Notícias
ESPECIALIZAÇÃO
HU-UFGD tem programa pioneiro de Residência Multiprofissional em Atenção à Saúde Indígena
Residentes do HU-UFGD na aldeia indígena Jaguapiru
O Programa de Residência Multiprofissional em atenção à Saúde Indígena, ofertado desde 2010 pelo Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), é o primeiro e, até o momento, único da modalidade em todo o país. Destinado a profissionais graduados nas áreas de Enfermagem, Psicologia e Nutrição, com duas vagas para cada formação, o Programa visa qualificar a assistência à população indígena em sintonia com as necessidades apontadas pela própria comunidade atendida, respeitando saberes, valores e costumes tradicionais.
O HU-UFGD é, inclusive, o terceiro hospital que mais atende indígenas no Brasil, registrando, de 2019 a meados de 2023, mais de 8,2 mil atendimentos, entre internações, consultas e atendimentos ambulatoriais. De acordo com o superintendente do hospital, médico Hermeto Paschoalick, o Programa de Residência representa uma das principais conexões com a população indígena da região, lembrando que a Política Nacional de Atenção em Saúde da População Indígena dá ênfase especial à territorialidade do cuidado.
“Por sermos o terceiro hospital que mais atende indígenas no Brasil, precisamos manter a ligação com o território, para que o cuidado aconteça de acordo com necessidades identificadas sob a perspectiva da população, o que é intermediado pelo Comitê de Saúde Indígena do hospital e pela Residência. Muitos dos profissionais que hoje atuam no Polo Base e no DSEI [Distrito Sanitário Especial Indígena] são egressos do HU, e ajudam a entender e enfrentar as complexidades da relação entre o cuidado hospitalar e o cuidado tradicional”, relata o superintendente.
População
A Reserva Indígena de Dourados, oficialmente criada há mais de 120 anos, é a maior reserva indígena localizada em área urbana do país, com um total de três mil hectares entre os municípios de Dourados e Itaporã. A Reserva é composta por duas aldeias (Jaguapiru e Bororó) e abriga uma população estimada em quase 20 mil pessoas, das etnias Guarani (Nhandeva e Kaiowá) e Terena. Além da Reserva, há ainda diversas áreas de retomada e acampamentos em terras reivindicadas como território desses povos.
Além de Dourados, o HU-UFGD é referência para mais 32 municípios que compõem a microrregião, onde se localizam várias outras comunidades indígenas. Em setembro de 2022, o HU-UFGD reestruturou o Comitê de Saúde Indígena (CSI), com o intuito de reunir e aprimorar ações, criando ferramentas para que o atendimento aos pacientes indígenas seja realizado de forma acolhedora e humanizada.
“O compromisso é o de atender a população indígena em todas as dimensões das suas necessidades, reforço, identificadas sob sua própria perspectiva. Ainda enfrentamos barreiras culturais e até preconceito, impondo a necessidade de constante monitoramento para a construção de ambientes inclusivos e não violentos. A população indígena em Dourados convive com a violência, dentro e fora do seu território. Entendo que o HU-UFGD/Ebserh tem um importante papel na luta pelos direitos e preservação da saúde dessas pessoas”, afirma o superintendente.
Ensino e assistência qualificada
“O projeto de transformação do HU-UFGD em um hospital de ensino, juntamente com a aprovação de Residências em Saúde pelo Ministério da Educação (MEC), marca um importante passo na integração do ensino, pesquisa e assistência à comunidade. A inclusão de uma ênfase em Saúde Indígena nas Residências é uma resposta direta às necessidades locais e regionais, especialmente considerando a presença significativa da população indígena na região”, comenta a coordenadora e preceptora do Programa de Residência em Atenção à Saúde Indígena, enfermeira Jacqueline Fioramonte.
De acordo com Jacqueline, a abordagem multiprofissional nas Residências em Saúde é fundamental para abordar os complexos desafios enfrentados pelas comunidades indígenas. “A participação ativa dos residentes nos processos de cuidado e sua integração com a equipe de saúde local fortalecem o vínculo entre a comunidade e os serviços de saúde, ao mesmo tempo em que proporcionam uma valiosa oportunidade de aprendizado prático”, completa.
E continua: “É importante reconhecer os avanços alcançados até o momento, especialmente no que diz respeito à formação de profissionais de saúde qualificados e sensíveis às necessidades específicas das populações atendidas. No entanto, é igualmente crucial estar ciente dos desafios contínuos que precisam ser superados, seja na resolução de problemas de saúde específicos enfrentados pelas comunidades indígenas ou na garantia de uma educação e assistência de qualidade para todos”.
Para a preceptora, a iniciativa de incluir a ênfase em Saúde Indígena nos Programas de Residência demonstra o compromisso com a equidade em saúde e a promoção do acesso aos cuidados de saúde para todas as comunidades, independentemente de sua origem étnica ou cultural. “É um exemplo inspirador de como as instituições de ensino e saúde podem trabalhar em colaboração para enfrentar desafios complexos e servir melhor às necessidades da população”, considera.
O superintendente Hermeto fala também de projetos em andamento: “Estamos estudando a possibilidade de criar parcerias para compra e manutenção de equipamentos, além da aquisição de insumos utilizados nas unidades básicas de saúde indígena. Em parceria com o DSEI, estamos melhorando a conectividade das UBSs indígenas, para, motivados pela Política Nacional de Atenção Especializada em Saúde (PNAES) de 2023, implementar a telessaúde nas aldeias. Acreditamos que consultas, interconsultas e o matriciamento virtual possam reduzir filas e melhorar a qualidade do acompanhamento por especialidades e no pós-alta”.
Um relato pessoal
Natural de São Paulo (SP), onde concluiu a graduação, a psicóloga Tamires da Silva Sousa ingressou na Residência em Saúde Indígena do HU-UFGD em março de 2022 e encerrou esse percurso em fevereiro deste ano. Terminada a Residência, voltou a São Paulo para visitar a família, e diz que pretende continuar trabalhando no SUS. Tamires faz um relato da experiência como residente, que vai além da qualificação profissional, falando sobre descobertas, aprendizado e crescimento pessoal:
“Fiquei sabendo da Residência em Atenção à Saúde Indígena (a primeira e, na época, a única do Brasil) quando ainda estava na graduação e me interessei pela possibilidade de outras perspectivas de atuação, como também pela possibilidade do encontro com os povos originários desse território. Na época, não tinha a dimensão do contexto de luta dos povos que por aqui resistem. Tive contato com algumas discussões sobre o que acontecia por aqui em relação à luta pelo direito ao território do povo Kaiowá e Guarani, mas foi apenas quando senti meus pés na terra vermelha de Dourados que pude compreender algumas coisas e ser atravessada por muitos afetos.
Em relação a minha experiência enquanto residente, acredito que foi permeada por muitos desafios. A ideia é que a/o profissional tenha sua formação a partir do SUS e para o SUS, e que durante dois anos tem-se como cenário de prática setores do HU (maternidade, enfermarias adulto e pediátrica e UTIs), unidades de saúde na RID (Reserva Indígena de Dourados), CASAI (Casa de Saúde Indígena) e atendimentos nas áreas de retomada e acampamento com a Equipe Volante (através de articulação e parceria com a SESAI).
É muito interessante quando conseguimos fazer pontes entre os pontos de atenção, como, por exemplo, quando estamos no hospital e é possível realizar articulações entre as equipes, entre os usuários e os familiares no território. Às vezes conhecemos uma pessoa aqui dentro do HU, nesse contexto de hospitalização, e depois a reencontramos no território.
Dentro do hospital, ainda existem muitos desafios para que a assistência aos povos originários seja adequada, que os atendimentos reconheçam e integrem as especificidades de cada pessoa e coletivo. Acredito que a Residência também apresenta algumas fragilidades, como, por exemplo, ainda não ter em seu processo seletivo a adesão de cotas étnico raciais. Acredito que seja necessário avançar em estratégias para ingresso e permanência de profissionais indígenas na Residência.
Para ir fechando a conversa, acredito que esse percurso na Residência foi atravessado por desafios, mas também me possibilitou bons encontros, aprendizagens e afetos que levo comigo por onde for. Espero que a Residência (e quem passar por ela) possa estar mais próxima do território e o território mais próximo da Residência e do hospital também. Que a potencialidade que surge nesses encontros interculturais seja fortalecida. É necessário pensarmos na construção de outras práticas de cuidado, que ampliem o olhar para além dos muros do hospital.”
Rede Ebserh
O Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (HU-UFGD) faz parte da Rede da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Rede Ebserh) desde setembro de 2013. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Ebserh foi criada em 2011 e, atualmente, administra 41 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência. Como hospitais vinculados a universidades federais, essas unidades têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) ao mesmo tempo em que apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas e inovação.
Para ler a versão em espanhol acesse aqui.
Para ler a versão em inglês acesse aqui.