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Alocução do Ministro Ernesto Araújo na Reunião Informal Ministerial da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas
Alocução do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, na Reunião Informal Ministerial da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas – 28 de setembro de 2020*
Bom dia a todos, boa tarde,
Excelentíssimo Ministro Luís Filipe Tavares, querido amigo,
Senhores Ministros e Ministras,
Senhora Secretária de Cooperação e Negócios Estrangeiros de Portugal,
Senhor Secretário Executivo da CPLP, Embaixador Francisco Ribeiro Telles,
Todos os outros que nos assistem,
É um prazer estar com os senhores, aqui, neste dia.
Esta Reunião Informal de Ministros e Ministras do Exterior da CPLP, à margem da Assembleia Geral, já se tornou uma tradição e é muito importante mantê-la, ainda que por meio virtual.
É uma grande satisfação revê-los e poder intercambiar ideias que nos permitam fortalecer a nossa comunidade.
Mais do que nunca, o contexto nos pede isso, nos pede diálogo, reflexão e cooperação entre os nossos países. A CPLP é formada por países tão diferentes – ainda que irmanados –, com perspectivas tão diferentes, e pode enriquecer muito o debate internacional sobre os caminhos em relação à pandemia e ao pós-pandemia.
Queria compartilhar inicialmente com os senhores e as senhoras os esforços empreendidos pelo Brasil no combate à COVID-19 e seus efeitos. O governo federal brasileiro tem coordenado as iniciativas dos estados e municípios de enfrentamento à COVID-19 e apoiado financeiramente ações de combate à pandemia.
O Ministério da Saúde já investiu, nas atuais circunstâncias, o equivalente a mais de 15 bilhões de dólares no fortalecimento do sistema de saúde dos estados e municípios brasileiros. Essa é a grande contribuição do governo federal ao enfrentamento da pandemia nos estados e municípios, já que, por decisão do Supremo Tribunal Federal, coube aos governos estaduais a definição das medidas de isolamento e medidas afins em relação à pandemia.
O governo federal distribuiu mais de 255 milhões de equipamentos de proteção individual e mais de 13 milhões de testes de diagnóstico. Habilitou mais de 12 mil leitos em unidade de terapia intensiva exclusivos para tratamento de pacientes com COVID-19 e alocou mais de 10 mil ventiladores pulmonares, entre outras ações. Hoje, o Brasil tem capacidade para processar 45 mil testes diários em parceria entre governo e iniciativa privada.
O Brasil está participando de iniciativas internacionais que buscam acelerar o desenvolvimento e o acesso de todos os países a ferramentas essenciais para o enfrentamento da pandemia, a exemplo do ACT Accelerator e do Solidarity Call to Action. O Brasil fará parte da governança do Accelerator na condição de importante formador de mercado. Além disso, assinamos, em julho passado, memorando de entendimento com a Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca que prevê a aquisição de insumos farmacêuticos ativos e transferência de tecnologia para a produção da vacina no laboratório brasileiro Fiocruz. Com o avanço das pesquisas, é intenção do Brasil colaborar com todos os países irmãos na questão da vacina. Caso a vacina se mostre eficaz, o Brasil receberá cerca de 30 milhões de doses entre dezembro e janeiro próximos, além de 70 milhões de doses adicionais no primeiro semestre de 2021. Quando a capacidade fabril do país estiver instalada, possivelmente já no primeiro semestre de 2021, poderemos produzir até 40 milhões de doses por mês. Adicionalmente, estão em desenvolvimento seis projetos nacionais de vacinas: dois em Manguinhos/Fiocruz, um em parceria com o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas, dois na Universidade de São Paulo e um no Instituto Butantan.
O Brasil também manifestou interesse em participar da COVAX Facility, que tem por objetivo acelerar o acesso equitativo a futuras vacinas seguras e eficazes contra a COVID-19, ao mesmo tempo em que apoia países de menor renda relativa. Atualmente, a COVAX Facility trabalha com nove projetos de vacinas, o que permite, também, reduzir o risco de associação com empresas específicas.
Todos esses elementos mostram que tivemos uma preocupação muito grande e uma atuação muito intensa na dimensão da saúde.
Ao mesmo tempo, como nosso Presidente Jair Bolsonaro mencionou e enfatizou desde o começo, não esquecemos, não podíamos esquecer a dimensão econômica. O governo federal brasileiro não tem poupado esforços para auxiliar sobretudo a população mais vulnerável durante a crise gerada pela pandemia.
O auxílio emergencial, concedido em cinco parcelas de 600 reais e que será atendido até o final do ano com diferente valor – somando, ao todo, para se ter uma ideia, um valor de mil dólares, aproximadamente, para cada recipiente – destina-se a ajudar os trabalhadores que nós chamamos sem carteira assinada, ou seja, informais, autônomos, microempreendedores individuais e desempregados. É importante mencionar que as mulheres que sustentam o lar sozinhas tiveram direito a cinco parcelas de 1.200 reais – o dobro. Durante os nove meses de pagamento, portanto, o governo federal terá dispendido o equivalente a 60 bilhões de dólares no auxílio aos segmentos mais carentes da população. No total, o esforço brasileiro no enfrentamento da pandemia já atingiu 8,4% do produto interno bruto, mais do que a média dos países avançados, que foi de 7,1%, e quase o dobro da média dos países emergentes, que foi de 4,3%.
Mencionando agora, especificamente, as ações de cooperação internacional efetuadas pelo Brasil: embora constrangidos pela crise financeira em meio a um quadro de fortes restrições orçamentárias, nós logramos atender às solicitações de auxílio de 18 países em desenvolvimento, dos quais nove africanos; dois organismos regionais, entre os quais a Comissão da União Africana; e quatro organizações internacionais, entre as quais o ACNUR, o UNICEF e o Programa Mundial de Alimentos.
Os recursos brasileiros, na forma de doações de caráter humanitário, estão permitindo a governos e organismos que aumentem a aquisição de equipamentos de proteção individual, kits de teste, medicamentos, insumos médico-hospitalares e ambulâncias. Além disso, deverão ser atendidas solicitações de ajuda recebidas de outros 26 países em desenvolvimento na América Latina, no Caribe e na África, regiões em que a pandemia continua, como sabemos, a afetar gravemente os sistemas de saúde.
Gostaria de destacar, também, que o governo brasileiro está à disposição para considerar, por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), aqui do Ministério das Relações Exteriores, novos pedidos de cooperação com os países irmãos da CPLP, tal como já fez em atenção a Moçambique e São Tomé e Príncipe, para reforçar suas respectivas iniciativas nacionais de enfrentamento da pandemia e por meio de contribuição financeira ao Centro Africano de Prevenção e Controle das Doenças da União Africana (CDC África).
No que diz respeito à futura vacina, estimo que poderão ser criados mecanismos de transferência de tecnologia que facilitem o acesso a vacinas para os nossos parceiros internacionais. A Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan, instituições de pesquisa brasileiras que estão tomando parte em pesquisa internacional para o desenvolvimento da vacina, já manifestaram disponibilidade para cooperação internacional nesse campo.
No que concerne à criação de um mecanismo de apoio entre os Estados membros da CPLP em situação de emergência, sabemos que o tema vem sendo objeto de discussões em pelo menos três reuniões ministeriais da CPLP – saúde, administração interna e defesa –, o que é revelador da importância que nossos países já estão conferindo ao tema. O Brasil está disposto a avançar nessa discussão. Para isso, devemos considerar as iniciativas já aventadas nas referidas reuniões e buscar estabelecer um diálogo entre essas três instâncias de forma a gerar uma proposta única que represente um avanço real na nossa capacidade de cooperação na CPLP, mas que também seja fundamentalmente realista, seja exequível.
Como já fizemos por ocasião das tragédias causadas pelas passagens dos ciclones Idai e Kenneth pelo território de Moçambique, estamos prontos a compartilhar com os nossos parceiros da CPLP o conhecimento sobre estratégias de intervenção em situações de crise sanitária e calamidade, como a que hoje enfrentamos.
Para finalizar, se posso agregar o que nos parecem ser não algumas lições, mas alguns pontos de reflexão necessários a partir da situação que estamos vivendo diante da pandemia, que não estão diretamente relacionados, talvez, ao dia a dia do enfrentamento, seja na saúde, seja na economia, mas que são importantes reflexões de fundo, a nosso ver.
Uma delas é a de que é fundamental, em situações como essa, garantir a liberdade de expressão e a liberdade de circulação de informações. Talvez, parte dos problemas pudesse ter sido ao menos minorada se tivesse havido, desde o começo, maior circulação de informações sobre a COVID-19, sobre o vírus, sobre formas de propagação, etc.
É fundamental que, diante de uma emergência como essa, não surjam pretensões de estabelecer órgãos de controle da verdade. Não pode ser a mídia nem nenhum organismo internacional que decidam o que é verdade. A verdade pode surgir apenas da livre circulação de informações, da interação entre todos os tipos de agência de pesquisa, sejam públicas, sejam privadas, e cidadãos individuais. No Brasil, vivemos isso, esse problema da emergência de certas correntes que pretendiam controlar a verdade. Perdeu-se, aqui, a oportunidade de aplicar mais cedo e mais extensamente, por exemplo, a hidroxicloroquina no tratamento precoce da COVID-19. Poderíamos, certamente, ter salvo mais vidas. Essa rejeição, nesse caso, à hidroxicloroquina se deu por uma politização do tema pela mídia e por determinadas correntes políticas.
Da mesma maneira, a discussão sobre os méritos do isolamento social e diferentes mecanismos de isolamento social foi abafada e foi, digamos assim, demonizada pela mídia e por alguns círculos de políticos igualmente. Criou-se, aqui no Brasil, talvez em outros lugares, aquilo que a gente talvez pudesse denominar o “sanitariamente correto”. Assim como existe o “politicamente correto”, que é um grupo de dogmas que aponta aquilo que pode ser dito e aquilo que não pode ser dito, aquilo que pode ser discutido e aquilo que não pode ser discutido, agora, na COVID-19, surgiu uma tentativa de se controlar, a partir de finalidades políticas, e não científicas, a verdade do tratamento, a verdade do isolamento social e outros aspectos da pandemia.
Outro aspecto é que a devastação econômica que todos os países sofreram em função da reação à COVID-19 não pode repetir-se. Se tivermos novas pandemias, teremos que, como comunidade internacional e como países individuais, repensar seriamente as consequências econômicas de qualquer resposta.
Isso nos leva, também, à necessidade de repensar as instituições multilaterais que estiveram envolvidas no enfrentamento da pandemia, começando pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A OMS, com toda a importância que se lhe reconhece, que o reconhece, pecou por incoerência e por falta de transparência em momentos decisivos. Temos de rever a OMS, temos de rever a sua resposta à pandemia sem nenhum ânimo de contestação, mas com o ânimo de, justamente, chegar à verdade dos fatos e nos preparamos melhor para futuras situações como essa. Essa revisão da OMS tem que ser parte de um repensar, a nosso ver, do sistema multilateral. Vemos que, em muitos casos, o sistema multilateral, não só a OMS, carece de transparência e carece de que os Estados membros, em cada caso, retomem o papel de liderança nesses organismos.
Bem, dito isso, gostaria de agradecer a atenção dos senhores e reiterar que a CPLP, no nosso entendimento, pode e deve ser um elemento e um espaço fundamental de discussão e de contribuição para as ideias que a comunidade internacional precisa desenvolver e sobre as quais precisa refletir a partir da experiência com a pandemia.
Muito obrigado.
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* Fonte: Ministério das Relações Exteriores