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Alocução do Ministro Ernesto Araújo em videoconferência organizada pela Frente Parlamentar Agropecuária
Alocução do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, em videoconferência organizada pela Frente Parlamentar Agropecuária – FPA (02/03/2021)
[Deputado Federal Sérgio Souza] Bom dia, Ministro. Seja bem-vindo à nossa reunião da Frente Parlamentar Agropecuária. Nós, assim como o senhor, como o governo, temos uma preocupação muito grande com a imagem do Brasil lá fora; não só do ponto de vista ambiental, mas, também, do ponto de vista da produção de alimentos. Sabemos que nosso grande mercado está lá e queremos mitigar qualquer imagem negativa do Brasil. Então, eu concedo a palavra à Vossa Excelência, e, ao final, nós faremos algumas ponderações e os colegas também [farão] indagações. Por favor, fique à vontade.
[Embaixador Ernesto Araújo] Muito obrigado, Deputado. É um prazer estar com o senhor aqui. Obrigado pelo convite; por todos os parlamentares da FPA. É uma interlocução que nós valorizamos imensamente desde o começo e, agora, com a nova composição da frente, quero manter meu compromisso total aqui de diálogo, de troca de ideias, de troca permanente de informações com os senhores. É uma frente de trabalho – não é simplesmente uma frente de diálogo –, e nós estamos prontos a trabalhar pelo agro brasileiro, pelos nossos interesses, de todas as maneiras e em todos os foros. Então, muito obrigado por poder estar presente com os senhores. Peço desculpas pelo atraso de uns dez minutos; eu estava terminando uma coletiva de imprensa, onde, inclusive, se falou disso.
Eu queria começar falando da questão da imagem que o senhor mencionou. Isso, evidentemente, é algo que nós acompanhamos permanentemente e, cada vez mais, estou convencido de que, infelizmente, os problemas de imagem, hoje, que nós enfrentamos em grande parte sobretudo na Europa e nos Estados Unidos, são decorrentes de correntes aqui no Brasil que tentam projetar uma imagem incorreta, seja do nosso agro, seja da questão ambiental no Brasil, seja também da questão de direitos humanos (que acaba afetando tudo), seja, ainda, da própria institucionalidade democrática – a nosso ver, absurdamente. Eu acho que os senhores compartilharão comigo a ideia de que não existe retrocesso democrático no Brasil. É um absurdo, mas isso tem sido propalado, aí, por algumas pessoas, por alguns grupos que, infelizmente, não sei por que razão, querem complicar a nossa relação com os Estados Unidos, com o novo governo americano, querem complicar a nossa relação com a Europa, enfim.
Mas então, o nosso desafio de imagem é mais complicado do que simplesmente uma questão de transmissão de informações. Nós temos sempre essa expectativa de que ao mostrar a realidade do nosso lado, ao mostrar a realidade da nossa questão ambiental, nós conseguiremos mudar a imagem; mas não é isso, infelizmente. Porque nós não estamos trabalhando apenas contra a falta de informação, nós estamos trabalhando contra a desinformação, que é diferente – é a criação deliberada de determinadas narrativas. A falta de informação nós podemos suprir, falar: “olha, a agricultura brasileira não está ligada ao desmatamento”, “um acordo com a União Europeia não incentivará o desmatamento”; mostrando isso com números, mostrando isso com a evolução, com a performance, com o fato de que nós ganhamos produtividade por causa da tecnologia e não com o aumento da extensão de terras, etc. Isso é informação. Ou seja, suprir a falta de informação.
Agora, trabalhar contra a desinformação já é uma engenharia mais complexa; é uma engenharia a qual temos que entrar na formação das opiniões das pessoas. Porque o que acontece é que quando você forma um estereótipo – e isso está se formando na Europa; já vem de antes de fecharmos esse acordo, mas, agora, se intensificou porque virou uma realidade mais próxima nos países europeus –; então, há esse estereótipo de que o Brasil destrói a Amazônia. Basicamente, três palavras; são as três palavras que a maioria das pessoas, ou que muitas pessoas, na Europa, hoje, sabem sobre o Brasil. E nós precisamos de um trabalho de desconstrução desse tipo de estereótipo que é mais lento do que o que gostaríamos.
Bem, entrando nos pontos que os senhores gostariam que enfatizássemos; MERCOSUL-União Europeia: tem esse desafio, evidentemente, de superarmos uma percepção incorreta. Eu acho que nós temos, agora, a oportunidade de fazer isso através dessa negociação de um eventual documento declaratório anexo ao acordo. Eu vejo isso como uma oportunidade. Uma oportunidade de que nós sentemos e os europeus nos digam qual é o problema que eles veem. Então, vamos nos dirigir diretamente ao problema e não a essa coisa nebulosa de que o acordo é ruim para o meio ambiente. Não. Vamos traduzir a preocupação em algo efetivo, em algo concreto.
A nossa ideia, realmente, é um documento declaratório, ou seja, não reabrir, evidentemente, a negociação como um todo – que é o que muitos lá gostariam. Nós também gostaríamos de reabrir para ter mais coisas de acordo com o nosso interesse; mas, em uma negociação tão complexa, se tirar um parafuso aqui vai desmontar toda a máquina. Tem que ser algo suplementar. E algo, digamos, simétrico. Não seria apenas o Brasil, apenas o MERCOSUL assumindo essa nova declaração; tem que ser o lado europeu também, que tem os desafios ambientais que conhecemos.
Já falei sobre isso com o Comissário Valdis Dombrovskis, encarregado da parte comercial; falei com o Alto Representante que seria, digamos, o chanceler da União Europeia, Josep Borrell; tenho falado com chanceleres de países específicos como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e Eslovênia – que será a próxima presidência –, sempre dizendo que estamos totalmente abertos, que não queremos evitar, de forma alguma, essa discussão; agora, queremos que vocês coloquem no papel o que vocês querem para facilitar a ratificação do acordo. E eu acho que isso, realmente, nos permitirá descer à terra, sair da nebulosa dos problemas e chegar no terreno das soluções.
Nós já procuramos enfrentar também uma série de relatórios que volta e meia aparecem, projetos, por parte da União Europeia, que tomam por base premissas inverídicas, premissas não comprovadas: a associação entre a produção de commodities e o desmatamento desconsidera indicadores fundamentais para avaliar a sustentabilidade das cadeias; a questão da geração de resíduos e a emissão de carbono ao longo de toda a produção, entre outros problemas. Há uma deficiência, digamos, de base científica na percepção europeia, nos posicionamentos europeus. Mas temos certeza que nós temos a ciência do nosso lado, de que nós temos a realidade do nosso lado. Então, é com base nisso que nós queremos ir adiante com essa perspectiva de negociação adicional, digamos.
Outro exemplo também, é um estudo de impacto, acho que feito por uma consultoria britânica e que foi encomendado pela Comissão Europeia, sobre o que se poderia fazer em termos de medidas para minimizar o desmatamento e a degradação florestal, e nós respondemos a isso. Ou seja, é esse lado do suprimento, digamos, de informação faltante, ou da conversão de informação imperfeita. Mas é claro que nós estamos numa realidade também política; então, podemos vir com uma tonelada de documentos provando os nossos pontos, [mas] se há uma declaração de uma alta autoridade de algum país europeu dizendo que o acordo é ruim, isso acaba pesando mais do que aquela tonelada de documentos. Então, vemos, aí, na questão do estereótipo e na questão que está ligada a ela, [na questão] dos interesses políticos, que não são, às vezes, afetados pela comprovação científica desse ou daquele elemento.
Quero falar rapidamente sobre o Protocolo de Nagoia, cuja ratificação pelo Congresso Nacional foi um passo muito importante para termos a exploração justa e equitativa do acesso aos recursos genéticos. Tenho somente a agradecer, do nosso ponto de vista, a atuação da bancada do agronegócio nesse processo; o Brasil já possui um arcabouço normativo institucional sobre o acesso a recursos genéticos e a repartição de benefícios em linha com o Protocolo de Nagoia, e no final de 2019, como sabem, o BNDES foi selecionado para gerir os recursos do Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, cujo objetivo é promover a valorização do nosso patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais, de modo que, acho que a partir daí, podemos fomentar a pesquisa, o desenvolvimento tecnológico, garantir fonte de renda para populações que detêm também o conhecimento tradicional associado a recursos genéticos. Acho que isso é muito importante para mostrar a nossa seriedade. Aqui, mais uma vez, a questão de imagem é mais um tijolo na construção de uma imagem correta sobre o Brasil e toda essa área ambiental como um todo.
A respeito do Protocolo de Nairóbi, OMC: queria agradecer também a FPA, especialmente ao Deputado Pedro Lupion, que foi relator do projeto de Decreto Legislativo sobre a decisão de Nairóbi que tramitou de maneira célere e permitiu que nós avançássemos na internalização desses resultados da reunião de Nairóbi, onde, incidentalmente, eu havia mencionado, em 2015, eu estava presente na função anterior e sei do esforço que custou para chegar a esse resultado. Teve muito a ver com a atuação do nosso Embaixador Roberto Azevêdo, que era o Diretor-Geral da OMC nessa ocasião, para que se extraísse um resultado concreto da reunião da OMC em Nairóbi. Viramos uma noite, lá, negociando até às sete da manhã para terminarmos os resultados no último dia.
Quero mencionar e reconhecer, também, o trabalho do Deputado Hildo Rocha, que apresentou requerimento de urgência para a tramitação desse projeto. Sei que o Senador Zequinha Marinho foi também membro da Frente Parlamentar, foi nomeado relator do projeto no Senado; é importante que continuemos seguindo essa tramitação.
O protocolo de Nairóbi é uma etapa fundamental para nós, sobretudo para reduzir distorções no comércio agrícola internacional pelo banimento dos subsídios à exportação concedidos por muitos países que são nossos concorrentes. E, também, aqui, mais uma vez, a ratificação do Protocolo a partir da sua aprovação pelo Congresso Nacional será outro elemento, outro tijolo na construção da imagem correta do Brasil, já que nós somos, às vezes, criticados, porque embora tenhamos sido um dos principais proponentes da decisão, ao mesmo tempo nós somos um dos únicos dois membros que ainda não internalizaram esses compromissos assumidos em 2015.
E, por último, a questão da Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU. Acompanhamos com preocupação; tem pendências muito negativas para os nossos interesses, é algo que já vinha se articulando um pouco na mentalidade da comunidade internacional, ou de certas correntes da comunidade internacional, e precisamos atuar muito fortemente sobre isso. Tenho hoje, daqui a pouco, uma reunião de coordenação com outros órgãos envolvidos especificamente para falar disso; a Ministra de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, e o Chefe da Casa Civil, Ministro Braga Neto, especificamente; e vemos com preocupação, já, esse documento, em que há pouca ênfase nos aspectos econômicos e sociais do desenvolvimento, esquecendo o tripé do desenvolvimento sustentável que é o meio ambiente, social e econômico; e um enfoque enviesado em relação a vários produtos alimentícios. O Itamaraty pretende estar na liderança de uma coordenação em um processo de diálogo nacional com a sociedade civil, com o parlamento, com o mundo acadêmico, para formarmos posições sólidas em relação a isso.
Vamos dar total transparência aos documentos básicos de consulta, organizar videoconferências sobre linhas de ação e documentos de comentários para produzir nossa contribuição a ser enviada às Nações Unidas. Formar também uma articulação de outros países que pensem como nós, de outras correntes de interesses às quais nós possamos nos somar. Esse aqui é mais um flanco que se abriu potencialmente contra a nossa competitividade. Acho que, mais uma vez não quero entrar muito em detalhes aqui, teremos todo esse processo de discussão, mas, mais uma vez, baseado em muitas distorções de informação, baseado (voltando àquele tema que eu falei antes) não só em falta de informação, mas em desinformação sobre a realidade do setor alimentício.
Então, em todos esses temas e muitos outros, [estamos] totalmente prontos aqui, o Itamaraty, com nossa equipe da Secretaria Econômica e especificamente do Departamento do Agronegócio, prontos a trabalhar com os senhores da Frente Parlamentar, em todas essas frentes e em todas as frentes que surgirem.
Muito obrigado.