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Alocuções do Ministro Ernesto Araújo na XVI Reunião dos Ministros das Relações Exteriores do Grupo de Lima
Alocuções do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na sessão ampliada da XVI Reunião dos Ministros das Relações Exteriores do Grupo de Lima, em Brasília (08/11/2019)*
Primeira alocução
Muito obrigado, Chanceler Gustavo Meza-Cuadra.
É um prazer para mim copresidir esta reunião com Vossa Excelência, e sempre enaltecendo o trabalho do Peru nessa empreitada do Grupo de Lima, desde o seu início, que justamente leva o nome da capital peruana.
Gostaria de dizer que é uma grande honra, para mim e para todo o governo brasileiro, a possibilidade de receber, pela primeira vez, aqui no Brasil, uma reunião de Ministros de Relações Exteriores do Grupo de Lima.
Vários dos senhores, aqui presentes, sabem que, quando eu assumi este cargo em 1º de janeiro, a minha primeira missão internacional foi justamente em Lima para uma reunião deste Grupo, em 4 de janeiro. Desde então, pessoalmente, e no nível da nossa chancelaria e de todo o governo brasileiro, fizemos da participação no Grupo de Lima e do empenho na devolução da democracia à Venezuela uma prioridade máxima da nossa política externa.
Essa prioridade não é do nosso Ministério, do Itamaraty; é do Brasil. Não simplesmente por aquilo que percebemos como um dever moral, como um dever de solidariedade para com um país-irmão e para com toda a região, mas também pela convicção de que para o nosso projeto de país, projeto do Presidente Bolsonaro, é absolutamente imperioso estar numa região de democracia, numa região de liberdade, numa região de busca pela prosperidade e pela paz. Portanto, trabalhamos com duplo afinco nessa tarefa que nos une aqui.
Ao longo deste ano de 2019, este nosso Grupo conseguiu já apoiar várias iniciativas fundamentais em prol da transição democrática na Venezuela, sendo, acredito, a mais importante delas o reconhecimento do Presidente Juan Guaidó como Presidente
Encarregado da Venezuela.
Existe sempre uma tentação de destacar momentos de menos avanço, ou de aparente falta de acontecimentos que possam ser incluídos em nossas declarações, em nossos instrumentos. Mas eu tenho uma visão diferente, e tenho certeza de que todos os senhores aqui tem uma visão diferente. A pergunta que precisamos fazer é:
onde estaríamos sem este Grupo, sem o Grupo de Lima? Quem teria gerado as condições, com pressão diplomática e política, para as diferentes modalidades de ação que foram criadas? Algumas iniciativas não avançaram como nós gostaríamos, em grande parte devido à má-fé do regime ilegítimo instalado em Caracas, mas a pergunta que fica é: como estaria o quadro na Venezuela sem a pressão que realizamos e sem a mobilização que realizamos de toda a comunidade internacional em favor da democracia venezuelana? E, finalmente, temos que perguntar: a quem interessa mais que não exista o Grupo de Lima, com uma linha firme de crítica, de questionamento e de pressão sobre o regime ilegítimo de Nicolás Maduro?
É óbvio que nosso trabalho tem custo político e diplomático, que gera desgaste em níveis e frentes. Mas esse é o preço de defender o que está certo e aquilo que é justo. Nós precisamos, como assinalava também o Chanceler Meza-Cuadra, manter a união, a coesão e o dinamismo do Grupo de Lima; a união de propósito. Nós precisamos ter presente que, somente quando os homens e mulheres de bem forem tão empenhados e tão audazes quanto os maus, nós poderemos enfrentar a injustiça.
O quadro que a Venezuela democrática enfrenta é dramático e de enorme complexidade. Em situações análogas no cenário internacional, se é que elas existem, as soluções nunca se mostraram fáceis. Não podemos, portanto, medir as realizações deste Grupo de Lima a partir de uma régua que só existe para nós. Não seria um exercício razoável, nem justo.
Por esse motivo, o Brasil continua firme no desejo de trabalhar pela Venezuela e pelos venezuelanos e de continuar, de maneira incessante e determinada, a pressão contra o regime ilegítimo. E o Brasil prefere entender este trabalho permanente, que renovamos aqui no Grupo de Lima, como algo que será necessário até que se cumpram todos os objetivos dos que desejam a mudança democrática na Venezuela. Vamos continuar com nosso apoio incondicional ao Presidente Encarregado Juan Guaidó, que busca levar a Venezuela a uma transição democrática, política pacífica, que culmine no fim da usurpação, em eleições justas, livres e transparentes. Eleições sem Maduro. Este ponto é, para nós, absolutamente fundamental.
Como sempre ressalto, aqui no Brasil e fora da nossa região, os acontecimentos na Venezuela têm repercussões que vão muito além das fronteiras desse nosso país vizinho. Enquanto Maduro permanecer no poder, o regime continuará sendo elemento de permanente desestabilização da região e talvez mesmo em todo o mundo.
O escárnio que a permanência de Maduro no poder representa deveria ser sentido por toda comunidade internacional, mesmo em países a milhares e milhares de quilômetros de distância, como um atentado contra os princípios internacionais e contra os valores humanos mais básicos. A raiz ideológica do regime Maduro é não só de ocupar um poder em um país, mas sempre, sempre, de espalhar e de difundir esse poder maligno por outras regiões.
É importante ressaltar isto: Maduro não tem apenas apoio material de fora, de outros países e de outras potências. Tem apoio ideológico de correntes ao redor do mundo. Na narrativa da mídia, em correntes políticas, em correntes, por exemplo, que falam simplesmente de um autoritarismo para caracterizar o regime venezuelano, em todas essas iniciativas nós temos, no fundo, queiramos ou não, elementos de apoio ao regime ilegítimo de Maduro e a todos os males que esse regime tem causado ao seu povo. De modo que o nosso Grupo precisa continuar atento a essa dimensão: à raiz ideológica por trás da tragédia que vive hoje a Venezuela, e à necessidade de dar-lhe combate no terreno ideológico.
No caso brasileiro, a nossa extensa fronteira – de mais de dois mil quilômetros de extensão – com a Venezuela coloca-nos em posição sensível, sobretudo em face do apoio do regime de Maduro a grupos e a indivíduos envolvidos em atividades criminosas e ilícitas. Essa realidade motivou o governo brasileiro a apoiar a decisão, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), de instalação do Órgão de Consulta do TIAR (o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), de forma a aumentar os instrumentos de cooperação na investigação do envolvimento de indivíduos e entidades ligados ao regime ilegítimo em atividades criminosas.
O êxodo venezuelano é prova da profundidade da crise humanitária no país e é o resultado mais dramático, talvez, do desgoverno de Maduro e seu entorno. Já somam vários milhões – fala-se de quatro milhões, talvez mais – os migrantes venezuelanos que buscaram refúgios em diferentes países da nossa região, e sabemos que esse número pode aumentar muito mais, e está aumentando.
Trata-se de uma tragédia para a Venezuela e para muitos venezuelanos à qual o Brasil, assim como os demais países vizinhos, tem buscado responder da melhor maneira, acolhendo os refugiados. Mas esse fenômeno migratório também traz graves desafios para todos nós, em especial para aqueles países que têm recebido um maior número de venezuelanos que buscam uma vida melhor fora de seu país.
Hoje nós pudemos apresentar aqui às delegações dos países do Grupo de Lima informações sobre a Operação Acolhida do governo brasileiro. Os senhores viram a profundidade e a qualidade do trabalho que tem sido realizado. É uma operação internacionalmente reconhecida, e achamos que é importante compartilhar esse tipo de experiência com todos os senhores.
Queria destacar também, a esse respeito, que os migrantes venezuelanos nos nossos países, os refugiados venezuelanos, são nossos aliados nesse combate pelo retorno da democracia à Venezuela. Nesse sentido, gostaria de sugerir que pensássemos em mecanismos que nos permitam de alguma maneira recolher e sistematizar depoimentos de refugiados venezuelanos em nossos países sobre a realidade da Venezuela. Acho que isso seria um mecanismo muito poderoso de transmissão de qual é a realidade que impera na Venezuela, quais são os motivos que levaram esses milhões de pessoas a deixarem a sua terra e, com base nesse material humano, nesse drama humano, passar a mensagem do que é a verdade, do que é a realidade para toda a comunidade internacional.
Gostaria de terminar essa minha intervenção com o tema que muito tem-nos preocupado aqui no Brasil e que não é diretamente ligado à Venezuela neste momento, que não se esgota na situação da Venezuela, mas que é fundamental: que é o quadro regional. Neste nosso Grupo, em diferentes momentos, nós tratamos especificamente do papel nefasto que Cuba desempenha na Venezuela, e as distintas atividades ilícitas do regime ilegítimo de Maduro em nossa região, que variam do apoio ao crime até o acolhimento de organizações terroristas. Mencionamos também, com muita ênfase, nossa preocupação com a rede de apoio a Maduro formada pelo assim chamado Foro de São Paulo, essa entidade que desde o começo dos anos 90 tem um projeto de transformação da região em um novo bloco socialista.
Ontem, nas Nações Unidas, o Brasil votou contra a resolução proposta por Cuba que condena o embargo a esse país. Embora o Brasil sempre rejeite o unilateralismo em qualquer circunstância dessa natureza, nós achamos, sobretudo, que é absolutamente imperioso quebrar um paradigma que existe há quase 60 anos no ambiente multilateral, que é o paradigma de um certo – e incompreensível, ao meu ver – prestígio de que Cuba goza nesse âmbito. Achamos que é fundamental que, em todas as instâncias, chamemos a atenção para esse papel que Cuba desempenha, não só na Venezuela, que desempenha há 60 anos, na tentativa de exportar a ditadura para praticamente toda a América Latina. E o nosso voto, ontem, deve ser entendido nesse sentido.
Aqui estamos para falar da Venezuela, não vamos além, esse é o foco deste Grupo, mas é importante notar que Maduro e seus colaboradores se arvoram em responsáveis por vários dos acontecimentos em nossos países; pregam a violência, a depredação e ameaçam de maneira inaceitável os nossos regimes democráticos. As bravatas de um regime fragilizado, mas ainda no poder, que não é capaz sequer de organizar as condições mínimas de vida para o seu povo, são um escárnio, mas não podem ser totalmente ignoradas. Como já ficou claro em muitas ocasiões, Maduro concentra suas intenções em fazer o mal em outros lugares, em lugar de cuidar de seu próprio país. Por esse motivo, creio que temos que redobrar nossas atenções e continuar alertas a possíveis novos impactos nocivos do regime ilegítimo e de todos aqueles que o apoiam em nossos países e na vigência plena da democracia em nossa região.
Tenho certeza de que – e já tenho reiterado isso também – um futuro brilhante espera toda a América Latina, na medida em que nós possamos consolidar a liberdade e a democracia nos nossos países, e o ponto inicial dessa tarefa é ajudar que os venezuelanos reencontrem a democracia.
Muito obrigado!
Segunda alocução
Muito obrigado, Embaixador Gonzalo Koncke [Chefe de Gabinete do Secretário-Geral da OEA].
Se o Copresidente me permite, eu gostaria de fazer algumas observações rápidas a respeito das importantes intervenções que foram feitas aqui. Inicialmente, em relação à intervenção do Representante da OEA, só reiterar que coincido plenamente com a percepção do caráter fundamental da participação da OEA em todo esse processo. E gostaria de mencionar nominalmente o papel fundamental que o Secretário-Geral Luis Almagro teve, e continua tendo, mas muito especialmente em momentos entre 2016 e 2017, quando ainda havia muita relutância em se tratar com a dimensão que requer o tema da Venezuela, a liderança do Secretário-Geral Almagro foi fundamental. Gostaria de deixar esse registro dessa minha convicção.
Em relação às outras intervenções, se me permitem, eu gostaria de fazer uma muito breve reflexão, que é o seguinte: nós temos aqui representados os três vértices do triângulo da civilização democrática liberal – podemos dar diferentes nomes –, da nossa civilização, que são a Europa, a América do Norte e a América Latina e o Caribe.
Eu quero dizer isso enquanto estão presentes os Representantes sobretudo dos Estados Unidos e da União Europeia: acho que nós temos uma responsabilidade que vai além da dimensão puramente política. É uma responsabilidade conceitual. É uma responsabilidade de mostrar que temos a capacidade de nos mobilizar para que o absurdo que está acontecendo na Venezuela não aconteça.
A continuação de Maduro no poder na Venezuela é um descrédito não somente para os nossos países, para a nossa atuação internacional, mas para esses valores dessa civilização que, eu acredito, nós todos aqui compartilhamos. Eu acho que nunca podemos perder de vista essa percepção do absurdo; e jamais deixar que se normalize essa situação.
A segunda coisa, que tem a ver com esses valores civilizacionais; eu queria reiterar algo que mencionei rapidamente na minha intervenção inicial: parece-me absolutamente fundamental que nós, Grupo de Lima, e os demais atores aqui presentes, trabalhemos com o tema da informação, com o tema da mídia, com o tema da percepção na grande imprensa sobre o tema da Venezuela. E é preciso que mobilizemos a grande imprensa mundial, sobretudo a sediada na Europa e nos Estados Unidos, em favor da democracia na Venezuela. Eu acho que somente conseguiremos penetrar no restante da comunidade internacional quando a Venezuela se transformar numa causa. Ela ainda não se transformou numa causa para a opinião pública mundial. Ela é uma causa para nós, para os nossos governos, para parte das nossas opiniões públicas daqui na região, mas ela não se transformou ainda numa causa mundial, e eu acho isso absolutamente necessário e imperativo: que nós, na medida do possível, trabalhemos com todo o empenho nisso, em fazer chegar a realidade do drama venezuelano à grande imprensa e à grande mídia.
Como os senhores sabem, o Brasil recentemente sofreu uma campanha negativa de mídia absolutamente injusta e injustificada a respeito do tema da Amazônia, com base em mentiras, com base em desinformação. Em certa medida, isso já está arrefecendo, mas ainda é algo que nos afeta. Se um décimo da atenção – mentirosa, no caso – que foi dedicada ao Brasil no tema da Amazônia fosse dedicada à realidade – verdadeira – da Venezuela, ao sofrimento dos venezuelanos, eu tenho certeza que nós já estaríamos quebrando essa espiral de silêncio que existe ainda em muitas partes da comunidade internacional a respeito da Venezuela e conseguindo transformar a Venezuela na causa que ela precisa ser para toda opinião pública mundial.
Essa era a intervenção que eu gostaria de fazer neste momento.
Então, se o Chanceler do Peru, meu Copresidente, estiver de acordo, nós suspenderíamos essa sessão ampliada. Agradecemos novamente a participação de OEA, Estados Unidos, União Europeia e passaremos à sessão para a negociação do texto da declaração entre os países-membros do Grupo de Lima.
Muito obrigado. Agradecemos muito a presença dessas delegações.
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