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AVANÇOS
Pesquisa da Unirio no HUGG pode contribuir para a liberação da amamentação por mulheres vivendo com HIV no Brasil
Um projeto desenvolvido na Unirio poderá levar a uma mudança significativa na vida de muitas mulheres que se encontram invisibilizadas. Ainda hoje, mães vivendo com HIV são orientadas a não amamentarem seus filhos, sob o risco de transmitirem o vírus para a criança. No entanto, a evolução do tratamento com o uso de terapia antirretroviral (TARV) pode mudar essa história. As análises foram feitas no Laboratório de Pesquisa Multiusuário 04 (LPM-04), dentro do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
Uma equipe liderada pelos professores Rafael Braga (Instituto Biomédico) e Regina Rocco (Escola de Medicina e Cirurgia) acaba de publicar, na plataforma MedRxiv, os primeiros achados da pesquisa intitulada Análise da carga viral no colostro de puérperas vivendo com HIV em uso de terapia antirretroviral (TARV). Como resultado, em 13 amostras do colostro de mães vivendo com HIV, o vírus mostrou-se indetectável. Outras duas amostras apresentaram falha durante a extração automatizada, em função da viscosidade. Apenas uma amostra apresentou resultado detectável, porém, após uma investigação mais detalhada, foi constatado que a puérpera havia abandonado o tratamento após a 34ª semana de gestação.
O HUGG realiza exames de biologia molecular de alta sensibilidade e especificidade. "Pedimos para colocarem na rotina deles a análise do colostro, mas não existia protocolo no mundo para colostro. Então tivemos que desenvolver a metodologia para poder fazer o colostro ficar suscetível à analise automatizada", explica Rafael Braga. A pesquisa precisou da autorização do Ministério da Saúde para o uso dos kits com insumos pertencentes ao Hospital.
Segundo Raphaela Barbosa Gonçalves de Souza, formanda do curso de Medicina, que integra o projeto, o Banco de Leite Humano fornece apenas 55% da demanda requisitada e, ainda assim, crianças de mães vivendo com HIV não estão incluídas entre as destinatárias do material.
Apoio da Unirio
Rafael Braga, Regina Rocco e Raphaela Souza estiveram recentemente no gabinete da Reitoria da Unirio para apresentar os resultados da pesquisa até o momento. O projeto conta com quase 20 pesquisadores, entre médicos, enfermeiras, técnicos, bolsistas e alunos que o apoiam em atividades que vão desde o acolhimento das puérperas, passando pela coleta do material até chegar à análise laboratorial.
Raphaela, que é bolsista de Iniciação Científica, destacou a importância do apoio da Universidade. "Sou aluna cotista, entrei na Unirio sendo aluna de baixa renda, e a bolsa me permitiu continuar. Porque em muitos momentos foi difícil permanecer no curso de Medicina. É importante divulgar como a pesquisa muda a vida das pessoas. Eu faço umas pesquisa falando de mulheres, mas a pesquisa também influenciou na minha vida para eu chegar lá", disse, emocionada, a estudante.
O reitor José da Costa Filho e a vice-reitora Bruna Nascimento perguntaram sobre as carências do projeto e ofereceram todo o apoio possível da Universidade. Além de melhorias em infraestrutura para a pesquisa, os coordenadores pediram apoio no atendimento às gestantes no HUGG.
Segundo Regina, é difícil a realidade das mães que vivem com HIV. Muitas vezes, por receio do preconceito, elas são levadas a esconder seu status sorológico da família e até do parceiro. "Estudos clínicos já indicam que a proibição total do aleitamento por mães que vivem com HIV é ineficaz na prevenção da transmissão e, ao contrário, reforça o estigma e a discriminação contra pessoas vivendo com o vírus. Para as mulheres, que já enfrentam múltiplas camadas de opressão, essa criminalização pode ter consequências ainda mais devastadoras, tanto para a saúde quanto para os direitos reprodutivos", explica a professora.
Existe até hoje, na rede pública de saúde, um protocolo que indica o enfaixamento, após o parto, das mamas das mães que vivem com HIV. Segundo Regina, essa medida não tem nenhum impacto médico, sendo utilizada apenas para dar às mulheres uma justificativa social para esconderem o motivo de não poderem amamentar seus filhos.
Nova perspectiva
A Academia Americana de Pediatria fez, recentemente, uma mudança considerada histórica nas suas diretrizes ao permitir a amamentação por mulheres vivendo com HIV, desde que tenham carga viral indetectável de forma sustentada. Segundo a nova recomendação norte-americana, a chance de transmissão, quando a pessoa faz uso da terapia antirretroviral e apresenta uma taxa viral inferior a 50 cópias por mililitro de sangue, é menor que 1%. Por esse motivo, os especialistas estadunidenses optaram por autorizar mães nessas condições a amamentar.
"A maioria dos estudos que a gente tinha até hoje sobre esse tema só incluíam países de baixa renda, como a Índia e nações africanas. A partir do momento que houve a discussão dos direitos das mulheres em países europeus, começou a ser questionado até que ponto a gente não está falando de segurança e sim de um preconceito em relação a essa transmissão vertical", explica Raphaela. Segundo a estudante, estudos de caso na Alemanha e Bélgica apontaram que as mulheres vivendo com o HIV em uso do TARV, com acompanhamento pós-natal, não transmitiram o vírus para os seus bebês mesmo após 18 meses.
A Organização Mundial da Saúde defende que a mulher tenha o direito da escolha, sempre com o subsídio de informações oferecido por profissionais de Saúde. No Brasil, o Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis, vinculado ao Ministério da Saúde, ainda estabelece que o aleitamento materno é contraindicado nesses casos, como única forma de zerar o risco de transmissão do vírus da mãe para o bebê.
Durante a 25ª Conferência Internacional de Aids (Aids 2024), realizada no último mês de julho, em Munique (Alemanha), as discussões sobre justiça reprodutiva, criminalização do HIV e o direito à amamentação de mulheres vivendo com HIV estiveram em pauta. Especialistas e ativistas destacaram a necessidade de ampliar o debate e desestigmatizar a condição, com o objetivo de garantir que essas mulheres possam exercer plenamente o direito à amamentação de seus filhos.
O principal ponto discutido foi a necessidade de estudos que provem que o conceito conhecido como Indetectável igual a Intransmissível (I=I) também pode ser aplicado à amamentação. Pelo conceito de I=I, sabe-se que indivíduos que seguem a terapia antirretroviral de forma consistente e mantêm uma carga viral indetectável não transmitem HIV por meio de relações sexuais. Contudo, faltam pesquisas sobre os níveis de carga viral necessários para garantir a segurança na amamentação.
Próximas etapas
Com as mudanças de entendimento sobre essa questão acontecendo em várias partes do mundo, o Ministério da Saúde do Brasil entrou em contato com os responsáveis pela pesquisa realizada na Unirio, requisitando uma reunião para mais informações sobre os resultados. Em um encontro on-line, vários técnicos do Ministério, entre médicos e enfermeiros, sabatinaram a equipe do projeto durante cerca de uma hora e meia.
Além de Rafael e Regina, também participaram da sabatina o vice-coordenador do LPM-04, Luis Cláudio Ribeiro, e a médica infectologista do HUGG, Bárbara Motta. "Foi uma reunião muito pesada, apertaram muito a gente e, no final das contas, a resposta foi que irão continuar nos apoiando", disse Rafael.
Segundo o professor, o intuito do Ministério da Saúde é ampliar a pesquisa para um estudo multicêntrico, realizado em conjunto por diversas instituições públicas federais. Para isso, é necessário primeiro finalizar o estudo em andamento na UNIRIO. "Calculamos que, para o resultado ter uma confiabilidade de 95%, a gente precisa de 29 participantes neste projeto", explica Rafael. Este número amostral é calculado com base na média de atendimentos do HUGG durante um ano.
Para atingir esse número, é preciso esperar que mais gestantes vivendo com HIV, que estão atualmente sendo acompanhadas pela equipe do projeto no HUGG, tenham seus filhos e cedam novas amostras de colostro. A expectativa é que o estudo possa ser finalizado até o fim do primeiro semestre do próximo ano.
* Com informações da Coordenadoria de Comunicação Social da Unirio