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Lei de Incentivo ao Esporte
Projeto já consagrado na Rocinha, unidade do Instituto Reação em Cuiabá (MT) recebe mais de R$ 1 milhão via Lei de Incentivo
Fotos: Priscila Pacheco/Instituto Reação
Em 2016, o Brasil comemorou, dentro de casa, a conquista do ouro olímpico nos Jogos Rio 2016 por Rafaela Silva. Mais do que uma medalha no evento esportivo mais importante do mundo, o título representou a luta de uma atleta que saiu de dentro de uma favela carioca, encontrou no judô uma oportunidade de transformação e enfrentou uma série de preconceitos rumo ao pódio . Responsável pela mudança de perspectiva na vida da judoca, o Instituto Reação ultrapassou as fronteiras e, com mais de R$ 1 milhão em recursos aprovados para execução via Lei de Incentivo ao Esporte, agora atende também crianças e adolescentes para além dos limites do estado.
Estamos no terceiro setor há muito anos, e a Lei de Incentivo foi uma revolução no esporte. Graças a ela temos conseguido transformar a vida de muita gente, sonhar, crescer e levar para mais estados. A Lei de Incentivo tem sido nosso principal suporte na condução do Reação"
Flavio Canto, medalhista olímpico e idealizador do Instituto Reação
O Instituto Reação teve início ainda no ano 2000, quando Flavio Canto começou a dar aulas de judô na Rocinha. O judoca, que quatro anos depois conquistaria a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atenas, ainda abriu outros polos no Rio de Janeiro com o lema de formar faixas pretas dentro e fora do tatame. Mais do que ensinar a arte marcial, a iniciativa atraiu crianças e jovens das comunidades para também promoverem os valores do judô e a educação. O projeto foi beneficiado pela Lei de Incentivo ao Esporte pela primeira vez em 2016.
Ao longo de duas décadas, o Reação cresceu e ganhou outros nomes de peso no elenco. Além de Rafaela Silva, no Rio 2016 a equipe também contou com Victor Penalber, que no ano anterior havia conquistado o bronze no Mundial de Astana. Apoiando ainda o time de refugiados no megaevento, o instituto levou para as Olimpíadas os judocas Popole Misenga e Yolande Mabika .
Outro grande nome do judô brasileiro que integra a equipe do Reação é o peso pesado David Moura. Prata no Mundial de Budapeste em 2017 , o cuiabano de 33 anos já ocupou o posto de melhor do mundo no ranking da categoria +100kg, dominada pelo francês Teddy Riner, e hoje trava uma briga acirrada pela vaga olímpica nos Jogos de Tóquio com Rafael Silva, o Baby. De acordo com a última atualização da Federação Internacional de Judô (IJF, na sigla em inglês), do dia 8 de março, David Moura ocupa a 8ª colocação, enquanto Baby é o 10º.
E foi graças a ele que o Instituto Reação, pela primeira vez, cruzou os limites do Rio de Janeiro e, no ano passado, desembarcou na capital de Mato Grosso. "Inicialmente pensamos em sair do Rio para outros estados, mas imaginamos que o primeiro lugar pudesse ser São Paulo. Como temos um grande atleta do Reação, exemplo para a garotada, que é o David Moura, e ele é de Cuiabá, achamos que faria sentido começar na terra dele", conta Flavio Canto. Nessa ocasião, David já conduzia outro projeto social, de menor porte, na cidade. "Ele já tinha também o perfil de indignação, que corresponde ao que temos aqui, de querer mudar as coisas para melhor. Então só alinhamos o time", acrescenta.
"O Flavio me falou para pensarmos grande, na ideia do Reação abraçar o meu projeto e fazê-lo crescer. Obviamente adorei, e começamos a construir isso. Foi sensacional porque tivemos a oportunidade de ser o primeiro polo do Reação fora do Rio de Janeiro, e eu, a honra de ser o embaixador", comemora David Moura, que contou com o suporte da família, toda envolvida com o judô, para conduzir o projeto.
"Acho que todo mundo abraçou a ideia, até por entender a grandiosidade disso. Deu um sentido gigantesco para a minha carreira. Na ideia do Reação de construir, conquistar e compartilhar, aqui é o nosso compartilhar", define o judoca. "É algo que me completa, que dá todo sentido para o que estou fazendo e, com certeza absoluta, me ajuda muito na hora de lutar, de subir ao tatame, por saber que tenho algo maior pelo qual lutar", acrescenta David, que também é integrante da categoria Pódio, a principal do programa Bolsa Atleta, da Secretaria Especial do Esporte do Governo Federal.
Estrutura do Instituto Reação em Cuiabá. Foto: Priscila Pacheco/Instituto Reação |
Acho que todo mundo abraçou a ideia, até por entender a grandiosidade. Na ideia do Reação de construir, conquistar e compartilhar, aqui é o nosso compartilhar. É algo que me completa, que dá todo sentido para o que estou fazendo e, com certeza, me ajuda muito no tatame, por saber que tenho algo maior pelo qual lutar"
David Moura, judoca da Seleção Brasileira
Nessa empreitada, um dos apoios que o projeto recebeu foi do pai de David, Fenelon Müller, ex-atleta da seleção de judô e medalhista de bronze no Pan de 1975, na Cidade do México. Fenelon faleceu em janeiro deste ano, vítima de infarto. O legado, contudo, permanece em Cuiabá. "A cidade também abraçou a causa, todo mundo está muito feliz com o que está acontecendo. Ficamos honrados em ter um projeto social como o Reação aqui", conta o filho.
Alcance
Hoje a cidade já conta com dois polos do instituto. Na Cidade Alta, são cerca de 50 alunos atendidos, com idades entre quatro e 16 anos. Já no bairro Três Barras, que teve o valor de R$ 1,01 milhão aprovado para execução por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, com vigência até dezembro, são 235 beneficiados, dos quatro aos 29 anos. "Estamos no terceiro setor há muito anos, e a Lei de Incentivo foi uma revolução no esporte. Graças a ela temos conseguido transformar a vida de muita gente, sonhar, crescer e levar para mais estados. A Lei de Incentivo tem sido nosso principal suporte na condução do Reação", aponta Flavio Canto.
O projeto conta hoje com 12 colaboradores no Mato Grosso, entre educadores de judô, os de sala de aula, assistentes sociais, psicóloga e coordenadores. "A gente usa o esporte como metáfora, usa o judô como ferramenta de chegada para os alunos, mas eles também participam de atividades em sala de aula. Temos um programa de educação que acompanha o desenvolvimento dos alunos", explica Canto.
Os participantes têm aulas duas vezes por semana, com uma hora de duração. Em função da pandemia, os encontros foram reduzidos em 15 minutos, para que os espaços sejam higienizados entre cada turma. Além disso, foi aplicado o sistema híbrido, em que apenas metade dos alunos comparecem presencialmente enquanto os demais, em rodízio, acompanham as atividades a distância. O polo de Três Barras conta com uma área de tatame de 9m x 8m, duas salas de aula, uma de atendimento e outra de reunião, além de vestiário e de uma área externa.
"Para conseguirmos tocar esse projeto, inevitavelmente precisamos de dinheiro. A aprovação é o que possibilita não só a gente atingir todas as crianças, mas, de forma mais profunda, conseguir dar realmente um atendimento que vai além do judô, com educação, assistência mesmo, que sabemos que elas precisam e muito", comenta David.
De acordo com a coordenadora do polo de Cuiabá, Priscila Pacheco, a parte educacional não funciona apenas como reforço escolar. "Nas oficinas pedagógicas, reforçamos os valores aprendidos no judô. Trabalhamos por projetos, a partir de uma metodologia socioemocional", explica. O tema da vez são os Jogos Olímpicos. "Para cada idade, trabalhamos algo explorando esse tema. Por exemplo, os adolescentes trabalham quais são as qualidades que um atleta olímpico desenvolve para alcançar os objetivos, como coragem e disciplina. Já os menores estão desenhando o que é a Olimpíada e desenvolvendo o projeto de uma mascote. Vamos fazer uma votação para selecionar a mascote olímpica do Reação", conta Priscila.
Uma perspectiva infantil que é retrato daquilo que alguns deles já miram para o futuro. Aos 10 anos, três deles vividos dentro do projeto, Anthony dos Santos, tímido, limita-se a dizer que gosta de treinar e lutar. Quando perguntado o que quer ser quando crescer, no entanto, ele tem a resposta pronta. "Tem várias coisas que eu quero ser, uma delas é judoca, igual ao David Moura. Eu gosto das lutas que ele faz", projeta o pequeno faixa cinza.
Anthony dos Santos, dez anos: "Tem várias coisas que quero ser. Uma delas é ser judoca igual ao David Moura". Foto: Priscila Pacheco/Instituto Reação |
Formação
Se depender dos sonhos dessas crianças, o judô brasileiro pode ter pela frente uma forte categoria de base. "O objetivo em Cuiabá é o mesmo que temos em todos os lugares que entramos. É desenvolver potenciais, fomentar, despertar essa reflexão, essa provocação de que o aluno pode e deve sonhar grande, mas, para isso, tem que se preparar", pondera o medalhista olímpico de Atenas 2004.
Nas oficinas pedagógicas, reforçamos os valores aprendidos no judô. Trabalhamos por projetos, a partir de uma metodologia socioemocional. Para cada idade, trabalhamos algo explorando esse tema. Por exemplo, os adolescentes trabalham quais são as qualidades que um atleta olímpico desenvolve para alcançar os objetivos, como coragem e disciplina"
Priscila Pacheco, coordenadora do polo do Instituto Reação em Cuiabá
"Usando a simbologia do judô, a gente aprende a cair para levantar mais forte e seguir na luta. A gente ensina a perder, a se levantar, a lutar, e a gente tem uma jornada socioemocional que tem como objetivo criar alguma transferência de tudo isso, para o aluno levar para fora o que aprende dentro do tatame", continua Flavio Canto. "Cuiabá, naturalmente, tem características diferentes do Rio, mas quando falamos em valores, como coragem, humildade, disciplina, honra, excelência, solidariedade, a gente pode atuar em qualquer lugar. São valores universais", defende.
Amparado pela frase "o homem é do tamanho do seu sonho", de Fernando Pessoa, Canto define que o objetivo é iluminar caminhos. "A ideia é a gente desenvolver potenciais que muitas vezes são desconhecidos, adormecidos ou subestimados por quem os carrega, e a gente tenta de alguma maneira despertar o aluno para esse lugar que ele às vezes não encara como deveria", destaca.
"Nosso objetivo aqui sempre foi, inspirado pelo Reação lá do Rio, transformar a vida das crianças e colocar na cabeça delas que elas podem ser o que quiserem se conseguirem levar os valores que o judô ensina para a vida, e fazer acreditarem que a largada não determina a chegada", acrescenta David Moura. "A gente trabalha com crianças carentes, e não é por serem carentes que elas não vão alcançar o que quiserem. Acho que, se conseguirmos isso, já teremos alcançado nosso grande objetivo", acredita.
E se dali despertar um novo medalhista olímpico, será muito bem-vindo. "A seleção brasileira está vivendo, especialmente no masculino, uma mudança de geração, passando por um momento difícil", avalia Flavio Canto, que deve embarcar com a equipe para a Turquia, para a disputa do Grand Slam de Antalya, entre os dias 1º e 3 de abril, como uma espécie de reforço técnico. Outros nomes como Luciano Correa, campeão mundial em 2007, Leandro Guilheiro, bronze em Atenas 2004 e Pequim 2008, e João Derly, ouro nos Mundiais de 2005 e 2007, também têm trabalhado ao lado da seleção na tentativa de contornar as dificuldades atuais.
"Acho que é um momento de apoio e de suporte de todo o judô, e de se preparar para frente. Temos uma Olimpíada na porta, a gente chega com menos expectativa de número de medalhas do que em outras. Vai ser uma Olimpíada difícil em que chegamos com piores chances, mas é um processo em que temos que lutar para melhorar, e é o que estamos fazendo", comenta Canto, que confia na classificação de David para o Japão. "Temos esse desafio da classificação e, depois, de buscar a medalha. Ele tem histórico e personalidade para isso. Estou otimista de que é possível", projeta.
"A disputa pela vaga é sempre aquela adrenalina. Estamos na reta final. Temos ainda a Turquia, o Campeonato Pan-Americano, mais um Grand Slam e um Mundial. São quatro competições para definir a vaga olímpica. Ao mesmo tempo, acho que a minha função é trabalhar, fazer tudo que está no meu controle e tentar não me preocupar muito", analisa David. "Hoje estou um pouco na frente. Estou bem e sem lesão. Acho que tem tudo para dar certo e para trazer a primeira medalha olímpica para o Mato Grosso", deseja.
Além de David, o Reação tenta levar para Tóquio Jéssica Pereira, que luta pela classificação nos 57kg, categoria deixada em aberto após a punição por doping de Rafaela Silva, e, mais uma vez, o refugiado Popole Misenga. "Temos uma geração muito forte chegando, especialmente no sub-18. Tivemos uma atleta que foi campeã mundial juvenil, a Anna Karolinna Belém, e outros atletas que acho que vão dar bastante alegria para o judô adiante", aposta Flavio Canto.
Diretoria de Comunicação - Ministério da Cidadania