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CIRURGIA
Pesquisa obtém sucesso no uso de pele de tilápia para reconstrução vaginal
As duas procuraram, então, um médico que, desconfiando que ela seria portadora da Síndrome de Rokitansky, logo a encaminhou para diagnóstico final e tratamento na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (Meac), hospital vinculado à Rede Ebserh e centro de referência regional em cirurgias uroginecológicas. Dois meses depois, Luana estava sendo operada com uma técnica inédita no mundo: o uso da pele de tilápia na construção vaginal.
A estratégia revolucionária recém-descoberta foi idealizada pelo professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Leonardo Bezerra, coordenador da Residência Médica em Obstetrícia e Ginecologia da Meac. Esse procedimento pode mudar a vida de mulheres portadoras da Síndrome de Rokitansky, doença também conhecida como agenesia vaginal. A pesquisa ainda se encontra em caráter clínico-experimental e está sendo executada por equipe multidisciplinar da Meac e do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM).
A condição de agenesia vaginal é rara, com incidência de uma para cada 5 mil mulheres, e provoca alterações no útero e na vagina, tornando o canal vaginal muito curto ou até mesmo ausente. A cada ano, cerca de cinco procedimentos de correção da síndrome têm sido executados somente na Meac, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2017, duas pacientes do Ambulatório de Adolescente obtiveram resultados positivos com a cirurgia minimamente invasiva, realizada na Maternidade-Escola, feita com pele de tilápia na correção do problema.
Leonardo Bezerra explica que o procedimento é possível por conta da quantidade significativa de colágeno contida na pele de tilápia, que a torna tão forte e resistente quanto a pele humana. A cirurgia clássica de reversão da síndrome de Rokitansky, habitualmente utilizada há mais de 20 anos, reconstrói o canal vaginal com uso de extensos enxertos de pele da virilha da própria paciente. Nesse caso, a mulher também precisa passar pela recuperação de uma grande incisão. “Era um processo demorado, doloroso e estigmatizante, deixando cicatrizes e risco de pelos incômodos no tecido vaginal reconstruído”, avalia o médico.
Já com o advento da pele de tilápia, a retirada de pele da paciente é desnecessária, tornando o procedimento cirúrgico mais rápido e menos agressivo. “A cirurgia é realizada abrindo um espaço entre a vagina e o reto e forrando-o com a pele de tilápia. Após o procedimento, é colocando um molde com um formato de vagina, deixando o espaço aberto e impedindo que as paredes da "nova vagina" se juntem novamente. A partir desse procedimento, as células dos tecidos da paciente em contato com as células e fatores de crescimento liberados pela pele de tilápia se transformam, como as células-tronco, formando, assim, um tecido com células iguais à de uma vagina real. Finalmente, ocorre a total incorporação e biocompatibilidade da pele de tilápia”, explica.
Bezerra explica que, após o período de recuperação, a mulher poderá seguir com uma neovagina funcional que proporcionará condições para uma vida sexual saudável, conforme o caso de cada paciente. Há, inclusive, relato de atividade sexual satisfatória das primeiras pacientes. Luana relembra que a recuperação, de 10 dias internada no hospital e de outros com cuidados em casa, foi cercada de carinho e atenção dos pais, da irmã e do namorado, de 21 anos, com quem está há quatro. “Agora é vida nova! Me sinto completa, feliz e agradecida”, comemora Luana, já fazendo planos para o casamento.
O trabalho é acompanhado e desenvolvido com pacientes do Ambulatório de Adolescente da Meac, coordenado pela médica Zenilda Bruno, professora titular de Ginecologia e Obstetrícia da UFC. Toda a parte experimental da pesquisa e o processamento da pele de tilápia é realizada no NPDM, liderado pelo professor da UFC Manoel Odorico.
Outras aplicações
A pele de tilápia também vem sendo utilizada com muito sucesso no tratamento de queimados, realizado no Ceará desde 2015, implantado pelo cirurgião plástico Edmar Maciel, coordenador da pesquisa e presidente do Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ) do Instituto Dr. José Frota (IJF), que já aplica a membrana como um regenerador natural da pele humana.
Sobre a Ebserh
Desde dezembro de 2013, a Meac-UFC faz parte da Rede Ebserh. Estatal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh administra atualmente 39 hospitais universitários federais. O objetivo é, em parceria com as universidades, aperfeiçoar os serviços de atendimento à população, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), e promover o ensino e a pesquisa nas unidades filiadas.
O órgão, criado em dezembro de 2011, também é responsável pela gestão do Rehuf, programa é financiado pelo MEC e pelo Ministério da Saúde e contempla ações nas 50 unidades existentes no país, incluindo as não filiadas à Rede Ebserh
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