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Comparação internacional de gastos governamentais em saúde, educação e previdência
Introdução
Recentemente foram feitas algumas avaliações quanto à eficiência dos gastos governamentais brasileiros com saúde, educação e previdência, baseadas em comparações internacionais com países como China, Coréia do Sul e Estados Unidos. Em linhas gerais essas análises levam em conta os seguintes fatos:
- o Brasil gasta três vezes mais que a China per capita na área de saúde, mas tem indicadores semelhantes de mortalidade infantil e expectativa de vida;
- o Brasil gasta mais do que a Coréia do Sul em ensino universitário, no entanto a proporção de jovens brasileiros matriculados na universidade é de 18%, enquanto que a de sul-coreanos é de 82%;
- os gastos previdenciários equivalem a 11% do PIB no Brasil e a 6% do PIB nos Estados Unidos, sendo que a proporção da população norte-americana acima dos 60 anos (16% da população total) é o dobro da brasileira (8% da população total).
Essas diferenças entre indicadores sociais vis-à-vis os gastos sociais governamentais no Brasil em relação a outros países seriam conseqüência da ineficiência dos gastos do governo brasileiro. Vale observar que no caso das avaliações das áreas de educação e saúde nem sempre fica claro qual o tipo de gasto que está sendo considerado: gasto total (público e privado) ou apenas público, em dólares correntes ou ajustados pela paridade do poder de compra.
Esta nota visa discutir as informações apresentadas acima, complementando-as com a análise de um conjunto maior de países e de indicadores. No que diz respeito aos gastos, a variável relevante para a análise é a despesa do governo geral em proporção do PIB e per capita.
Os resultados de exercícios de comparação internacional devem ser avaliados com extrema cautela. O principal problema é a comparabilidade dos dados de gastos governamentais. Para fins dessa nota, utilizou-se a base de dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Banco Mundial e da OCDE. Essas instituições efetuam ajustes nas informações oficiais fornecidas pelos governos de modo a permitir que os dados sejam minimamente comparáveis. Ainda assim, ressaltam que a falta de consistência da contabilidade e das estatísticas públicas da maioria dos países em desenvolvimento torna difícil uma comparação internacional dos gastos governamentais, principalmente em países federados como o Brasil, em que os governos locais são responsáveis por uma parcela expressiva dos gastos com saúde e educação. Uma outra limitação dessas bases de dados é que não dispõem de informações recentes. A maior parte dos dados é de 2002.
Por fim, há pelo menos duas questões que devem ser ponderadas no exame da eficiência dos gastos sociais. Em primeiro lugar, os indicadores sociais não são influenciados apenas pelos gastos públicos, mas pelos gastos totais, ou seja, a soma dos gastos públicos e privados. Pode haver situações em que os indicadores sociais de um determinado país são melhores porque seus gastos privados são mais expressivos e eficientes, enquanto que os seus gastos públicos são baixos. Os países de renda per capita mais elevada possuem melhores indicadores de desenvolvimento social em relação aos países de renda mais baixa, não necessariamente devido às suas despesas públicas serem mais eficientes, mas possivelmente porque os seus gastos sociais totais, que incluem os gastos privados, são mais expressivos. Em segundo lugar, deve-se ter presente que o impacto das políticas sociais se dá a longo prazo. Uma análise da eficiência dos gastos sociais deve, portanto, se basear na avaliação da evolução ao longo do tempo dos indicadores sociais e não apenas na comparação entre países do seu nível em um determinado período. Um país pode, por exemplo, ter elevado a proporção dos gastos públicos em um determinado setor social e, ao mesmo tempo, ter para esse setor indicadores ruins, que, no entanto , estão melhorando rapidamente ao longo do tempo. Em uma situação desse tipo não se pode afirmar que o gasto público é ineficiente ou ineficaz.
Saúde
Segundo dados da OMS, os gastos do governo geral com saúde no Brasil são elevados quando comparados com os demais países em desenvolvimento. Em 2002, esses gastos totalizaram 3,6% do PIB(1), 0,3 ponto percentual do PIB superiores à média da América Latina e, entre os países apresentados na tabela 1, são menores apenas que os gastos da Argentina (4,5% do PIB). A diferença é ainda maior quando comparado com as despesas governamentais dos países asiáticos selecionados. Em relação à China, por exemplo, os gastos do governo geral com saúde são quase duas vezes maiores.
Um indicador largamente utilizado para a comparação internacional de despesas com saúde é o gasto per capita. O gasto do governo geral per capita em dólares correntes de 2002 é cerca de 5 vezes maior do que o da China, aproximadamente 16 vezes maior do que o da Índia e ligeiramente abaixo da média da América Latina. No entanto, o gasto per capita em dólares correntes é muito afetado por variações cambiais. Por isso, um parâmetro mais adequado é o gasto per capita ajustado pela paridade do poder de compra que atenua os problemas relacionados ao câmbio e permite uma comparação mais adequada entre os países. Nesse caso, o gasto per capita do governo geral do Brasil é 3 vezes maior que o da China, 14 vezes maior que o da Índia e acima da média da América Latina.
Os gastos públicos brasileiros com saúde são elevados em relação aos chineses, mas uma comparação da situação atual e da evolução dos principais indicadores de saúde não permite concluir que os gastos no Brasil são ineficientes em relação aos da China. A taxa de mortalidade infantil e a expectativa de vida ao nascer em ambos países são equivalentes, no entanto o desenvolvimento desses indicadores nos últimos 12 anos deixa a desejar na China, que obteve a pior evolução entre os países apresentados na tabela 1. Enquanto a mortalidade infantil caiu em media 2,8% ao ano no Brasil, na China ela caiu 1,8% ao ano. A expectativa de vida, por sua vez, cresceu a uma taxa média 0,3% ao ano no Brasil e 0,2% na China. A taxa de vacinação de crianças até dois anos, que está diretamente relacionada às despesas e políticas públicas, é de quase 100% no Brasil, enquanto na China ela está abaixo dos 90%. Em 1990 ocorria o inverso: na China a imunização de crianças abaixo dos 2 anos era praticamente universal e no Brasil 78% das crianças eram vacinadas contra sarampo e 86% contra difteria, coqueluche e tétano (tríplice). Os demais indicadores (médicos e leitos hospitalares por habitante e acesso a saneamento e água potável) apontam também para uma situação atual da saúde melhor no Brasil, sendo que sua evolução desde 1990 foi mais favorável na China, com exceção do número de médicos por habitante.
O gasto per capita ajustado pela paridade do poder de compra traz algumas dificuldades para fins de comparação entre países de níveis de renda per capita muito distintos, como, por exemplo, Brasil e China ou México e Estados Unidos. A principal delas é a sua forte correlação com o nível de renda. O gasto per capita com saúde tende a ser mais alto nos países de renda per capita mais elevada. Nesse caso, é difícil dizer em que medida a diferença entre os gastos governamentais deve-se à eficiência ou ao nível de renda, que influencia os custos médios, entre os quais os salários pagos aos funcionários de saúde.
Uma comparação mais adequada é aquela realizada entre países de renda per capita equivalente e de características econômicas e sociais semelhantes como é o caso dos países da América Latina. Os gastos públicos de saúde em percentual do PIB e per capita no Brasil são superiores à média da América Latina, enquanto que seus indicadores de saúde são similares à média da região, com a notável exceção das taxas de vacinação que estão entre as melhores dos países apresentados na tabela 1. A diferença entre gastos públicos e indicadores de saúde é ainda mais expressiva quando se compara o Brasil com o Chile. Os gastos do governo chileno com saúde são menores que os brasileiros em percentual do PIB e similares em termos per capita. Entretanto, seus indicadores de saúde tiveram uma evolução mais favorável desde 1990 sendo, atualmente, substancialmente melhores que os do Brasil e comparáveis aos da Coréia do Sul.
Não é possível afirmar, com base apenas nas comparações feitas acima que essas diferenças devam-se a problemas de eficiência dos gastos públicos brasileiros, embora seja provável que a ineficiência tenha um papel importante na explicação. Outros fatores influenciam as condições gerais de saúde e devem ser considerados em uma análise de eficiência das despesas públicas. O principal deles é o gasto total. Os indicadores de saúde chilenos podem ser melhores que os brasileiros porque os gastos privados são ou maiores, ou mais eficientes ou ambos. O nível da renda também tem um peso importante. As populações de países com renda mais elevada têm melhores condições de saúde do que as de países de renda mais baixa, entre outras razões porque o gasto privado com saúde é maior e possivelmente mais eficiente. Um terceiro fator é que os países com melhor desempenho podem ter uma política em curso para o setor por mais tempo do que o Brasil. O SUS é relativamente recente. Foi criado pela Constituição de 1988, mas implementado ao longo da década de 90. As políticas de saúde surtem efeito a longo prazo. Portanto, os resultados das políticas brasileiras podem ainda não estar plenamente refletidos nos indicadores apresentados na tabela 1.
Educação
De acordo com a OCDE, em 2002 os gastos do governo geral no Brasil com educação superior totalizaram 0,9% do PIB, enquanto que os gastos do governo sul-coreano foram de 0,3% do PIB. No mesmo ano, a taxa de matrícula, definida como a proporção de pessoas em idade universitária matriculadas em universidades, era de 85% na Coréia do Sul e de 18% no Brasil, segundo dados do Banco Mundial. Deve-se ressalvar que a variável mais relevante para explicar a taxa de matrícula é o gasto total em ensino superior e não apenas o gasto público, uma vez que em muitos países o gasto privado tem um peso importante. A Coréia do Sul apresenta um dos maiores níveis de gasto privado em ensino superior do mundo (1,9% do PIB), o que faz com que os gastos totais sejam menores apenas do que o dos Estados Unidos. Isto ajuda a explicar porque esses dois países apresentam as maiores taxas de matrícula em universidades entre os países desenvolvidos (gráfico 1.A.) e impede uma avaliação comparativa em termos de eficiência dos gastos públicos com o Brasil. A OCDE não dispõe de dados sobre os gastos totais em educação superior no Brasil(2).
Um indicador mais utilizado para analisar a eficiência dos gastos públicos em ensino superior é o gasto por estudante em percentagem do PIB per capita, que no Brasil é de 59%, menor apenas que o da Malásia e da Índia, de acordo com dados do Banco Mundial (gráfico 1.B.) . Embora esse indicador tenha caído quase 50% desde 1998 ele continua elevado em relação ao de outros países desenvolvidos e da América Latina. Os gastos brasileiros são quase o dobro dos gastos mexicanos e três vezes maiores que os gastos dos governos argentino e chileno. Já os gastos públicos por estudante na Coréia do Sul é o menor entre os países apresentados no gráfico(3)1.B.
O fato de o nível da despesa pública por estudante matriculado em ensino superior no Brasil ser alto em relação a outros países, ainda que seja um forte indício, não leva por si a conclusão de que há ineficiência nos gastos públicos com educação superior. A principal dificuldade é que, como visto anteriormente, as taxas de matrícula são influenciadas pelos gastos totais, não apenas pelos públicos. Não há dados disponíveis que permitam separar as matrículas relacionadas aos gastos públicos daquelas relacionadas ao gasto privado. Ainda que isso fosse factível, seria necessário pesar as despesas contra outros indicadores de qualidade do ensino superior, além da taxa de matrícula. Por exemplo, algum indicador de qualidade dos formandos. Pode haver casos em que um país gasta muito por estudante, tem proporcionalmente menos pessoas matriculadas em universidades, mas forma profissionais mais bem preparados. Um outro exemplo seria algum indicador de quantidade e qualidade dos pesquisadores. É possível que um país gaste mais por estudante universitário que outro simplesmente porque investe mais em pesquisa.
Os dados permitem, no entanto, tirar algumas conclusões quanto ao foco das despesas públicas em educação como um todo. As despesas públicas em educação no Brasil possuem um viés para o ensino superior em detrimento do gasto no ensino médio e fundamental. O Brasil apresenta o menor gasto por estudante no ensino fundamental entre os países apresentados no gráfico 1.C. O gasto por estudante no ensino médio é ainda mais baixo tanto em relação ao ensino fundamental quanto em relação aos demais países selecionados. A despesa do governo geral com educação é elevada no Brasil. Em 2002, era de 5,4% do PIB, nível maior do que a média dos países da OCDE e de outros países da América Latina como Argentina, Chile e México. O governo brasileiro gasta proporcionalmente mais em ensino superior do que em ensino fundamental, o que tende a desfavorecer a população de renda baixa. Aproximadamente 60% dos estudantes matriculados nas universidades públicas pertencem aos 20% da população de renda mais alta.
Não obstante, o Brasil fez grande progresso na ampliação do acesso ao ensino médio e fundamental. Em 2002, 97% da população de 7 a 14 anos estava matriculada em escolas de ensino fundamental e 72% da população entre 15 e 17 anos em escolas do ensino médio. Em 1990, esses percentuais eram de respectivamente 86% e 15%. Contudo, a qualidade do ensino ainda deixa a desejar, o que se reflete nas elevadas taxas de repetência e nos resultados de uma avaliação de desempenho escolar conduzida pela OCDE em 31 países(4) . A pontuação média do Brasil foi melhor apenas que a do Peru. Há pelo menos duas explicações para a baixa qualidade do ensino médio e fundamental brasileiro. Primeiro, em um período de rápida universalização do ensino é de se esperar que ocorra algum comprometimento da qualidade. Segundo, o baixo nível de gasto por estudante, que poderia ser elevado por meio de uma melhor distribuição dos gastos em educação. Isto implica que para um mesmo nível de gastos público com educação em percentual do PIB, o Brasil poderia, a princípio, apresentar melhores indicadores de qualidade do ensino médio e fundamental.
Previdência
A despesa do governo geral com previdência no Brasil equivalia a 10,7% do PIB, em 2002, e a 6,1% do PIB nos EUA, em 2001, último ano em que há dados disponíveis para os países-membro da OCDE. Os gastos previdenciários no Brasil são também mais elevados do que a média dos países da OCDE (gráfico 2.A.). Por outro lado, a proporção da população brasileira com idade acima de 65 anos era de 5,4% em 2003, maior apenas que a do México (5,2%). Já nos Estados Unidos essa proporção era de 12,4%.
Os gastos previdenciários guardam estreita relação com a proporção da população acima de 65 anos (gráfico 2.B.). Os dois países que mais gastam com previdência, Itália e Grécia, são também os países com as maiores populações idosas entre os países do gráfico 2, 19 e 18,7%, respectivamente. O Brasil é uma notável exceção à regra, e em menor grau a Turquia, o Chile e o México. Esses países possuem gastos previdenciários elevados em relação à parcela idosa de sua população. Os gastos com previdência social no Brasil correspondem à metade das despesas sociais do governo geral, enquanto que na OCDE essa relação é de aproximadamente um terço. Esses gastos tendem a crescer na medida em que a parcela idosa da população brasileira aumentar, o que chama a atenção para a necessidade de se conter a elevação das despesas previdenciárias.
(1) Há inúmeras dificuldades de consolidação das despesas sociais do governo geral no Brasil. A maior parte delas está relacionada a problemas nas informações fornecidas por estados e municípios. Estimativas alternativas podem ser superiores às apresentadas aqui, mas não foram utilizadas, pois não há como avaliar em que medida são comparáveis internacionalmente. Segundo a OCDE, as despesas do governo geral com saúde em 2002 foram de 4,7% do PIB.
(2) Segundo dados do Ministério da Educação, as matrículas em instituições privadas corresponderam a 70% do total de matrículas em instituições de ensino superior em 2003.
(3)A OCDE estima que os gastos públicos por estudante equivalem a 135% do PIB per capita no Brasil. Optou-se por utilizar aqui os dados do Banco Mundial, pois eles abrangem apenas os gastos públicos, enquanto que os dados da OCDE englobam os gastos totais para um grupo de países e apenas os gastos públicos para um outro grupo de países, inclusive o Brasil, o que dificulta a comparação.
(4) Trata-se do PISA (Programme for International Student Assessment) que avalia o desempenho em leitura, matemática e ciências de estudantes de 15 anos.
Ministério do Planejamento
Assessoria Econômica
Brasília, 8 de dezembro de 2005