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FOLHA DE PAGAMENTOS
Estudo da Fazenda evidencia que atual desoneração da folha contraria o interesse público
A prorrogação irrestrita do modelo de desoneração da folha de pagamentos presente na Lei nº 14.784/2023, aprovada no Congresso Nacional no final do ano passado, contraria o interesse público. É o que aponta a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda (MF) no estudo “Desoneração da Folha de Pagamentos — Análise setorial da política prorrogada e proposta de revisão”, divulgado nesta sexta-feira (26/4).
Além de indicar que “o desenho atual da política não é justificável em termos de eficácia, efetividade e interesse público”, a SPE destaca que “a racionalização do benefício da folha de pagamentos e a mudança de seu desenho é uma recomendação de política pública que deve ser buscada pelos atores envolvidos no processo de policy-making do país”.
“Dado o elevado custo fiscal da medida, que implica menor disponibilidade de recursos para outras políticas públicas essenciais, pode-se concluir que a prorrogação irrestrita do modelo de desoneração presente na Lei nº 14.784/2023, aprovada no Congresso Nacional, contraria o interesse público”, enfatiza o material da SPE.
A Secretaria destaca os elevados valores de renúncia fiscal gerados pela política de desoneração da folha de pagamentos, desde a implantação do sistema, em 2012. O pico foi apurado em 2015 (R$ 25,2 bilhões), ano em que o número de atividades desoneradas atingiu o máximo. Para 2024, a Receita Federal estima que a política de desoneração da folha de pagamentos, prorrogada pelo Congresso por meio da Lei nº 14.784/20023, terá um custo de R$ 15,8 bilhões.
O estudo reforça a relevância do modelo proposto pelo governo ao Congresso no final do ano passado, conforme teor da Medida Provisória nº 1.202/2023, revisitado no Projeto de Lei nº 493/2024. No material, a SPE explica que o mecanismo sugerido pelo governo tem o objetivo de promover uma transição gradual e sem rupturas para os setores que atualmente mais usufruem do benefício, propondo uma reconfiguração do desenho dessa política.
“O novo desenho, focalizado no primeiro salário mínimo de cada empregado, pode ser pensado como um laboratório para uma política de desoneração do custo laboral linear entre setores, mas que atenda a critérios de progressividade, estimulando proporcionalmente mais, de forma indireta, os setores que empregam mão de obra formal de salário-base e de jovens entrantes no mercado de trabalho”, esclarece o material.
Acesse o estudo Desoneração da Folha de Pagamentos — Análise setorial da política prorrogada e proposta de revisão, divulgado pela SPE/MF
Análise
Segundo aponta a SPE, o atual sistema brasileiro de desoneração da folha de pagamentos não encontra paralelo com nenhuma outra experiência internacional bem-sucedida em termos de geração de empregos formais. O estudo apurou dois modelos exitosos, mas diferentes do que hoje é aplicado no Brasil.
No cenário global, a primeira linha de desoneração da folha de pagamentos que obteve sucesso, conforme apurou a Secretaria de Política Econômica, envolve políticas que abrangem linearmente todos os setores, durante período limitado. A segunda linha abrange políticas focalizadas em determinados segmentos da população, como o de mão de obra menos qualificada ou o de jovens entrantes no mercado de trabalho, com períodos de maior duração. “A política de desoneração da folha no Brasil não segue nenhuma dessas evidências definidas na literatura especializada como boas práticas”, destaca o estudo.
Não há, portanto, eficácia no atual modelo doméstico de desoneração da folha, identificou a SPE. “As evidências encontradas sobre o desempenho da política no Brasil, em termos de impactos socioeconômicos, principalmente sobre o nível de emprego, salários e competitividade, não sinalizam em consenso para um bom e adequado desempenho da política”, cita o estudo.
Ineficácia
A SPE realizou uma análise da dinâmica das atividades desoneradas em comparação às não desoneradas. O resultado indica que o grupo amplo de atividades desoneradas apresentou retração no número de vínculos e no rendimento agregado entre 2015 e 2021. Essa parcela, inclusive, registrou perda da participação no total de emprego e de remuneração da economia ao longo do período de desoneração.
Por outro lado, a análise verificou que as atividades não desoneradas expandiram o número de vínculos e a massa salarial. Ainda, as atividades desoneradas não mostraram relevante diferença quanto à dinâmica do rendimento médio comparativamente às atividades não desoneradas, uma vez que o rendimento médio caiu para todas, informa a SPE.
“Apenas um grupo de setores desonerados pela política, que se enquadram em 32 classes de atividades CNAE, apresentou dinâmica do emprego e rendimento superior ao grupo de não desonerados. Este grupo abarca 32 classes CNAE que estão desoneradas desde 2012, ao passo que 229 outras classes desoneradas, estratificadas em outros três grupos de acordo com o período de entrada e vigência da política, apresentaram dinâmica pior do que a do grupo de não desoneradas”, cita a SPE.
“O melhor desempenho do grupo de atividades desoneradas desde 2012 até 2021 parece estar mais associado a características da dinâmica dos setores envolvidos e à conjuntura econômica, social e global do que ao impacto específico e positivo da política, já que uma gama de outras atividades desoneradas não apresentaram comportamento semelhante”, explica o estudo.
A conclusão é que a inclusão ampla e irrestrita de produtos e atividades econômicas desonerados ao longo do período de vigência da política de desoneração da folha de pagamentos não parece estar associada a critérios técnicos e boas práticas fundamentadas nas modernas recomendações de política industrial.
Falácia
O material da SPE traz à luz e esclarece que é inverídica a afirmação de que a atual política de desoneração da folha de pagamentos beneficiaria “17 setores que mais intensamente empregam mão de obra no País”. Essa colocação é enganosa e distorce a realidade, alerta a Secretaria de Política Econômica.
Dados comprovam que tal afirmação é inconsistente. A versão mais recente da Lei, vigente desde o final de 2018, beneficia 43 classes econômicas em classificação CNAE [Classificação Nacional das Atividades Econômicas] e aproximadamente 2.638 produtos/mercadorias em classificação NCM [Nomenclatura Comum do Mercosul].
“A partir de uma compatibilização setorial, este estudo encontrou 143 classes econômicas (CNAE) atualmente beneficiadas. A agregação em 17 setores comumente veiculada não encontra fundamento em nenhuma classificação setorial oficial”, adverte a SPE.
O acompanhamento das informações de emprego e rendimento mostra que, em conjunto, as atividades desoneradas representavam 17% do número de vínculos e 7% da massa salarial em 2021, tendo essas participações diminuído ao longo da vigência da política, no agregado. Embora não sejam números desprezíveis, a SPE alerta que não há respaldo para o rótulo de “17 setores que mais intensamente empregam mão de obra”.
Histórico
A implantação do modelo de desoneração da folha remete ao ano de 2012, inicialmente abarcando 32 classes CNAE. Ao longo do tempo, houve entradas e saídas de atividades beneficiadas por essa política, que atingiu seu ápice em termos de renúncia em 2015.
O modelo atual reflete situação fixada ao final de 2018, quando ocorreu a última alteração legislativa relativa às atividades atendidas (Lei nº 13.670/2018). Sob esse guarda-chuva, 43 classes em classificação CNAE e aproximadamente 2.638 produtos/mercadorias em classificação NCM são beneficiadas pela desoneração da folha desde o final de 2018.
Originalmente, a Lei nº 13.670/2018 estabeleceu que a desoneração da folha de salários deveria acabar em 31 de dezembro de 2020. Posteriormente, esse prazo foi estendido até o final de 2021 (Lei nº 14.020/2020) e, depois, foi novamente prorrogado (Lei nº 14.288/2021), com o encerramento dessa política previsto para o final de 2023.
O Congresso, no entanto, optou por prorrogar mais uma vez (até 2027) o modelo de desoneração da folha que vigora desde o final de 2018. Isso ocorreu a partir da aprovação, em 25 de outubro de 2023, do Projeto de Lei nº 334/2023 pelo Senado Federal, resultando na Lei nº 14.784/2023, o que ensejou veto do Executivo por inconstitucionalidade.
Foi nesse contexto que o governo encaminhou ao Congresso a proposição de uma nova política de desoneração setorial, integrante de um conjunto de medidas focadas na sustentabilidade fiscal. Os conceitos do novo modelo constam da Medida Provisória nº 1.202/2023, revisitada no Projeto de Lei nº 493/2024, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados.
Solução
“O Projeto de Lei (PL) nº 493/24 buscou apresentar uma proposta alternativa à judicialização da prorrogação da política de desoneração aprovada pelo Congresso Nacional, buscando endereçar sua inconstitucionalidade e incompatibilidade orçamentária, além de tentar mitigar os problemas de mérito econômico e social associados à política”, cita o estudo.
A SPE explica que a inconstitucionalidade da Lei nº 14.784/2023 está associada à proibição, a partir da Reforma da Previdência, do custeamento da Previdência Social por meio da instituição de contribuição substitutiva sobre a folha de salários. Essa falha ocorre ainda que pela prorrogação do prazo de vigência de contribuição instituída anteriormente à Emenda, diante da necessidade de assegurar o equilíbrio no custeio da seguridade social.
Tal incompatibilidade orçamentária se refere ao impacto – não orçado – de R$ 15,8 bilhões para 2024. Conforme esclarece a SPE, esse fator torna a política de desoneração da folha incompatível com a Lei Orçamentária de 2024 (Lei nº 14.822/ 2024, que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2024), aprovada pelo Congresso Nacional.
Esses fatores ensejaram o governo a ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para apreciação no Supremo Tribunal Federal. Um dia após ser protocolada, houve a suspensão por liminar de trechos da lei que prorrogou a desoneração da folha de pagamento até 2027.
Segundo aponta o estudo, o novo sistema proposto pelo Executivo busca minimizar as distorções em relação ao que já estabelece a política anterior, mantendo determinado nível de desoneração para setores em que há atualmente maior relevância do uso do benefício. Além disso, apresenta mecanismo gradual de redução do benefício para que as empresas tenham tempo para se ajustar ao novo sistema.