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Terapeutas ocupacionais relatam o dia a dia da profissão em ambiente hospitalar
O Dia Mundial da Terapia Ocupacional é comemorado em 27 de outubro. Um dos primeiros contatos do paciente numa unidade de saúde de alta complexidade, o terapeuta ocupacional trabalha a promoção da qualidade de vida por meio de estímulos motores, sensoriais e cognitivos, além de criar adaptações para estimular a autonomia em práticas cotidianas e de autocuidado. Conversamos com profissionais dessa área que atuam no Hospital de Clínicas da UFTM para retratar as atividades que desenvolvem na instituição.
O campo de atendimento de Luisa Arantes Loureiro (37) é um dos mais desafiadores: a pediatria. A T.O. atua no Berçário e no Ambulatório. “Aqui tem uma ruptura da vida cotidiana, e nós tentamos fazer a ressignificação desse dia a dia. Mais especificamente, em situações como se alimentar, posicionamento postural no leito, em momentos de brincar... A vivência social, pois a ruptura destes hábitos é drástica na criança e no idoso, e envolve toda a família”, explica.
Com experiência em ONGs e na iniciativa privada, Luisa salienta a complexidade de uma unidade de saúde do porte do HC-UFTM, que atende pacientes não somente de Uberaba, mas de 27 cidades. Para Luisa, cada caso é individual. Ela enumera que, na prática, o profissional promove diferentes atividades didáticas, verifica o posicionamento da criança no leito, se consegue alimentar-se sozinha, tomar banho sem ajuda e estabelece distintas linguagens de comunicação adaptadas às necessidades dos pequenos.
Paulo Estevão Pereira (49) está há sete anos no HC. É da primeira turma de concursados da Ebserh. Desde agosto de 2021, assiste pacientes da Oncologia na Unidade Dona Aparecida do Pênfigo (parte do complexo hospitalar). Durante cinco anos atendeu pessoas com problemas renais. Atualmente, divide-se entre a Central de Quimioterapia e a enfermaria de Onco-Hematologia, voltada para as doenças do sangue.
“Quando atendia aos pacientes renais, era comum haver tratamentos de longa duração, e os vínculos eram maiores. Tinha um rapaz que na época era bem jovem, com um contexto familiar bastante complicado. Ele precisava atualizar vacinas, passar por outras consultas, e tinha uma desorganização muito grande nessa parte. Uma médica acompanhava, o Serviço Social também. Ele não queria se vacinar de forma nenhuma. Nós conseguimos fazer um vínculo: preparamos um jogo para explicar como funcionava a imunização e ele compreendeu qual era a importância, tomou as vacinas e a gente conseguiu nesse processo cuidar da saúde dele como um todo”, conta Paulo Estevão.
A intervenção além-leito muitas vezes extrapola os momentos do atendimento. No caso citado, Paulo Estevão relata que houve uma atuação “junto com a família ajudando nesses aspectos ocupacionais, de organização de rotina, organização da casa, então foi uma experiência que nos marcou bastante pelo que a gente pode trazer específico da Terapia Ocupacional, de construir a intervenção na saúde de modo integral”. Isso aconteceu há cerca de cinco anos, e o personagem em questão - que tem déficit cognitivo - não perdeu o vínculo com a instituição: aos 23 anos, continua o tratamento, na Unidade de Terapia Renal (UTR).
Termômetro da felicidade
Karen Karoline Silva (41) é lotada no Centro de Reabilitação, um dos anexos ambulatoriais do HC. Por lá passam pessoas que não são necessariamente egressos de internação no hospital, podendo ser encaminhadas pela rede SUS. Os atendimentos são voltados para a avaliação, prescrição, dispensação de órteses, próteses e materiais especiais.
Karen é responsável pelas orientações para o paciente usar o equipamento. Tudo com muito planejamento, levando em conta o histórico, respeitando o que ele elege como mais importante, seja um talher para se alimentar sozinho, ou o controle da TV. “O termômetro da felicidade é o sorriso no rosto. Imagine estar com os movimentos limitados e sair da reabilitação pilotando uma cadeira de rodas motorizada”, propõe.
O equipamento é doação do SUS, e o usuário passa por avaliações e diversos testes cognitivos junto a outros profissionais da área de saúde. “Algumas entregas acabam sendo bem emocionantes, pois [os usuários] precisavam de alguém para se locomover e depois passaram a ter uma independência maior”, Karen destaca.
A brasiliense Ana Paula Vieira Artiaga (32) entrou para o time do HC em junho de 2021, voltando-se para a demanda de adultos e idosos provenientes da Neurologia e da Ortopedia. Muitos deles dependem de ajuda para fazer movimentos mais corriqueiros. “Só quem vive sabe a dimensão da perda. E quem consegue usar [um aparelho/equipamento] sozinho, é gratificante para ele e para nós também”, afirma.
Ana Paula se refere aos materiais que ela e os outros T.O. criam, de acordo com as particularidades da ocorrência e também do material disponível. A inventividade e a proatividade já se tornaram corriqueiras entre eles. “Um paciente com cerca de 20 anos levou um tiro e perdeu o movimento das pernas, mãos e punhos, porém movimentava o cotovelo em direção à boca; ele ficou muito resistente às intervenções. Fiz uma adaptação em material emborrachado para fixar na mão a escova de dentes, de cabelo, o aparelho de barbear... e ele conseguiu fazê-lo sozinho. Depois de tantos meses no hospital a adaptação otimizou o desempenho ocupacional desse paciente. Foi tão legal que coloquei a adaptação e ele já levou à boca; não conseguia verbalizar, mas a expressão mudou. Ele e a mãe agradeceram, levaram para casa”, relembra. A eficiência do aparelho e o resultado puderam ser traduzidos pelo questionamento: “Onde eu compro isso?”
Desafios e confianças
Adentrando o HC-UFTM, Daniela Mendes dos Santos (36), nascida em Uberaba, para no corredores e cumprimenta com afabilidade uma funcionária, com quem troca palavras carinhosas. “É minha tia. Minha mãe também trabalhou aqui”, esclarece. O clima hospitalar já era familiar para a residente de T.O. desde muito pequena. Quando voltava do colégio, era praxe dar uma passada no Hospital, um programa não tão comum para uma criança.
No caso de Daniela, a curiosidade e o bem-estar a acompanham até hoje, só que numa rotina cheia de desafios e descobertas de segunda a sexta, mais um plantão no sábado, uma vez por mês, entre as unidades de Doenças Infecciosas e Parasitárias (Udip), de Terapia Renal, enfermarias de Neurologia e Ortopedia, além do Centro de Reabilitação.
O caminho da uberabense é dividido entre as atividades práticas, o atendimento nas enfermarias e as aulas, direcionadas para a Terapia Ocupacional e também para outras áreas junto com outros residentes. Ela é taxativa quanto à realidade do ensino e do aprofundamento profissional, na qual identifica uma grande diferença entre a prática de trabalho no mercado externo e a experiência na residência, num equipamento de alta complexidade: “Acho muito rico, porque tenho a oportunidade de lidar com pessoas de diferentes classes, com doenças totalmente diferentes. Isso é grandioso, além da oportunidade de eu poder melhorar a qualidade de vida do paciente enquanto ele está aqui. Eu me sinto muito privilegiada”, resume.
Oásis e alívio
“Já houve muitas situações emocionantes. É interessante que, às vezes, o cansaço é superado por esses momentos. Por exemplo, uma paciente da Udip foi internada; ela tem HIV e não estava fazendo tratamento. Começou um quadro depressivo muito grande e estava muito chorosa o tempo todo. Iniciei o atendimento com ela e ela teve um vínculo muito fácil comigo. Consegui descer com ela para o jardim [Área de Convivência no centro do edifício do Hospital] e lá ela foi me falando sobre a família, os traumas... e eu pensei: preciso fazer alguma coisa concreta com ela para ela melhorar a autoestima e ter segurança de que consegue fazer algo. Fui ao armário, levei palito e cola. Fizemos uma caixinha e nisso já vi algum resultado, de tirá-la do estado de choro, pelo menos, e criei um vínculo. Nos outros dias consegui interagir, ela teve uma melhora muito grande e até relatou que o atendimento trouxe essa melhora. Quando ela saiu daqui, pediu para me avisar que havia comprado palitos para fazer [trabalhos manuais] com os filhos”, Daniela rememora.
O cerne da iniciativa de Daniela ultrapassava a criação manual: “não eram os palitos, era o que eles tinham proporcionado. Hoje eu a acompanho no ambulatório e ela teve uma melhora muito grande, apesar dos altos e baixos relacionados ao caso. É tanto contexto difícil aqui no hospital que eu não a reconheceria no ambulatório, se ela não tivesse me chamado pelo nome, pois chegou uma mulher maravilhosa, toda bonitona, lindona...”, arremata.
De janeiro a setembro de 2021, os terapeutas ocupacionais do Hospital de Clínicas da UFTM assistiram mais de 2,4 mil pacientes no complexo hospitalar, realizando desde intervenções a preparações para altas e encaminhamentos. No Centro de Reabilitação, foram 638 atendimentos. Já as órteses, próteses e materiais especiais totalizam 371 entregas, no período.
Unidade de Comunicação HC-UFTM