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Janeiro Roxo
Desafios e avanços no combate e prevenção à hanseníase
Francisca, de 44 anos, faz o acompanhamento da doença regularmente no HC-UFG/Ebserh.
Datada desde o ano 2000 a. C., a hanseníase é considerada uma das doenças infectocontagiosas mais antigas da história da humanidade e, ainda assim, persiste sendo motivo de preocupação para a saúde pública no Brasil e no mundo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 28.660 novas ocorrências foram reportadas no Brasil em 2018, o equivalente a 92,6% de casos constatados em todo o continente americano. Por isso, diagnósticos positivos para a doença popularmente conhecida como “lepra” são reportados obrigatoriamente no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
TRANSMISSÃO, SINTOMAS E PREVENÇÃO
A hanseníase é transmitida para indivíduos geneticamente suscetíveis por meio de secreções nasais e gotículas de saliva infectadas pelo bacilo Mycobacterium leprae. Os sintomas são inicialmente sutis, podendo incluir:
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regiões da pele com redução ou nenhum pelo;
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regiões da pele que não apresentam suor;
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sensação de choque e/ou formigamento na pele;
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presença de manchas, nódulos e/ou ulcerações avermelhadas;
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diminuição da força muscular na face, mãos e pés,
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febre, edema e dores nas articulações.
Interromper a cadeia de transmissão da hanseníase é a principal forma de prevenção da doença e isso pode ser feito através do tratamento adequado.
TRATAMENTO
“É importante saber que a hanseníase é curável, que o tratamento é gratuito, disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e deve ser iniciado o mais precocemente possível, a fim de se evitar as sequelas e deformidades responsáveis pelo estigma da doença”, explica Ana Lúcia Maroccolo, médica dermatologista chefe do ambulatório de hanseníase do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (HC-UFG/Ebserh).
O tratamento padrão é feito com a associação de antibióticos e sua duração pode variar de 6 meses a 1 ano. Contudo, é importante ressaltar que a transmissão da bactéria é interrompida logo após a primeira dose. “Após o diagnóstico, todas as pessoas que vivem na mesma casa que o doente devem ser examinadas para saber se também estão doentes e, se não estiverem, existe uma vacina para a prevenção contra as formas mais graves da doença. O importante é que ela tem cura e essa cura só depende de o paciente tomar toda a medicação corretamente e pelo tempo definido pelo médico”, continua.
SEQUELAS
Quando não tratada, a hanseníase se agrava e avança para o comprometimento do sistema nervoso periférico, provocando neuropatias e outras sequelas graves e irreversíveis, como a deformidade física. O estigma associado a essa enfermidade perpassa por valores estéticos mas também pela abordagem médica, que nem sempre foi a mesma.
“Antigamente não havia tratamento e os doentes eram isolados para não transmitirem a outras pessoas, mas atualmente sabe-se que, com o primeiro dia de tratamento, o doente já não transmite mais a doença e, por isso, não há necessidade de isolamento. Felizmente, a maioria das pessoas apresenta uma resistência natural ao bacilo e, mesmo em contato próximo e prolongado com um doente, não adquirem a hanseníase”, conta Ana Lúcia a respeito dos avanços do conhecimento científico.
ASSISTÊNCIA OFERECIDA PELO HC-UFG/EBSERH
O ambulatório de hanseníase do HC-UFG/Ebserh é referência no Estado para o acompanhamento de pacientes com suspeita ou confirmação da enfermidade e suas complicações. São encaminhados pacientes do interior de Goiás, com dificuldade na obtenção de diagnóstico, com reações hansênicas de difícil controle e com suspeita de resistência medicamentosa.
“Além disso, temos uma parceria com o Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da UFG (IPTSP) que desenvolveu testes rápidos para auxiliar em alguns diagnósticos e, principalmente, na avaliação dos contatos intradomiciliares dos pacientes. Também temos um projeto de extensão em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás, que promove treinamento teórico e prático em hanseníase para médicos, enfermeiros e fisioterapeutas”, completa Ana Lúcia.
Francisca das Chagas Soares da Silva, de 44 anos, é moradora da Cidade Ocidental, localizada há quase 200 quilômetros de Goiânia, e faz tratamento no HC desde o ano passado. “Em 2021 apareceram as primeiras manchas na minha perna e quando eu fui no postinho, me passaram uma pomada que não funcionou. Foi quando eu fiz o exame para a hanseníase, que deu positivo”, explicou sobre a sua jornada até o diagnóstico correto.
A vida de Francisca mudaria drasticamente. Ela não poderia trabalhar mais, pois a doença já tinha enfraquecido seus nervos periféricos. “Hoje em dia eu não consigo torcer uma roupa e às vezes os pratos caem enquanto eu estou lavando. Também fiquei com a visão reduzida, não enxergo tão bem. Fiquei com essas sequelas e hoje, aposentada, fico mais em casa”.
Além de todas as dificuldades de encontrar um diagnóstico preciso e conviver com as sequelas, o preconceito surgiu como um novo obstáculo. “Um médico do meu bairro inicialmente se recusou a me atender quando soube do meu diagnóstico de hanseníase. Mas eu fui orientada pelos médicos no HC a falar que desde o primeiro dia de tratamento eu não transmito mais a bactéria. Só então ele me atendeu… Eu precisei fazer tratamento psicológico, foi muito difícil ter que parar de trabalhar e mudar toda a minha rotina por causa da doença. De repente, ela apareceu e eu tive que lidar com as dores físicas, a autoestima abalada e o preconceito das pessoas”.
Atualmente, a paciente frequenta o hospital a cada 2 meses para fazer o acompanhamento do seu tratamento de hanseníase, além de realizar exames neurológicos que auxiliam na melhora da qualidade de vida. “O atendimento no Hospital das Clínicas tem sido maravilhoso, eu me sinto muito confortável”, conclui.
Por Vitória Castro (Estagiária do Jornalismo)