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REFORMA TRIBUTÁRIA
Mulheres defendem necessidade de incluir o ponto de vista feminino nas mudanças do sistema tributário
Fernanda Santiago, do MF, pediu mais representatividade no debate. Foto: Pablo Valadares/Câmara
A Reforma Tributária sobre o viés de gênero foi discutida nesta terça-feira (21/3) em debate promovido pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, no âmbito da Campanha Março Mulher. O grupo de trabalho responsável por analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2019, que altera o Sistema Tributário Nacional, é composto exclusivamente por parlamentares homens e vem tratando do assunto desde fevereiro deste ano.
A assessora especial do Ministério da Fazenda (MF) Fernanda Santiago falou da necessidade do debate amplo, com representatividade de todos os atores interessados. Segundo ela, o MF tem defendido a reforma sobre o consumo como um objeto que possa trazer maior racionalidade ao sistema tributário, tido como complexo e que gera regressividade tributária sobre a população mais pobre de uma maneira maior do que deveria. O debate foi mediado pela deputada Denise Pessoa (PT-RS).
Fernanda explicou que a sociedade brasileira é composta por uma maioria de mulheres negras em famílias monoparentais que arcam com um percentual maior da sua renda para pagar a tributação sobre o consumo. “Precisamos olhar para a tributação sobre o consumo e pensar o que a gente pode fazer pra que ela seja menos regressiva, ou seja, para que o mais pobre não pague mais impostos e o mais rico menos impostos”, disse.
Falando sobre o cashback , ela mostrou que o perfil do público a ser beneficiado é composto por 72% de pessoas negras e 57% de mulheres: “Então temos um resultado antidiscriminatório que nos é desejável com o mecanismo, que ainda será analisado para que seja definido o melhor modelo”.
Tributação x regressividade
A coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Tathiane Piscitelli, também abordou a regressividade do sistema tributário. “Os mais pobres pagam proporcionalmente mais tributos do que os mais ricos. A distribuição da carga tributária se dá pela tributação adequada da renda, o que não temos no Brasil. Quando olhamos para os maiores recebedores de dividendos, vemos que são homens brancos, o que agrava a desigualdade de gênero e de raça”.
Tathiane chamou atenção para o risco da adoção de uma alíquota única para todos os bens e serviços, sem que haja seletividade nem tributação favorecida para bens essenciais. A pesquisadora deu o exemplo dos tributos sobre armas e munições. “Para mitigar qualquer efeito de regressividade, é preciso assegurar que o IVA tenha alíquotas diferenciadas e favorecidas para bens e serviços essenciais. Assim temos o melhor cenário, com a devolução para a população de baixa renda”, afirmou, referindo-se ao Imposto sobre Valor Agregado, modelo que propõe unificar impostos.
Autonomia econômica
A coordenadora-geral da Secretaria Nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidado do Ministério das Mulheres, Ana Clara Ferrari, enfatizou que é preciso analisar a conjuntura atual para que o debate da Reforma Tributária tenha um vínculo direto com a garantia da autonomia econômica das mulheres: “Qualquer reforma tributária que não resolva o problema da regressividade em todas as suas nuances vai manter o sistema absolutamente desigual para as mulheres, sobretudo as que estão na base da pirâmide de renda”. Para ela, é preciso inserir outros elementos no debate, a exemplo de como a sociedade se estrutura, já que além da responsabilidade com os filhos, as mulheres ainda precisam cuidar da organização social, o que acaba fazendo que paguem essa conta socialmente também.
Sobrecarga feminina
A professora Melissa Demari, da Universidade de Caxias do Sul, focou nas diferenças salariais e na dificuldade feminina para acesso e estabilização das carreiras, já que elas têm de dividir o tempo entre o trabalho e os cuidados familiares. “Quando falamos em tributação, temos que pensar que ela se dá em duas frentes: na perspectiva da arrecadação das receitas e na aplicação das receitas. Mas é importante que, na perspectiva de gênero, a reforma pense em diferenciais de aplicação dos recursos para, não beneficiar, mas simplesmente igualar as mulheres à condição que hoje os homens gozam”.
Ela defendeu a ideia de um orçamento que responda às demandas femininas, de forma a pelo menos diminuir as desigualdades. “A tributação é uma forma de promover mudança nesse desequilíbrio de gênero”, defendeu.
Vieses de gênero
Já Luiza Machado, integrante do grupo de estudos de Tributação e Gênero do Núcleo de Direito Tributário da FGV-Direito/SP, citou quatro pontos que contribuem para discriminar as mulheres na tributação: a regressividade total do sistema tributário nacional; a tributação e a divisão sexual do trabalho; a discriminação indireta na tributação sobre produtos relativos ao trabalho de cuidado; e a discriminação direta na tributação sobre produtos de uso exclusivo ou predominantemente femininos. Ela apresentou uma análise comparativa entre a tributação sobre produtos femininos e masculinos. “A neutralidade da tributação não é amparada na realidade. A escolha do que é mais tributado ou menos tributado não é neutra. Ela tem vieses de gênero e, também, de raça”, reforçou.
Como propostas para a diminuição desses vieses, a pesquisadora citou a incorporação de gênero e raça como método de avaliação em todas as análises sobre política econômica, tributária e orçamentária; a diminuição da tributação sobre o consumo e o aumento sobre renda e patrimônio; o respeito ao princípio da seletividade em função da essencialidade; a redução ou a isenção de tributos sobre produtos ligados à subsistência e ao trabalho de cuidado. “É preciso reconhecer a essencialidade dos produtos ligados à fisiologia do sexo feminino, como absorventes, coletores menstruais e anticoncepcionais, entre outros. A tributação e as políticas sociais têm que se ater a essas diferenças”, concluiu.