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SAÚDE MENTAL E RISCO CARDIOVASCULAR
Estudo inédito do HUGG-Unirio revela conexão entre depressão e problemas cardíacos em estudantes de Medicina
Nesta matéria você verá que:
Estudantes de Medicina têm uma incidência cinco vezes maior de depressão
Depressão: Uma conexão perigosa com a saúde do coração
A espiritualidade surge como ação protetora
Perspectivas futuras a partir do estudo
Em meio aos corredores do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG-Unirio), filiado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), um grupo de estudantes de Medicina está trazendo novas esperanças para o tratamento antecipado das doenças cardiovasculares, as maiores causas de morte globalmente. Por meio de uma pesquisa pioneira, feita com outros alunos, eles exploram como a disfunção endotelial — um indicador precoce de problemas cardíacos — pode ser influenciada pela depressão, uma condição prevalente entre os futuros profissionais da área. A descoberta foi premiada no final de abril, durante o 41° Congresso de Cardiologia do Rio de Janeiro.
Os pesquisadores investigam, também, como a espiritualidade, frequentemente relegada ao plano pessoal e subjetivo, pode atuar como um importante fator protetor. O estudo não apenas promete avanços na prevenção e tratamento de doenças do coração, mas também oferece caminhos vitais sobre a gestão da saúde mental em uma das profissões mais exigentes e estressantes.
O endotélio é uma camada interna dos vasos que protege nossa saúde cardiovascular, evitando trombose, coagulação excessiva e contrações exageradas dos vasos em situações de estresse. Quando ele apresenta disfunção, perde esses mecanismos, aumentando o risco de formação de placas de gordura nas artérias. Pessoas que tiveram infarto, AVC ou outros eventos cardiovasculares começaram com essa alteração invisível em exames físicos normais, detectável apenas com aparelhos específicos, considerados padrão ouro.
O distúrbio do endotélio, por sua vez, pode ser causado por fatores de risco tradicionais como tabagismo, colesterol alto, obesidade e hipertensão, além de fatores emergentes como ansiedade e depressão. O foco da investigação, então, buscou determinar se a depressão contribuiria diretamente para a disfunção endotelial, aumentando o risco cardiovascular. Como resultado, percebeu-se que o estado depressivo eleva em até 4,5 vezes a chance de ocorrer a disfunção.
"Analisar a disfunção endotelial em uma população jovem e aparentemente saudável nos permite entender melhor como as condições subclínicas podem evoluir para problemas de saúde mais sérios", afirmou o aluno da Escola de Medicina e Cirurgia (EMC) da Unirio, Pedro Bastos de Medeiros, um dos participantes do projeto. A pesquisa indica que estudantes de Medicina, uma população com uma prevalência de depressão de cerca de 27%, oferecem um campo fértil para observar estas correlações, dadas as demandas psicológicas e emocionais únicas impostas. A título de comparação, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência de depressão é em torno de 5% na população geral, demonstrando uma preponderância cinco vezes maior nesses futuros profissionais de Saúde.
Depressão: uma conexão perigosa com a saúde do coração
Segundo o professor adjunto da EMC, com atuação no HUGG, e coordenador da atividade, Julio Tolentino, existem alguns mecanismos pelos quais a depressão pode influenciar a saúde cardiovascular. Primeiramente, a depressão aumenta a inflamação subclínica nos vasos sanguíneos, prejudicando o endotélio. Ao mesmo tempo, eleva os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, que deteriora a função vascular. Além disso, a depressão desregula o sistema nervoso autônomo, favorecendo o sistema nervoso simpático, o que pode resultar em contrações vasculares excessivas. “O novo nessa história é que vimos isso numa população muito jovem. Estudantes com depressão não só sofrem psicologicamente, mas também têm risco aumentado de problemas cardiovasculares silenciosos e invisíveis”, relatou.
Esse fator também foi ressaltado por Isadora Guimarães, aluna do oitavo período e, também, participante do trabalho. Na coleta de dados, ao excluírem pessoas que tomavam medicações para quadros psiquiátricos, foi vista a quantidade de jovens que já estavam em tratamento, revelando um quadro triste. “Lemos o tempo inteiro que depressão mata e é muito séria, mas, geralmente, só pensamos no suicídio. O que estamos fazendo aqui é ampliar essa visão. Precisamos entender que a depressão deve ser levada a sério não só pela questão do suicídio, mas porque ela transforma o corpo em um corpo doente”, destacou, acrescentando que um dos objetivos é entender como esse corpo adoece, para, no futuro, tentar impedir a evolução.
Associado a isso, Julio esclareceu que, apesar das medicações antidepressivas melhorarem os sintomas de depressão, elas não necessariamente aprimoram a função cardiovascular. Entretanto, o médico mencionou que existem fatores protetores contra a disfunção endotelial, um tópico explorado no trabalho do ano anterior (também premiado), como a espiritualidade.
Espiritualidade: uma ação protetora além da Medicina
"Descobrimos que a espiritualidade possui uma ação protetora multifacetada e multidimensional, que beneficia a função endotelial e, consequentemente, diminui o risco cardiovascular," salientou. Este achado sugere uma abordagem holística no tratamento médico, para além dos cuidados convencionais e oferecendo um novo caminho no manejo da saúde dos acadêmicos de Medicina e da população em geral.
Julio também enfatizou a natureza mutável da função endotelial como um fator crítico no tratamento cardiovascular. "A função e a disfunção endotelial são dinâmicas. O desafio surge quando as placas de gordura estão formadas ou quando elas instabilizam, gerando eventos agudos, que exigem intervenções médicas imediatas. Isso representa apenas a ponta do iceberg". Segundo ele, um dos objetivos da pesquisa é atuar na base desse iceberg, identificando fatores de risco e fortalecendo a proteção para prevenir o avanço. "Estamos lidando com um dos maiores problemas de saúde do mundo. A espiritualidade, neste contexto, não é apenas um complemento; ela pode ser um escudo poderoso contra o estresse crônico e a depressão, que são tão prevalentes em ambientes altamente estressantes como o da Medicina," comentou o médico.
A espiritualidade é uma dimensão humana universal, presente em todos, assim como as dimensões física, social e emocional. Independentemente da religião, ela envolve a busca de sentido, propósito e conexão com o eu, os outros, o momento presente e o que é significativo ou sagrado. “Pode envolver religião ou não, pode envolver práticas ao ar livre, música, meditação, tudo que traz para a pessoa um sentido de paz, propósito, uma correlação com algo maior, uma correlação consigo mesma”, explicou Isadora.
Kelen Carolina, graduanda e co-autora, por sua vez, destacou a importância de disseminar o conhecimento sobre espiritualidade no meio acadêmico, afirmando que isso não só beneficia os pacientes, mas também melhora a formação e o bem-estar dos próprios alunos. “Ter uma disciplina na graduação que aborde a espiritualidade pode transformar o profissional e oferecer momentos de reflexão pessoal”.
“Isso vai além de opinião, é ciência comprovada. Fiquei encantado quando comecei a estudar e vi o impacto que a espiritualidade pode gerar. É uma ciência robusta e de baixo custo”, acrescentou Pedro, relatando que intervenções espirituais, além de extremamente baratas, são implementáveis na prática clínica.
Perspectivas futuras
Um dos objetivos futuros a partir do projeto, segundo Pedro, é a possibilidade de criação de protocolos para estimular a espiritualidade e, consequentemente, reduzir os efeitos causados pela depressão, assim como riscos cardíacos. “Estamos estudando protocolos de meditação baseados em gratidão (um dos mediadores da espiritualidade). Pessoas que têm maior gratidão apresentam melhor modulação autonômica cardíaca, o que afeta diretamente o sistema cardiovascular”. Para o discente, um protocolo bem estabelecido poderá ser replicado e integrado aos tratamentos dos pacientes, oferecendo intervenções extremamente baratas.
*Além dos estudantes citados na matéria, fizeram parte da pesquisa Matheus Tinoco e Leticia Flor. Todos compõem os projetos de iniciação científica da Unirio. O responsável pela realização dos exames padrão-ouro foi o médico André Casarsa, que também participou deste estudo.
Sobre a Ebserh
O Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG-Unirio) faz parte da Rede Ebserh desde dezembro de 2015. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Redação: Felipe Monteiro, com edição de Danielle Campos
Coordenadoria de Comunicação Social/Ebserh