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Apresentação incial do Ministro Ernesto Araújo na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados
Apresentação inicial do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, em Brasília (27/03/2019)*
Excelentíssimos Senhores Deputados e demais presentes. É um prazer e uma honra vir a esta Comissão pela primeira vez, a convite. É fundamental que a política externa brasileira e o Itamaraty, como órgão implementador dessa política externa, estejam abertos à sociedade brasileira. Uma das principais maneiras de exercer essa abertura à sociedade é, evidentemente, a interação com o Congresso Nacional, e de maneira muito especial com esta Comissão. É uma oportunidade que valorizo muito e que estarei sempre à disposição de Vossas Excelências para repetir.
Gostaria de começar por reafirmar esse tema fundamental, que é o tema da democracia. O Presidente da República, democraticamente eleito, estabelece os rumos da política externa, e ao Ministério das Relações Exteriores cabe implementar essa política. Essa é a estrutura democrática da política externa no nosso sistema constitucional.
Não se pode imaginar que a política externa seja uma área à parte, isolada do restante do governo. Não se pode imaginar especificamente que o Itamaraty deva ser uma instituição à parte, que deva implementar princípios imutáveis. Isso não é parte do processo democrático. Temos os princípios constitucionais da política externa, constantes do art. 4º da Constituição. Esse é o nosso balizamento, e dentro desse balizamento nós nos movemos para atender tudo aquilo que acreditamos ser a vontade do povo como foi expressa nas urnas.
Gostaria de falar de alguns princípios que nos orientam nesta política externa que estamos tentando implementar em benefício do Brasil.
Em primeiro lugar, a defesa e promoção da democracia. Estamos focando no tema democracia como pilar fundamental de tudo o que fazemos, e acreditamos que deva ser um pilar não simplesmente nos assuntos internos, mas um princípio a guiar-nos na nossa relação com o exterior. Um país democrático tem o interesse e o dever de ajudar a promover a democracia em sua região e ao redor do mundo, porque, ao se mover dentro de um ambiente democrático, os interesses são sempre mais bem atendidos.
Correlato a isso, a defesa da liberdade não é exatamente a mesma coisa que democracia. Nós temos sempre reiterado esses dois princípios lado a lado, no entendimento de que a liberdade é um sentimento e um anseio humano de todas as nações e seres humanos, e temos também a responsabilidade de, como país livre, ajudar que esse conceito, essa realidade da liberdade seja disseminada ao redor do mundo.
Outro princípio, outra orientação é a contribuição da política externa ao crescimento econômico e à abertura da economia. Isso é uma tradição, uma boa tradição da diplomacia brasileira de atuar em favor do crescimento econômico, do desenvolvimento, mas, no nosso entendimento, essa vertente não vinha sendo corretamente explorada, e a contribuição que o Itamaraty, que a política externa vinha dando ao crescimento econômico era baixa. Era baixa por dois problemas, fundamentalmente.
Em primeiro lugar, um problema de método, uma certa falta de estratégia, uma dificuldade em fazer valer as nossas vantagens negociais em diferentes fóruns, pela falta de uma visão comum entre as diferentes áreas de atuação externa, um certo isolamento da vertente econômico-comercial. Em segundo lugar, por opções, ao nosso ver equivocadas, de privilegiar determinados parceiros em detrimento de outros, que no caso poderiam também ser parceiros de desenvolvimento e que foram negligenciados durante muito tempo.
Outro princípio, outro balizamento é o da não indiferença: a faculdade de agir no mundo com base em julgamentos morais e com base em valores, e não simplesmente em interesses concebidos de maneira puramente material. Uma nação é constituída evidentemente pelos valores materiais, mas também pelos valores do seu povo, e parece-nos que não deve ser nem uma opção; é obrigação de um país, no caso do Brasil em sua atuação externa, representar os valores da nação.
Outro ponto muito importante é a convicção da grandeza do Brasil. Durante muito tempo, tivemos políticas que não contemplavam essa certeza, essa convicção íntima de que existe uma nação brasileira desde a Independência e, talvez, desde o nosso descobrimento, que é a noção de que temos um destino de um país grande, de um país que está chamado a ser um dos polos do relacionamento internacional, uma referência no mundo. Temos responsabilidade, como Brasil, de colocar nosso peso a favor dos valores fundamentais dos brasileiros e dos seus interesses.
Um outro ponto fundamental é o repúdio à ideologia em política externa. Aqui é importante dizer, novamente voltando ao tema da democracia, que democracia não é ideologia. Isso é uma discussão, depois posso entrar nos pontos mais específicos, mas que a meu ver ficou muito clara na reunião que tivemos na semana passada em Santiago, no Chile, para criação de uma nova estrutura de integração sul-americana em substituição à UNASUL, que foi criada nos anos 2000 com base em um certo projeto. Verificou-se que era inviável a continuação desse projeto, e os países, um grupo importante de países sul-americanos, estão optando pela reestruturação do processo sul-americano em novas bases.
Foi dito que havia uma mudança de ideologia, que a UNASUL era um processo de esquerda, e agora se estava criando o PROSUL, que seria um processo sul-americano de direita. Nada mais falso. Esse novo projeto sul-americano tem como pilares a integração econômica e o respeito estrito à democracia e ao Estado de Direito; portanto reúne países que, independentemente da cor ideológica, tinham governos eleitos democraticamente.
Houve uma certa tentativa de associar esse novo projeto a um projeto de direita, o que eu acho interessante, porque é como se a esquerda se colocasse com dúvidas sobre a democracia. De maneira interessante, os países que têm governos de esquerda democraticamente eleitos na América do Sul são justamente países que expressaram dúvidas sobre esse processo, porque queriam que a Venezuela não democrática fizesse parte do projeto.
Enfim, para mim ficou claro que nós estamos tratando de coisas diferentes. Estamos tratando de um pilar democrático, quando as críticas, na verdade, provêm daqueles que muitas vezes têm dúvidas sobre a necessidade da prevalência da democracia, no caso, na nossa região. Então democracia não é ideologia.
Outro balizamento é a necessidade de direcionar cada relação bilateral de acordo com as particularidades e prioridades dessa relação. Nós também padecemos durante bastante tempo de uma tendência a criar um certo mínimo denominador comum nas diferentes vertentes de relacionamento bilateral, o que nos dificultava explorar as vantagens específicas que o Brasil pode auferir em cada relacionamento. Então, falou-se disso um pouco como uma opção bilateralista, como se fosse uma opção abstrata. Não é. É justamente o contrário. É a ideia de que, por mais que os fóruns multilaterais sejam importantes, é determinante a capacidade de identificar em cada parceiro aquilo que pode ser auferido com aquele parceiro. Parece um pouco óbvio, mas isso era um problema que nós identificamos, diagnosticamos na política anterior.
Outro elemento é a necessidade de uma percepção correta do mundo atual, de como as linhas de forças, linhas de poder, articulam‑se e rearticulam-se ao redor do mundo, quais são as ideias que surgem e qual é a realidade do sistema internacional, e não simplesmente o retrato que dessa realidade aparece em determinadas análises. Para dar um exemplo, que gostaria de desenvolver mais adiante: no caso do Oriente Médio, muita discussão que tem havido sobre a nossa determinação de elevar o perfil do relacionamento com Israel, as críticas têm a ver com uma visão completamente ultrapassada do Oriente Médio, que tem o Oriente Médio como um terreno de rivalidade entre Israel e os países árabes. Isso é uma realidade que está superada em grande medida. Hoje, os desafios no Oriente Médio são diferentes e, portanto, nossa atuação tem que ser diferente. Acho que em muitos casos tem havido um problema de falta de diagnóstico correto da realidade internacional.
Dentro desse mesmo tema, há a necessidade de reconhecer que o Brasil pode influenciar na configuração da realidade internacional. Aqui voltamos também àquele tema da concepção do Brasil como um país grande. Também nos temos movido recentemente em algo que queremos mudar. Vínhamos movendo-nos com base numa concepção de que o Brasil é simplesmente um país que recebe influências e tem que se adaptar a essas influências. O Brasil tem, tenho certeza disso, peso suficiente para, em certa medida, influenciar a realidade internacional a favor dos nossos interesses, e não simplesmente acolher e, digamos, subscrever determinadas regras, determinadas tendências. O Brasil pode ser um país que ajuda a escrever as regras internacionais; tanto as regras escritas, os acordos, quanto a estrutura de poder internacional.
O conceito da soberania. Isso também é fundamental. É o conceito de que, no relacionamento externo, nós temos o dever fundamental (também é um dever constitucional, expresso no artigo 4º) de preservar a independência nacional, a soberania (acho que aqui podemos usar como sinônimos), e atuar, sobretudo, nas vertentes multilaterais de maneira a preservar a nossa faculdade, a faculdade legislativa dos senhores aqui no Congresso, e a capacidade do país de não seguir necessariamente os ditames, os parâmetros dados pelos organismos multilaterais.
Isso também parece um pouco óbvio, mas em muitos casos vinha-se verificando que o nosso processo interno era basicamente influenciado, mais do que pelas tendências, pelas influências provenientes de organismos multilaterais. Então, não é ser contra o sistema multilateral, qualquer que seja a vertente, mas de recuperar a capacidade de atuar nesses foros em defesa dos nossos princípios, das nossas leis, dos nossos interesses, e não atuar de fora para dentro.
Isso também é um pouco o cerne da nossa atuação: de que a política externa tem que ser um veículo pelo qual nós levamos para o exterior, representamos os nossos interesses e princípios, e não um veículo para trazer do exterior e implementar no Brasil os princípios supranacionais ou, em alguns casos, antinacionais, que surgem em alguns fóruns.
Gostaria de passar a falar de alguns temas específicos, os quais foram objeto de requerimentos, de que tivemos conhecimento. Em primeiro lugar, falar mais especificamente da política comercial. Um dos problemas anteriores que nós estamos tentando sanar é que na sua política comercial o Brasil não vinha utilizando corretamente e a contento as suas capacidades negociadoras; não vinha jogando as suas cartas corretamente. Em muitos relacionamentos, havia uma tendência a aceitar determinados paradigmas de comércio sem procurar negociar esses paradigmas a nosso favor. Isso no caso de várias relações bilaterais, e também no caso da política na OMC.
Na OMC, o Brasil vinha preso a certos dogmas de atuação e vinha-se deixando alijar do processo decisório, do processo de reforma da OMC, que é um processo absolutamente necessário e vai, certamente, ao longo dos próximos anos, redefinir o papel das regras do sistema multilateral de comércio.
Então, nossa política é corrigir esses defeitos, colocar em jogo tudo o que nós temos em cada relacionamento, a favor dos nossos interesses, e com uma visão estratégica, sobretudo no terreno bilateral, onde não se pode isolar a negociação comercial do restante. Sobretudo com os grandes parceiros, o relacionamento tem que ser um todo. É assim que os grandes países do mundo jogam esse jogo, onde todas as vertentes têm que estar juntas no tabuleiro e tem que haver uma atuação coordenada dos diferentes temas.
Aqui quero fazer referência ao Requerimento nº 8, de 2019, que chegou ao meu conhecimento, sobre a questão da política comercial. Mais especificamente, temos acelerado o processo de ganhos de eficiência no MERCOSUL. O MERCOSUL é um processo que foi desvirtuado durante muito tempo e que se perdeu em muitas avenidas paralelas. Então, queremos recuperar para o MERCOSUL o papel de uma plataforma negociadora que gere livre comércio entre os países do bloco e que seja um instrumento negociador eficiente com outros parceiros.
Estamos acelerando as negociações do MERCOSUL, por exemplo, com a União Europeia e com o Canadá, parceiros fundamentais. O Brasil, durante muito tempo, contribuiu para a lentidão nesse processo. Reconheço que houve muitos avanços em governos anteriores, sobretudo na última administração, especificamente com o Canadá, um pouco também com a União Europeia, mas talvez sem o impulso político necessário que agora nós estamos dando à conclusão dessas negociações, claro que sempre em favor da consecução de bons acordos, e não de qualquer acordo. Isso é muito importante que se frise em negociações comerciais. Em alguns casos, algumas pessoas argumentam que é melhor um mau acordo do que um não acordo. Nosso entendimento é o contrário: o importante é que nós não estamos querendo simplesmente assinar papéis por assinar. Nós temos que ter acordos que justifiquem a sua existência por ganhos comerciais efetivos.
Outro ponto fundamental é a nossa política regional, aqui com grande destaque para o tema da Venezuela. Eu queria fazer referência ao Requerimento nº 517, de 2019, que fala de um aspecto específico da nossa política para a Venezuela, a que eu já me vou referir. Desde o dia 1º de janeiro nós partimos da convicção de que era preciso fazer algo para ajudar na volta da democracia à Venezuela, não simplesmente por uma questão política, mas por uma questão de segurança e por uma questão humanitária, de solidariedade humana.
A Venezuela, sob o regime Maduro, vinha-se tornando um país em colapso, um país cuja população estava sujeita às piores humilhações, passando fome, sem acesso a medicamentos, sem acesso a serviços, por políticas deliberadas de controle social praticadas por aquele regime, a ponto de os próprios venezuelanos falarem de uma situação de genocídio silencioso. E o Brasil vinha-se limitando a fazer declarações genéricas, falando da preocupação com essa situação.
Nós, em articulação com outros países sul-americanos, latino-americanos e das Américas em geral, através do Grupo de Lima, tomamos a iniciativa de tentar estruturar uma ação diplomática para mudar essa realidade, ou para ajudar a mudar essa realidade. Então, tivemos a iniciativa de não reconhecer o regime Maduro a partir de 10 de janeiro, quando se iniciaria um novo mandato de Nicolás Maduro obtido em eleições completamente fraudulentas e não reconhecidas por ninguém, de não reconhecer a legitimidade a partir daquele momento. Primeira coisa.
Segunda coisa, de proporcionar um espaço para articulação das forças democráticas da Venezuela, isso porque se dizia antes que “não se pode fazer nada em relação à Venezuela porque a oposição venezuelana não se entende, não se articula”. Era uma boa desculpa para não se fazer nada, então nós tivemos a iniciativa, o Brasil teve a iniciativa, de reunir aqui em Brasília as lideranças democráticas venezuelanas e proporcionar-lhes um espaço no qual, ao longo de uma reunião, eles articularam a sua posição em favor da assunção legítima, constitucional e provisória do poder presidencial pelo Presidente da Assembleia Nacional, democraticamente eleito. E em função dessa articulação das oposições e da pressão política e diplomática internacional que o Brasil, em grande parte, capitaneou, o então Presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, foi investido constitucionalmente do poder no dia 23 de janeiro – poder constitucional provisório, de acordo com a Constituição venezuelana, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal venezuelano, que funciona no exílio, mas que é o tribunal legítimo.
Isso criou uma nova realidade: pela primeira vez em vinte anos, criou uma expectativa, uma esperança de retorno da democracia à Venezuela e de fim da absurda e revoltante crise humanitária que, sempre é preciso frisar, não é uma crise acidental proveniente de uma situação econômica; é uma situação deliberada criada como estratégia de controle por parte do regime.
Então, a ação diplomática permitiu ajudar que os venezuelanos vislumbrassem pela primeira vez uma alternativa ao regime hediondo que os assujeita há muito tempo. Essa é a situação que nós vivemos hoje: ter um governo legítimo que ainda não tem os instrumentos do poder, ou todos os instrumentos, e que continuamos apoiando porque é a única via de solução para a questão venezuelana.
Já está claro que o regime Maduro só tem uma prioridade, que é reprimir o seu próprio povo, e não tem nenhuma condição de recuperar economicamente seu país, porque não quer recuperar economicamente seu país. A única alternativa é que toda a comunidade internacional se una em torno do governo provisório e que esse governo tenha as condições de convocar eleições livres, sob supervisão internacional, e que a Venezuela volte a ser um país democrático na nossa região. Isso é absolutamente fundamental para o Brasil, tanto, como eu dizia, por dever de solidariedade, como por segurança do país, uma vez que o regime Maduro alberga organizações criminosas e terroristas de toda sorte, bem do lado de nossa fronteira, uma situação que não pode ser positiva de forma nenhuma para nossa segurança.
Hoje, essa é nossa grande prioridade, evidentemente, no espaço sul-americano. A América do Sul precisa superar, precisa de uma Venezuela democrática para voltar a ser plenamente um espaço de integração. É para isso que estamos trabalhando, e é essa convicção que nós temos, como eu dizia, em torno de uma concepção de democracia, e não de ideologia. No momento em que a Venezuela tiver uma eleição democrática, se essa eleição resultar na vitória de um partido, de um candidato de esquerda, ótimo. Se for democraticamente eleito, terá todas as condições para devolver a Venezuela ao seio da comunidade democrática sul-americana.
Gostaria de falar rapidamente do Oriente Médio. Já falei um pouco do erro de percepção muito gritante de ver o Oriente Médio como um espaço de rivalidade entre Israel e os países árabes. Não é isso. Eu participei de uma importante reunião, uma conferência sobre paz e segurança no Oriente Médio, realizada em Varsóvia, em fevereiro, onde ficou claro que a preocupação chave dos países árabes hoje é a atuação do Irã na região. Isso, evidentemente, é uma situação regional, mas é importantíssimo que o Brasil, que é um país que tem interesses globais e que tem interesse em atuar em todas as regiões em favor da paz, em favor da estabilidade, conheça quais são as percepções dos nossos parceiros.
Isso tem a ver, evidentemente, com a nossa determinação de romper a tradição de negligenciar o relacionamento com Israel, de tratar Israel como um país pária na comunidade internacional, quando é um país como os outros, um país, aliás, cuja criação deveu muito à diplomacia brasileira do Chanceler Oswaldo Aranha nos anos 1940, e que faz parte, portanto, da boa tradição da política externa brasileira. É um relacionamento que pode render frutos imensos ao Brasil em diferentes áreas, sobretudo na área de tecnologia e inovação. Israel é, provavelmente, o segundo polo tecnológico do mundo, depois dos Estados Unidos (também voltaremos a falar dos Estados Unidos daqui a pouco), mas é um caso claro de, por uma opção equivocada, plenamente descolada da realidade, o Brasil ter perdido oportunidades de uma parceria com um país democrático que poderiam favorecer o nosso desenvolvimento.
Duas áreas específicas que nós estamos procurando valorizar muito na nossa atuação de política externa são a área tecnológica e a área do agronegócio. Em relação à ciência e tecnologia e inovação, de um modo geral, nós, o Itamaraty, em coordenação, evidentemente, com o Ministério da Ciência e Tecnologia, estamos procurando mudar completamente o nosso enfoque de atuação nessa área para um enfoque de promoção tecnológica.
Tivemos por muito tempo um enfoque simplesmente de assinar acordos de ciência e tecnologia e não os implementar. Agora, o que precisamos é, com acordo ou sem acordo, ir atrás dos principais parceiros capazes de trazer-nos tecnologia e, assim, contribuir para a capacitação industrial, a capacitação do Brasil nessa área de inovação. Isso é uma grande prioridade para nós e algo que vinha sendo tratado de uma maneira pouco eficiente.
Em relação ao agronegócio, tínhamos também uma estrutura de promoção comercial que focava com grande destaque apenas os produtos manufaturados e deixava muito de lado a promoção do agro, que é praticamente metade das nossas exportações, um setor fundamental para o nosso PIB e, evidentemente, para a saúde da economia brasileira.
Então, nós estamos também aqui, nesse caso em articulação muito coordenada com o Ministério da Agricultura, passando para a ofensiva na abertura de novos mercados agrícolas que em muitos casos dependem de negociações específicas na área sanitária e fitossanitária, e em outros casos de acordos mais amplos, como no caso do acordo MERCOSUL-União Europeia, por exemplo. Sobretudo, queremos ter uma política proativa, uma política ofensiva, no sentido bom da palavra, no sentido de procurar onde estão os mercados.
Comparando o Brasil com outros grandes exportadores agrícolas como a Austrália, por exemplo, nós verificamos que em importantes mercados, sobretudo na Ásia, a Austrália está na nossa frente por já ter acesso, já ter acordos sanitários e fitossanitários com aqueles países para acesso sobretudo a suas carnes, por exemplo. E nós estamos atrás disso. É um setor que foi pouco cuidado por nossa atuação, então estamos focando muito no que podemos chamar de diplomacia agrícola ou diplomacia do agronegócio. E aqui queria fazer referência aos requerimentos nº 665 e nº 5, de 2019, que falam desse setor.
Tudo que nós temos feito nessa área é direcionado para a diversificação dos mercados agrícolas e para aprofundamentos dos mercados que nós já conquistamos, porque nada é definitivo, evidentemente. É um setor muito dinâmico.
Especificamente com um país que é um dos principais parceiros, senão o principal nesse setor, que é a China, é importante mencionar a nossa determinação de, no âmbito do relacionamento com a China, voltando àquele ponto de termos de usar as cartas que nós temos à mão, concebermos a nossa pauta exportadora para a China dentro de um relacionamento mais amplo e por aí procurarmos ampliar essa pauta e diversificar essa pauta mesmo dentro da área agrícola, que hoje é muito concentrada em determinados setores.
É preciso manter e, se possível, ampliar o acesso nos produtos que nós já temos, mas diversificar essa pauta. Isso nós só conseguimos se negociarmos a partir dos interesses do outro lado. Então, identificar o que a China, no caso, quer de nós, o que nós queremos da China, e colocar isso na mesa. Isso é o grande pano de fundo, digamos, para o trabalho que nós estamos fazendo, que culminará na nossa Comissão Bilateral Brasil-China, que devemos realizar em final de maio, começo de junho, onde queremos reestruturar isso. O lado chinês sempre negociou muito bem, sempre teve presente toda gama dos seus interesses. No caso brasileiro, nós temos negociado um pouco separadamente. Isso é uma questão de metodologia que nós precisamos superar.
Já que estamos falando de China, só para mencionar que teremos todo um calendário de interação com a China, justamente para o aprofundamento prioritário desse relacionamento econômico, já que é um mercado tão importante. Eu recebi um convite para visitar a China e pretendo ir brevemente, se possível em maio ou junho; provavelmente em maio. Depois teremos no final de maio, começo de junho, a Comissão Sino-Brasileira, onde a preparação é feita pelo Itamaraty e a Presidência cabe ao Vice-Presidente da República, de acordo com a estruturação desse importante mecanismo. E o Presidente Jair Bolsonaro pretende ir à China no segundo semestre. Então, temos todo um calendário que, espero, seja fundamental para essa reestruturação do relacionamento com a China, em favor de um aprofundamento de nosso acesso ao mercado chinês.
É importante falar de um aspecto da vertente tecnológica que não mencionei antes quando mencionei a promoção tecnológica, que é a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas Brasil‑EUA. Depois quero falar um pouco do conjunto da relação com os EUA, mas para destacar esse acordo que é fundamental para toda a área tecnológica brasileira. Isso aqui falando especificamente do Requerimento nº 694, de 2019. O acordo foi negociado e assinado em bases que em nada afetam a soberania nacional brasileira e que, ao contrário, permitem plena utilização comercial da base de lançamento de Alcântara, que é reconhecidamente o melhor local para lançamento de satélites no mundo e que, infelizmente, por uma questão de não possuirmos um acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos, não pôde ser utilizado durante muito tempo.
Praticamente qualquer lançamento de satélites requer a utilização de alguma tecnologia norte-americana, e os Estados Unidos só autorizam a utilização da tecnologia a países com os quais tenham acordos de salvaguardas tecnológicas. Então, o fato de não termos esse acordo era simplesmente um tiro no pé do Brasil, uma espécie de recusa de utilizarmos uma faculdade que nós temos, uma base, uma dessas cartas que o Brasil não vinha jogando.
O mercado de lançamento de satélites é um mercado de talvez 200 bilhões de dólares por ano. Capturando uma parcela, nem que seja 1% desse mercado, já teríamos um crescimento extraordinário e um aporte extraordinário de recursos para a economia brasileira. Sei que o Ministro Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia, se não me engano, virá à Comissão de Ciência e Tecnologia para explicar em maior detalhe esse acordo, mas eu queria já mencionar que é um acordo que nada fere a soberania brasileira e que tem um interesse econômico evidente.
Falando de maneira mais geral sobre o relacionamento com os Estados Unidos, essa talvez seja a parceria mais negligenciada pela política externa brasileira em muitos anos, e talvez a situação que tenha mais nos prejudicado por uma visão de que os Estados Unidos seriam um parceiro com o qual não se deveria trabalhar em muitas áreas, de maneira incompreensível, já que é um país democrático com o qual compartilhamos tantos valores. Mas, durante muito tempo, qualquer grande iniciativa que se pensasse para o crescimento do Brasil nas áreas de defesa, segurança, economia, sempre era uma iniciativa boa até que se imaginasse a presença dos Estados Unidos, e aí já se excluía isso. Foi o caso da base de Alcântara e a necessidade de um acordo de salvaguardas tecnológicas, onde eu tenho certeza de que, se fosse qualquer outro país, se teria assinado o acordo sem maiores problemas, mas como eram os Estados Unidos, houve uma rejeição e uma dificuldade enorme em se negociar esse acordo.
Então, o nosso propósito, consagrado com a vista do Presidente da República Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, foi de recuperar o tempo perdido e de reestabelecer uma parceria tradicional entre o Brasil e os Estados Unidos, em benefício do Brasil, evidentemente.
Temos que ver, historicamente, que no período que vai de 1900 até 1975, três quartos do século XX, o Brasil foi o país do mundo que mais cresceu, e, coincidentemente ou não, o principal parceiro econômico e, em muitos casos, político, do Brasil foram os Estados Unidos. Desde então, por opções diferentes, essa parceria foi deixada progressivamente de lado, abafada, não foi aproveitada em sua inteireza, e a partir daí o Brasil entrou em períodos de sucessivas crises, de estagnação econômica. É claro que a correlação não implica, necessariamente, causa, mas é algo a se ter muito presente.
Então, num momento em que queremos abertura econômica, dinamismo econômico, parcerias em segurança e defesa para recuperar a nossa capacidade nessas áreas também, e queremos promover os nossos valores, a parceria com os Estados Unidos é algo natural e que precisa ser retomada e relançada em novos patamares.
Isso é o que nós tentamos fazer, e tenho certeza que estamos fazendo, com base em um novo empenho político. Simplesmente o fato de nos colocarmos com um país amigo já nos abriu várias portas, já nos abriu avenidas que estavam fechadas, porque havia um clima totalmente artificial de desconfiança mútua e de não aproveitamento de uma relação tradicional. Por exemplo, tivemos o apoio fundamental dos Estados Unidos para o ingresso do Brasil na OCDE, o que proporcionará, tenho certeza, um selo de qualidade extraordinário para a economia brasileira, proporcionará mais investimentos e redução de custos na economia brasileira, algo que, tenho certeza, conseguimos porque estamos criando uma nova relação com os Estados Unidos.
Isso faz parte, um pouco, daquela menção que fiz à necessidade de conceber uma relação com determinado país, ainda mais uma relação tão determinante como aquela com os Estados Unidos, de maneira integral.
Recentemente, fizemos uma tentativa de obter o apoio americano ao ingresso na OCDE falando simplesmente de OCDE, dos méritos que o Brasil tem, do nosso avanço legislativo em determinadas áreas, do fato de já sermos observadores em diversos órgãos da OCDE, mas isso não era suficiente, porque as coisas não funcionam assim na realidade internacional, de maneira compartimentada.
Por exemplo, na área de carnes, também, onde nós obtivemos que os Estados Unidos mandassem, acho que estão mandando por esses dias, uma missão de inspeção para que nós retomemos o acesso da nossa carne bovina aos Estados Unidos. Nós também estávamos tentando há algum tempo e não conseguíamos, pois tudo depende da relação integral.
Ao construir uma nova relação, ao se colocar como um parceiro de igual para igual com os Estados Unidos, um parceiro que não tem medo dessa relação, ao contrário, que quer construir uma relação profícua, os frutos começam a cair da árvore, e podemos usá-los, só para dar esses dois exemplos. Então, a ideia de ter um relacionamento integral, um novo relacionamento com os Estados Unidos, é determinante para os ganhos individuais que estamos auferindo nesse relacionamento.
Um aspecto interessante, que queria só mencionar nessa questão de relações comerciais com Estados Unidos e com a China, por exemplo, diz respeito ao Requerimento nº 15, de 2019, que tem a ver com essas vertentes do relacionamento, uma dimensão interessante da nossa atuação, à qual procuramos dar grande ênfase, que é a questão dos estados fronteiriços.
Já estive conversando com Governadores de dois estados fronteiriços, Roraima e Acre. O Governador do Acre fez a grande gentileza de visitar-me, assim como o Governador de Roraima. No caso do Governador do Acre, veio visitar-me com a maior parte da bancada do Acre na Câmara e no Senado, para falar sobre da necessidade de olharmos para o relacionamento desses estados com os países de fronteira, no caso do Acre principalmente com o Peru, e, no caso de Roraima, evidentemente, há a questão da Venezuela, que, assim que a Venezuela voltar a ser uma democracia, será, com certeza, um grande estímulo ao crescimento de Roraima, mas, também, com a Guiana, que é um relacionamento que precisa ser recuperado, sobretudo em termos de infraestrutura.
No caso do Peru, tem a questão da infraestrutura. Nós estamos convencidos de que é preciso trabalhar para a implementação de um corredor que vá do Acre até o Pacífico, passando, evidentemente, pelo Peru, e, também, o acesso a produtos agrícolas do Acre por meio de entendimentos na área fitossanitária com o Peru, que não vinham sendo feitos a contento.
Nesse caso específico, nesta semana, o Secretário‑Geral, meu número dois no Ministério, está em Lima para começar a negociar esses instrumentos, que irão beneficiar não só o Acre, mas todo o Brasil. Mas isso é uma determinação que eu tenho e estou passando para o conjunto do Itamaraty, de ter muita atenção a essa questão dos estados de fronteira e da realidade desses estados e do quanto significa a finalização de uma estrada que precisamos retomar com a Guiana, por exemplo, o quanto significa essa questão dos corredores bioceânicos para o Acre.
Também trabalhamos junto com o Ministério da Infraestrutura para viabilizar o modelo financeiro que permitirá a construção da segunda ponte e, depois, da terceira ponte, sobre o rio Paraná, para aliviar a Ponte da Amizade, a única existente há 50 anos. Isso irá dinamizar imensamente o comércio daquela região, um passo necessário para a construção dos corredores bioceânicos, indo pelo Paraná, passando pelo Paraguai, Argentina, em direção ao Chile. Falamos muito com o Chile sobre isso, isso é um sonho de muito tempo que agora, tenho certeza, se tornará realidade.
Essas eram, basicamente, as questões específicas que eu queria mencionar para dar uma ideia da dimensão do que estamos fazendo, em temas específicos, dentro daqueles conceitos básicos que eu mencionei no começo. É isso que eu gostaria de falar, e estou pronto para receber as perguntas de Vossas Excelências.
Obrigado.
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