tanto com o que está por trás e os objetivos de fundo.
Um outro problema é o isolamento do Itamaraty em relação à sociedade brasileira. Isso e todos esses problemas anteriores de certa forma são reflexos desse isolamento de uma Casa que passou a viver olhando para dentro de si mesma e cada vez mais se sentindo, digamos, superior aos valores da sociedade brasileira, achando – numa expressão que eu uso muito – que o Itamaraty é uma espécie de escritório da ONU no Brasil, que a função do Itamaraty é disciplinar essas massas ignorantes, nessa concepção, e trazer à luz os grandes conceitos internacionais. Isso me parece um problema central na nossa atividade, que precisa ser superado.
Ainda tem mais, têm vários. O isolamento da política externa em relação ao restante das políticas nacionais. Isso também faz parte desse isolamento em relação à sociedade. Nós passamos a viver em um sistema em que parecia que o Itamaraty, que a política externa era uma disciplina autônoma. E aqui nós voltamos àquele problema da falta do pensamento analógico e da falta de abertura a outras áreas da atividade humana, como se você tivesse um país onde se tem uma política educacional que muda de acordo com o governo, uma política tributária que muda, uma política fiscal que muda de acordo com o governo, mas a política externa é uma coisa que não pode mudar.
E aí surgiu esse conceito totalmente pernicioso de “políticas de Estado”, que tenho ouvido – “isso aqui não pode mudar, isso aqui é uma política de Estado”. E isso não existe. Todas as políticas são de Estado, e o Estado relaciona-se com a sociedade por meio do governo. “Posições de Estado”, melhor dizendo, no sentido de que são posições que não podem mudar, que pertencem ao Estado, que não pertencem ao governo. Ou seja, houve uma despolitização da política externa, porque o que é política? A política vem de polis, a comunidade, política é a discussão, é a comunidade discutindo seus destinos, seus valores, suas prioridades, e, quando você coloca um determinado ramo da atividade dessa sociedade fora da discussão, você está despolitizando esse ramo.
Um outro problema é o que eu chamo de “tematismo”, que é dividir a realidade, nossa atividade, em temas. Isso cada vez mais fragmenta nossa atividade. “Qual é o seu tema? Qual é o tema que você acompanha? De que tema você está tratando aqui?” Claro, o pensamento, para se organizar, precisa dividir-se de uma certa maneira; mas o que houve foi o isolamento também de cada um desses temas, que passam a não se comunicar e, dentro da cabeça de cada um de nós, esses temas muitas vezes não se comunicam. Passamos a organizar nossa atividade de uma maneira totalmente fragmentada, que aí não é só um problema, como tudo isso aqui, não é apenas um problema nem só do Itamaraty, dentro do Brasil, nem só do Brasil no mundo. Isso aqui faz parte – e vou falar um pouco depois disso – de uma tendência mundial de fragmentação do pensamento.
O último problema (último não, mas enfim) é a compra da agenda globalista – vou falar um pouco depois da minha concepção de globalismo –, por meio de uma falsa concepção de conceitos como universalismo e multilateralismo. É muito dito que a política externa brasileira se define pelo universalismo e pelo multilateralismo. Para mim, isso é não dizer nada, porque isso é dizer assim: “quem não tem personalidade, copia a personalidade dos outros.” Não tenho nada contra o universalismo, no sentido de ter boas relações com todos os países. Mas, num certo sentido, o universalismo veio a significar, aqui, a doutrina da indiferença, o apagamento das nossas identidades. E o multilateralismo veio, estranhamente, a significar um determinado conteúdo, quando o multilateralismo não é conteúdo de nada. Os fóruns multilaterais deveriam ser um instrumento para a promoção de determinadas ideias, determinados conceitos.
E é um universalismo curioso, esse que se diz que era praticado pelo Brasil, porque é um universalismo onde pode tudo, menos cooperar com os Estados Unidos. É muito engraçado. Eu venho observando muito isso ultimamente: qualquer iniciativa de política externa é ótima, até que entrem os Estados Unidos, até que entre qualquer iniciativa de cooperação com os americanos. Aí não pode mais. Eu vi muito isso na questão da crise da Venezuela, tal como ela era tratada até 31 de dezembro do ano passado, que eu acompanhava muito pela vertente da OEA. Eu e outras pessoas fizemos muito esforço para que o tema da Venezuela fosse, virasse uma prioridade na OEA. Conseguimos até certo ponto. O Brasil tentou ter uma atuação mais incisiva nesse tema da Venezuela na OEA, até que os Estados Unidos começaram a atuar mais na OEA. E aí comecei a ouvir que não, agora não pode, se os americanos estão na proposta, não.
Então se iniciou, infelizmente, na última fase do último governo, uma política de normalização das relações com a Venezuela, da qual estamos sofrendo algumas consequências, pelo fato de que, com a mudança de posição, algumas pessoas estavam acostumado-se com essa doutrina estranha de que tínhamos que normalizar de certa forma as relações com um governo facínora como o da Venezuela, pelo simples fato de que nós temos fronteira com eles. Esse é outro problema seríssimo da nossa política recente.
Então era um universalismo muito capenga, no qual se escondia uma certa teoria de que qualquer relação com os Estados Unidos é algum tipo de subserviência ou alinhamento automático, algo que dá lugar a certas críticas completamente infundadas. À força desse universalismo e multilateralismo, à força de olharmos só para dentro, nós descumprimos o lema do Barão, e nós nos esquecemos da pátria.
Vamos falar do Barão. O grande ciclo da definição do espaço nacional foi conduzido, em grande parte, pela diplomacia brasileira, desde os primórdios da independência até o Barão. Esse foi o pri meiro ciclo da nossa diplomacia, e foi bem-sucedido. Foi esse ciclo que deu crédito ao Itamaraty como uma instituição fundamental da nacionalidade brasileira. Não foi o universalismo, nem o multilateralismo, nem a “capacidade de gerar consensos e equilíbrios”, mas foi a capacidade de defender e definir as fronteiras físicas da pátria que fez o nome do Itamaraty nesse primeiro ciclo.
Depois começou um segundo ciclo, mais ou menos desde a época do Barão até agora recentemente, que teve, talvez, como seu centro a ideia do desenvolvimento. Tem-se dito que a principal função, a principal contribuição do Itamaraty, da diplomacia brasileira para o país nesses últimos cem anos, mais ou menos, foi a contribuição para o processo de desenvolvimento. E esse não foi completamente bem-sucedido. Houve algumas coisas positivas, mas houve apostas completamente equivocadas, principalmente a partir dos anos 50, e mais ainda a partir dos anos 70, quando começou a aposta no terceiro-mundismo, no antiamericanismo e no antiocidentalismo, ou no pós-ocidentalismo, mais recentemente. Uma aposta em parceiros que não foram capazes de nos ajudar no desenvolvimento.
Por causa dessa aposta equivocada, talvez se explique que o Brasil, que foi o país que mais cresceu no mundo mais ou menos entre 1900 e 1975, quando seu principal parceiro de desenvolvimento eram os Estados Unidos da América, depois estagnou, quando desprezou essa parceria com os Estados Unidos e passou a buscar a Europa ou uma integração latino-americana, sem uma integração com o restante do mundo. E mais recentemente, a aposta no mundo pós‑americano dos BRICS, que é um parceiro extremamente importante, mas que, de repente, passou-se a acreditar que seria o grande parceiro econômico do Brasil. E tem sido, por exemplo, a China, o principal parceiro comercial. E, coincidência ou não, tem sido um período de estagnação do Brasil, justamente nessa vertente econômica, que deveria ter sido, que se propôs a ser o centro desse ciclo.
Então, se o primeiro foi o ciclo do Barão do Rio Branco, eu diria que esse segundo foi o ciclo do Barão de Münchhausen. Não sei se vocês conhecem o Barão de Münchhausen, que é um personagem da literatura alemã do século XVIII, de ficção, que contava suas próprias aventuras de forma totalmente exagerada e mentirosa. Ele conta em determinado momento que ele caiu em uma areia movediça durante uma determinada aventura e estava lá, sozinho. Então ele se pegou pela própria trança do cabelo e puxou-se da areia movediça, e conseguiu sair. Isso é o que se tentou fazer nesse segundo ciclo, quer dizer, o Brasil tentando puxar a si mesmo para o desenvolvimento, sem, evidentemente, sozinho, conseguir sair da estagnação.
É interessante notar que o período do PT no poder foi, na diplomacia, como em outras coisas, parte integrante desse segundo ciclo, e não um parêntese. Ele talvez tenha exacerbado alguns aspectos equivocados desse período, mas foi parte do mesmo processo de apostas equivocadas. É interessante, é curioso que, naquela época, a política do PT era muito criticada como sendo uma política ideológica, o que realmente era, era uma política que buscava parcerias que não traziam nada ao Brasil, e, agora, as mesmas pessoas que criticavam a política do PT assumem essa política, esse período do PT, como parte de uma política normal, começam a falar: “Estamos mudando a política brasileira desde Geisel.” Estamos mudando a política brasileira desde Geisel. Mas é interessante, porque o PT, que era tão criticado, a política ideológica do PT, agora faz parte do que é considerado uma política externa normal, dessa estrutura imutável das políticas de Estado. De repente, virou algo totalmente palatável. O que é verdade. Para mim, esse período do PT faz parte, porque o governo do PT e os governos que o cercaram são todos parte do mesmo sistema que estamos quebrando.
Enfim, isso comprova que todas as políticas externas dessas últimas décadas são essencialmente a mesma. E agora, é curioso, os petistas e os antigos críticos do PT unem-se em criticar a política que nós estamos querendo fazer, porque finalmente nós apresentamos algo novo. Algo que ameaça aquele grande consenso de que eu já tinha falado.
Então, nós tivemos o ciclo do Barão do Rio Branco, que deu certo, e o ciclo do Barão de Münchhausen, que não deu certo, que não conseguiu ajudar o Brasil naquilo a que se propôs. E esse segundo ciclo acabou, porque o povo brasileiro se cansou. O povo brasileiro cansou-se de sacrificar seus valores, que são essencialmente liberais e ocidentais, em nome de um crescimento econômico que não veio nunca. O povo agora quer crescimento e identidade nacional e defesa dos seus valores.
Essa questão de valores, eu não quero entrar muito nisso, por não ter muito tempo, talvez em uma outra aula pudéssemos falar. Mas, enfim, para dizer o seguinte: o pensamento humano é essencialmente valorativo. Voltando àquela questão da indiferença moral, navegar num mundo sem valores é totalmente contrário à essência do ser humano. E o Brasil vinha fazendo uma política externa que não pensava, que não valorava e que não escolhia, e que, quando escolhia, escolhia errado.
É importante notar, também, o seguinte: essa política externa recente fazia parte de um sistema. De certa forma, ela estava isolada da sociedade, mas ela não estava isolada do sistema político, desse sistema político da velha política, como nós chamamos hoje – não tão velha, porque ainda está por aí, mas que por tanto tempo sufocou a nação brasileira, sufocou a economia brasileira, sufocou a alma brasileira, e que isolou o Brasil de si mesmo, mais que de outros parceiros ao redor do mundo.
Então, um governo que veio propondo-se a romper esse sistema – porque os brasileiros queriam a ruptura desse sistema – tem a obrigação de trabalhar nesse mesmo sentido, em relação à política externa. Hoje mesmo eu recebi uma mensagem do Presidente sobre um outro tema, mas dizendo assim: “nós viemos para fazer diferente.” Isso é uma instrução muito clara, e uma determinação muito clara do que quer o povo brasileiro.
O Embaixador Ricupero, acho que ele tentou resumir esses dois ciclos anteriores da política brasileira no seu livro A diplomacia na construçãoo do Brasil. A diplomacia realmente foi parte da construção do Brasil no primeiro ciclo e tentou sê-lo no segundo, mas, como eu dizia, não conseguiu. Então, nós temos que repensar esse conceito da diplomacia na construção do Brasil e, hoje, eu acho que é preciso inverter esse título e inverter essa lógica, da qual o Embaixador Ricupero é um representante, e começar uma nova etapa, que é “o Brasil na construção da diplomacia”. Isso é aquilo a que nós nos propomos: escutar a alma brasileira, e não pretender que nós sabemos o que é a alma brasileira e ditá-la aos nossos compatriotas. É preciso abrir um novo ciclo, e temos a certeza de que nós temos o mandato, a obrigação de tentar abrir esse novo ciclo, porque ele faz parte de um processo nacional.
Eu acho que nós podemos tentar resumir, tentar encontrar duas palavras, dois conceitos, para dizer que são os eixos desse novo ciclo a que nos propomos: liberdade e grandeza.
Liberdade e grandeza têm a ver com uma união necessária entre o conservadorismo e o liberalismo. Eu acredito que somente uma união e uma coesão dos valores e princípios liberais e conservadores pode levar o Brasil para a frente e pode levar o mundo para a frente. Somente sob um substrato nacional coerente, como aquele que é pregado pelas doutrinas conservadoras, é que a economia liberal pode funcionar a favor do ser humano, e não somente como um instrumento materialista de automação do indivíduo.
O sentimento nacional, a meu ver, é a única maneira de recuperar, para os valores humanos, o comando da economia liberal globalizada. Entraríamos um pouco na questão do globalismo – se der, depois eu volto a isso no fim – mas, basicamente, a ideia é esta: a partir dos anos 90, depois da queda do muro de Berlim, aconteceu um processo de globalização econômica que foi cada vez mais capturado por uma ideologia marxista ou pós-marxista. Essa é a teoria do globalismo, que eu acho totalmente pertinente, porque é isso que a gente verifica. Verifica que, através de todos os mecanismos do marxismo cultural, o processo de globalização passou a servir a objetivos completamente diferentes daqueles que se imaginava. Por quê? Porque a economia capitalista não é um sistema de pensamento, ela é um funcionamento da economia. Então ela é permeável a ser capturada por qualquer ideia que chegue e que consiga controlá-la.
E o que aconteceu nesse período de ascensão do globalismo foi isso. Essas forças ideológicas, elas se deram conta de que você não precisa controlar os meios de produção econômica, quando você controla os meios de produção de ideias; você não precisa controlar as máquinas, quando se controla a cabeça de quem controla as máquinas, etc. E a única maneira de escapar a isso é você retornar, digamos, a uma supremacia dos valores humanos, dos valores humanistas (uma versão dos valores conservadores) sobre a globalização. Então essa é um pouco a essência do que acredito que está acontecendo no mundo, diante da qual esses valores de liberdade e grandeza se erguem.
Quando se fala em liberdade, liberdade em todas as frentes: liberdade econômica, liberdade social, liberdade espiritual. Hoje, existe no mundo um modelo de sociedade fechada, que está competindo abertamente com a sociedade liberal, e ninguém se dá conta. Isso eu tenho visto muito claramente. Vi, por exemplo, em Davos, nas discussões, as pessoas achando que a economia liberal, a ordem global liberal está correndo perigo, mas acham que o perigo são os Estados Unidos, e não enxergam que existe um outro modelo, em outro lugar, que não é um modelo liberal, para nada, e que, no entanto, vem ganhando poder dentro desse esquema liberal. Depois também podemos falar um pouco mais disso.
E grandeza. O que é grandeza? Grandeza no sentido de tudo aquilo que, na vida política, individual, transcende o mecanicismo e verticaliza o indivíduo e a sociedade.
A grandeza está associada, ou pode ser associada, ao conceito de “glória”. Gostaria de mencionar, de sugerir a leitura do livro O reino e a glória, do Giorgio Agamben, que tem várias coisas com as quais eu não concordo em absoluto, mas que é interessante porque ele divide o poder em dois aspectos: o “reino” e a “glória”. O “reino” é mais o aspecto do poder coercitivo, e a “glória” é aquilo que nós podemos chamar de poder mobilizador. As sociedades tecnocráticas, como a nossa e outras estavam-se tornando, vivem exclusivamente na esfera do “reino”, do poder coercitivo, e elas acabam definhando. As sociedades que se abrem e se verticalizam para essa dimensão da “glória”, ou do poder transcendente, se você quiser, ou do poder mobilizador, são aquelas que prosperam, ou que, pelo menos, tentam prosperar.
Eu acho que querer grandeza é fundamental para uma nação, fundamental para o ser humano. A grandeza é fundamental para o espírito humano, é a aspiração que abre o ser humano para fora da sua casca e o coloca numa outra posição diante da realidade. E acho que nesses dois conceitos – liberdade e grandeza – é que o projeto do ser humano ganha dignidade e se conjuga. E há uma conjunção desse projeto para o indivíduo e para a nação; é onde há o intercruzamento entre a posição do indivíduo e da nação diante da realidade.
O que isso significa na nossa política externa? O que significa o fato de que nós queremos fazer uma política externa que seja libertadora e que aspire à grandeza? Significa, por exemplo, que nós queremos promover a democracia. Não simplesmente no discurso, mas por uma convicção muito mais íntima.
No caso da Venezuela, por exemplo, onde todos esses vícios recentes da nossa política externa apontam: a indiferença moral, o comercialismo, etc., a ideia de que a política externa é algo separado do restante da realidade. Não é. O caso da Venezuela não é um tema de política externa, é um tema de sofrimento humano, no qual nós, através da política externa, podemos fazer alguma coisa, temos a obrigação de fazer alguma coisa, tanto por um dever moral, quanto por um interesse mais direto, de segurança nacional, por exemplo, do Brasil, que se vê ameaçado.
Esses conceitos significam que nós queremos um Brasil com maior capacidade de defesa. E temos que trabalhar para isso, com os países, com os parceiros que têm condições de nos ajudar a aumentar nossa capacidade de defesa.
Liberdade, grandeza e integração da política externa em um projeto de nação significam, por exemplo, a política externa como parte de um processo efetivo de abertura econômica, e não um processo um pouco para inglês ver de abertura econômica, como nós tivemos recentemente.
Significa buscar a capacitação tecnológica em parcerias que nos tragam inovação e tecnologia. Significa, por exemplo, trabalhar pela liberdade da Internet, que é algo que nós queremos fazer muito em todas as frentes, algo fundamental, absolutamente fundamental para o futuro da sociedade democrática.
Hoje, metade da nossa vida passa-se no mundo real e metade passa-se no mundo virtual, ou mais da metade, e nós não estamos trabalhando suficientemente em promover os valores humanos, os valores de democracia, valores de liberdade nessa esfera virtual. Precisamos fazê-lo. O Brasil tem responsabilidade e capacidade de fazê-lo.
O povo brasileiro não quer que nós façamos – eu tenho certeza disso – simplesmente mais uma bela avaliação sobre o tema da última resolução da ONU. Ele quer parcerias efetivas e quer a defesa efetiva dos seus valores, das suas ideias.
O povo brasileiro não é materialista – ao contrário da maneira pela qual nossa diplomacia recente tendia a concebê-lo. Nosso povo tem opções morais muito claras. Nós precisamos entendê-las, não pretender dar uma alma ao nosso povo, e sim escutar a alma do nosso povo.
Nós precisamos, sobretudo – já falei um pouco disso – urgentemente, reassociar esse universo dos valores ao universo da economia. Isso é um problema não só do Brasil, como eu dizia, é um problema mundial. O fato de que, nesses últimos vinte, trinta anos, com essa ocupação, digamos, do processo da globalização econômica por ideias que são, a meu ver, completamente anti-humanas e anti-humanistas, todo o universo dos valores definhou completamente, e nós passamos a viver num mundo onde a evolução das coisas é ditada pela competitividade econômica e comercial, e o universo dos valores é cada vez mais considerado algo que deve existir apenas na cabeça do indivíduo, e cada vez menos dentro da própria cabeça do indivíduo, e não se manifestar na sociedade. De novo, aquela questão da fragmentação e da separação entre a esfera individual e a esfera social. Isso é algo completamente contrário ao espírito humano. O espírito humano quer que seus valores se reflitam em toda sua atividade, e não dizer “não, isso é economia, aqui você não pode falar dos seus valores”.
Eu dizia outro dia, em algum lugar, em relação a essa questão do economicismo e do comercialismo, que o Brasil, sim, nós queremos vender, por exemplo, soja, minério de ferro, mas nós não vamos vender a nossa alma. Isso é um princípio muito claro, que nós temos muito presente. Muita gente quer que nós vendamos a nossa alma (e muita gente não acha que nós temos uma alma para vender) e querem reduzir nossa política externa a simplesmente uma questão comercial. Isso não vai acontecer.
A economia liberal internacional, ela estava virando... isso é um conceito do escritor francês Rémi Brague, que eu recomendo muito também. Eu não tenho o texto aqui, porque é o texto de uma entrevista que eu li uma vez, não está em nenhum livro dele, e eu não localizei. Ele diz mais ou menos o seguinte: “a modernidade é um táxi” (acho que se pode dizer também que a economia global, a globalização é um táxi), “quem entrar diz para onde ela vai”. Ou seja, ela não tem uma direção em si mesma. E é isso que nós precisamos mudar, porque o passageiro que entrou nesse táxi parece-me que é um passageiro que está levando o mundo para um abismo, e que vinha levando o Brasil para um abismo. Então, nós precisamos substituir esse passageiro, e substituir a direção desse táxi, que é a globalização e a economia globalizada.
Queria dizer o seguinte também: muita gente acha que o governo Bolsonaro é um táxi. Acha que o táxi chegou, porque a eleição foi ganha, e que agora é entrar nesse táxi e conduzir para onde ele quer. Não é assim. Não é um táxi. O Presidente é que faz o caminho. Essa eleição não foi simplesmente um instrumento para que outros interesses o ocupem e o levem para outro lugar. A direção é muito clara, e ela é dada pelo Presidente da República.
Bom, eu queria terminar dizendo o seguinte, sobre a geração de vocês, que está chegando. Um pedido, um apelo que faço a vocês: não sejam uma geração que nasce com medo. Vocês estão chegando, navegando em meio a toda uma série de preconceitos que estão sendo inculcados em vocês pela imprensa, por uma série de representantes desse fim do segundo ciclo da diplomacia brasileira, que está terminando, que eu classifico como uma “austera, apagada e vil tristeza”, para citar um verso de Camões, e que produziu esse ensimesmamento. Quer dizer, rompam essa coisa! Não nasçam como diplomatas genéricos, não nasçam satisfeitos com a aguinha rala de uma tradição diplomática completamente depauperada.
Eu penso, por exemplo, numa frase de Rainer Maria Rilke, que dizia alguma coisa assim – eu também não encontrei a citação, então vou citar de memória – mas ele dizia assim: “a nossa concepção de Deus está para Deus como chá feito numa folha de papel, guardado numa gaveta, ao lado de um velho saquinho de chá, do qual já se fez chá três vezes”. Esse é o chá que estava sendo servido a vocês, dizendo que é chá; essa é a política externa que estava sendo servida a vocês, dizendo que é política externa. Vamos tentar tomar um chá um pouquinho mais forte.
Eu penso, também, nesses versos de Rilke, que diz o seguinte: “Was uns schließlich birgt ist unser Schutzlossein”, “aquilo que nosprotege é a nossa desproteção”, ou “aquilo que nos guarda é a nossaexposição”. A gente precisa expor-se, a gente precisa desproteger-se,para conseguir criar alguma coisa, para conseguir ser alguma coisa.E ainda Rilke: “Wo aber Gefahr ist, wächst das Rettende auch”; “Alionde há perigo, ali também surge o que salva”. Perigo? É, perigo.Se não enfrentar, não corre perigo. Mas não terá muita graça, econtinuaremos tomando aquele chazinho ralo.
Para terminar, alguns querem que a política externa brasileira seja um aquário, querem ficar olhando aqueles peixinhos decorativos, inofensivos, colocando comidinha, peixinhos nadando, nadando entre aquelas coisinhas de naufrágio... Acho que devemos quebrar este aquário, abandonar esse aquário, mergulhar no oceano. O oceano com seus perigos e com suas maravilhas, o oceano da realidade integral, onde a política externa não é um joguinho acadêmico, mas um combate, que é parte do combate pelo futuro da humanidade. Combate para saber se o homem será um ser vertical ou horizontal. O oceano do pensamento, em última instância. Nós precisamos quebrar esse aquário e nadar no oceano das ideias e, a meu ver, é isso que significam esses conceitos de liberdade e de grandeza.
Vocês podem fazer parte da construção de um novo ciclo de política externa, ou podem ficar repetindo as platitudes do grande consenso. Vocês podem fazer do Itamaraty novamente parte do nosso projeto de nação, uma nação livre e grande.
Obrigado.
Embaixadora Gisela Padovan – Muito obrigada, Ministro. Como eu tinha dito, é de grande valor ouvirem diretamente do chefe de todos nós a sua visão de política externa. Sei que a classe é muito perguntadora, pelo menos a que eu conheço melhor. Tenho perguntas, mas vou abrir para os alunos, a quem se destina este evento.
Pergunta – Antes de qualquer coisa, muito obrigado, Ministro, Secretário-Geral, é uma honra estar na presença do senhor e poder debater este momento tão importante da política externa brasileira. Eu queria fazer uma pergunta um pouco teórica, mas, lendo os textos do senhor e acompanhando seus discursos, acredito que faz todo o sentido. Desde seu discurso de posse, eu percebi a presença de um autor muito forte, que, para mim, é o filósofo mais importante do século XX, que é o [Martin] Heidegger. O senhor não citou o Heidegger naquela ocasião, mas, claramente, o senhor é um leitor do Heidegger. A associação entre verdade e liberdade está lá, no conceito de verdade do Heidegger. Aqui, também, o senhor citou um autor, em certo sentido, heideggeriano, que é o Agamben; ele até tem um livro sobre o Heidegger, que é O aberto, não exatamente O reino e a glória. Eu queria saber especificamente do senhor se faz algum sentido o projeto político do Heidegger, no sentido de questionamento do edifício da metafísica e até, em alguma medida, o questionamento da própria modernidade, enquanto a visão de política externa do senhor?
Ministro Ernesto Araújo – Obrigado. Inclusive, esse primeiro verso do Rilke é, evidentemente, do poema que o Heidegger analisa o ensaio Wozu Dichter, que é uma das melhores coisas que li na vida, esse Wozu Dichter (Para que poetas?), e essa análise do “aquilo que nos protege é a nossa desproteção”. Heidegger é absolutamente essencial para minha maneira de pensar e para a abertura de horizontes. Comecei a entender que não entendia uma série de coisas quando comecei a ler Heidegger.
Essa questão da modernidade. É claro que a modernidade teve vários questionamentos, foi questionada de várias maneiras diferentes ao longo do século XX; e o questionamento heideggeriano talvez seja um dos principais, que deu tantas correntes. Acho-o fundamental, mas, ao mesmo tempo – como é que vou dizer? –, de maneira, claro, muito modesta, é impossível fazer um círculo ao redor de Heidegger, você tem um universo que é praticamente incircum-navegável. Mas acho que, hoje, é possível uma certa superação, talvez, de algumas coisas, através de um aprofundamento de certas ideias de Heidegger, no seguinte sentido: tentar fazer esse amálgama do pensamento conservador, chamemos assim, com a modernidade liberal. Acho que isso é a nossa tarefa essencial hoje, não só do Brasil, mas de todo mundo que pensa um futuro melhor para o mundo. Ou seja, não rejeitar, porque a rejeição da modernidade liberal pode conduzir realmente a soluções totalitárias, que a gente de forma nenhuma comunga.
Ao mesmo tempo, como dizia, deixar a modernidade liberal sozinha, sem conteúdo, vai entrar alguém no táxi, e eu, pessoalmente, não acho legal essas pessoas que entram no táxi e querem conduzir a sociedade. Acho que realmente há uma condução; se você deixar a economia liberal sozinha, a modernidade liberal sozinha, ela acaba indo também para um totalitarismo. Esse é o problema, porque ela não fica sozinha; ela acaba sendo tomada por um projeto que se pode chamar de projeto revolucionário, projeto comunista, projeto marxista, etc., mas que existe e que está aí.
Então, eu acho que Heidegger tem o lado da contestação da modernidade liberal. É fundamental, de certa forma, desconstruí-la,mas, hoje, a nossa tarefa é reocupá-la, a partir, talvez, de um novo começo, como diz o próprio Heidegger. Eu acho que o apelo dele é aquele que eu também citei em algum lugar, que é o famoso “Nur ein Gott kann uns noch retten”, “somente um Deus pode ainda nos salvar”. Aliás, outro dia, comecei a escrever algo sobre isso, e me disseram “ah, você não pode publicar”. Quem é esse Deus que ainda pode nos salvar? Eu tenho minha ideia, que vocês podem imaginar. No caso, “ein Gott” você pode entender como a recuperação de todo esse universo, chamemos assim, tradicional, conservador, etc., reocupando o controle, digamos, da modernidade.
Então, falei de uma maneira muito mal expressa, aqui, mas é o que eu imaginaria como, digamos, essa tarefa de leitura de Heidegger, e, ao mesmo tempo, de superação, de dizer “olha, Heidegger, vem cá, não é só criticar a modernidade.” Ele mesmo, acho, apontou nessa linha no final da vida.
Pergunta – Boa tarde, Ministro. Boa tarde, Secretário-Geral, Embaixadora Padovan. Muito obrigado pela presença do senhor aqui. Para nós é muito bom. O senhor mencionou, dentre os problemas identificados na política externa brasileira, o isolamento do Itamaraty em relação à nossa sociedade, a sociedade brasileira. Esse é um tema que me pareceu muito interessante, pois nós, que estamos chegando, sentimos isso muito na pele. Talvez nós não entendamos bem a sociedade brasileira, não dialoguemos bem com a sociedade brasileira, mas sentimos que a sociedade brasileira muitas vezes não nos conhece. Eu digo isso porque – acho que é um sentimento que talvez os colegas compartilhem – quando a gente anuncia às pessoas próximas, “fui aprovado no concurso e virei diplomata”, inicialmente, há uma admiração, que eu acho até excessiva, você vira o ídolo da turma, mas ninguém sabe o que você faz. Uma coisa é explicar para minha filha, que tem três anos e outro dia me perguntou: “papai, o que é um diplomata?” e eu não soube explicar para ela, que tem três anos de idade. Mas eu preciso explicar isso para os meus colegas, meus amigos, minha família.
Minha pergunta é: como o senhor acredita que o Itamaraty possa trabalhar para se abrir para a sociedade brasileira, para dialogar e para se apresentar à sociedade brasileira como um condutor da política externa brasileira?
Ministro Ernesto Araújo – Obrigado. Esse é um desafio absolutamente fundamental. Acho que a gente tem que realmente pensar, já estamos pensando, em um programa para atender a isso, razão pela qual a gente criou a Secretaria de Comunicação, com a Embaixadora Márcia [Donner Abreu] à frente. Tentar integrar todos os instrumentos que a gente tem de contato com a sociedade. Um deles é o Instituto Rio Branco, um instrumento fundamental; a FUNAG, o IPRI, etc., inclusive criar, isso é uma coisa que está em processo, criar um instituto de cultura e língua brasileira no exterior, reunindo os atuais centros de estudos brasileiros, mas com uma outra roupagem e uma outra dimensão. Tudo isso para tentar usar melhor os instrumentos que a gente tem para esse tipo de abertura. Eu acho que é uma tarefa institucional. No caso do Ministro, tenho procurado ter o maior contato possível fora do Ministério, muito contato com o Congresso, que é uma coisa fundamental, representantes do povo, diversificar isso. Mas há muitíssimo a ser feito.
Um parêntese: a gente está distribuindo um papel, o Conselheiro Alberto, ele e sua equipe fizeram um apanhado de, enfim, não vamos chamar de realizações (seria um pouco pretensioso), mas de coisas que já fizemos nesses primeiros 70 dias de administração. Só para dar uma ideia – pois às vezes as coisas chegam completamente desencontradas e fragmentadas pela imprensa ou por outras fontes – de coisas que nós temos tentado fazer.
Mas, enfim, voltando: eu acho que é uma tarefa institucional de abertura para a sociedade, e é uma tarefa individual, também, de cada um de nós, de procurar ter esse tipo de abertura. Eu acho que isso se dá, hoje, muito claramente pelas redes sociais. Como vocês sabem, eu tenho procurado usar muito o Twitter. É um instrumento fundamental. Claro que o Twitter é uma certa sociedade de pessoas, mas acho que é cada vez mais uma janela muito importante. É aquele negócio, ele tende a concentrar opiniões extremas nos comentários aos tweets, que, talvez, nem sempre sejam totalmente representativos. Então, às vezes, colocam um tweet, aí eu vou lendo, legal, bacana, e aí vem um chamando-me das piores coisas; aí eu paro, não é? Geralmente são coisas ou muito positivas ou muito negativas. Às vezes, aparece algo que eu valorizo (e claro que valorizo mais os positivos, não é?), mas aparecem coisas extremamente interessantes: o que são as preocupações das pessoas; o que é a visão das pessoas de política externa.
Eu me dei conta do seguinte: o grau de interesse pela política externa hoje é imensamente maior – não porque eu estou aqui, não; é porque é o momento da sociedade brasileira, e é o momento desse governo. O interesse está extremamente mais intenso do que existia no passado, as pessoas querem participar, e a gente tem que atender os temas que são importantes para as pessoas, e não os que são necessariamente importantes para nós. Esse é um esforço muito grande que eu procuro fazer. Porque são temas que realmente estão mobilizando as paixões das pessoas, os temas da relação com os Estados Unidos, da relação com Israel, o tema da Venezuela, evidentemente, o tema da relação com a China, um pouco menos, e isso acho que faz parte desse sair do aquário e entrar um pouco no oceano.
Eu não falei isso para vocês, não. Falei isso para mim também, porque a tendência humana é a gente ficar no conforto, e nesse oceano aí eu estou nadando todo dia, e tem peixes que não são muito bonitos. A tendência é querer voltar para o aquário, mas eu não vou voltar para o aquário. Não vou. Mas é duro. Então essa interação com a sociedade não são só rosas.
Essa questão de o que a gente faz é uma questão eterna que nunca será resolvida. Mas acho que ela não será resolvida por isso, porque a diplomacia não é uma coisa em si; a diplomacia é uma convergência de várias atuações, de várias dimensões, de várias interações nossas com a realidade. Realmente, quando a gente tenta explicar a relevância do que a gente faz para a sociedade, vem muito a questão comercial, de negociar acordos, etc., e vem muito a questão consular, de atendimentos aos brasileiros, que são coisas visíveis. Mas acho que é preciso que a gente faça realmente um esforço para ir além disso, mas, sobretudo, para nós entendermos, antes de poder conversar com as pessoas, que é um entendimento que a gente talvez nunca vai terminar de entender, a gente precisa realmente questionar isso permanentemente, questionar se o que a gente está fazendo realmente é relevante para a sociedade.
Enfim, não respondi, mas acho que é uma pergunta irrespondível. Mas você falou da sua filha. Uma vez a nossa filha, acho que ela tinha uns seis anos, a gente estava em Washington com a família no carro, eu estava falando do meu emprego, e ela falou assim: “Ah, você trabalha? Você tem um trabalho?” – Falei: “Tenho, a Embaixada. Já te expliquei” – Ela disse: “Ah, mas achei que fosse um trabalho de verdade, tipo policial, bombeiro.” É difícil, a gente nunca vai conseguir explicar.
Pergunta – Boa tarde a todos. Ministro, obrigado por prestigiar nossa turma. Minha pergunta é: quais os valores e quais as características nacionais brasileiras que o senhor considera mais importantes para a formação da nossa política externa?
Ministro Ernesto Araújo – Obrigado. Acho que também é uma grande pergunta. Acho que, de modo geral, muita gente tem dito isso: durante muito tempo, a sociedade brasileira foi uma sociedade com valores conservadores, que não se sentia representada pelo seu governo. Eu acho que, antes de mais nada, essa é uma discussão que tem que haver, que é a questão da fé cristã, que eu acho que é algo determinante para a vida de oitenta, noventa por cento dos brasileiros e que, durante muito tempo, não encontrou nenhum espaço na vida política e que cada vez mais está procurando esse espaço na vida política.
Outra questão é toda a questão da segurança, que acho que é vital para os brasileiros e que, durante muito tempo, não foi assumida como tal pelos governos. Um dos aspectos, que é muito visível e muito simbólico, embora não seja nem de longe o único, é a questão das armas. É um debate vivo por isso, porque é, em grande parte, um debate entre um sentimento popular, que é um sentimento de necessidade de segurança, do armamento como um símbolo e um instrumento dessa segurança, com todas as limitações que a gente sabe que existem, e um pensamento, uma corrente antiarmamentista.
Claro, em qualquer tema, você está falando de maiorias e minorias. Mas acho que isso também é importante, porque toda essa conceitualização de maiorias e minorias, de dizer “ah, você não pode falar tal coisa, porque nem todo mundo, e tal”, isso faz parte também desse projeto de desnacionalização e de desconstrução da nação, não só no Brasil, mas no mundo. É você dizer que a sociedade não tem uma personalidade coletiva, que você tem determinados grupos, e grupos cada vez mais fragmentados e mais especializados. Eu tendo a partir do princípio de que não, de que um povo tem uma unidade. Ele tem uma personalidade coletiva, a nação tem uma personalidade coletiva. Então, mesmo que você tenha uma maioria e uma minoria, com toda a necessidade de respeito com as minorias, é como um corpo humano: ele se move em conjunto; seu braço pode não querer, mas se seu corpo vai, ele foi.
Então, é um desafio para uma democracia você ter uma unidade e, ao mesmo tempo, a questão do respeito das minorias. Você só encontra um caminho nessa tese, que acho válida, de que você precisa do sentimento nacional e dos valores nacionais para progredir, para defender sua posição no mundo: é essencial que você conceba um pouco o povo como essa entidade abstrata, mas que tem um tipo de personalidade coletiva.
Acho que não publiquei, mas escrevi uma vez isso a partir do inglês, porque no inglês isso fica claro, porque no inglês você tem a palavra people, que pode ser um plural de pessoas e, ao mesmo tempo, pode ser uma unidade, um povo. Eu discuti um pouco isso, como o conceito de povo, people, às vezes tem que ser um plural e às vezes tem que ser um singular.
Claro, tudo isso exige um esforço de abstração. Mas acho que a realidade, cortando um pouco os ângulos, é um pouco essa, de um povo brasileiro que tem valores que se chamam valores conservadores, que não se sentia representado e que hoje tende a sentir-se mais representado pelo seu governo, e que demanda que esse governo atenda esse tipo de agenda, tudo o que se chama valores de família, tudo o que se chama de defesa da família, etc. Acho que é por aí.
Pergunta – Boa tarde, Ministro. Boa tarde, Embaixadora. Boa tarde, Embaixador. Eu reitero aqui os agradecimentos dos meus colegas pela abertura e disponibilidade de vir aqui conversar conosco. Eu queria fazer minha pergunta baseado numa paráfrase da Cecília Meireles, que fala, no Romanceiro da Inconfidência, aquela famosa frase “liberdade, essa palavra que não há ninguém que não a entenda e ninguém que saiba exatamente o que é”.
O senhor falou de liberdade e grandeza, mas eu quero fazer uma pergunta ao que o senhor aludiu de indiferença civilizacional. Queria saber melhor do senhor: a que civilização é essa exatamente que o Brasil pertence? Se é uma civilização cristã europeia, capitaneada pelo catolicismo europeu, capitaneada pelo cristianismo norte‑americano; se a gente faz parte de uma civilização latino-americana, sul‑americana, ou se há uma civilização totalmente sui generisbrasileira. E também, nesse espectro que eu pintei, haveria várias ideologias que a gente chama de exógenas ao capitalismo, ao que a gente está acostumado na civilização ocidental. Então, eu queria também acrescentar à pergunta se o senhor acredita que a civilização à qual a gente pertence também é determinada por um sistema econômico específico, no caso, o capitalismo.
Ministro Ernesto Araújo – Obrigado. Interessante a aproximação que você fez com esse verso da Cecília Meireles, porque quando a gente começa explicar, eu não vou conseguir explicar, mas a gente entende qual é a nossa civilização, no momento em que a gente não tenta explicar. Acho que é um pouco por aí.
Eu acho que, obviamente, é a civilização ocidental, greco‑romana, judaico-cristã, chamemos como quiser. Eu, por formação, por interesse, talvez, eu vejo mais claramente a origem da nossa civilização realmente na matriz grega. Eu acho que ela é realmente o eixo central do projeto, da aventura em que nos embarcamos lá, talvez em Creta, ainda, em Micenas, e onde nós, bem ou mal, estamos até hoje. Eu acho que é uma aventura, uma história fora da qual a gente não faz sentido, nem o Brasil nem outro país das Américas ou da Europa.
Eu acho que esse é o nosso projeto, a nossa aventura, na qual nós temos um papel fundamental, não um papel secundário. Porque, dentro dessa civilização, hoje, o Brasil, ao menos numericamente, é o segundo maior país desse conjunto, o que nos dá uma responsabilidade. Acho que temos que assumir esse protagonismo, porque tudo que nós somos, tudo que nós sentimos está baseado nisso.
É interessante, porque, dentre outras coisas, o projeto de marxismo cultural, da Escola de Frankfurt, um dos grandes livros da Escola de Frankfurt, a Dialética do Iluminismo, é basicamente uma desconstrução e uma anulação, digamos, da Odisseia. Ou seja, é ir no cerne, porque, a meu ver, eles querem destruir a civilização ocidental; então, vão lá no seu berço, para tentar, retrospectivamente, estrangular o bebê no berço, como as serpentes tentaram estrangular Hércules. Como hoje, talvez, aqui no Brasil, modestamente, algumas serpentes estão tentando estrangular o nosso governo no berço; e não vão conseguir.
Enfim, esse eixo, acho que é fundamental. E é claro que o Brasil é uma versão, digamos, dessa civilização, pelo aporte ameríndio, evidentemente, pelo aporte africano, pelo aporte asiático, árabe, judeu, etc.
Mas eu digo muito isso, o Ocidente é muito mais um projeto literário do que qualquer outra coisa. Literário no sentido amplo, do discurso, de tudo que a gente vive no mundo das ideias, e aí, evidentemente, a gente está ligado a isso.
E aí também poderíamos ter toda uma outra conversa sobre a questão das origens do cristianismo. Eu tendo a ver no cristianismo muito mais a influência grega e helenística do que propriamente a influência judaica, mas isso é outra questão.
Mas enfim... Ocidente. Aliás, coincidentemente (bom, eu não quero fazer propaganda), o primeiro livro que eu escrevi, que é um livro de poesia que eu publiquei quando tinha 18 anos, chamava-se Ocidente. Um dia, vou revê-lo e reeditá-lo, talvez.
Obrigado.
Embaixadora Gisela Padovan – Se me permite uma pergunta.
Ministro Ernesto Araújo – Claro, Gisela.
Embaixadora Gisela Padovan – É uma coisa mais prática. Das coisas que se avizinham, entre as ações de política externa que se avizinham, estão três visitas internacionais importantes do Presidente, uma, semana que vem, para os Estados Unidos, depois Chile e Israel, então eu queria conhecer um pouco as suas expectativas em relação a essas três visitas.
Ministro Ernesto Araújo – Interessante, porque temos aí um desafio grande pela frente com essas três visitas. Estados Unidos: realmente, nós temos convicção de que é preciso voltar a transformar numa parceria central, em benefício de tudo que a gente quer fazer no Brasil, tanto em termos de crescimento econômico, quanto em termos de segurança e defesa, quanto em termos de promoção dos nossos valores, ou dos nossos princípios, em todas essas esferas, como a promoção da democracia, por exemplo. É um parceiro absolutamente fundamental em todas essas dimensões.
Eu acredito muito numa certa comunidade de destino, digamos, entre Brasil e Estados Unidos, com todas as suas diferenças, mas são duas versões muito paralelas dessa civilização ocidental de que a gente falava (de novo, com todas as diferenças), o que cria, talvez, uma proximidade que acho que não existe com nenhum outro parceiro. Não por nenhum tipo, evidentemente, de imitação, nem o que quer que seja, mas por uma questão de destino, por uma questão de essência da nossa nacionalidade e da nacionalidade americana. Então, acho que há uma base muito, muito profunda para esse relacionamento.
E que tem, hoje, várias dimensões práticas extremamente importantes. Eu falava um pouco dessa comparação, um pouco, grosso modo, do que aconteceu com o Brasil em termos econômicos, quando nosso grande parceiro eram os Estados Unidos, e o que aconteceu depois, quando nós deixamos de lado essa parceria prioritária. Eu acho que, claramente, as diferenças são gritantes. Então, hoje, com o novo projeto, é um projeto de voltar a tentar conectar-nos com um parceiro que realmente pode trazer-nos o salto tecnológico que nós precisamos, o salto de inovação, de competitividade que nós precisamos.
Outros parceiros são, evidentemente, fundamentais, mas eu acho que está visto que eles não têm essa... Não é que eles não queiram, é porque a estrutura econômica não permite, porque determinadas políticas não são favoráveis a isso. Outros parceiros não permitem, por mais que o comércio com eles seja até maior que com os Estados Unidos, não existe essa vertente tecnológica, a relação é completamente diferente. Então, eu acho que a ideia de uma interconexão crescente da economia brasileira com a economia americana é absolutamente fundamental para esse nosso projeto de um crescimento sustentável, de um crescimento de uma economia aberta, desestatizada.
É curioso. Todo mundo, acho, hoje concorda com a necessidade da desestatização, sabe que a presença muito pesada do Estado na economia brasileira é um dos nossos problemas. E aí quando você pergunta: “Então, qual deve ser nosso principal parceiro, um país com a economia completamente estatista, ou um país com a economia quase completamente privada?” “Ah, não sei.” Bom, eu acho que eu sei. Eu acho que, se você quer ter uma economia aberta, capitalista, sem precisar do Estado fazendo tudo, uma economia realmente privada, com empreendedorismo, com inovação, você vai buscar um país que tenha empreendedorismo, que tenha inovação, que tenha a economia aberta, que não dependa do Estado, que tenha toda uma cultura empresarial completamente diferente, e não determinados parceiros que têm uma economia estatal, centralizada, plano quinquenal, plano decenal, etc.
Isso os Estados Unidos.
Israel, mutatis mutandis, também é uma relação muito promissora, que foi negligenciada durante muito tempo. Infelizmente, Israel virou, para muitos, uma espécie de um pária na comunidade internacional, e o Brasil meio que se associou a isso, infelizmente. É um país como os outros, um país que tem o direito de existir. É um país a cuja criação a diplomacia brasileira, aliás, está muito associada, por causa de Oswaldo Aranha, não só porque presidiu a sessão que criou Israel, mas porque atuou em favor dessa resolução. Algo que, para nós, é um pouco uma efeméride, mas que, para os israelenses, é algo extremamente presente.
Sobretudo nessa área tecnológica, talvez depois dos Estados Unidos, Israel é o grande polo tecnológico do mundo, hoje. Há um livro extraordinário, chamado Start-up Nation, que descreve essa potencialidade de Israel nessa área, que eu recomendo muito para entender por que a gente tem essa...quer dizer, não é simplesmente um país que está lá; é um país que tem uma disposição de cooperar com o Brasil extraordinária. Em outras áreas também: tecnologia de segurança, tecnologia de defesa, por exemplo, que tem a ver com essa capacidade inovadora de Israel, coisas que são fundamentais para o povo brasileiro.
E tem também o aspecto simbólico, aqui voltando à questão dos valores. Israel, para muitos brasileiros, por causa da sua fé, é a Terra Santa, tem uma associação, é onde está o Santo Sepulcro. Isso não é algo banal. É claro que, para uma civilização totalmente tecnocrática, tanto faz, mas para pessoas que têm outro tipo de conexão com seu próprio passado, com sua realidade, com sua fé, no caso, é diferente. Então esse aspecto simbólico – no sentido não de menor significação, mas no sentido de símbolo, no sentido mais profundo – é também fundamental na nossa relação com Israel.
E o Chile, eu acho que é interessante, porque é um país que tem já uma trajetória bastante longa de, digamos, coesão dessa dimensão de uma economia liberal, eficiente, com essa dimensão de valores que eu falava, talvez com conotações diferentes daquelas que nós temos hoje, mas eu acho que, na América do Sul, é um exemplo muito claro de um país que deu certo, com essa conexão. Quando eu falo conservador, é lato sensu, por falta de um termo melhor. Liberal também, aliás, é um termo que não é tão pacífico. Mas eu acho que é um exemplo bom de uma sociedade, de um país que conseguiu essa coesão liberal-conservadora que eu acho que é chave para o que a gente pode fazer no mundo. É um país que tem uma projeção internacional extraordinária e regional, sobretudo.
Estamos fazendo com eles, por exemplo, esse esforço de reconceitualização do projeto sul-americano, saindo do conceito UNASUL para um novo conceito, de modo que isso vai ser parte também da visita, porque tem a visita bilateral, mas tem a reunião dos chefes de Estado sul-americanos para tentar, de alguma maneira, refundar o projeto sul-americano em novas bases, com bases totalmente democráticas e mais flexíveis do que eram as da UNASUL.
Então, são todas elas dimensões que têm a ver com esse projeto de reconexão com aquilo que a gente entende que devam ser nossas prioridades e que, em todos esses casos, estavam muito negligenciados.
Embaixadora Gisela Padovan – Obrigadíssima, Ministro! Agradeço a disponibilidade, a abertura e o seu tempo. Agradeço muitíssimo, Ministro, e espero que realmente vire uma tradição, já convidando aqui para o fim do ano o Secretário-Geral para encerrar e fazer um balanço. Muitíssimo obrigada e boa sorte nessas viagens realmente tão importantes, realmente fundamentais para nossa política externa.
Ministro Ernesto Araújo – Obrigado, Gisela. Obrigado, Secretário-Geral, por ter vindo prestigiar-me, a todos, Maria Eduarda, meus colegas de Gabinete, obrigado.
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