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RELATOS DE QUEM CUIDA
Ler passou do simples ato de juntar palavras e criar sentido
“Desde que me conheço por gente, tenho apego à leitura. No início com as histórias em quadrinhos, depois os livros da escola, da universidade, e por aí vai. Durante muito tempo foi um exercício solitário, em que cabia a mim visitar e conhecer vários universos.
Uma mudança radical começou quando respondi um e-mail do Projeto Florescer. Como hoje eu não trabalho diretamente com a minha formação profissional, abracei o projeto. Para mim seria uma forma de poder contribuir com o meu conhecimento e também viver algo completamente fora das minhas atividades do dia a dia dentro do HUGG.
Fui com a cara e a coragem, sem conhecer ninguém. Sem saber até se poderia participar ou não. Escolhi a leitura para os pacientes, onde poderia oferecer além do compartilhamento das histórias.
Bendita escolha. A leitura humanizada não é só o ato de ler. É compartilhar tempo, experiências, ouvidos e todo tipo de atenção. Você tem a impressão que vai doar seu tempo, mas na verdade você recebe muito mais em troca. Saber que o tempo que você dedicou às vezes é o único do dia que aquele paciente terá com pessoas para poder conversar, falar e escutar é algo que descobri lendo com cada um desses pacientes.
E cada paciente, apesar das histórias únicas, tem em comum a dificuldade, a distância dos parentes, o “abandono” dos acompanhantes pelos mais diversos motivos. A nossa presença, ainda que por alguns minutos ou horas, tem um efeito decisivo no processo de cura. E também no nosso processo de cura e progressão como ser humano.
Ler passou do simples ato de juntar palavras e criar sentido. Agora é o ato de transformar a vida dos pacientes e também a minha vida. A cada leitura me torno uma pessoa melhor, ajudando cada paciente a também se tornar pessoa melhor. É uma relação em que todo mundo sai ganhando.
Primeira experiência
O meu primeiro ouvinte do projeto de leitura foi um senhor muito simpático. Apesar do meu nervosismo inicial, fui muito bem recebido. O olhar dele era sereno, não parecia que estava acamado. Nessa leitura estabeleceu-se uma conexão emocional muito gratificante. Eu lia, por vezes gaguejava, achava alguma palavra que nunca tinha visto na vida. Às vezes me enrolava com a velocidade com que dava as palavras. E ele sempre lá, atento e sereno. Vez ou outra parávamos a leitura e refletíamos sobre o que estávamos lendo.
Nessas leituras, certo dia esse senhor me pediu para vir no dia seguinte, um feriado. Apesar dos compromissos, separei uma parte do meu dia para passar meia hora na sua companhia e fazer a leitura como ele pediu. Foi ótimo para ambos. O hospital, além de local de trabalho, fazia parte de um espaço afetivo na minha vida.
E então chegou o dia da sua partida, da sua passagem, fui “convocado” por ele para estar nesse momento. Lá, fiz a última leitura para ele com nó na garganta, com as palavras saindo com dificuldade. Ele lá, sereno, fazendo a sua partida. Ao fim da leitura os olhos fechados e a sensação de paz em ambos os lados. O sentimento foi de missão cumprida. E que nosso papel está além do ler.”
Ronaldo Nacaratti, assistente administrativo do HUGG-Unirio