Notícias
Alocução do Ministro Ernesto Araújo no seminário Focus on Africa 2020
Alocução do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, no seminário Focus on Africa 2020*
Muito obrigado. Muito bom dia a todos.
Não tinha ouvido ainda essa expressão, “the screen is yours” (“a tela é sua”). Agora, na nossa era da videoconferência, vou incorporar.
Muito obrigado, muito bom dia, doutora Natália Dias, CEO do Standard Bank Brasil,
Temos aqui conosco, também, a nossa equipe em Brasília, destaque para o Embaixador Kenneth da Nóbrega, nosso Secretário para Negociações com a África do Ministério das Relações Exteriores do Brasil,
Senhoras e senhores, audiência que prestigia este evento,
Para mim, é uma grande alegria estar com os senhores e com as senhoras, aqui, nesta manhã para nós em Brasília, e queria dizer que, antes de tudo, recebi com grande satisfação esse convite para estar com os senhores, porque falar da África é, também, e muito especialmente, falar do Brasil. E, igualmente, porque estamos muito entusiasmados com as perspectivas de um novo e mais positivo relacionamento com a África. Então, este seminário nos dá a oportunidade não só de falar daquilo que nós estamos pensando e fazendo em relação ao continente africano, quanto ouvir e recolher a ideia, recolher percepções, sobretudo do setor privado.
Concordo inteiramente com essa apreciação de que ao setor público cabe, digamos, preparar o campo de jogo institucional, mas às empresas, aos empreendedores, cabe, realmente, jogar o jogo da aproximação entre os dois continentes. Acho que esse é um conceito absolutamente chave nessa nova política brasileira com a África.
Aliás, esse é um tema interessante do ponto de vista de expressão, para voltar também ao tema de uso do idioma. Tradicionalmente se diz, aqui no Brasil, “política brasileira para a África”, como se nós, aqui no Brasil, fôssemos capazes de pensar tudo e propor, aos países africanos, uma política, uma série de medidas. Na verdade, a gente tem usado agora a expressão “política brasileira com a África”, “política do Brasil com a África”, porque temos de construí-la e queremos construí-la em conjunto.
Isso tudo se deve à nossa história, evidentemente, à nossa cultura, à formação do nosso povo. Agradeço muito à senhora Natália por ter mencionado essa parte de uma alocução que eu fiz ano passado sobre essa conexão entre o Brasil e a África por meio da nossa formação e, portanto, um Brasil que se quer mais próximo de seu povo. Uma política externa brasileira que quer ser feita a partir do seu povo é, necessariamente, uma política com um grande destaque na relação com a África.
Temos, portanto, esse passado, essa cultura que é passado, presente, futuro. E temos esses valores do presente, muito especialmente, diante dos desafios que nos enfrentam: do crescimento econômico, da luta contra o crime organizado, cada vez mais presente, e agora, claro, diante da necessidade de nos recuperarmos após a pandemia. Temos sido afetados dos dois lados do Atlântico Sul, não somente pela dimensão sanitária, evidentemente, mas, talvez até mais fortemente, pelas dimensões econômica e social. É um desafio imenso, mas é uma oportunidade, também, que está surgindo. O mundo que está surgindo após a pandemia é um mundo onde se redistribuem investimentos, onde se redistribuem papéis, onde as cartas do jogo estão sendo redistribuídas e países como o Brasil e os países africanos têm oportunidade de se reposicionar nessa trajetória de um mundo pós-COVID-19.
Desde o começo da nossa administração, em janeiro de 2019, com a posse do Presidente Jair Bolsonaro, nós temos tentado, realmente, reerguer este país que se reencontra consigo mesmo, que se reencontra com a sua vocação de uma nação livre, de uma nação aberta ao mundo. E queremos promover essa abertura não simplesmente do ponto de vista tradicional da cultura, da imigração, dos contatos, mas, cada vez mais, do ponto de vista econômico. Nós temos um projeto muito ambicioso de transformação do nosso sistema econômico, de abertura, de inserção com base, justamente, em um ciclo de crescimento centrado no setor privado.
No ano passado, trabalhamos fortemente com a África com a ideia de termos esses novos conceitos, novos eixos para nosso relacionamento com a África. Eu vou falar um pouco disso logo mais adiante. Queria destacar, antes disso, que foram vários os contatos e encontros do Presidente Jair Bolsonaro com chefes de Estado africanos, as visitas de altas autoridades brasileiras à África e de dignitários africanos ao Brasil. Só como exemplo, na posse do Presidente Jair Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019, vieram à posse o Presidente de Cabo Verde, o Primeiro-Ministro do Marrocos e os Ministros de Negócios Estrangeiros de Angola e São Tomé e Príncipe. Depois, no contexto da Cúpula de Chefes de Estado dos BRICS, em Brasília, o Presidente teve reunião bilateral muito produtiva com o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa. Ao longo do ano passado, eu, propriamente, tive a oportunidade de receber, no Brasil, várias autoridades africanas, como os Ministros do Exterior do Marrocos, do Togo e da África do Sul.
Com todos esses países, nós temos tido essa oportunidade de procurar novos horizontes. Queremos ter, como eu dizia, uma política conjunta com toda a África, mas, ao mesmo tempo, queremos ter, claro, um trabalho específico com cada um dos países africanos, dadas as potencialidades diferentes, as características diferentes. Isso também é algo que parece óbvio, mas não necessariamente foi sempre o caso: a ideia de que precisamos ter essa diferenciação, essa especificidade, sempre escutar o que são as prioridades do outro lado, e não simplesmente dizer quais são as nossas ideias.
Ainda nesse breve histórico do que já fizemos, em julho do ano passado, 2019, eu tive a honra de chefiar a delegação brasileira à Reunião do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Cabo Verde, onde pude comprovar a importância transcendente desse órgão, dessa comunidade – que, inclusive, vai além dos nossos dois continentes, evidentemente, com países da Europa e da Ásia também (Portugal e Timor), mas que tem, claro, uma grande centralidade no continente africano – , nessa relação de reconstruir uma agenda a partir de algo profundo, algo enraizado, como é a língua portuguesa. Mas sem nos limitarmos a essa dimensão do idioma, e sim, a partir dela, construirmos novas iniciativas em áreas que são vitais para nós, como a circulação de pessoas e, cada vez mais, também o tema da segurança. Além de continuarmos com a valorização da língua portuguesa, que é uma das principais línguas das Américas e, ao mesmo tempo, uma das principais línguas da África, como bem sabemos.
Tive, no final do ano passado, em dezembro, a oportunidade de realizar uma viagem por quatro países do continente africano: Cabo Verde, Senegal, Nigéria e Angola. Tinha planejado uma nova viagem neste ano a países da África Oriental, pelo menos uma, idealmente duas mais viagens à África para esse período de 2020. Infelizmente, por causa da pandemia, não foi possível realizá-la. Mas, nessa viagem, eu queria mencionar justamente algumas especificidades.
Em relação a Cabo Verde, por exemplo, que é um dos maiores parceiros do Brasil na área de cooperação educacional, mencionaria o fato de que recebemos, no Brasil, centenas de estudantes provenientes do Cabo Verde, o que cria um laço extremamente estreito entre os dois países. Acaba criando, também, um laço entre as duas economias, já que esse conhecimento direto, por parte dos estudantes, depois se traduz na capacidade das pessoas de atuarem de maneira diferenciada nos laços econômicos, na criação de oportunidades econômicas. Isso tem se verificado muito claramente em relação ao Cabo Verde.
Em relação ao Senegal, nós sabemos que é uma das economias que mais crescem no mundo. Queremos explorar oportunidades para o comércio agrícola, por exemplo, e para os investimentos agrícolas.
No caso da Nigéria, é um imenso mercado para as nossas exportações agrícolas, mas queremos que seja também um destino de nossos investimentos nessa área. Achamos que, cada vez mais, os investimentos no setor agrícola – acho que a Nigéria é um caso muito especial, mas extrapola desse caso – são uma nova avenida que queremos abrir com o continente africano.
Angola é um parceiro tradicionalíssimo do Brasil na África. Foi uma alegria, também, estar nesse país. Temos uma agenda muito convergente em várias áreas. Queria, aqui, dar apenas um exemplo, algo que é muito premente hoje e há vários anos, para o povo brasileiro e para o nosso governo, que é o combate à corrupção. É algo que também está sendo uma prioridade, que se tornou uma prioridade para Angola, e temos cooperado nessa área por meio de troca de missões, troca de experiências, envio de missões do Brasil com pessoas que participam desse processo de combate à corrupção aqui. Já agora, em 2020, tive uma nova reunião com o então Ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, e falamos um pouco desse tema da parceria, também, na questão da segurança no Atlântico Sul, algo que queremos desenvolver com vários países da África.
Apesar dos desafios e das limitações impostas pela pandemia, temos continuado com um diálogo muito profundo, cada vez mais profundo, com diferentes países africanos. Temos previstos agora para o restante de 2020, início de 2021, encontros bilaterais, reuniões de comissões de diálogo, de consultas políticas, que não se restringem exclusivamente ao tema político, mas também à dimensão econômica, com cinco países: Botsuana, Etiópia, Gana, Namíbia e Quênia.
Nós, portanto, buscamos redefinir os eixos dessa nossa política com a África. E, após toda uma série de contatos, toda uma série de troca de ideias procurando reformatar essa dimensão da nossa inserção no mundo, nós desenhamos e estamos procurando implementar uma política centrada em quatro eixos: o eixo dos valores, o eixo da segurança e defesa, o eixo econômico-comercial e o eixo da cooperação.
Não é por acaso que queria começar falando de valores. É porque realmente acreditamos que qualquer interação internacional tem de estar baseada não simplesmente no interesse imediato, mas na identidade dos povos, na identidade das nações, naquilo que diferencia cada país e, portanto, cada par de países, cada par de regiões ao redor do mundo. Acho que talvez tenha sido um dos problemas desse processo de globalização, nos últimos 20, 30 anos, o fato de que essa dimensão foi muito deixada de lado em função, apenas, das estratégias econômicas, digamos, de mais curto prazo. E estamos convencidos de que a criação, a valorização desse substrato de valores – que, portanto, tem a ver com a cultura, tem a ver com a valorização da soberania, da democracia, da liberdade – cria uma base muito mais sólida para os intercâmbios econômicos.
Queria só lembrar: temos falado muito nos foros internacionais, o Presidente Jair Bolsonaro tem falado muito, por exemplo, na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, do tema da liberdade. Naquela ocasião, na abertura da Assembleia Geral, o Presidente ressaltou que a liberdade é o bem maior da humanidade. Isso, para nós, é absolutamente essencial. Isso não é um ponto de retórica. Isso é a constatação, a partir de uma experiência brasileira, de que uma sociedade saudável, que é capaz de prover prosperidade para o seu povo e, ao mesmo tempo, criar as condições para a dignidade humana e para o pleno exercício potencialidades humanas tem de estar centrada na dimensão da liberdade.
Voltando a essa crítica que, um pouco, fazemos ao processo de globalização. Vemos que a globalização, ao longo de 30 anos, foi silente, foi indiferente à temática da liberdade e da democracia. Isso é um dos problemas que, hoje, nós enfrentamos no mundo, esse desafio de como voltar e repensar essa questão. Eu acho que ficou claro que não bastou a dimensão econômica da globalização. Claro que foi muito importante todo processo de abertura, de criação de novos fluxos econômicos ao longo dessas décadas, mas isso não foi suficiente para prover a outra dimensão, que é essa dimensão do significado, essa dimensão da dignidade que ainda está faltando em nossas sociedades e que é um dever nosso prover e buscar permanentemente.
O segundo eixo dessa nossa visão é a aproximação e o trabalho conjunto em defesa e segurança. Aqui há um campo imenso e uma urgência muito grande para o trabalho conjunto. Na América do Sul, nós, cada vez mais, vislumbramos, infelizmente, essa realidade do crescimento do crime organizado e de uma articulação crescente e crescentemente transnacional do crime organizado, que não se limita às atividades, digamos, tradicionais do narcotráfico e contrabando, etc., mas que, cada vez mais, está ligado ao terrorismo de, digamos, agentes instalados em nossa região e instalados em outras regiões; ao tráfico de pessoas, que é algo muito dramático na América Latina como um todo; e a processos de corrupção, a processos de corrosão institucional em alguns países. Tudo isso articulado, muitas vezes, em torno de determinadas correntes políticas e determinados projetos políticos no continente e na nossa região.
E esse não é um problema sul-americano nem latino-americano. Cada vez mais vemos como um problema mundial, porque essas estratégias criminosas são transnacionais, transcontinentais. Então, muitas vezes, verificamos que o narcotráfico oriundo da América do Sul acaba passando pela África rumo à Europa e a outros destinos, alimentando grupos terroristas, por exemplo, que infestam a nossa região e são tão nocivos a tantas regiões, infelizmente, da África e de outros continentes. São problemas que nós temos em comum e que nós precisamos enfrentar em conjunto por causa desse caráter transnacional e desse caráter, digamos, multidisciplinar, se podemos dizer assim, do crime organizado.
Na estrutura financeira, por exemplo, nós vemos uma coexistência e uma alimentação recíproca de várias vertentes do crime, sobretudo na lavagem de dinheiro e na transmissão ilegal de recursos. Diz-se que o dinheiro do narcotráfico e do terrorismo se lava junto, e essa lavagem conjunta tem a ver com uma nova estratégia dessas entidades criminosas. Isso é um problema sobre o qual se precisa falar. É um problema que gostaríamos que não existisse; gostaríamos de estar aqui falando, simplesmente, de abertura comercial e de outros temas, mas o desafio da segurança, o desafio do combate ao crime organizado é muito premente. A permanência e o crescimento desse tipo de articulação político--criminosa é um desafio gigantesco para as sociedades do mundo todo – e do Brasil e da África, muito certamente.
Então, nós estamos acompanhando os desdobramentos do Golfo da Guiné com o objetivo de apoiar os países da região para enfrentar a criminalidade que existe naquela região. Nós instituímos, em 2019, aqui no Brasil, um grupo de trabalho interministerial para acompanhamento da situação no Golfo da Guiné, com a participação do Itamaraty e do Ministério da Defesa, e acabamos de nos tornar, agora, membro pleno do grupo do G7 de Amigos do Golfo da Guiné, um mecanismo que inclui, além dos membros G7, países da costa ocidental da África, outros países da Europa e o Brasil, no caso. Como parte desses esforços de promoção da segurança, nós mantemos um oficial no centro inter-regional de coordenação, sediado em Iaundê, que coordena as iniciativas regionais africanas para combater os ilícitos no Golfo da Guiné. Além disso, a Marinha do Brasil vem participando de exercícios navais naquela região e enviou, em 2019, um oficial ao Cameroun para dar apoio técnico à instalação de um sistema de informação sobre o tráfego marítimo. Exemplos muito concretos dessa cooperação, que pode crescer muito na dimensão da segurança.
Trabalhamos muito e queremos trabalhar cada vez mais pela consolidação do Atlântico Sul como zona de paz, cooperação e estabilidade em torno da ZOPACAS, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. Foi uma iniciativa dos anos 1980 na qual o Brasil se empenhou muito e que precisa ser atualizada. Nos anos 1980, havia determinados desafios. Eram mais desafios clássicos, digamos, dentro de um contexto de Guerra Fria, no qual a ideia era manter, digamos, o Atlântico Sul fora da tensão que se gerava em função das características geopolíticas do que se chamou a Guerra Fria. Então, formaram uma região, um eixo através do Atlântico Sul, baseado na paz na cooperação. Hoje, os desafios são diferentes. Hoje, o enfrentamento é entre a liberdade, a democracia e o crime organizado. Isso é, mais ou menos, o desenho que, cada vez mais, se faz claro. Não é entre nem entidades políticas ou ideológicas com visões diferentes, é entre aqueles que queremos, em nossas sociedades de países em desenvolvimento, construir estruturas sólidas – estruturas profundamente democráticas, com oportunidades econômicas – e esse desafio da criminalidade.
No âmbito da CPLP, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, queremos, cada vez mais, enfatizar e trabalhar com o Centro de Análise Estratégica da Organização, com sede em Moçambique, que se dedica a pesquisa, estudos e difusão de conhecimentos em matéria de defesa, nessa ideia de que, cada vez mais, também temos defesa e segurança como algo conjunto. As respostas aos desafios têm de ser atualizadas, e aquela distinção clássica entre o que é segurança e o que é defesa – ou seja, entre o que é trabalho da Polícia e o que é trabalho das Forças Armadas de cada país – é, crescentemente, posta à prova. Nós precisamos modernizar esse tipo de visão, acho que dentro de cada país e na cooperação internacional.
Na dimensão econômico-comercial – queria muito chegar nesse ponto, dada a ênfase muito grande que esse encontro pode ter e está tendo, tenho certeza, nessa dimensão –, nós temos, há décadas, uma tentativa de ter uma presença comercial, econômica mais intensa do Brasil na África. As diferentes estratégias, os diferentes impulsos que aconteceram ao longo dos anos deram resultados parciais, digamos. Precisamos, agora, pensar como voltar a essa relação em novas bases, também de acordo com as novas realidades. E, aqui, nós vemos com muito interesse, e como uma imensa oportunidade, a tendência de integração econômica e comercial crescente no continente africano. Nós, como eu dizia, queremos ter uma relação muito específica e muito produtiva com cada país africano, mas, ao mesmo tempo, vemos que há essa oportunidade imensa de criar uma relação do conjunto da África com o Brasil em torno da própria integração econômica e comercial que existe no continente africano.
Então, na primeira vertente, digamos, na vertente mais bilateral, nós temos trabalhado, cada vez mais, com a promoção comercial – tanto diretamente, através das embaixadas que o Brasil mantém, quanto através da nossa Agência de Promoção de Exportações e de Investimentos, a Apex-Brasil, que nós revalorizamos, nós reestruturamos em alguns aspectos, e que tem tido, mesmo dentro da pandemia, uma atuação muito significativa na diversificação da nossa presença e intensificação da nossa presença comercial na África.
Mas eu acho que a grande novidade, a grande, digamos, oportunidade que se abre é nessa dimensão de negociações comerciais que estão em curso na África e que mudam a nossa visão em relação ao continente africano. Uma África que se integra, que procura se estruturar a partir de um enfoque integrado como também foi o caso da América do Sul em muitos sentidos. Nós vivemos essa experiência de uma América do Sul onde cada país tinha relações próprias com o resto do mundo, mas faltava, como ainda falta, integração entre nós. Há décadas também procuramos suprir essa deficiência. Vemos que talvez haja uma tendência semelhante na África, de buscar olhar para o próprio continente e não apenas para os outros parceiros fora da região.
Isso nos cria, justamente, um interesse imenso, justamente no momento em que o Brasil está se abrindo e procurando novas estratégias, novos eixos de inserção. Como sabem, fechamos, no ano passado, os dois maiores acordos comerciais da nossa história das últimas décadas, com a União Europeia e com a EFTA, através do MERCOSUL. Um impulso muito grande, graças à liderança e o impulso muito grande que o Brasil trouxe a essa dimensão. Aliás, faço um parêntese: o MERCOSUL ficou muito tempo parado, muito tempo concentrado em aspectos não econômicos, um pouco perdido da sua vocação original, que é de abertura econômica, integração aberta e defesa da democracia - esta última também um elemento que tinha se perdido ao longo do caminho. A partir do ano passado, conseguimos reestruturar essa vocação original do MERCOSUL, concluímos esses dois grandes acordos, redinamizamos o bloco como parte dessa nossa estratégia.
Mas, como dizia, o Brasil e a África, hoje, se encontram no momento de repensar suas estratégias de desenvolvimento, e precisamos estar juntos nesse momento. Nessa viagem que já fiz à África, no ano passado, procurei explorar com os vários países visitados esse tipo de ideia, de como, por meio das relações bilaterais excelentes que nós temos com tantos países africanos, chegar a uma relação com o conjunto da África. Isso, para nós, é a grande ideia, o grande desafio no momento e, quero, inclusive, escutar muito mais as ideias dos senhores sobre isso.
Nós verificamos neste ano, com toda a crise em função da pandemia, uma certa retração das trocas comerciais. Mas isso é normal; nós temos uma oportunidade imensa de retomar a partir do ano que vem, inclusive porque a economia brasileira já está em um processo muito rápido de recuperação. Os números do final deste ano serão, certamente, bem melhores do que se imaginava alguns meses atrás. Os índices de emprego, de investimentos, tanto investimentos domésticos quanto investimentos produtivos, investimento estrangeiro direto, são muito animadores, de modo que 2021 certamente será um ano de crescimento acelerado, e espero que seja o caso tanto no lado brasileiro quanto no lado africano.
Embora, como eu dizia, tenha havido queda na corrente de comércio nessa parte de 2020 até aqui em comparação com o mesmo período de 2019, houve, ainda assim, um crescimento de diversos itens na pauta de exportação brasileira para a África. Isso é muito significativo da potencialidade, sobretudo do setor agrícola. Houve, nesse período dos primeiros nove meses de 2020, um aumento de 216% nas exportações de soja do Brasil para a África, 40% nas exportações de açúcar e o crescimento, no outro sentido, de quase 10% das importações brasileiras de adubos e fertilizantes provenientes do continente africano. Um efeito realmente extraordinário, tendo em vista o cenário mundial, e que mostra essa complementaridade muito grande existente dentro do setor do agronegócio, com a importação de adubos e fertilizantes e a exportação de produtos agrícolas do Brasil para a África.
Mas queria, aqui, voltar a um tema que queremos trabalhar muito mais intensamente, e já temos trabalhado aqui no Brasil com diferentes entidades do setor do agronegócio, que é o tema do investimento no agronegócio, ou seja, aproveitar e transplantar a experiência muito exitosa do Brasil nesse setor para diferentes países da África. Essa acho que é a outra dimensão nova que podemos abrir com o continente, além da dimensão do relacionamento com negociações comerciais com o conjunto do continente africano, essa dimensão do investimento agrícola. Como sabem, a partir dos anos 1970, o Brasil transformou completamente a sua agricultura. Era um país, em grande medida, dependente de importações de gêneros agrícolas, apesar da qualidade e da disponibilidade do nosso território. Graças à tecnologia agrícola, fundamentalmente, fomos capazes de nos transformar, hoje, realmente, em uma potência agrícola, sempre entre os primeiros um, dois, três grandes produtores e exportadores de gêneros essenciais, tanto de grãos, quanto de açúcar, quanto de carnes. Isso, em um período relativamente curto de uma geração, transformou completamente o cenário do Brasil e transformou completamente o cenário da nossa inserção comercial no mundo. Achamos que o continente africano pode ter essa mesma vocação e nós temos a experiência dessa revolução agrícola baseado, como dizia, em tecnologia. Temos, provavelmente, a melhor instituição de tecnologia agrícola do mundo, que é a Embrapa, e todo um setor privado, todo um empresariado extremamente competitivo e extremamente capaz de levar adiante esse processo transformador, tenho certeza, em outros países, se abrirmos essa fronteira dos investimentos no agronegócio.
Aqui, também, um parêntese, e é importante que se diga: todo esse crescimento da nossa agricultura, do nosso agronegócio, se faz de maneira absolutamente sustentável. Nós temos um dos setores agrícolas mais sustentáveis do mundo. O aumento da produção que se dá ano a ano, há muitos anos, da produção de grãos, por exemplo, se faz sem aumento da área, praticamente, apenas com o aumento da produtividade. No caso da pecuária, a nossa área de pastagens, inclusive, nos últimos dez anos, sofreu uma pequena redução; então, com uma pequena redução da área empregada para a criação, no caso, de gado bovino, sobretudo, aumentamos a nossa produção e aumentamos as nossas exportações. O que se diz muito comumente na imprensa internacional, de que a agricultura brasileira se faz à custa de uma destruição do meio ambiente, de uma destruição da Amazônia, isso absolutamente não é o caso. Muito pelo contrário: ela se faz com base em tecnologia, com base em produtividade, com base na competência dos empreendedores privados e nessa parceria entre governo e iniciativa privada, na qual a iniciativa privada tem a grande liderança.
Achamos que, talvez, haja uma certa semelhança na maneira com o Brasil e a África, ou, pelo menos, vários países africanos, são vistos na imprensa internacional. Há uma tendência de não conhecer as nossas realidades, de pensar o Brasil e a África a partir da realidade de 30, 40, 50 anos atrás e a partir de estereótipos. Isso é muito danoso a esse mundo de liberdade e prosperidade que queremos montar, porque somos países que estamos buscando, justamente, esses eixos. E isso, muitas vezes, não é compreendido pelo público internacional por causa de distorções que aparecem, sobretudo na mídia e em alguns grupos, algumas ONGs, que – muitas vezes com ligações com setores políticos suplantados em nossos países – insistem em criar uma narrativa falsa. Pessoas que, no caso da Amazônia, nunca tiveram na Amazônia, não conhecem e se põem a falar sobre a Amazônia com base em dados completamente falsos ou, muitas vezes, manipulados.
Temos feito um esforço enorme, inclusive, de proteção crescente da Amazônia. Este governo instalou, pela primeira vez, um Conselho da Amazônia, ou seja, um órgão interministerial para coordenar todas as atividades das várias áreas do governo envolvidas. Pela primeira vez, estão se deslocando Forças Armadas para o combate a incêndios e para a implementação da legislação ambiental no Brasil. Isso é preciso que se conheça quando se fala, sobretudo, de agricultura ou de agronegócio. Então, se realmente abrirmos essa frente do investimento do agronegócio brasileiro na África, o que nós estaríamos transpondo e propondo é um setor sustentável, um setor com alta tecnologia, um setor com alta capacidade empreendedora e que transforma a economia e que gera renda. E que gera uma transformação social, também, porque a imagem de setores da agricultura brasileira, de alguns grandes proprietários e uma massa de trabalhadores explorados, isso absolutamente não é mais a realidade. É um setor que gera renda, não só, claro, para as grandes empresas, mas, também, para os pequenos agricultores e para os trabalhadores rurais. E esse tipo de modelo é aquele que nós estamos prontos e queremos compartilhar com a África em interesse comum.
E, para finalizar, o quarto eixo, que é o eixo da cooperação. É um eixo mais tradicional, digamos, da relação Brasil-África, mas que nós estamos procurando reestruturar sempre em busca de quais são os imperativos do momento, quais são as oportunidades do momento. A nossa cooperação técnica pauta-se pela valorização das capacidades locais, ou seja, pela efetiva transmissão de conhecimento. Os projetos de cooperação brasileira procuram, sempre, ser projetos que, depois de finalizados, criam uma capacidade permanente no país que recebe a cooperação, seja no setor que for, e não somente algo pontual, não somente algo que vai e, depois, desaparece quando o projeto termina. Temos essa filosofia muito clara. São, evidentemente, projetos que se baseiam, também, na semelhança geográfica, na semelhança cultural, na semelhança de valores, como eu dizia, entre Brasil e África. Portanto, tudo se soma, ou seja, essa dimensão de uma nova presença econômica e comercial do Brasil na África, eu tenho certeza que gerará novas ideias, novas necessidades de projetos de cooperação e vice-versa. Os projetos de cooperação, eles também precisam criar esses eixos. Além da transferência de conhecimento, precisam levar também à criação de eixos econômicos capazes de criar renda, capazes de gerar emprego no país que recebe a cooperação.
Cooperação humanitária também é algo que tem sido muito frequente, e temos sempre, dentro dos nossos recursos, que são limitados, a sensação e a certeza de que há uma solidariedade íntima e profunda entre o Brasil e a África. Isso sempre nos leva a procurar ser os primeiros, estar entre os primeiros, a prover cooperação humanitária, mas isso dentro dessa filosofia de cooperação que mencionei. Claro, há sempre situações de emergência em que é preciso colaborar para enfrentar, mas nossa cooperação tem a filosofia de procurar ser uma cooperação entre iguais e uma cooperação com vistas a uma estrutura permanente, uma estrutura de longo prazo.
Eu até tinha vários outros temas aqui para mencionar em áreas específicas, como energia, como outras dimensões, mas acho que procurei já dar uma ideia desse nosso redesenho da relação Brasil-África e fico à disposição dos senhores.
Muito obrigado.
________________
* Fonte: Ministério das Relações Exteriores