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Alocução do Ministro Ernesto Araújo durante webinar do Conselho do Atlântico sobre os 30 anos do MERCOSUL
Alocução do Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Ernesto Araújo, durante webinar do Conselho do Atlântico sobre os 30 anos do MERCOSUL (12/03/2021)[*]
Muito obrigado, Embaixadora Capricia Marshall, todos os amigos do Conselho do Atlântico, especialmente o Centro Adrienne Arsht, Dr. Fred Kempe, Jason Marczak, todos os Ministros das Relações Exteriores aqui presentes, meus caros colegas e amigos da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, outros amigos que reconheci no debate anterior, Paula Dobriansky, Landon Loomis, Gabrielle Trebat, tantos amigos de meu tempo em Washington.
Há trinta anos, quando os Chefes de Estado do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai se reuniram em Assunção para constituir o MERCOSUL, o mundo estava testemunhando o triunfo das democracias liberais e dos mercados livres sobre as economias estatais e as sociedades totalitárias.
Da mesma forma, o MERCOSUL nasceu do compromisso de quatro líderes livremente eleitos com a superação de décadas de políticas econômicas protecionistas malsucedidas impostas à região.
Quando nosso país assinou o Tratado de Assunção, reconhecemos que a democracia, o livre comércio e a abertura ao mundo eram a chave para a prosperidade e o bem-estar de nossos cidadãos. A liberdade política e econômica é um princípio enraizado no DNA do MERCOSUL. Essas são as premissas que inspiraram os esforços atuais do Brasil para proporcionar e ajudar o projeto de integração regional a atingir um impulso renovado.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para falar especificamente sobre como o Brasil percebe o MERCOSUL após estes trinta anos.
Em primeiro lugar, é importante salientar que vemos a primazia da democracia em nosso projeto de integração. E, nesse sentido, deixe-me mencionar uma questão que não podemos varrer para debaixo do tapete. O MERCOSUL tem um quinto membro e esse quinto membro, a Venezuela, está ausente hoje. Quatro anos após sua suspensão por violação do compromisso democrático, esse país ainda não cumpriu as condições para ser acolhido de volta ao grupo. A Venezuela é uma nação irmã, querida por todos nós, cujo lugar é aqui conosco, desde que os venezuelanos retomem seu país da quadrilha que o governa pela força, pela intimidação e pela humilhação de seu próprio povo. O MERCOSUL pode ser, e espera-se que seja em breve, um instrumento para reintegrar a Venezuela, uma Venezuela livre, ao mundo.
O compromisso do MERCOSUL com a democracia, que é um compromisso contratual obrigatório, estava presente em seu início e, para o Brasil, continua sendo um princípio central agora. A suspensão da Venezuela por violar esse compromisso mostra que, no MERCOSUL, levamos a democracia muito a sério.
Às vezes se afirma que a questão da Venezuela é ideológica e que diferentes abordagens sobre a Venezuela são ideológicas. Esse não é o caso. Eu tenho repetido frequentemente – a democracia não é uma ideologia. A luta pela dignidade humana contra o crime organizado não é ideológica.
Não podemos ignorar as ameaças reais à democracia em nossa região e não podemos substituir uma política econômica sólida por slogans, que podem soar bem, mas não nos ajudarão a resolver os problemas reais: não atrairão investimentos, não criarão empregos e não modernizarão nossas economias.
Uma comparação interessante a ser feita é aquela entre o MERCOSUL e a ASEAN, a Associação das Nações do Sudeste Asiático. Por exemplo, se você olhar onde estávamos em 1991 e onde estamos agora, verá que a ASEAN teve um desempenho muito melhor que nossos países, basicamente, pensamos, porque optou pela abertura comercial enquanto, no MERCOSUL, nem sempre optamos pela abertura comercial – que foi a vocação original do bloco –, mas recorremos em muitas circunstâncias a fazer discursos e até a flertar com o MERCOSUL como instrumento, não para nos integrar ao resto do mundo, mas para nos isolar do resto do mundo.
E posso confessar aqui, e me dói dizê-lo, que o Brasil, sob administrações anteriores, fez parte dessa concepção equivocada do MERCOSUL; que o Brasil viu, particularmente no período do início dos anos 2000 até 2010, mais ou menos, o MERCOSUL como um instrumento para evitar a integração ao resto do mundo.
Utilizamos o MERCOSUL, por exemplo, para evitar a ideia ou o projeto da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA, que, podemos argumentar, teria transformado nossas economias se tivéssemos nos tornado parte dela sem perder a identidade do MERCOSUL.
De qualquer forma, pensamos que o livre comércio é um pilar do MERCOSUL. Os quatro países-membros sempre trabalharam para uma maior abertura comercial entre eles, bem como para melhorar sua integração em nível regional e internacional. Pelo menos, é isso que deveríamos ter feito e o que estamos fazendo agora.
No início, demos um primeiro passo, construindo uma rede, ou começando a construir uma rede de acordos de livre comércio dentro da América do Sul e, em 2019, quando a eliminação gradual das tarifas foi concluída, esses esforços culminaram na formação do que equivale a uma área de livre comércio na América do Sul, com as exceções da Guiana e do Suriname.
Esse é um esforço que não foi, digamos, um afastamento do impulso original do MERCOSUL. Essa ideia e essa realidade, agora, do MERCOSUL como parte de um processo de integração sul-americana é algo que prosperou.
Um segundo passo foi ir além da América do Sul. Somente tentativas tímidas foram feitas, por muitos anos, com acordos de escopo limitado com a Índia, por exemplo, a União Aduaneira da África Austral, ou Israel.
Mas, nos últimos dois anos, finalmente conseguimos dar um novo impulso à agenda externa do MERCOSUL. Isso foi totalmente convergente com nossa administração, a abordagem da administração do Presidente Bolsonaro, não só para o MERCOSUL, mas também para a relação do Brasil com o resto do mundo.
O Brasil finalmente decidiu se abrir para o mundo e alcançar todas as oportunidades perdidas a fim de se tornar um ator-chave nas cadeias globais de fornecimento, na nova estrutura do comércio global. Para nós, no Brasil, a abertura, a privatização, a proposta de adesão à OCDE e outros aspectos – tudo isso faz parte do mesmo esforço de mudança em casa. Naturalmente, ele cria uma nova estrutura para nosso engajamento com o mundo. Mas, em âmbito interno, ele faz parte do projeto de mudança de um antigo sistema de governança que, infelizmente, se baseou na corrupção em muitos casos, era centrado no Estado, propenso à má gestão e propício ao atraso e à desindustrialização.
Assim, começamos a corrigir as muitas políticas mal orientadas que o Brasil havia adotado ao longo de muitos anos. E o MERCOSUL fazia parte desse novo impulso. Víamos o MERCOSUL como uma plataforma que, de nosso ponto de vista, poderia ajudar imensamente o Brasil a realizar esse novo projeto.
Com isso em mente, e graças, em parte, a esse novo impulso no Brasil, o MERCOSUL concluiu as negociações de livre comércio com a UE, após 20 anos, em junho de 2019, e com a Associação Europeia de Livre Comércio, em agosto do mesmo ano. Essas foram as primeiras negociações concluídas pelo MERCOSUL com países altamente competitivos e desenvolvidos. E agora estamos plenamente envolvidos em outros modernos acordos de livre comércio com parceiros importantes como Canadá, Coreia do Sul e Singapura.
Podemos dizer que recuperamos o livre comércio como um elemento-chave também na agenda interna do MERCOSUL e não apenas com o resto do mundo. Desde o início, de nosso ponto de vista – naturalmente, falo do ponto de vista do Brasil –, vemos o impulso que trouxemos ao MERCOSUL como uma razão para o progresso que fizemos também na integração interna e não apenas na integração externa.
Tivemos muitas iniciativas e avanços novos, como a aprovação de um acordo de facilitação de comércio, que foi imensamente importante, acordos sobre o reconhecimento mútuo de indicações geográficas, acordos sobre o comércio eletrônico, e também começamos a abordar algumas questões pendentes no bloco, como o açúcar e a indústria automotiva.
Outro progresso de que nos orgulhamos e que vem de épocas anteriores, por assim dizer, do MERCOSUL, mas que agora revela sua utilidade, é o FOCEM, o Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL, pelo qual o bloco investiu mais de um bilhão de dólares em muitos projetos e, recentemente, alocou 16 milhões de dólares para o esforço de combate à COVID.
Basicamente, e para concluir, o MERCOSUL, por mais que estejamos sentimentalmente ligados a ele – como eu mesmo, e lembro com muito carinho que não estive lá para a assinatura do acordo, mas mais tarde, no mesmo ano de 1991, em meus primeiros meses como diplomata de carreira, trabalhei na primeira cúpula do MERCOSUL em Brasília, em dezembro de 1991 –, apesar disso, desse aspecto sentimental, que é importante, nossa política comercial, nossa inserção global no mundo, nossa estratégia de desenvolvimento, de prosperidade, para trazer novas oportunidades a nossos povos, não pode se basear apenas nesse apego sentimental, nem na profunda amizade que existe e sempre existirá entre nossos povos.
Devemos ir além disso e desenvolver essa amizade e esse apego. Devemos gerar resultados concretos. Devemos gerar oportunidades para as pessoas, para as empresas, oportunidades para que nossos países superem modelos fracassados do passado.
O MERCOSUL – e eu volto ao início, ao cenário de trinta anos atrás – é filho daquele primeiro momento da globalização. Sua primeira cúpula, em dezembro de 1991, foi realizada alguns dias antes da dissolução da União Soviética, por exemplo. Portanto, somos contemporâneos desse novo mundo que começou a se abrir no início de 1991. E o MERCOSUL nasceu sob as estrelas que estavam no céu naquele momento, por assim dizer, as estrelas da democracia e do livre comércio, da liberdade política e econômica andando de mãos dadas como meio para a realização humana e a prosperidade. Não nascemos sob as estrelas do politicamente correto ou do tecnototalitarismo, que vemos ameaçar hoje a liberdade em nossos países, muito menos em uma atmosfera onde vemos os narcorregimes ainda, infelizmente, florescendo em nossa região. Não era isso o que o MERCOSUL era ou deveria ser originalmente.
Hoje vemos, olhando para o mundo, pelo menos essa é nossa perspectiva aqui no Brasil, que, infelizmente, o mundo inteiro está perto de abandonar aquele sonho do início dos anos 90, o sonho das liberdades econômica e política andando de mãos dadas, esse mundo centrado em torno da liberdade. E temos a oportunidade de renovar esse sonho, tanto no mundo quanto no MERCOSUL.
O mundo deixou que a ideia e o sentimento da liberdade fossem excluídos do centro das discussões internacionais. O Brasil, agora, quer ajudar a corrigir isso, seja em nível global ou regional. E o MERCOSUL pode fazer parte deste novo mundo com a liberdade em seu centro.
Muito obrigado.