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Apresentação inicial do Ministro Ernesto Araújo na CRE do Senado Federal
Apresentação inicial do Ministro Ernesto Araújo na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado Federal, em Brasília (05/03/2020)
Muito obrigado, Presidente, Senador Nelsinho Trad.
Senhores Senadores, Senhores Embaixadores, colegas, demais autoridades, senhoras e senhores,
Antes de mais nada, é uma grande honra estar aqui presente nesta Casa, e é uma grande alegria poder conversar com os senhores, expor alguns elementos da nossa política externa e levar adiante essa importantíssima interação entre o Itamaraty e o Senado da República nesse tema vital para o nosso projeto nacional.
Gostaria de começar falando sobre a questão do plano de paz para, esperamos, a solução do conflito Israel-Palestina. O plano, chamado “Paz para a Prosperidade”, apresentado pelo Presidente norte-americano Donald Trump em janeiro passado, é um resultado de três anos de preparação com vistas a propor uma iniciativa inovadora para quebrar a inércia das negociações entre israelenses e palestinos, congeladas há bem mais de uma década.
Na nossa avaliação, nesse trabalho, buscou-se construir uma base que possibilite uma solução de dois Estados que equilibre os imperativos de segurança de Israel e as aspirações do povo palestino a contar com um Estado próprio, além de viabilizar a normalização das relações de todos os países da região com Israel.
Isso se dá em um contexto em que o Oriente Médio passa por um momento de grande dinamismo, de mudança nas relações entre os países, na dinâmica dos conflitos, uma dinâmica que se torna mais positiva; é mais uma dinâmica de superação de conflitos do que a tradicional dinâmica de conflitos daquela região. Essa é a nossa avaliação, e é a avaliação de muitos especialistas no Oriente Médio. Então, é um plano que chega em um momento diferente, em um momento em que se abrem novas possibilidades, novas geometrias no Oriente Médio.
Com a multiplicação, também, de fatores de instabilidade ao redor do mundo, o surgimento de novas ameaças, a questão do conflito israelense-palestino não é mais percebida por muitos atores como requisito único ou mesmo principal para a promoção da estabilidade do Oriente Médio. Isso também é um fator a ser levado em conta. Na medida em que se tira o peso relativo do conflito israelense-palestino dentro da região e dentro dos temas globais, pode-se criar uma atmosfera mais favorável a uma negociação.
No nosso entendimento, a simples manutenção do status quo presente nessa questão Israel-Palestina seria negativa para todas as partes. Os palestinos continuariam não logrando a realização de sua aspiração histórica a um Estado próprio, e tampouco teriam as condições necessárias para promover o bem-estar da sua população, enquanto Israel não supera seus principais desafios de segurança, principalmente a ameaça terrorista.
Com o que nós queremos que seja um novo olhar para as novas realidades do Oriente Médio, nosso governo tem defendido a necessidade de abertura de iniciativas diplomáticas inovadoras – isso de uma maneira geral –, sem condicionamentos prévios rígidos e que criem novas perspectivas, novas ideias para alcançar a paz. E é nesse contexto que o governo brasileiro, com a orientação do Presidente Jair Bolsonaro, saudou o lançamento do plano “Paz para a Prosperidade” como um primeiro e importante passo para o que se espera seja uma solução justa e duradoura para o conflito, permitindo a israelenses e palestinos coexistirem em paz, segurança e prosperidade.
Ao apoiar essa iniciativa, o Brasil mantém seu compromisso histórico com a paz e a prosperidade do Oriente Médio. O que nós entendemos é que é necessário, neste momento, traduzir esse compromisso por meio da busca de uma nova geometria, de uma nova avenida de conversações e diálogo, para quebrar a inércia na situação. Esse conflito é um dos mais longos da história contemporânea, em que a ausência de avanços concretos nas negociações, há tantos anos, demonstra a necessidade de se construir novos e criativos caminhos negociadores.
É importante lembrar que, no ano 2000, houve uma proposta de paz bastante abrangente que, ao final, não foi aceita pela parte palestina. Em 2008, novamente, houve uma proposta de paz bastante abrangente que teve o mesmo destino. Então, já tem havido esforços que não têm logrado chegar a bom termo. Essa é uma nova tentativa, e acreditamos que é fundamental, antes de mais nada, romper o dogmatismo das posições e partir para uma nova tentativa.
O documento apresentado, portanto, pelos Estados Unidos pretende ser uma base de negociação para o conflito, levando em conta, evidentemente, a realidade e as demandas das partes – pressupõe concessões, evidentemente, de ambas as partes. Mas é importante realçar que se trata de uma proposta, de uma base negociadora, a partir da qual se espera que israelenses e palestinos conversem e que a modifiquem, que a aperfeiçoem, até que se chegue a uma solução comum.
Acreditamos que os méritos dessa iniciativa não devem ser avaliados numa perspectiva de curto prazo, mas pela capacidade de alterar a dinâmica das negociações no médio e longo prazo. Nesse sentido, as rejeições a priori do teor do plano, sem uma apresentação de contraproposta, não parecem atender aos interesses atuais e futuros dos milhões de palestinos e israelenses que convivem naquela região.
Ao buscar equilibrar questões de natureza de segurança econômica e territorial, o plano aborda pontos fundamentais para a solução do conflito, tais como: a coexistência pacífica entre dois Estados, com viabilidade territorial; o imperativo de segurança do Estado de Israel, com o compromisso de erradicação do terrorismo do lado palestino; a criação de condições econômicas para o desenvolvimento de um Estado palestino, incluindo o pacote econômico da ordem de
US$ 50 bilhões; a inserção do encaminhamento do conflito israelense--palestino em um arcabouço regional mais amplo de distensão das relações dos países vizinhos com Israel; e a manutenção do status quo relativo aos locais sagrados de Jerusalém, com a garantia da liberdade religiosa e do acesso às localidades religiosas para pessoas de todas as fés.
Parece-nos que o plano traz avanços em áreas-chave para os interesses dos palestinos. Pela primeira vez, um Chefe de Governo do Estado de Israel concordou em reconhecer um futuro Estado palestino com base em um mapa, integrante do plano. Também é a primeira vez em que há um mapa mostrando, exatamente, qual é a ideia da distribuição territorial. Outro elemento: prevê-se a criação de um fundo de reparação e compensação para os refugiados palestinos. Agrega-se a perspectiva de um pacote de investimentos para dinamizar a economia palestina. É previsto o desenvolvimento de infraestrutura de transportes para acelerar e reduzir o custo do transporte de bens e pessoas no território palestino.
Tem-se reiterado – faço-o aqui, novamente – que a concepção do plano não é a de que seja um produto final, mas uma base ambiciosa e, ao mesmo tempo, realista para superar um status quo que não interessa a nenhuma das partes. Os contornos finais, evidentemente, da iniciativa seriam definidos nas negociações. Por isso, a nossa expectativa, aquilo pelo qual nós apelamos junto aos países amigos, a todos aqueles envolvidos e interessados, é a de que não haja óbice a priori no lançamento de negociações com essa base, uma vez que é uma nova oportunidade para a construção de uma solução realista de dois Estados. E não há a perspectiva de outro projeto alternativo no horizonte previsível.
É importante mencionar algumas reações internacionais ao anúncio do plano de paz em janeiro. Um número considerável de países, incluindo alguns atores centrais do mundo árabe, demonstrou abertura e apreço pela perspectiva de retomada das negociações entre israelenses e palestinos, tendo como base o plano apresentado. Os embaixadores do Bahrein, dos Emirados Árabes Unidos e de Omã nos Estados Unidos compareceram à cerimônia de anúncio do plano de paz norte-americano. A Arábia Saudita declarou, em mais de uma oportunidade, que aprecia os esforços do governo Trump de apresentar um plano de paz abrangente e que encoraja as partes a iniciarem negociações diretas sob os auspícios, no caso, dos Estados Unidos. Logo após a divulgação do plano, a chancelaria do Egito divulgou nota em que manifestava apreço pelos contínuos esforços dos Estados Unidos para alcançar uma solução abrangente e justa para a questão palestina, contribuindo, assim, para a estabilidade e a segurança do Oriente Médio. O Marrocos emitiu uma nota oficial em que expressou apreço pelos esforços da administração norte-americana e votos de que uma dinâmica construtiva de paz seja lançada. Além disso, destacou elementos que se coadunam com posições históricas do país em relação ao tema: solução de dois Estados, negociação direta entre as partes, complementaridade entre a dimensão econômica e política, princípios que, mutatis mutandis, também são princípios aos quais adere o Brasil: dois Estados, negociação direta entre as partes, complementaridade entre a dimensão econômica e política.
Nós achamos, portanto, que não estamos sozinhos, o Brasil, ao apoiar o plano e ao exortar as partes diretamente envolvidas a usá-lo como uma base de negociação. Acreditamos que uma reação contrária ab limine ao plano corresponde a uma perspectiva bastante dogmática, em que se faz apelo à simples repetição de posições anteriores, posições que são repetidas há 50 anos, pelo menos, até um pouco mais, e que até hoje não levaram a nada e que, com toda a probabilidade, continuariam não levando a uma solução.
Pode-se dizer que é um plano com uma perspectiva pragmática de tentar ver a situação por ângulos diferentes, de criar uma dinâmica diferente. O fato, como eu dizia, de pela primeira vez partir de um mapa territorial é fundamental; esse lado visual da proposta confere-lhe uma concretude diferente. O fato de haver uma busca de equilíbrio muito clara, muito explícita e muito realista entre a necessidade de segurança, por parte do Estado de Israel, e a aspiração de contar com um Estado, pelo povo palestino, é também fundamental. É algo que não ignora as realidades, não parte de perspectivas abstratas, mas da realidade concreta da região.
Isso para dar uma visão geral de por que o Brasil considera uma iniciativa positiva e de por que nós estamos dispostos a, se formos chamados, em qualquer contexto, em qualquer geometria, contribuir para esse processo, para um eventual processo negociador.
Eu gostaria de falar, então, da segunda parte do convite, que é o conjunto de perspectivas da nossa política externa para 2020, sem prejuízo, evidentemente, de voltarmos a falar desse tema tão importante do Oriente Médio.
Com a tentativa de colocar de uma maneira esquemática o nosso conceito de política externa, eu tenho procurado apresentá-la em torno de quatro eixos, e é o que eu pretendo fazer aqui: o eixo da democracia, o eixo da transformação econômica e do desenvolvimento, o eixo da soberania e o eixo dos valores. Esses quatro eixos conjugados em um conceito unificador, que é o conceito de liberdade.
Nós vemos na Constituição, no art. 4º, que estabelece os princípios do relacionamento internacional do Brasil, que a liberdade aparece como um princípio orientador. Ela é o primeiro princípio enunciado no art. 4º, e, embora o artigo não diga, a minha interpretação pessoal é de que existe aqui uma hierarquia, e que esse é o princípio basilar, porque o primeiro princípio é o da independência nacional.
A independência, como todos sabemos, é o nosso grito fundador – “independência ou morte”, evidentemente –, ou seja, independência estabelecida como um princípio inegociável, pelo qual esse ato fundador exige até mesmo o sacrifício supremo. Então, quando o Presidente Jair Bolsonaro diz que a liberdade é, de certa forma, mais importante do que a própria vida, ele está retomando esse ideal fundador, esse papel central da independência, que é outra maneira de dizer a liberdade.
Com essa consideração básica, passo a falar brevemente dos quatro eixos que eu mencionei. O eixo da democracia é fundamental para a nossa atuação, antes de tudo, na nossa própria região. Parece--nos que é impossível avançar no desejo de integração da América Latina, entre os países latino-americanos – que também é um requisito constitucional –, sem a democracia. É impossível ajudar a transformar a América Latina em uma região – como todos pretendemos que seja – de paz e prosperidade se não trabalharmos dia e noite pela plena vigência da democracia em todos os países latino-americanos. Isso muito especialmente hoje, porque regimes totalitários da região, particularmente a Venezuela, não só negam a liberdade ao seu próprio povo, mas estão intimamente associados à criminalidade, ao narcotráfico, ao terrorismo e procuram espalhar esses malefícios, esses flagelos por todo o continente.
Não poderemos viver tranquilos na região enquanto tivermos esse tipo de regime às nossas portas. De modo que, para 2020, assim como fizemos ao longo de 2019, seguiremos plenamente engajados, em vários foros, na defesa da democracia: na OEA; no Grupo de Lima; no PROSUL (Foro para o Progresso e Integração da América do Sul), criado no ano passado, um novo conceito de integração sul-americana; no âmbito do TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca); no contexto da cooperação hemisférica para o combate ao terrorismo, e tantos outros. Estamos convencidos de que uma libertação da Venezuela, um retorno da Venezuela à democracia trará uma nova realidade a toda a região, abrirá finalmente as portas para que a América do Sul, especialmente, se torne talvez o principal novo polo dinâmico da economia mundial, baseado nos princípios democráticos.
Essa nossa perspectiva, no eixo da democracia, tem a ver também com outros princípios daqueles enunciados no art. 4º da Constituição, como o da prevalência dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos. Ambos esses princípios são, hoje, claramente, continuamente negados pelo regime venezuelano ao seu próprio povo e, como dizia, com a perspectiva de exportar essa negação dos direitos humanos e da autodeterminação para o conjunto da região.
De modo que associamos claramente, fazemos questão de ligar a nossa atuação nesse eixo a princípios fundamentais estabelecidos na Constituição. Continuaremos atuando junto com o governo legítimo e constitucional da Venezuela. É importante sempre frisar: existe um governo constitucional na Venezuela, com o qual nós nos relacionamos. É um governo que hoje não tem a maioria dos instrumentos de facto (os instrumentos, sobretudo o aparato de repressão, continuam nas mãos do regime), mas nós, também seguindo a inspiração da Constituição, estamos com o lado do direito, e não com o lado da força.
Também, ainda na região, continuaremos acompanhando com muito interesse, com muita atenção, a evolução na Bolívia. Acreditamos que há uma evolução muito positiva, um clima de pleno respeito à Constituição, legalidade, na preparação das eleições que terão lugar naquele país em maio. Acreditamos que a Bolívia está no bom caminho e, como também é um país vizinho, um país com o qual o Brasil tem a sua maior fronteira, acompanhamos com a maior atenção, e é de todo o interesse do Brasil ver uma Bolívia democrática, pacífica, cooperando com o Brasil em todas as áreas.
Isso sobre a democracia, muito brevemente, mas com grande ênfase.
No eixo da transformação econômica, vemos um papel múltiplo da nossa política externa. Em primeiro lugar, nas negociações de acordos de livre comércio, de acordos comerciais. O Itamaraty tem a coordenação das negociações comerciais, sempre com a participação de outros ministérios. É uma área em que estamos mostrando resultados, e pretendemos continuar mostrando resultados, engajados nas negociações correntes e em novas negociações.
Em segundo lugar, na promoção comercial direta. A promoção comercial complementa, mas não se confunde com as negociações comerciais governo a governo. Ela é mais um esforço junto ao setor privado, ou facilitando a interação entre o setor privado brasileiro e o de outros países, em que também o papel do Itamaraty é fundamental, pela sua rede de setores de promoção comercial e pela nossa atuação conjunta com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex-Brasil, vinculada, como sabem, ao Itamaraty.
Nossa atuação também é fundamental em tratativas específicas de abertura de mercados, com grande atenção para os produtos do agronegócio. É um setor que tem uma particularidade, em que, muitas vezes, é preciso trabalhar praticamente produto a produto, com determinados países, para a abertura dos respectivos mercados. É um setor muito peculiar, com toda uma série de mecanismos de proteção, que precisam ser negociados. Nesse caso, temos dado uma atenção muito especial ao agronegócio; continuaremos dando – sempre, claro, em coordenação com o Ministério da Agricultura. Estamos comprometidos a seguir nessa linha.
Outra vertente: continuaremos ativos na criação de parcerias com vários países que contribuam para o avanço tecnológico. Desde o começo identificamos que havia um déficit de engajamento com países-chave para capacitação tecnológica. É o caso dos Estados Unidos, de Israel, do Japão, por exemplo. Com todos eles, em formatos distintos, nós já aumentamos muito a nossa interação nesse terreno, já nos dotamos de novos instrumentos para a interação nesse terreno, e continuaremos nessa linha. Só para dar um exemplo, nos Estados Unidos, como é sabido, esta Casa, assim como a Câmara dos Deputados, já aprovou o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos, que dá um salto qualitativo enorme nessa área, sobretudo no terreno espacial. Nossa aproximação com Israel já abriu novas frentes; é talvez o segundo país mais central do mundo em termos de avanço tecnológico, pelo menos em certos setores. O Japão está interessadíssimo. Eu tenho conversado muito com autoridades japonesas para aumentar a cooperação nessa área.
Também seguimos, e seguiremos a cooperação com a China, muito especialmente no domínio espacial, em que, recentemente, lançamos um novo satélite sino-brasileiro. Estamos abrindo novo espaço com a Índia. Como sabem, tivemos uma excelente visita presidencial, agora em janeiro, à Índia, onde estabelecemos um novo plano de ação, uma nova parceria estratégica Brasil-Índia, da qual vamos fazer o seguimento. Estamos em conversação com o Chanceler da Índia, para que venha ao Brasil para uma primeira reunião desse novo mecanismo. Vamos colocar, com grande ênfase, o tema da tecnologia. A Índia tem capacidade tecnológica invejável, em muitos domínios. Estamos com enorme interesse em compartilhar isso.
Dentro de todos esses domínios, temos a convicção de que estamos contribuindo para a recolocação do Brasil nas cadeias globais de valor. Com os novos acordos que já assinamos – União Europeia e EFTA –; com os acordos que estão em negociação – Canadá, Coreia do Sul, Singapura – e com novas negociações em perspectiva – o Japão quer negociar um acordo de livre comércio, a Índia quer negociar um acordo de livre comércio, com os Estados Unidos estamos em tratativas para ver como formatar um acordo abrangente –, isso muda o mapa da inserção do Brasil na economia mundial.
Temos uma grande ambição nesse sentido, uma visão muito profunda e de longo prazo, que compartilhamos com toda a equipe do governo, muito especialmente com a área econômica, da qual, de alguma maneira, sinto que fazemos parte, por essa capacidade, por essa responsabilidade do Itamaraty na frente comercial e na frente da criação de novas condições de investimento. Estamos empenhados e acreditamos que neste ano poderemos fazer grandes novos avanços nessa reinserção do Brasil. É um momento importantíssimo, porque, por diferentes razões, está havendo uma realocação dos fluxos internacionais de investimentos, uma recomposição das cadeias globais de valor, e, nesse sentido, podemos atrair muito mais investimentos, muito mais oportunidades para o nosso país, gerando emprego, gerando avanço em diferentes áreas.
Um dado claro disso, numérico, é o fluxo de investimento direto no Brasil em 2019. O fluxo foi de US$ 75 bilhões, comparado com
US$ 58 bilhões em 2018, um aumento muito significativo. Isso já reflexo, evidentemente, da expectativa de um novo Brasil, da expectativa dessa reinserção do Brasil nas cadeias globais, da qualidade, também, claro, das reformas em andamento, da confiança que se está gerando junto ao investidor. Nesse caso, investimento direto, investidor de longo prazo, investimento que vem para comprar ativos, para abrir novas unidades de produção, para se instalar.
O MERCOSUL é uma plataforma fundamental nesse eixo da inserção econômica. Avançamos muito no MERCOSUL em 2019, tanto com os acordos externos quanto com a consolidação do MERCOSUL como uma zona de livre comércio, com a eliminação de barreiras. Para dar um exemplo, a assinatura muito importante, no final do ano, na Cúpula de Bento Gonçalves, do acordo de facilitação de negócios, que vai eliminar barreiras não tarifárias ainda existentes em todos os países, especialmente nos outros países – não quero dizer que o Brasil não as tenha, mas as barreiras mais altas são dos outros.
Foi esse avanço do MERCOSUL que nos preocupou, ou seja, a necessidade de manter esse avanço é que nos preocupou, com alguns sinais que o novo governo argentino passou, de um retrocesso, tanto na dimensão interna do MERCOSUL, quanto na sua inserção internacional, na plataforma de negociações externas. Todo o nosso interesse fundamental na construção de uma relação com a Argentina é manter o MERCOSUL e fazê-lo continuar progredindo. Isso é o que nos preocupou, portanto, com alguns sinais contrários.
Na visita recente que recebi do Chanceler argentino Felipe Solá, recebemos indicações muito positivas nesses domínios. A Argentina está passando por uma situação econômica difícil, como nós sabemos, e mesmo assim está mantendo, de uma maneira geral, os compromissos dentro do MERCOSUL. Há alguns elementos que têm surgido, pontuais, de preocupação em relação a determinadas medidas argentinas, mas, de modo geral, não há, como se receava, uma elevação de barreiras ou uma criação de barreiras ao comércio com o Brasil. Isso, para nós, é fundamental. Também há um sinal de continuado compromisso com as negociações externas do bloco, com a assinatura do acordo entre MERCOSUL e União Europeia, sem reabri-lo, já que as negociações estão concluídas. Isso tudo nos animou.
Houve, por iniciativa nossa – vou entrar um pouco em detalhes só porque está muito presente no noticiário hoje –, na ocasião dessa visita do Chanceler argentino, nosso oferecimento de um encontro presidencial à margem da posse do Presidente Lacalle Pou, no Uruguai, e, infelizmente, o lado argentino não foi; o Presidente Fernández decidiu não ir à posse e, portanto, não se pôde realizar isso. Mas ontem já, em uma conversa quando da visita do Presidente da Câmara dos Deputados argentina ao Presidente da República, o Presidente falou de sua disposição de, em breve, encontrar-se com o Presidente Fernández. Isso foi bem recebido. Então, o que há, no nosso caso – e é importante que se diga – é uma coincidência total entre nossa atuação – do Poder Executivo, chancelaria – com a do Parlamento brasileiro; vemos que há o mesmo interesse na criação das condições para uma relação produtiva com a Argentina.
Para ir, muito rapidamente, aos outros dois eixos que estão faltando. No eixo da soberania, queremos contribuir para o aumento da nossa capacidade de defesa. Isso é fundamental para a soberania de qualquer país de diferentes maneiras; claro, sempre seguindo a política de defesa, em coordenação com o Ministério da Defesa. Queremos contribuir, sempre – é fundamental que se repita –, para a afirmação da soberania da Amazônia, do território brasileiro da Amazônia.
Não podemos deixar que os organismos internacionais legislem por este Congresso. Essa é uma preocupação nossa. Em muitos casos, surgem propostas em organismos internacionais que acabam se superpondo à legislação doméstica. Isso é algo que, nessa vertente internacional da defesa da soberania, para nós, é fundamental. Não deixar, por exemplo, que negociações de clima, meio ambiente, sejam pretexto para protecionismo agrícola, sejam pretexto para prejudicar a competitividade do nosso agro.
Para voltar aos princípios do art. 4º da Constituição, a soberania também está presente, ali, de alguma maneira, quando se fala da autodeterminação dos povos. Autodeterminação dos povos não é só um princípio para fora, é também um princípio para dentro. Acho que temos de defender, na nossa atuação externa, como em todas, autodeterminação nossa, do povo brasileiro, que se reflete na nossa autonomia legislativa. Quer dizer, não permitir que organismos internacionais, sem que isso passe pelo Congresso brasileiro, determinem mudanças no nosso aparato legal em qualquer área que seja.
Por último, a dimensão dos valores, que é uma esfera difusa, mas, aqui, nós podemos ver um conjunto de iniciativas diárias onde precisamos estar, através do mundo, defendendo e promovendo os valores brasileiros, os valores do povo brasileiro, valores, antes de mais nada, de viver em um mundo em paz e onde sejam respeitadas as soberanias nacionais. O valor, por exemplo, também inscrito na Constituição, do repúdio ao terrorismo e ao racismo, um repúdio que se deve dar não simplesmente em discurso, mas em atos. No caso do terrorismo, por exemplo, temos uma preocupação crescente em nos coordenar internacionalmente e ajudar o Brasil a dotar-se dos instrumentos, em cooperação internacional, para o combate ao terrorismo.
O próprio plano de paz para Israel-Palestina, do qual falávamos, inscreve-se nessa nossa determinação de continuar trabalhando pelos nossos valores, nesse entendimento de que a paz requer a liberdade, requer a democracia, requer o crescimento econômico, requer a soberania. Então, todos esses eixos estão interligados, e acreditamos que perfazem um conjunto coerente.
Agradeço a oportunidade. Muito obrigado.