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Alocuções do Ministro Ernesto Araújo na abertura da reunião do Grupo de Trabalho sobre Questões Humanitárias e de Refugiados do Processo de Varsóvia
Alocuções do Ministro Ernesto Araújo na abertura da reunião do Grupo de Trabalho sobre Questões Humanitárias e de Refugiados do Processo de Varsóvia, em Brasília (04/02/2020)
Palavras de abertura:
Boa noite, caros amigos, colegas,
Ministro; Senhor Secretário Adjunto;
Embaixadores, excelências, reconhecendo especialmente a presença de Sua Excelência, o Senhor Jacek Czaputowicz, Ministro das Relações Exteriores da Polônia, e Sua Excelência, o Senhor Richard Albright, Secretário de Estado Adjunto do Departamento de População, Refugiados e Migração do Estados Unidos, que nos honram com suas presenças.
Estou muito feliz de ter esta oportunidade de estarmos juntos nesta ocasião. Eu gostaria de dar as calorosas boas-vindas a todos os participantes do Grupo de Trabalho do Processo de Varsóvia sobre Questões Humanitárias e de Refugiados.
Estamos muito felizes por vocês poderem juntar-se a nós para o que esperamos ser uma série de discussões muito produtiva sobre tópicos tão importantes, como o acesso à educação e a proteção à criança, no contexto da crise humanitária e de refugiados no Oriente Médio.
Antes de fazer minhas próprias observações sobre o assunto, gostaria de convidar nossos muito distintos convidados e coanfitriões, senhor Czaputowics e senhor Albright, para dirigirem-se aos senhores. Permitam-me, primeiramente, agradecer à Polônia e aos Estados Unidos por convidarem o Brasil a sediar este Grupo de Trabalho, que é uma oportunidade única de contribuirmos com essa empreitada sempre desafiadora de ajudar a fomentar um melhor futuro para o Oriente Médio – uma região com a qual o Brasil se importa tanto – por meio de diálogo e cooperação.
Alocução principal:
Muito obrigado, senhor Albright, por suas palavras. Eu gostaria, mais uma vez, de reiterar o quanto somos gratos pela presença de todos os senhores e por esta oportunidade aqui hoje, e por trazerem a atenção e o prestígio de seus países a estas discussões.
Eu gostaria de elogiar e louvar muito enfaticamente os esforços articulados há aproximadamente um ano na Conferência de Varsóvia para Promover um Futuro de Paz e Segurança no Oriente Médio, da qual tive a oportunidade de participar. Foi bem no começo do meu mandato, bem no começo do atual governo, no Brasil, e eu percebi, naquela época, o quão convergente essa empreitada era com nossa tentativa, aqui no Brasil, de trazer novas ideias, novas perspectivas, e ação decisiva à nossa ação internacional, em linha com as profundas transformações que estamos tentando realizar no Brasil.
Estamos comprometidos, e creio que o caminho a seguir seja por meio da ação criativa, processos ousados, que são simultaneamente realistas e ambiciosos, como é claramente o caso do Processo de Varsóvia. Este processo já está atraindo muita atenção em todo o mundo, acho que ele está provando que tem a habilidade, a capacidade de auxiliar na obtenção de soluções que antes não acreditávamos ser possíveis.
O Brasil está certo de que podemos contribuir nesses debates. Como os senhores podem perceber pelas palavras de nossos coanfitriões, como o Brasil, a Polônia e os Estados Unidos, neste caso, podem trazer perspectivas diferentes, mas totalmente convergentes nesses assuntos, e que serão, é claro, enriquecidas pelas contribuições de todos os seus países. Estou certo de que, após as discussões amanhã, talvez tenhamos novas dúvidas, talvez novas perguntas, mas certamente novas ideias para lidar com esses assuntos urgentes
A abordagem abrangente e a participação inter-regional no Processo de Varsóvia certamente nos permitiram lidar não somente com a complexidade dos novos desafios confrontados pelo Oriente Médio, mas também com o imperativo de encontrar novas formas de superá-los, como eu dizia. Com essa abordagem orientada por soluções, o Processo de Varsóvia tem conseguido reconhecer a evolução da realidade geopolítica no Oriente Médio, fortalecer antigas parcerias e construir novas parcerias com a meta comum de fomentar a segurança e melhorar a cooperação regional.
O Processo de Varsóvia, nesse sentido, é totalmente compatível com a visão do Brasil para o que estamos certos que pode ser, um dia, talvez antes do que pensamos, um Oriente Médio mais pacífico, seguro e próspero. Alcançar essa visão requer uma abordagem concertada de países com opiniões semelhantes para combater ameaças e criadores de instabilidade, novos e antigos. Precisamos tomar ações decisivas contra disruptores, sejam eles atores estatais ou não estatais.
Estou convencido de que precisamos abordar as questões como são, como se apresentam na realidade, e não, como às vezes ocorre, ou como às vezes ocorria no passado, apenas pela leitura de manuais de política internacional ou pela repetição de declarações e comunicados mais antigos de momentos passados na história.
Os inimigos da paz e da segurança não hesitam em causar agitação naquela região para avançar suas ambições hegemônicas ou suas metas de promover a violência como um meio para a ideologia, ou a ideologia como um pretexto para a violência.
Também precisamos trabalhar juntos, cooperativamente, para superar as principais questões humanitárias e de refugiados que afetam milhões de indivíduos na Síria, no Iraque e no Iêmen, o que nos aproxima do tema deste Grupo de Trabalho.
Permitam-me apenas mencionar, por favor, que se, como é o caso, o Oriente Médio representa a maior crise do mundo em termos de refugiados, infelizmente temos, próximo às nossas fronteiras e dentro do Brasil e dos nossos países vizinhos, o que já é a segunda maior crise de refugiados na história, em razão do terrível regime ainda vigente na Venezuela.
Então nós, aqui, longe do Oriente Médio, estamos adquirindo uma ideia muito mais precisa dessa situação no Oriente Médio, e esperamos, por que não, que soluções em uma dessas áreas, já que vivemos em um mundo tão interconectado, possam auxiliar na geração de soluções na outra, na América do Sul e no Oriente Médio.
Caros amigos, quanto à Síria, por favor, permitam-me fazer também algumas considerações específicas. Este grupo de trabalho é uma oportunidade de revelar nossa convicção comum de que a única maneira eficaz de abordar a trágica crise na Síria é por meios políticos. O Brasil continua a apoiar o processo de negociação liderado pelo Enviado Especial das Nações Unidas, Embaixador Pedersen, e espera que seus esforços para fechar os espaços entre as partes serão correspondidos por um compromisso similar de todos os lados, para construir uma nova Síria democrática e próspera.
A educação é a espinha dorsal de qualquer processo futuro de reconstrução e um pilar de segurança de longo prazo no Oriente Médio. Há 1,5 milhão de refugiados sírios em idade escolar vivendo na Turquia, na Jordânia e no Líbano, mas quase metade deles não têm acesso à educação formal.
Os países hospedeiros tomaram medidas generosas para aumentar as matrículas, por exemplo, oferecendo educação pública gratuita a essas crianças, o que é louvável, é claro; contudo, barreiras como trabalho infantil, requisitos para matrículas, dificuldades com o idioma e uma falta de transporte acessível estão deixando as crianças fora da sala de aula em alguns desses países. Em 2019, quase 2,1 milhões de crianças estavam fora da escola, e mais 1,3 milhão estavam em risco de sair da escola na Síria.
Lembramos que o Brasil recebeu mais de três mil refugiados sírios desde o começo do conflito. Continuamos a oferecer vistos humanitários àqueles afetados pela guerra, para que possam encontrar proteção em nosso país. Como refugiados no Brasil, indivíduos afetados pelo conflito na Síria têm acesso a todos os serviços públicos, incluindo a educação pública; não obstante, assegurar assistência educacional de qualidade em situações de risco permanece um desafio. Contamos com diferentes instituições públicas, parceiros internacionais e a sociedade civil para auxiliar-nos a melhorar as vidas dos refugiados em nosso país.
No Iêmen, em razão do extenso conflito, há mais de 3,3 milhões de pessoas deslocadas internamente no país. Em 2020, o conflito no Iêmen completará seu sexto ano. Durante esse período, suas consequências humanitárias escalaram continuamente, trazendo-nos ao que é uma das piores crises humanitárias no mundo.
Mais de 24 milhões de pessoas no Iêmen precisam de assistência humanitária imediata, constituindo aproximadamente 80% da população do país. Após anos de impasse militar, importantes conquistas ocorreram nas tratativas realizadas em Estocolmo, mas a implementação dos termos acordados foi marcada por hostilidades renovadas entre as partes em conflito.
Em um esforços para contribuir com a cessação de hostilidades, o Brasil concordou em enviar pessoal como parte do Destacamento das Nações Unidas constituído pelo Conselho de Segurança com a atribuição de monitorar a situação no solo.
Quanto ao Iraque, o Brasil acompanha com grande preocupação os acontecimentos no país. Deve-se evitar maiores intensificações a todo custo, pois podem ter consequências devastadoras, em especial para as populações mais vulneráveis na região.
Estamos particularmente preocupados com a suspensão da concessão de cartas de acesso a atores humanitários realizando missões críticas para o apoio da população vulnerável do Iraque. Nos últimos três meses, entregas de auxílio no Iraque diminuíram em razão da interrupção de procedimentos de autorização previamente acordados.
Em conclusão, temos trabalhado com nossos parceiros dos EUA e da Polônia, neste grupo de trabalho, e estamos comprometidos a manter este processo como contínuo, a reunir países, organizações internacionais e a sociedade civil com muito conhecimento e experiência sobre desafios humanitários no Oriente Médio.
A ênfase na educação e proteção à criança é de particular importância; permite que enfrentemos as necessidades humanitárias da atualidade e a situação dos grupos mais vulneráveis, concentrando-nos nas tarefas de reconstrução e pacificação do futuro. Ela conecta a urgência de necessidades presentes a uma perspectiva de mais longo prazo na dimensão humana fundamental implicada na geração de paz sustentável.
Durante o curso de nossas discussões, poderemos considerar os desafios enfrentados por nossa própria região – como mencionei, as políticas do regime em vigor na Venezuela já forçaram quase cinco milhões de venezuelanos a deixar sua pátria. E, no futuro próximo, nós na América Latina podemos confrontar a realidade de mais de sete milhões de deslocados internos e refugiados, o que equivale, a propósito, a mais de 20% da população da Venezuela.
Como os senhores sabem, essa crise regional afetou o Brasil; a resposta do governo foi estabelecer uma força-tarefa de múltiplas partes interessadas, com liderança governamental, chamada Operação Acolhida – que, ficamos felizes em ver, tornou-se uma referência mundial – para assegurar assistência, proteção e oportunidade para venezuelanos que cruzaram as fronteiras para nosso país como refugiados, requerentes de asilo ou migrantes.
Na atual fase da Operação Acolhida, os venezuelanos podem escolher fazer parte de nosso programa de realocação interna; essa iniciativa aumenta suas perspectivas de encontrarem empregos e multiplica sua renda em uma média de 200%. Um estudo recente descobriu que 100% dos filhos de famílias participantes estão matriculados em escolas.
Esses são alguns dos valores e práticas que pensamos que podem ser parte da participação brasileira no debate aqui, para que todos esses valores e dados que acabei de mencionar possam ser abordados e mitigados no futuro próximo.
Estamos confiantes de que reunir diferentes perspectivas e experiências contribuirá para a descoberta de soluções inovadoras para nosso trabalho coletivo. Sou muito grato a todos os participantes que separaram seu tempo para estar conosco e que elevarão o nível de nossas discussões.
Acho que devemos estar confiantes e fazer deste um momento de resposta àquele velho ditado de que várias cabeças juntas são mais que a soma de suas partes. Penso que nosso trabalho coletivo aqui certamente nos tornará mais sábios e mais capazes de lidar com esses assuntos urgentes.
É ótimo ter a oportunidade de recebê-los aqui, e eu gostaria de convidá-los para um coquetel de boas-vindas aqui no Palácio do Itamaraty. Os senhores terão a oportunidade de apreciar uma apresentação do grupo musical Alma Síria, que é formado por nacionais sírios que vieram ao Brasil como refugiados e agora obtiveram sua cidadania brasileira.
Espero que tenham uma noite agradável, e aguardo vê-los lá em cima.
Muito obrigado.