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TÓQUIO 2020
Vinicius Figueira: a vaga inédita veio sem poder abraçar a família
Vinicius Figueira dedicou os últimos três anos a uma meta: estar presente na estreia do caratê no programa dos Jogos Olímpicos, em Tóquio. Vice-campeão mundial na categoria -67kg em 2018, na Espanha, ele abriu 2020 ainda mais focado no sonho, e por um caminho ultrasseletivo: precisava estar entre os dois melhores do mundo em sua categoria no dia 16 de março, logo após a etapa de Rabat, no Marrocos, do Grand Slam da modalidade.
A confirmação chegou nesta quarta-feira (18.03), por escrito. O integrante da Bolsa Pódio, categoria mais alta do programa Bolsa Atleta do Governo Federal, havia acabado de chegar da Europa. Mas, diante da crise sanitária provocada pelo coronavírus, recebeu a notícia ao lado do irmão, em Londrina, mas não celebrou a principal conquista dele e da história do caratê brasileiro como gostaria.
"Eu tinha acabado de chegar em casa quando soube. Estava ao lado do meu irmão. Claro que ficamos felizes. Mas não podia abraçar nem comemorar direito, em função do coronavírus. Eu estava há quase três meses fora de casa, mas evitei abraçar meu professor, meus pais e meus tios por prevenção. De qualquer forma, a alegria é muito grande".
"Eu tinha acabado de chegar em casa quando soube. Estava ao lado do meu irmão. Claro que ficamos felizes. Mas não podia abraçar nem comemorar direito, em função do coronavírus. Eu estava há quase três meses fora de casa, mas evitei abraçar meu professor, meus pais e meus tios por prevenção. De qualquer forma, a alegria é muito grande".
Vinicius Figueira, atleta do caratê
Além do anticlima na celebração, Vinicius retorna ao Brasil diante da incerteza mundial em relação à realização dos Jogos Olímpicos na data originalmente programada pelos organizadores. "De acordo com o Comitê Olímpico Internacional, vão manter as Olimpíadas por enquanto. Eu acredito que, se forem tomadas as prevenções e precauções, daqui a alguns meses a crise do coronavírus vai estar normalizada. Torço para que seja possível isso acontecer", afirmou o brasileiro de 28 anos.
Descanso previsto
Na programação de Vinicius com a comissão técnica, já estava previsto um período de dez dias de descanso depois da maratona de treinos de grande intensidade na busca pela vaga. Assim, a quarentena necessária não vai implicar, pelo menos num primeiro instante, perdas na preparação olímpica do atleta.
"Nas conversas com a equipe técnica, eu deveria descansar mesmo esta semana, depois dessa etapa de foco na classificação. Serão pelo menos dez dias e depois volto com foco 100% na medalha olímpica", disse o atleta, que ainda avalia como será a retomada aos treinos.
Incentivo constante
Vinicius Figueira é atualmente da categoria pódio do Bolsa Atleta, mas passou por várias outras desde 2013, quando entrou no programa. Ao longo da carreira, o investimento federal específico no atleta supera os R$ 437 mil.
Levando em conta a modalidade como um todo, o caratê tem atualmente 143 contemplados pelo Bolsa Atleta, num investimento de R$ 2,44 milhões por ano. São 66 mulheres e 77 homens, com 99 inscritos na categoria Nacional, 41 na categoria Internacional e três na Pódio (além de Vinicius, estão nessa categoria Valéria Kumizaki e Douglas Brose, que ainda sonham com a classificação olímpica).
Com a classificação de Vinicius, o Brasil soma 178 vagas garantidas nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Desse total, 51 já têm nome e sobrenome definido. As demais dependem de convocação das equipes técnicas. Desse grupo de 51, 47 (92,1%) são integrantes do Bolsa Atleta. O investimento federal anual no grupo é de R$ 5,98 milhões.
"Nesse processo de classificação do Vinicius existem pontos que potencializaram demais os resultados. Entre eles, o Vinicius sempre foi bolsista federal. Isso ajudou com que ele, desde 2013, continuasse a competir e tivesse esse apoio. Na sequência, tivemos a inserção de atletas do caratê no programa de alto rendimento das Forças Armadas. O Vinicius foi inserido no Exército. Na sequência, Vinicius foi contemplado pela Bolsa Pódio. Essa estrutura, além do apoio do Comitê Olímpico do Brasil e da Confederação Brasileira de Karatê, usando os recursos das loterias federais, foi indispensável. Não é só um trabalho de comissão técnica, do atleta, mas um trabalho conjunto de toda a esfera esportiva", listou William Cardoso, diretor técnico da Confederação Brasileira de Karatê (CBK).
Reta final intensa
Vinicius zarpou para a Europa no início de janeiro. Seriam três meses longe de amigos, familiares e da casa em Londrina (PR). No horizonte, as últimas competições válidas pelo ranking do caratê para definir os primeiros classificados para Tóquio. Com o italiano Steven Dacosta disparado na liderança, a briga milimétrica de Vinicius era contra o egípcio Ali Elsawy.
"Existem pontos que potencializaram demais os resultados. Entre eles, o Vinicius sempre foi bolsista federal. Na sequência, tivemos a inserção dele no programa de alto rendimento das Forças Armadas. Depois, foi contemplado pelo Bolsa Pódio. Também tivemos recursos das loterias, via COB e confederação. Não é só um trabalho de comissão técnica, do atleta, mas um conjunto de toda a esfera esportiva"
William Cardoso
Na reta final da disputa, os dois chegaram empatados a Dubai, nos Emirados Árabes. Lá, o brasileiro brilhou. Chegou à final do torneio e acabou com a segunda colocação. O egípcio, por sua vez, caiu na primeira luta. A diferença entre os dois subiu para 700 pontos. Em Salzburgo, na Áustria, os dois caíram nas quartas de final, mas o egípcio deu mais sorte: seu adversário chegou à final, e Elsawy seguiu na chave e conquistou o bronze. A diferença caiu para 300 pontos.
A última etapa seria em Rabat, no Marrocos, de 13 a 15 de março. Aí bateu no esporte a crise do coronavírus. O evento africano acabou cancelado. A alternativa seria realizá-lo em Madri, na Espanha. O país ibérico, contudo, também foi duramente afetado pela crise do coronavírus. Assim, por decisão da Federação Internacional de Caratê (WKF na sigla em inglês), valeu para definição.
Sem precedentes
Para William, a conquista de Vinicius, além de inédita, é retrato desse investimento de longo prazo. "É uma sensação inexplicável. Eu diria um feito sem precedentes. É o primeiro brasileiro do caratê a participar de Jogos Olímpicos. Está entre os dois sul-americanos classificados por esse critério. Entre os três da América", disse Cardoso.
Ao lado do técnico Ricardo Aguiar, Vinicius foi medalhista de bronze no Mundial de 2014, na Alemanha. Dois anos depois, chegou novamente à disputa do bronze no Mundial da Áustria, quando saiu com a quinta posição. Em 2018, na Espanha, Vinicius só parou na final, diante do francês Steven Dacosta.
"É um trabalho constante. Não é uma coisa de curto prazo. E essa disputa olímpica foi suada, uma maratona com diferença de 360 pontos para o segundo colocado. Houve 25 competições válidas pelo ranking olímpico. O Vinicius esteve em 21. Ele só não disputou os torneios continentais da Ásia, da Europa, da África e da Oceania porque não podia", contou Cardoso.
Funil estreito
O regulamento para chegar aos Jogos de Tóquio no caratê é bem restrito. A competição terá apenas dez atletas em cada uma das seis categorias de peso do kumite, mais dez nas disputas individuais de kata (prova de demonstração), masculino e feminino. Quatro dessas vagas, em cada categoria, são definidas de forma direta pelo ranking olímpico. "Para se ter uma ideia, serão apenas 80 atletas no total, em oito categorias. No Mundial de 2018, por exemplo, eram 1.114 atletas de 131 países", explicou William Cardoso.
O desafio de Vinicius era ainda maior porque a categoria dele será unificada na capital japonesa. Os atletas dos pesos -60kg e -67kg lutarão juntos. Na prática, isso significa que a briga por ranking reservava apenas duas vagas para caratecas da categoria -60kg e outras duas na -67kg. Além de Vinicius e do francês Steven Dacosta, da categoria -67kg, conquistaram a vaga em Tóquio o italiano Angelo Creswcenzo e o atleta do Cazaquistão Darkhan Assadilov.
Templo olímpico
No cronograma original dos Jogos Olímpicos de Tóquio, as competições do caratê serão disputadas nos últimos dias do megaevento, entre 6 e 8 de agosto. O palco será o mesmo que antes receberá o judô. A Nippon Budokan é uma arena historicamente conectada com as artes marciais no Japão e foi criada para os Jogos Olímpicos de 1964. A instalação recebeu em 2019 o Mundial de Judô.
Gustavo Cunha - rededoesporte.gov.br