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Alocução do Ministro Ernesto Araújo no canal Personalidades em Foco
Alocução do Ministro Ernesto Araújo no canal Personalidades em Foco (08/09/2020)
Obrigado, Dr. Paulo Zottollo. Obrigado, também, Almirante Leal Ferreira. É um grande prestígio, uma grande alegria estar aqui, acompanhando as atividades deste grupo, que tem realmente contribuído para o debate em tantas áreas da vida nacional. Então, parabéns, antes de mais nada. É uma grande honra para mim.
O título “Personalidades em Foco”, bem, as personalidades são os senhores, porque, com tantas grandes personalidades aqui, eu gostaria somente de contribuir com algumas reflexões para depois termos uma discussão na linha do que o Almirante Leal Ferreira comentou.
Eu queria começar com uma breve introdução de natureza mais conceitual, pois creio que hoje, no debate nacional, certamente na política externa, grande parte do problema é de entendimento de conceitos e de que, muitas vezes, as pessoas usam conceitos, palavras, sem investigar a realidade que esteja subjacente a esses conceitos. As pessoas concentram-se exclusivamente nas palavras, no apelo emocional que essas palavras têm, e elas não existem no vácuo; elas existem para descrever algum tipo de realidade. Mas eu tenho visto isso muito no debate sobre política externa.
Há três conceitos que eu gostaria de mencionar aqui que fazem parte desse grupo de palavras que precisam adquirir substância; são esqueletos de palavras que precisamos “recolher a carne” que está em volta dessas palavras. Primeiro, o conceito de prestígio; depois, o conceito de liderança; e por último, o conceito de pragmatismo.
Primeiro, a questão do prestígio: fala-se muito em ganho ou perda de prestígio, por parte do Brasil ou de algum outro país, isso é muito presente hoje. Mas como se mede o prestígio? Sobretudo, quem mede o prestígio? Eu acho que é um tema aberto à discussão, mas, por qualquer métrica razoável – depois eu gostaria de dar alguns exemplos em termos de atividade externa, de atividades de atuação externa, de política externa –, pode-se argumentar que, hoje, o Brasil elevou o seu prestígio no cenário internacional e, sobretudo (acho que isso é importante), a nossa política externa elevou, digamos, o seu prestígio junto à população brasileira – não como uma coisa gratuita, mas porque nós, eu tenho certeza, estamos mostrando serviço para aquilo que são as prioridades da população brasileira no nosso país.
Temos resultados para mostrar na área econômica; em tecnologia; na participação em fóruns internacionais; em governança global; em meio ambiente; por qualquer métrica razoável. O que existe, às vezes, é uma simples caixa de ressonância onde algumas pessoas dizem: “olha, tem um problema, hoje, de prestígio na atuação do Brasil”, e outras pessoas repetem e nunca vão investigar. Claro, é um pouco subjetivo, mas como se dá objetividade a isso? Isso geralmente não se encontra.
Depois, a questão de liderança. Às vezes, também se vê por aí que teríamos algum tipo de perda de liderança na América Latina, ou em algumas áreas de negociações internacionais. Ora, aqui eu diria o seguinte: eu acho que, durante muito tempo, talvez, o Brasil tenha sido um líder, mas um líder um pouco estranho – uma definição que eu acho que não é a da maioria de nós, aqui –, era um líder que fazia aquilo que os outros queriam; um líder que ia para onde os outros queriam levá-lo. Eu acho que essa não é muito a definição de liderança, uma palavra que vem do inglês to lead, que é “conduzir”. Acho que nós éramos um líder sempre conduzido; conduzido por ideias alheias e conduzido por interesses alheios.
Só para dar rápidos exemplos: na América do Sul, ao longo da maior parte deste século XXI, visivelmente, por qualquer análise objetiva, a liderança na América Latina começou a ser exercida, sobretudo na América do Sul, pela Venezuela de Hugo Chávez. E o Brasil embarcou em projetos capitaneados por Hugo Chávez, como a UNASUL, o Conselho de Defesa Sul-Americano, projetos de integração física que nunca construíram um único quilômetro de rodovia, mas que eram chamados de projeto de integração física, e assim por diante.
Eu não quero adiantar muitos exemplos, mas, estamos, aqui, num ambiente informal, então eu queria já mencionar algo que me chama muito atenção hoje no debate nessa questão de liderança; porque às vezes também se diz que o Brasil teria perdido a liderança em debates ambientais. Bem, eu acho também que, ao longo de décadas, o que significava o conceito de liderança nos debates ambientais? Significava fazer tudo o que os europeus queriam. Os europeus sempre foram um pouco o núcleo dos grandes acordos ambientais, desde o começo dos anos 1990. Então, o Brasil era chamado de líder, também, porque estávamos seguindo, ali, a condução dos europeus, sem atrapalhar – muitas vezes ajudando – uma determinada agenda, e isso, claro, era elogiado por aqueles que tinham interesse nessa agenda.
Hoje, um dos aspectos que nós queremos obter nas negociações ambientais é, de maneira muito direta, o pagamento pela preservação da floresta. É um cálculo que está, de alguma maneira, inserida nos acordos, mas que não é implementado. O fato de que o gasto, o empenho, o esforço que existe para a preservação ambiental, sobretudo na Amazônia, deve gerar dinheiro, basicamente; deve gerar transferências internacionais, de acordo com o que, inclusive, está implícito nos acordos. Mas não é implementado, claro, porque não há interesse daqueles que estão no núcleo negociador.
Eu converso muito sobre isso com o Ministro Ricardo Salles, que tem a liderança (aqui sim) nessa discussão, e que eu admiro muito por sua coragem, por seu denodo nessa discussão, e que o Itamaraty apoia, evidentemente. Essa inovação, digamos, teria interesses positivos gigantescos para o Brasil. Se nós conseguirmos realmente mecanismos pelos quais nós recebamos recursos pelo fato de manter a floresta em pé, isso é uma revolução – uma revolução para o bem do meio ambiente e para o bem do Brasil na economia e em outras áreas. Mas, claro, como nós queremos uma coisa diferente do que querem certos grupos internacionais, europeus, ONGs (essas grandes ONGs ambientais), em alguns casos, aí nós não somos líderes – porque nós estamos pedindo algo que não está no manual desse establishment ambiental. E usam esse tema da perda da liderança, um pouco, para nos envergonhar, talvez, como se nós fossemos perguntar: “ah, como eu faço para voltar a ser líder?” “Faça tudo o que eu quero”, “Ah, então está bom”. Isso não vai acontecer. Tem gente que ainda não nos conhece; outros sim.
Em terceiro lugar, temos a questão do pragmatismo. Fala-se muito em pragmatismo como um grande princípio de política externa. Vamos entrar na discussão conceitual: o que é pragmatismo? Pragmatismo faz parte da razão instrumental. O pragmatismo é uma maneira de atuar numa determinada situação. Mas o pragmatismo não te dá os objetivos da tua atuação; é preciso ter um norte; é preciso ter determinados objetivos; é preciso ter um rumo e, aí, segui-lo, de maneira pragmática. O que significa isso? Sim, com habilidade, às vezes contornando determinados obstáculos, mas, tendo um determinado rumo. O pragmatismo não pode ser um objetivo. Não faz sentido considerar o pragmatismo como um objetivo ou como um princípio em si mesmo. Ele é uma maneira de atuação.
Mas, aqui também, nós temos uma distorção do uso do termo. Começa, também, com uma pequena questão semântica porque, geralmente, se coloca um par de opostos: pragmático e ideológico. Na verdade, normalmente, o oposto do pragmático é o dogmático (ideológico não é o mesmo que dogmático; podemos usar de maneiras diferentes); mas, enfim, assumamos essa dicotomia pragmático x ideológico. No debate, muitas vezes, o que se entende por pragmatismo? Aqui também se entende que, às vezes, pragmatismo é fazer o que a outra parte quer. Eu acho que isso não é um bom princípio de atuação. Então, cada vez que você não faz o que a outra parte quer, em uma negociação, numa situação, você não está sendo pragmático. Por que não o pragmatismo do outro lado? O pragmatismo tem que ser um encontro de pragmatismos, de alguma maneira. Mas não é assim que normalmente é aplicado.
Cada vez que defendemos, perseguimos um determinado princípio, seja de que maneira for, ultimamente vem, imediatamente, uma pecha de ideologismo ou de dogmatismo (que se usa menos) e de falta de pragmatismo. Ora, isso não se aplica, porque, como eu dizia, a questão é: qual é o seu objetivo? Por exemplo, na América do Sul: qual é, talvez, o nosso principal objetivo hoje? É a democracia. E, muito especialmente, promover a democracia na Venezuela. Como você faz isso? Com firmeza, com determinação, perseguindo esse objetivo. O que significa o pragmatismo? Significa coisas que nós estamos tentando, vendo onde nós podemos exercer a pressão pela democracia, mas não significa fazer aquilo que o regime ditatorial, genocida, que tem o poder hoje na Venezuela, quer. Mas, às vezes, é o que se imagina.
Eu acho que o conceito de pragmatismo virou uma desculpa para você abandonar a defesa dos seus interesses quando a coisa fica difícil. Ficou difícil, então se diz “não, temos que ser pragmáticos”; aí, pragmático significa recuar, significa atender aos interesses do outro, e não continuar com os seus próprios interesses. Eu acho que, surgiu, assim, um conceito de pragmatismo, de diplomacia, como se ser diplomático fosse ser molenga. Eu acho que não. Não necessariamente, pelo menos. Não é o que nos orienta. Eu acho que a diplomacia é uma das formas de defender os interesses nacionais com determinação, com firmeza, como eu dizia. Eu acho que é isso que se espera de uma política externa.
Só mais um exemplo dessa questão de pragmatismo: o tema do Oriente Médio. Às vezes se diz que nós estamos defendendo posições ideológicas. Bom, o que hoje o Brasil tem tentado é favorecer, estimular, apoiar iniciativas, ideias novas, criativas, que permitam chegar à paz, à estabilidade no Oriente Médio e resolver a questão Israel-Palestina. Achamos que, por exemplo, o plano de paz que foi apresentado pelos Estados Unidos no começo deste ano era uma base negociadora boa (continua sendo); elogiamos muito o acordo de paz firmado agora, entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, e achamos que é por aí. Mas, algumas pessoas acham que não. Acham que as soluções têm que ser com base naquelas resoluções de 1967. Se não for isso, não tem. E essas pessoas, que querem unicamente esse tipo de solução, nos acusam de não sermos pragmáticos. Eu acho que falta pragmatismo lá, justamente. Lá é que eu vejo um dogmatismo.
Eu nunca vi, como agora, sermos criticados por apoiarmos um acordo de paz – como o Acordo Israel-Emirados Árabes. Por quê? Porque, claro, ele se desvia de um determinado dogma de como deveria ser o Oriente Médio. Mas esse dogma, ao longo de 53 anos, não levou a lugar nenhum. Será que nós precisamos de ideias novas? Será que vale a pena? Será que não é uma coisa boa que Israel esteja sendo aceito pelos países árabes? Será que isso não vai facilitar um processo de paz com a Palestina? É o tipo de coisa que precisamos nos perguntar: o que está debaixo desses conceitos de pragmatismo, de dogmatismo, etc.
Eu acho que a diplomacia brasileira passou muito tempo se olhando no espelho; eu tenho dito isso. E, mais do que se olhando e se admirando no espelho – em vez de olhar para fora, olhar para o povo brasileiro, olhar para o mundo na medida em que o mundo está mudando –, também passou muito tempo falando numa câmara de eco, feita por ela mesma e por um conjunto de pensamento único, de um establishment que pensa igual. Então, nessa câmara de eco, o Brasil dizia “prestígio” e ouvia o eco: “prestígio, prestígio, prestígio...”, e achava que eram as outras pessoas falando do nosso prestígio – na verdade, era a câmara de eco. Falava “liderança” e ouvia o eco: “liderança, liderança, liderança...”
Eu acho que temos que sair desta câmara de eco. Estamos saindo dessa câmara de eco; não há mais. É claro que não estamos acostumados a ouvir a realidade; estamos acostumados a ouvir só a nossa própria voz e achar que ela é a voz que nos elogia e que concorda com o que nós fazemos.
Bem, eu queria, portanto, passar a alguns exemplos, mais claros, que os senhores conhecem, mas, às vezes, listando coisas que temos feito, vemos em que realmente se corporifica a nossa visão de prestígio, de liderança e de pragmatismo.
Acordos comerciais: isso, claramente, é um avanço da nossa gestão, com o maior acordo que já concluímos – que é o acordo com a União Europeia. É claro que há dificuldades, ainda, até a assinatura porque é um acordo de enormes proporções, que envolve enormes interesses, mas que irá adiante, e que representa o primeiro passo de uma nova filosofia de jogo nossa nas negociações comerciais. Eu acho que isso é um claro exemplo de um resultado pragmático e prestigioso.
Para dar um contraexemplo (porque eu conheço um pouco), as negociações da ALCA por exemplo: o Brasil perdeu, realmente, uma oportunidade de fechar um acordo que seria bom para vários setores produtivos brasileiros de 1994 até 2004, mais ou menos, quando fracassou a negociação. O Brasil trabalhou permanentemente contra essa negociação. Então, esse período – que hoje é considerado uma época de ouro do pragmatismo – não só não gerou acordos, como matou um acordo que seria proveitoso para o Brasil. Além disso, demos um novo ímpeto à promoção comercial por parte da nossa rede de postos e através da Apex-Brasil – vinculada ao Itamaraty –, que nós renovamos, que nós, em grande parte, saneamos. Era uma agência muito promissora, mas que tinha problemas de funcionamento; e isso é parte do êxito que nós estamos tendo na balança comercial. Todos sabem que, em julho, nós tivemos o melhor mês em termos históricos, na balança comercial. Claro que isso não é só por causa da promoção comercial, mas eu acho que se deve também a isso. Eu sempre digo que, nas exportações, quem marca o gol é o setor privado – é quem produz e exporta; o governo, eu acho que não é nem o técnico do time; ele é, um pouco, o roupeiro, o massagista, mas precisa desse apoio. Então, isso faz parte da nossa vocação, e ficamos muito felizes de ver esses números que estão aparecendo, a partir de um trabalho que, às vezes, não aparece muito. Eu vejo aqui, por exemplo, o meu querido amigo João Mendes Pereira, Cônsul--Geral em Miami, que faz esse trabalho maravilhosamente bem em Miami – um centro tão importante para as exportações brasileiras, para os Estados Unidos –, e, como ele, dezenas de pessoas ao redor do mundo trabalhando com afinco nisso.
OCDE: um enorme projeto, a adesão à OCDE. Finalmente, conseguimos o apoio de todos os países. Faltava sempre o apoio dos Estados Unidos, que conseguimos não trivialmente; requereu toda uma negociação, claro, como tudo que é importante; nada que é importante vem de graça. Acho que também é uma perspectiva pragmática, no sentido de: “qual é o nosso objetivo?” “Entrar na OCDE.” “O que nós precisamos fazer para isso?” “Olha, determinadas coisas aqui; vamos contornar os problemas”, e foi isso que nós fizemos para obter o apoio dos Estados Unidos dentro de um arcabouço maior da relação.
MERCOSUL: as negociações externas, União Europeia e as várias outras que estão em andamento; a EFTA, com a qual nós também fechamos a negociação; a revisão da tarifa externa comum, algo que não aparece muito, mas que é fundamental para ganharmos competitividade; o enxugamento institucional do MERCOSUL; vários acordos fechados em 2019. Só para dar um exemplo, o Acordo de Facilitação de Comércio do MERCOSUL, para, finalmente, depois de tantos anos, remover certas barreiras burocráticas que existiam.
Eu nem vou me estender muito em relação a nossos grandes parceiros, Estados Unidos, China, mas, em todos os casos, nós estamos auferindo benefícios com base numa relação madura, com base numa relação que identifica, claramente, quais são os nossos objetivos e o que é preciso fazer para atingir esses objetivos. Fala-se muito de China (só para dar um exemplo), que nós temos problemas com a China. Nós não temos problema nenhum. Nosso comércio com a China está aumentando. Aumentou em 7% o comércio total no primeiro semestre de 2020 em comparação com primeiro semestre de 2019 – o que é um número muito significativo – já é o semestre que pega o COVID-19, quando o comércio estava diminuindo no mundo todo. Então, com a China a nossa corrente comercial aumentou em 7%, o que é significativo, com um saldo importante a favor do Brasil. É mais um exemplo aqui, onde muitas vezes se falam coisas sem exemplos concretos. Falam: “nós temos problemas na relação com a China.” E onde isso se materializa? “No comércio.” Bom, o comércio está crescendo. Então tem que achar outra coisa para dizer (quem quer dizer) que existe algum tipo de problema.
Com os Estados Unidos, só para citar brevemente vários acordos que firmamos desde o ano passado: o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas; o Acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação (RDT&E), da área de defesa; a declaração do Brasil como aliado preferencial extra-OTAN, que reforça a nossa capacidade de inserção nos mercados de defesa; a nossa elevação – é algo técnico, mas tem uma enorme importância para a indústria de defesa – no Force Activity Designator; um avanço no Foro de Segurança Brasil-Estados Unidos, algo absolutamente fundamental ter a cooperação americana na segurança América do Sul, etc.
Com a Índia, nós tivemos uma visita muito exitosa na Índia, onde celebramos quinze acordos bilaterais, algo sem precedentes. Tudo isso acho que representa prestígio, representa liderança; a Índia é uma das maiores economias do mundo hoje; os Estados Unidos e a China, igualmente; então, eu não sei muito bem onde se apoia a tese de uma perda de prestígio.
Israel: todos conhecem o aumento exponencial da nossa relação com Israel, e essa linha de pensamento, digamos, que não olha a realidade, que só olha a sua câmara de eco dentro da sua própria cabeça, achava que haveria um problema com os países árabes. Muito pelo contrário. Houve aumento do comércio com os países árabes, aumento dos investimentos; não é só por que nós mantivemos as relações com os países árabes; ela melhorou imensamente. Eu tenho falado muito com os chanceleres dos países do Golfo, todos interessadíssimos nas oportunidades de investimento no Brasil, principalmente em infraestrutura, mas, também, no agronegócio. Na semana passada, tivemos uma conferência para finalmente definir em que projetos serão aplicados 10 bilhões de dólares que o Fundo Soberano da Arábia Saudita vai investir no Brasil. Enfim, mais um exemplo.
No espaço sul-americano, falamos um pouco de como era. Como é hoje? Nós temos uma visão muito clara. Qual é o objetivo? É o de uma América do Sul com segurança, com democracia e com prosperidade, baseada em economias abertas como aquelas que nós queremos para o Brasil. Esse é o objetivo, perseguido pragmaticamente. O pragmatismo não vai ditar nenhum tipo de objetivo, não adianta. E às vezes, é difícil. Mas o pragmatismo também não é fugir da dificuldade. É preciso enfrentar a dificuldade, nessa área de segurança, defesa e democracia, sobretudo.
Nós também resolvemos abrir os olhos. Antes, nós ficávamos dentro da caixa de ressonância, dentro de uma realidade que gostaríamos que existisse; mas não é a realidade que existe. Qual é a realidade que existe na América do Sul, na América Latina como um todo? Um continente que tem os regimes democráticos ameaçados por uma coligação de projetos totalitários com o narcotráfico, com crime organizado, com corrupção e com terrorismo. Isso é a “beleza” de cenário que está aí, e é aquele que nós temos que enfrentar, pragmaticamente. E é isso que nós estamos fazendo, substituindo a UNASUL pelo PROSUL, por exemplo – é algo que está se consolidando, e vai ser muito útil nessa direção; a própria revisão do MERCOSUL voltando à sua vocação de ser não só um fórum de livre comércio, mas de promoção da democracia, e agindo de acordo com os dados que nos são apresentados realidade.
No meio ambiente, já falei um pouco de algumas ideias, mas agora, com algo muito claro, com um instrumento de ação muito bom, que é o Conselho da Amazônia, que mostra a nossa disposição em empregar todos os recursos na proteção ambiental, e uma visão muito clara de qual devem ser os dois pilares da questão ambiental – que é, por um lado, evidentemente, a proteção, a preservação, mas, por outro lado, o investimento para a geração de empregos sustentáveis na Amazônia. Finalmente, as pessoas estão se dando conta de que isso é fundamental. Antes, havia uma espécie de recusa a ver essa dimensão (ao redor do mundo, eu digo) das necessidades desses investimentos produtivos, sustentáveis. Ainda há um preconceito. Parece que qualquer investimento na Amazônia é destrutivo do meio ambiente. Ora, se você não investe na Amazônia, como todos sabem, não gera empregos, as pessoas (vinte milhões de pessoas que moram na Amazônia brasileira, mais uns dez milhões nos outros países amazônicos) vão acabar recorrendo a atividades ilegais, destrutivas do meio ambiente. Então, isso que parece óbvio, finalmente, é algo que estamos fazendo. Por exemplo, nesse escopo, uma iniciativa do Itamaraty, em coligação com o Ministério do Meio Ambiente, é a criação de um fundo específico do BID para investimentos na Amazônia. Então, aqueles fundos da Europa, dos Estados Unidos, da Ásia, que, muitas vezes antes, deslocavam os seus recursos para ONGs que vinham para o Brasil – algumas são excelentes, outras nós são sabemos o que fazem –, agora têm uma opção, que é a doação a esse fundo BID e, aí, com toda a qualidade de governança, de estruturação de projetos que o BID tem, vai investir no Brasil e em outros países amazônicos. Só para dar um exemplo de algo concreto que nós estamos fazendo nessa área.
E isso tudo, voltando à Amazônia, sem renunciar à soberania; ao contrário, defendendo a nossa soberania, o nosso território. É algo que é, basicamente, óbvio, mas que não gera esses ecos que se ouviam antes. Sempre que nós tínhamos elementos de relativização da soberania, isso gerava, para o Brasil, esse eco positivo de prestígio, de liderança. Agora não gera, mas é por que nós estamos, realmente, defendendo os nossos interesses.
Por último, a questão de valores, que é fundamental e não pode ser esquecida. A própria Constituição brasileira, em seu Artigo 4º, que fala dos princípios de política externa, estabelece princípios – ou seja, valores. Ela diz que a nossa política externa, que as nossas relações internacionais devem se basear em determinados princípios – isso é muito importante. É claro que se baseia também em interesses, mas a Constituição fala de princípios, fala desses objetivos permanentes, digamos assim.
Apenas um desses princípios, para dar um exemplo, é a prevalência dos direitos humanos. Isso é absolutamente fundamental, é um guia para a nossa atuação. E aqui, também, é mais um elemento onde muitas vezes você tem o conceito dissociado da realidade. As pessoas falam muito de direitos humanos, mas quando vai ver a realidade, onde está a defesa dos direitos humanos? Nós estamos procurando fazer isso, pegando a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que fala de direito à vida; então, estamos defendendo o direito à vida – no caso, achamos que o direito à vida é desde a concepção, isso é muito importante para nós –; estamos defendendo o reconhecimento da família como célula fundamental da sociedade, que está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, geralmente isso é esquecido.
E estamos defendendo o direito à liberdade de expressão, porque a liberdade de expressão é algo absolutamente fundamental na sociedade, hoje, é fundamental para tudo isso. O que nós estamos fazendo aqui, basicamente, só é possível por isso, porque nós temos a capacidade de, graças também às novas tecnologias, ter a liberdade de nos comunicar, de debater, e nada mais vital para todos os outros objetivos do que a liberdade de expressão, por isso que ela não pode ser esquecida. Ela é vital para a democracia, é vital para a soberania, é vital para o crescimento econômico; estamos vendo, agora, com a COVID-19, o quão fundamental é o papel da economia digital, onde é necessário que haja liberdade de atuação, portanto, liberdade de expressão.
Esse talvez seja um centro da vida internacional, hoje. Estamos procurando, também, promover um debate sobre como, nesse mundo pós-COVID-19, é fundamental o tema da liberdade, o tema da democracia; portanto, o tema da liberdade de expressão, da liberdade na Internet. Isso não é algo acessório, não é um luxo. A sociedade hoje é uma sociedade, em grande parte, virtual, e é preciso que nós promovamos e defendamos, na sociedade virtual, as mesmas liberdades básicas que existem nas nossas constituições no mundo real, digamos assim.
Obrigado.