Questões sobre Certificação de Crédito de Carbono
Contexto:
A Floresta Nacional do Bom Futuro (Flona do Bom Futuro) foi criada em 1988, inicialmente com uma área de 280.000 hectares, localizada no município de Porto Velho, Rondônia. Em 2010, sua área foi reduzida para 100.000 hectares devido a alterações legais. A unidade, situada na faixa de fronteira, requer a participação das Forças Armadas e da Polícia Federal em sua gestão, com o objetivo de fortalecer a conservação e a segurança na região. A relação com a Terra Indígena Karitiana e a FUNAI é crucial para a gestão da Flona.
A Flona tem como propósito promover o uso sustentável da floresta, assegurando a produção de bens e serviços para a sociedade. Em 2010, parte da área foi desafetada para a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) e uma Floresta Estadual. A importância da Flona para a conservação da biodiversidade é reconhecida, priorizando serviços ambientais como a proteção de mananciais e solo.
A vegetação da Flona do Bom Futuro é diversificada, com a presença de quatro tipos principais de formações florestais. Um inventário realizado em 2018 identificou 294 espécies de plantas, com destaque para a riqueza de espécies e a presença de palmeiras, como o babaçu. A região também abriga uma rica fauna, com registros de várias espécies de peixes, anfíbios, répteis e mamíferos, além de espécies endêmicas, como o zogue-zogue, ressaltando a relevância da área para a conservação da biodiversidade na Amazônia.
Projeto de Concessão
O projeto de concessão dos serviços de restauração na Flona do Bom Futuro é uma iniciativa pioneira do governo brasileiro para restaurar áreas públicas desmatadas. O plano envolve conceder 98 mil hectares de floresta a empresas privadas, das quais 14 mil hectares foram desmatados e deverão ser restaurados. Em troca, as empresas poderão comercializar os créditos de carbono gerados.
A concessão será dividida em três blocos e terá duração de 40 anos. Além da restauração florestal, as empresas deverão preservar os 84 mil hectares restantes e realizar atividades de desenvolvimento para as comunidades locais, incluindo o povo indígena Karitiana, que vive na TI ao norte da unidade de conservação.
O projeto tem potencial para sequestrar cerca de 6 milhões de toneladas de carbono equivalente e gerar R$1,2 bilhão em receitas. Se bem-sucedido, poderá ser replicado em diversas outras unidades de conservação federais e nos estados da Amazônia Legal.
Questionamento para as certificadoras:
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Nos projetos de ARR, uma das avaliações realizadas é se o desmatamento ocorreu pelo menos 10 anos antes do início do projeto, com a intenção de evitar que áreas sejam desmatadas intencionalmente para serem reflorestadas apenas para gerar créditos. No caso da Flona Bom Futuro, parte do desmatamento tem menos de 10 anos. No entanto, todo o desmatamento na área foi realizado de maneira ilegal – dado que é uma área de proteção federal, nos termos da Lei 9.985 de 18 de Julho de 2000 – e pode se afirmar de forma categórica que os desmatadores não se beneficiarão da geração de crédito do projeto. Neste contexto, gostaríamos de entender se o critério de elegibilidade dos 10 anos se aplica ao projeto em tela.
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Os projetos de ARR devem demonstrar que o carbono sequestrado nas árvores e no solo ficará armazenado por um mínimo de 100 anos após a sua captura. Isso inclui tanto o período do projeto quanto medidas para garantir a permanência após o término. Neste período, os projetos devem ser monitorados e relatórios periódicos sobre a saúde da floresta e o sequestro de carbono devem ser enviados às certificadoras, garantindo que o carbono permaneça sequestrado. É preciso considerar que o projeto em tela irá ocorrer em uma Floresta Nacional, tipo de Unidade de Conservação que, de acordo com a Lei nº 9.985, de 2000, “tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas”. Desta forma, compreende-se que o desmatamento na área é ilegal, ficando permitido apenas a exploração de madeira, por meio do manejo florestal sustentável. No entanto, para as áreas degradadas que serão restauradas no projeto, o manejo florestal sustentável não é viável, técnica e economicamente nos 40 anos após a concessão. Cabe ressaltar que, nos termos da Lei, as instituições públicas continuam com todas as suas obrigações de proteção e conservação após o período da concessão, sendo que as Unidades de Conservação, como a Floresta Nacional de Bom Futuro, só podem ser extintas mediante lei, nos termos do art. 225 da Constituição Federal de 1988. Neste contexto, gostaríamos de entender se haveria algum tipo de desconto relativo ao buffer pool, dado que o contrato de concessão tem prazo de 40 anos, levando em conta a “Ferramenta de Risco de Não-Permanência” da Verra? Além disso, gostaríamos de entender se existiria algum risco, em um cenário mais extremo, de reversão dos créditos gerados pelo projeto?
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Nos projetos de ARR é necessário demonstrar esforços tanto para a regeneração natural quanto para plantio direto. Esses esforços garantem que o projeto esteja realmente contribuindo para a remoção de carbono da atmosfera e que os créditos de carbono emitidos sejam robustos e verificáveis. Aproximadamente 36% dos cerca de 14 mil hectares degradados localizados na Flona Bom Futuro serão restaurados por meio da técnica de regeneração natural assistida (indirect activities) com algum uso do plantio direto de mudas e sementes (direct activities). Neste caso, o projeto já se qualificaria ou há a exigência de uma proporção específica entre métodos de restauração?