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Nota à imprensa
Nova sistemática de meta para a inflação
Regime de metas e inflação no Brasil
Na economia, taxas de inflação mais baixas e estáveis são desejáveis uma vez que auxiliam a reduzir incertezas, encorajando o investimento e consumo e levando à melhor alocação dos recursos. Classes de renda inferiores se prejudicam mais com maiores taxas de inflação já que não contam com instrumentos de proteção financeira.
Almejando taxas de inflação estáveis e mais baixas, várias economias passaram a adotar, a partir da década de noventa, o sistema de metas de inflação. Nesse sistema, bancos centrais se utilizam da política monetária para buscar uma meta predeterminada para a inflação, ancorando a expectativa dos agentes sobre os preços futuros. Países que implementaram regimes de metas costumam verificar redução da inflação e dos juros, cenário que tende a ser positivo para o crescimento econômico.
No Brasil, o sistema de metas de inflação é adotado desde 1999. A meta, inicialmente fixada em 8% ao ano, foi sendo gradualmente reduzida até 2002, voltou a subir em 2003 e 2004, e permaneceu estável em 4,5% de 2005 a 2018. Em seguida, voltou a cair 0,25 ponto percentual a cada ano até o patamar de 3,00% em 2024. Para 2025 e 2026, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu manter a meta de inflação anual em 3,00%.
O intervalo de tolerância, inicialmente de 2,0 pontos percentuais (p.p.), passou para 2,5 p.p. em meados de 2003 a 2005, voltou a ser de 2,0 p.p. de 2006 até 2016, e em seguida foi reduzido para 1,5 p.p.. O horizonte para verificação do cumprimento da meta no Brasil sempre foi o ano-calendário, diferente do verificado na maior parte das economias emergentes da América Latina, que não tem prazo formal para verificação do cumprimento e que estabelecem que o retorno da inflação ao intervalo de tolerância em caso de descumprimento deve acontecer no médio prazo.
Os critérios estabelecidos pelo regime de metas foram atendidos em 1999 e 2000, mas durante os anos de 2001 a 2003, as metas não foram cumpridas devido a choques na oferta de energia, em paralelo à expressiva depreciação cambial. De 2004 a 2014, a inflação se manteve no intervalo proposto. Em 2015, houve novo desvio, dessa vez devido à desvalorização cambial e realinhamento de preços de itens monitorados. Em 2017, em decorrência da supersafra, a inflação pela primeira vez ficou abaixo do intervalo de tolerância fixado pelo regime de metas. Depois desses episódios, somente foi verificado descumprimento da meta de inflação em 2021 e 2022, repercutindo, sobretudo, rupturas nas cadeias de suprimento global, causadas pela pandemia e por conflitos geopolíticos. Em 2023, a inflação voltou a se situar dentro do intervalo da meta.
A constante redução das metas para inflação apenas foi possível porque as taxas de inflação anuais foram caindo ao longo do tempo, ancoradas nas metas pré-estabelecidas. Nesse sentido, pode-se afirmar que a sistemática imposta pelo regime de metas foi bem-sucedida. No entanto, para torná-la mais condizente com sua implementação efetiva e com as melhores práticas internacionais, verificou-se a necessidade de ajustes em seu funcionamento. Esses ajustes, implementados na nova sistemática, devem reduzir incertezas e permitir ancoragem das expectativas de inflação em horizontes mais longos, ambos contribuindo para garantir a manutenção da inflação em baixo patamar.
Nessa nova sistemática, a verificação de cumprimento da meta de inflação deixa de ocorrer a cada dezembro, passando a ocorrer mês a mês. A meta será descumprida quando a inflação acumulada em doze meses se desviar por seis meses consecutivos do intervalo de tolerância. O retorno deverá ocorrer em prazo a ser estipulado pelo Banco Central do Brasil (BCB) levando em consideração as causas do desvio e a potência da política monetária. Além disso, a meta passa a ser fixada para o longo prazo e não mais a cada ano, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), mediante proposta do Ministro de Estado da Fazenda. Para que a meta ou respectivo intervalo de tolerância sejam alterados pelo CMN, deverá ser observada antecedência mínima de 36 (trinta e seis) meses para o início de sua aplicação.
Diante disso, na nova sistemática proposta, o regime de metas de inflação passa a ser contínuo por estabelecer a verificação constante do cumprimento da meta, fixar meta de inflação para o longo prazo e, em caso de descumprimento, permitir o retorno da inflação à meta em prazo a ser estipulado pela autoridade monetária.
Nessa nova sistemática, optou-se por manter a meta de inflação em 3,0% no acumulado em doze meses, com bandas de 1,5 p.p. para cima ou para baixo. A meta de 3,0% é compatível com a definição do CMN para 2025 e 2026 na sistemática anterior e é similar à utilizada em outras economias emergentes da América Latina que também empregam o regime de metas de inflação, como o Chile, a Colômbia e o México. A manutenção da meta em baixo patamar, similar ao praticado em outros países emergentes, fortalece a percepção de compromisso do Brasil com inflação baixa e estável.
Do ano-calendário para o horizonte contínuo
O regime de metas de inflação atualmente vigente no Brasil estabelece que a verificação do cumprimento da meta de inflação ocorra em dezembro de cada ano, sendo similar ao da Turquia, que também utiliza o ano-calendário para verificação da meta. Essa estratégia, no entanto, não é condizente com o realizado na prática pela autoridade monetária e ainda pode levar a distorções nas estratégias de política monetária e fiscal.
Como os efeitos da política monetária nos preços são defasados, na prática o BCB não consegue sempre mirar no ano-calendário para cumprimento da meta, mas sim em horizonte contínuo de médio prazo. A mudança no horizonte da meta, de ano-calendário para contínuo, permite que a autoridade monetária comunique com maior precisão os prazos estimados para convergência da inflação, balizando de maneira mais apropriada as expectativas, além de oficializar prática já usual. Em países que adotam meta contínua, não há padrão em termos de horizonte para atingir a meta. O médio prazo em geral é considerado algo entre 6 trimestres e 8 trimestres.
Vale notar, além disso, que choques nos preços podem ser ocasionados por fatores conjunturais, como por exemplo excesso de produção agrícola ou interrupção temporária no fornecimento de suprimentos devido a eventos climáticos, mas também podem ser causados por fatores estruturais, como ausência de capacidade instalada para produção de energia ou rupturas em cadeias produtivas devido a conflitos geopolíticos. O regime de metas que considera como prazo para verificação do cumprimento da meta o ano-calendário não permite levar em consideração a natureza do processo inflacionário e a potência da política monetária para decisão do horizonte de cumprimento da meta. Na nova sistemática proposta, de horizonte contínuo, o BCB poderá levar em consideração o tipo de choque e a potência da política monetária em cada episódio de desvio, evitando danos à economia e distorções nos preços relativos que poderiam ser observados em cenário de variação excessiva nos juros.
A mudança de horizonte também permite retirar sazonalidade das decisões de política monetária. A dificuldade de trazer a inflação ao intervalo de tolerância da meta aumenta quando choques nos preços ocorrem mais próximos do fim do ano, exigindo alterações mais substanciais nos juros. Além disso, com a mudança, deixam de existir estímulos para implementar políticas que levem à desaceleração “artificial” da inflação à medida que o fim do ano se aproxime, apenas para garantir cumprimento da meta. Essas distorções foram muito observadas no passado recente, comprometendo por vezes a arrecadação (no caso de desonerações) e a inflação do ano seguinte (amplificada pela reoneração).
Após a alteração na sistemática de metas para a inflação, de ano-calendário para horizonte contínuo, não será mais necessário estabelecer nova meta de inflação a cada ano, ajudando na ancoragem das expectativas também no longo prazo. A mudança foi inclusive sugerida pelo FMI, e coloca o Brasil em linha com o já praticado em outras economias desenvolvidas, como Estados Unidos, Zona do Euro e Canadá, e emergentes, como Chile, Peru e México.[1]
No novo regime, a meta poderá ser revisada mediante proposta do Ministro da Fazenda ao Conselho Monetário Nacional, porém a alteração passará a valer somente após trinta e seis meses da decisão de alteração. Nesse sentido, garante-se que não haverá mudança abrupta da meta a ser perseguida, nos moldes do que já se verifica no regime de metas atual.
Com a mudança para regime contínuo, torna-se necessário redefinir o processo de verificação do descumprimento da meta. Atualmente, o Banco Central tem que publicar uma carta sempre que a inflação anual ultrapassa o limite de tolerância da meta em dezembro, especificamente. Com o novo regime de meta contínua, a verificação passa também a ser contínua, mês a mês. O descumprimento ocorrerá sempre que a inflação acumulada em doze meses se desviar por seis meses consecutivos do intervalo de tolerância fixado para a meta. Esse prazo permite que a autoridade monetária formule um diagnóstico adequado sobre as causas do desvio, necessário para definição das providências a serem adotadas a fim de trazer a inflação de volta ao intervalo de tolerância proposto pelo regime de metas. O prazo, além disso, permite descartar desvios da inflação gerados por choques de natureza apenas temporária.[2]
Quando caracterizado o descumprimento da meta, a autoridade monetária ainda terá que publicar carta, explicitando os motivos do desvio, as providências para assegurar o retorno aos limites estabelecidos e o prazo estimado desse retorno. A carta aberta deverá ser publicada em simultâneo a uma nota, que trará detalhes técnicos das explicações contidas na carta. A nota será um anexo do Relatório Trimestral de Inflação, doravante nomeado de “Relatório de Política Monetária”, também de frequência trimestral. Tanto a carta como a nota somente deverão ser reeditadas caso a inflação não retorne ao intervalo de tolerância da meta dentro do prazo estipulado na nota e na carta ou caso o Banco Central considere necessário atualizar as providências ou o prazo esperado para o retorno da inflação ao intervalo de tolerância da meta.
A credibilidade do regime de metas é essencial para que haja convergência da inflação e para a ancoragem das expectativas. O compromisso com a manutenção da inflação em baixo patamar é especialmente importante para o Brasil, que tem um histórico de inflação elevada, com forte componente inercial.
Conclusões
A alteração no regime de metas de inflação de ano-calendário para horizonte contínuo permite alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais, possibilitando ancoragem das expectativas no longo prazo e evitando distorções nos preços relativos decorrentes de variações excessivas nos juros em função do curto horizonte para atingimento da meta. A verificação contínua da meta e a necessidade de prestação de contas pela autoridade monetária agregam credibilidade à nova sistemática de meta para a inflação.
Saiba mais: Acesse o Decreto nº 12.079 que estabelece nova sistemática de meta para a inflação como diretriz para fixação do regime de política monetária
[1] A meta apenas é definida com periodicidade anual nas Filipinas (para os 4 anos seguintes), na Indonésia (para os três anos posteriores) e na Tailândia (para o ano calendário e para o médio prazo). Na Colômbia a meta é continua, mas há confirmação anual.
[2] Não há um padrão para o prazo da verificação de descumprimento da meta entre jurisdições. Países desenvolvidos que adotam regimes de meta de inflação considerados flexíveis, como Estados Unidos, Nova Zelândia, Canadá e Zona do Euro, não têm definição formal de desvio. No Reino Unido, com regime considerado rígido, o descumprimento ocorre sempre que a inflação se situar fora da meta por três meses consecutivos. Dentre os emergentes, Chile, México, Peru e África do Sul também não tem prazo formal para verificação. Na Índia, o desvio é decretado quando a média da inflação em três trimestres consecutivos se encontrar fora do intervalo da meta, enquanto na Tailândia a verificação ocorre a cada seis meses, levando em consideração tanto a inflação média dos últimos doze meses como a projeção do Banco Central para os doze meses seguintes. Apenas na Turquia a verificação ocorre com base no ano-calendário (caso do Brasil até 2024).